É pergunta recorrente no escritório: mas afinal “Doutora”, vale a pena ou não fazer essa usucapião?!
Assim, visando esclarecer de forma breve e suscinta, o presente artigo trata alguns pontos abordados por pessoas interessadas no tema, seja para estudo como na aplicação de seu caso concreto.
Das vantagens:
Um questionamento recorrente é saber se existe ou não vantagem em promover a regularização imobiliária, adquirindo-se a propriedade através da ação de usucapião, uma vez que se trata de uma ação burocrática, com custos elevados e mesmo que na via extrajudicial, é um procedimento moroso.
Inicialmente, analisemos que esse questionamento se deve ao fato de que muitas pessoas negociam imóvel do qual não detêm a propriedade, mas apenas a posse, através de contratos de compra e venda, muitas vezes bem simples, baseados muito na confiança mutua entre as partes, ou ainda, compram com pagamento parcelado, e após a quitação, não encontram mais os vendedores para a regularização. Há ainda aqueles casos, onde a pessoa passa a exercer a posse de um imóvel, e ao longo do tempo, nele constrói sua moradia ou nele estabelece o seu sustento, agindo como se dono fosse daquele imóvel.
Tais situações nos trazem à memória o velho ditado popular que diz que “quem não registra não é dono”, o que significa dizer que, enquanto você não tiver o registro do imóvel em vosso nome, você não será o proprietário, nem poderá exercer todos os direitos que um proprietário tem.
Não bastasse tal fato, se pensarmos no mercado imobiliário, é certo que um imóvel com a documentação devidamente regularizada, tem mais valor do que aquele que não tem, principalmente porque gera segurança a quem pretende comprar. Suficiente pensarmos em um pequeno imóvel residencial ou comercial numa região urbana em acelerada expansão e verticalização, com a consequente e natural valorização do entorno, e dada a escassez de imóveis com grandes áreas para a implantação de empreendimentos imobiliários urbanos, como ocorre nas regiões metropolitanas, fatalmente as grandes empresas que atuam no segmento iniciarão a busca e a aquisição de pequenos imóveis, tanto faz se residenciais ou comerciais, para que a soma da área permita a viabilização do empreendimento. Nessa oportunidade, os proprietários de imóveis terão superior poder de negociação em comparação aos que possuem somente a posse, pendente de regularização. Em valores monetários os proprietários desses pequenos imóveis podem obter um diferencial de preço superior de, aproximadamente, quarenta a cinquenta por cento em relação aos que detêm somente a posse. Se levarmos esse raciocínio para imóveis de maiores dimensões, sejam urbanos ou rurais vizinhos de zonas de expansão urbana, constataremos facilmente que o valor superior de um imóvel com a documentação regularizada, comparativamente ao imóvel com somente a posse, pode atingir cifra de milhões. O benefício que se verifica ao longo do tempo é muito superior ao custo da regularização, na esmagadora maioria dos casos práticos, ressalvando-se as particularidades de cada pretendente a “colocar em ordem a documentação”.
Importante esclarecer ainda, e em complementação, que, sendo proprietário, com a documentação regularizada, o imóvel poderá ser dado em garantia para financiamentos, negócios, entre outros que se fizerem necessário e, por fim, para não estender muito, temos que, o proprietário exerce livremente a administração sobre o bem.
Um exemplo é nas questões junto à municipalidade, quando é exigida a escritura ou matricula do imóvel em nome de quem vai requerer algo relacionado ao imóvel.
Definição e requisitos
Uma das formas de se adquirir a propriedade de um imóvel é através da usucapião, que basicamente se aplica a quem possuir um imóvel, por determinado tempo, como se dono for, de forma mansa e pacífica, variando-se tais requisitos conforme a modalidade prevista em lei, tais como a Constituição Federal, Código Civil, Lei de Registros Públicos e Provimento 65/CNJ.
É uma forma originária de se adquirir a propriedade o que significa dizer que é “um fato jurídico que permite a aquisição da propriedade sem qualquer ônus ou gravame”[i][1] que venham a recair sobre o imóvel.
Ressalte-se que no tocante aos ônus e gravames incidentes sobre o imóvel, há certa discussão no que tange à aplicação do artigo 21 do provimento 65 do CNJ[ii][2], mas isso é matéria para um estudo mais aprofundado, que podemos desenvolver em outro momento.
As modalidades de usucapião são: extraordinária, ordinária, especial urbana e rural e familiar e, para saber em qual modalidade a situação se enquadra, considerando que a posse deve ser mansa e pacífica, com ânimo de dono e exercida de forma ininterrupta, deverão ser analisados alguns requisitos previstos em lei tais como:
(i) a forma como adquiriu a posse e a documentação que eventualmente possuir;
(ii) o tempo e a continuidade da posse;
(iii) se já possui ou não outros imóveis;
(iv) se houve oposição do proprietário ou de terceiros;
(v) a existência ou não de boa-fé;
(vi)em algumas modalidades avalia-se o tamanho da área e se utiliza ou não para moradia, ente outros que a lei aplicável exigir.
