DECISÃO: TRT-RJ – 2ª Turma determina rateio no percentual de 70% para a esposa e 30% para a concubina.
Uma mulher que viveu durante 25 anos com ex-militar mesmo sabendo que ele era casado ganhou na Justiça Federal o direito de receber 30% de pensão do INSS, concedida após a morte do companheiro. Comprovação de convivência e prova de dependência econômica garantiram o direito. Ainda de acordo com a decisão da 2a Turma do TRF, a esposa legítima do ex-militar, com quem conviveu por 60 anos e teve quatro filhos e que supostamente só teria tomado conhecimento do adultério após a morte do marido, deverá receber 70% da pensão. De acordo com os comprovantes do INSS anexados aos autos e parecer do Ministério Público Federal – MPF, a totalidade da pensão corresponde a cerca de 32 mil reais. O julgamento ocorrido na 2ª Turma do TRF-2ª Região, assegurando o direito da pensão por morte desde 2002, ano do falecimento do ex-militar, e determinando o rateio entre a viúva e a companheira, ocorreu em resposta a um agravo interno interposto pela esposa do ex-militar e retificou a sentença da 35ª Vara Federal do Rio, que havia determinado ao INSS a divisão da pensão em partes iguais.
No entendimento do relator do caso no TRF, desembargador federal Messod Azulay Neto, a ação trata de uma questão controvertida: o concubinato adulterino: “Este tema deve ser abordado com cautela pois, por um lado, há o risco de adotar-se uma postura rígida, cega às transformações da realidade social; por outro lado, o perigo de se desprezar as normas legais e os princípios constitucionais, no afã de afastar um julgamento supostamente preconceituoso ou retrógrado”, afirmou.
A discussão ainda não está pacificada na Justiça brasileira. O Supremo Tribunal Federal – STF vem discutindo, em um recurso extraordinário, um caso semelhante ao apreciado pelo TRF da 2ª Região, mas o julgamento se encontra suspenso, em razão de um pedido de vista dos autos feito pelo ministro Carlos Brito. A ação teve origem na Bahia, onde o Tribunal de Justiça acolhera pedido formulado em apelação, reconhecendo o direito ao rateio, com a esposa legítima, da pensão por morte de um homem, considerada a estabilidade, publicidade e continuidade da união entre a concubina e o falecido, da qual nasceram nove filhos. O Min. Marco Aurélio, relator, deu provimento ao recurso por entender que, embora não haja imposição da monogamia para ter-se configurada a união estável, no caso, esta não tem a proteção da ordem jurídica constitucional, haja vista que o art. 226 da CF tem como objetivo maior a proteção do casamento.
No processo julgado pelo TRF que tem sede no Rio de Janeiro, A.D.A.P., a concubina, havia ajuizado ação ordinária na 1a Instância quando o INSS suspendeu o pagamento de 50% da referida pensão, concedida em sede administrativa pela autarquia desde fevereiro de 2003, atendendo determinação da Justiça Estadual que, em sentença transitada em julgado, declarou a inexistência de união estável entre A.R. – o ex-militar – e a companheira.
A concubina, então, trouxe aos autos, na Justiça Federal, declarações de vizinhos, da síndica e de amigos do ginásio que o falecido freqüentava, que, em síntese, relataram que o casal participava de almoços juntos, que ele guardava o carro na garagem do prédio, que não viam os filhos e netos do ex-militar visitarem o casal, que a concubina não trabalhava e que comemoraram os 40 anos de convivência em um restaurante, em outubro de 1996, onde o ex-integrante das forças armadas confessou a uma das testemunhas que não eram casados, mas era como se fossem. Ainda para comprovar a relação estável e a dependência econômica, foram anexados ao processo dois bilhetes redigidos pelo ex-militar, onde consta um pedido para que os filhos não abandonem sua companheira, se necessitar de apoio. Foram também juntados extratos bancários do ex-militar com o endereço da concubina, extratos e folhas de cheques de contas-conjuntas em cinco bancos e declaração de imposto de renda onde consta informação sobre ajuda financeira em favor da concubina. Há também nos autos recibos de compra de eletrodomésticos, apólice de seguro de acidentes pessoais, recibos de despesas médicas, comprovante de pagamento de telefone e contrato de locação de bem imóvel, tudo em nome do militar falecido, com o endereço da concubina.
Por outro lado, a esposa legítima, R.C.R., apresentou também vários documentos que comprovam sua plena convivência marital com o ex-militar, até o dia de seu óbito. Foram anexados, para isso, entre outros documentos, certidões de casamento, de óbito, de registro dos filhos, contas de luz, recibo de remoção em ambulância, de despesas do hospital e correspondências do Ministério da Marinha, todos com o endereço da esposa. Além disso, foram anexados ao processo contra-cheque e conta conjunta do casal em um banco, convite de bodas de prata de 1971, convite de bodas de ouro de 1996, além de fotos e depoimentos de testemunhas que relataram que freqüentavam a casa do casal, que estaria sempre junto nas festas, batizados, churrascos e no natal. Os relatos também dão conta de que no fim de semana os amigos se encontravam para jogar baralho na casa do ex-militar e de sua mulher, até de madrugada; e que o falecido era muito atencioso com a esposa, além de ter sido excelente marido, pai, avô e bisavô.
Em seu detalhado voto, o desembargador federal Messod Azulay, relator do caso, explicou que a finalidade do Direito Previdenciário é assistencialista, na medida em que “o objetivo se concentra em garantir uma subsistência ao sujeito, evitando a miserabilidade e a afronta à dignidade humana. A Seguridade Social, que abrange os direitos à saúde, à assistência social e à previdência, sob o enfoque de um sistema de benefícios, em prol dos incapazes e carentes, é um direito social que se sobrepõe ao interesse privado; já a face previdenciária da seguridade depende de uma contraprestação e os beneficiários estão elencados nos dispositivos legais”, ressaltou. Além disso, “a jurisprudência, com a justificativa do caráter social dos fins previdenciários, se inclina pela divisão eqüitativa da pensão de morte entre a esposa legítima e a concubina, ainda que sejam simultâneas as relações. No entanto, – continuou – “ousarei divergir deste entendimento, com fundamento na doutrina, nos valores constitucionais, na legislação pertinente e com o foco nas circunstâncias deste caso concreto”.
No entendimento do desembargador, “em face das robustas e convincentes provas apresentadas, não se pode deixar de constatar que a concubina tinha uma relação contínua e duradoura com A.R. e que este era casado, convivendo com a esposa; fica, então, patente a vida dupla do ex-militar, um forte vínculo com A.D.A.P. e a manutenção do matrimônio com R.C.R.”. No entanto, “a jurisprudência está pacificada no não reconhecimento do concubinato adulterino como união estável. De modo geral, reconhece-se, uma relação simplesmente obrigacional, como sociedade de fato, para evitar o enriquecimento ilícito. Observa-se que, como conseqüência desse posicionamento, há unanimidade, também, em relação à inexistência de direitos relativos ao nome, herança e partilha de bens. Já em relação aos direitos previdenciários, há jurisprudência dos Tribunais Superiores no sentido de conceder pensão à concubina, desde que reconhecidas, em juízo, circunstâncias especiais.”
O relator fez questão de ressaltar em seu voto que, “em um concubinato adulterino, não se configura uma união estável, tampouco se pode considerá-lo uma entidade familiar pois, tanto o artigo 1o da Lei 9.728/96 quanto o artigo 1.723 do Código Civil, conceituam este instituto dentro de uma ótica de ‘objetivar a constituição de uma família’; além disso, não vislumbro, no caso em questão, os requisitos de ostensividade (talvez uma certa publicidade restrita para um pequeno grupo de amigos), nem o objetivo de constituir família, portanto, não há uma entidade familiar, no sentido de inserção social”, explicou. Além disso, – continuou – “não faz sentido o ordenamento jurídico estabelecer a monogamia, a fidelidade, o respeito e a lealdade como deveres dos conviventes e, ao mesmo tempo, prestigiar uma relação onde se descumprem estes mesmos deveres impostos pelo próprio ordenamento, o que implicaria em contradição e inconsistência jurídica. Não se trata de condenar ou punir a concubina adulterina, mas de reconhecer de que esta situação não possui eficácia jurídica”, destacou.
Em suma, o desembargador entendeu que “concedendo às duas partes o direito à pensão e diferenciando a proporção do rateio, com um maior percentual para a esposa, busco a conciliação da forma que considero mais justa, dentro do livre convencimento que se faculta ao magistrado, regulando a liberdade em prol da solidariedade, ou seja, da tutela de toda a sociedade. Portanto, face ao exposto acima, considero que o presente feito é hipótese de reconhecimento de circunstâncias especiais para que se divida, em definitivo, a pensão de morte entre a viúva e a concubina. Além disso, pesando as circunstâncias fáticas e as de direito, concluo, com base na eqüidade, no livre convencimento e no princípio da igualdade material, pelo rateio da pensão no percentual de 70% para R.C.R. e 30% para A.D.A.P”.
Por fim, no que se refere aos valores atrasados, a partir da suspensão do benefício até o seu restabelecimento, o Juízo de 2o Grau determinou o pagamento desses valores à concubina: “No caso, de acautelados, deverão ser pagos pelo próprio INSS, na proporção de 70% para a esposa e 30% para A.D.A.P. e se, já tiverem sido pagos à R.C.R., determino que sejam compensados, devidamente”. Para o relator, “considerando que a pensão de A.R. não é de pequeno valor (cerca de 32 mil reais), e que a justificativa para a construção jurisprudencial no sentido da concessão de benefícios previdenciários, em uma relação adulterina, vedada por nosso ordenamento, é o seu caráter de assistencialismo, que 30% do valor desta pensão seja suficiente para afastar a condição de miserabilidade e para garantir a subsistência da concubina”. Proc.: 2005.51.01.516495-7
FONTE: TRF2, 05 de setembro de 2007.