Após análise de tais requisitos e já definindo a modalidade de usucapião cabível, ainda será analisada se a melhor opção é a via judicial ou extrajudicial.
A via judicial é o procedimento comum, através do poder judiciário, seguindo as regras processuais que são regidas principalmente pelo Código de Processo Civil.
A via extrajudicial foi instituída com a atualização do Código de Processo Civil em 2015, através do artigo 1.071, que acrescentou o artigo 216-A à Lei de Registros Públicos. Nas palavras do Professor Elyselton Farias[3]:
“Em suma, ante a inexistência de lide sob imóvel a usucapir, havendo acordo entre o proprietário e possuidor, será plenamente possível utilizar-se da Usucapião Extrajudicial como instrumento de regularização da propriedade.”
Importante destacar que para ter o reconhecimento da usucapião, tanto na esfera judicial quanto extrajudicial, será necessária a contratação de advogado, bem como elaboração de planta e memorial descritivo do imóvel por engenheiro ou topógrafo, além de outros documentos previstos nas leis, aos quais poderão ser livremente acrescentados outros que robusteçam ainda mais a posse, que comprovem o preenchimento dos requisitos já mencionados acima.
É um procedimento moroso, haja vista a necessidade de se intimar os proprietários dominiais, os confrontantes do imóvel – tanto os possuidores quanto proprietários dominiais, eventuais compromissários compradores que constarem do registro imobiliário, além das Fazendas Públicas Municipal, Estadual e Federal, que deverão manifestar interesse ou não no lote, especialmente porque, não cabe usucapião de bem público, além de eventuais perícias e audiência, sendo certo afirmar que tal rigor se faz necessário para evitar prejuízos a terceiros ou mesmo às fazendas públicas.
E nesse ponto, é de se ponderar que, ao advogado não é possível prever o tempo de tramitação de todo o processo, bem como não pode garantir o resultado do procedimento, pois apesar de analisar todos os requisitos previamente, no decorrer do procedimento, podem surgir impugnações das partes intimadas, interesse das fazendas públicas entre outros que podem influenciar o resultado.
Por fim, com relação aos custos envolvidos, há que se ter em mente que irá investir na regularização do imóvel, que passará a ter maior valor de mercado. E para isso, arcará com os seguintes custos, geralmente calculados com base no valor do imóvel:
– honorários advocatícios
– honorários do engenheiro ou topografo
– custas e despesas processuais (judiciais) ou taxas de cartório (extrajudicial)
– eventuais perícias
– eventuais verbas de sucumbência
Conclusão
Esperamos ter elucidado algumas das dúvidas mais frequentes no escritório de direito imobiliário com o presente artigo, o qual podemos resumir dizendo que, a regularização da documentação imobiliária através da usucapião traz vantagens, em especial no que diz respeito à valorização do imóvel, porém restou demonstrado que trata-se de um processo moroso, com muitos requisitos a serem avaliados, tanto na esfera judicial como na extrajudicial, eis que há que se evitar prejuízos a terceiros e entes públicos.
Angelica Giorgia Affonso e Carlos Cassiano……
[1] Fábio Pinheiro Gazzi. https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/aquisicao-derivada-e-aquisicao-originaria-de-propriedade-entenda-a-diferenca
[2] Art. 21. O reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel matriculado não extinguirá eventuais restrições administrativas nem gravames judiciais regularmente inscritos.
(https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf)
[3] Professor Elyselton Farias – Portal Carreira do Advogado – https://carreiradoadvogado.com.br/2020/08/24/usucapiao-extrajudicial-na-pratica/
[i] Fábio Pinheiro Gazzi. https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/aquisicao-derivada-e-aquisicao-originaria-de-propriedade-entenda-a-diferenca
[ii] Art. 21. O reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel matriculado não extinguirá eventuais restrições administrativas nem gravames judiciais regularmente inscritos.
(https://atos.cnj.jus.br/files/provimento/provimento_65_14122017_19032018152531.pdf)
Angelica Giorgia Affonso, OAB/SP n 208996, inscrita na subseção de Guarulhos/SP, formada pela Universidade de Guarulhos, no ano de 1998, atuante desde 2003. Pós Graduada em Processo Civil, pela ESA-Unisul, com habilitação para o Magistério Superior. Atua ainda, como monitora no curso de Usucapião do Portal Carreira do Advogado. |
CO-AUTOR:
CARLOS AUGUSTO CASSIANO: Advogado, Corretor de Imóveis. Ex-diretor junto ao Sindicato dos Corretores de Imóveis de São Paulo-SCIESP, como integrante da Junta de Conciliação da Delegacia Regional-Guarulhos do CRECI e um dia fundadores e presidente da Associação Guarulhense de Administradores e Corretores de Imoveis-AGACI,