Um casal teve negado o pedido de alteração do regime de bens do matrimônio. Regidos pela comunhão parcial de bens desde 2008, eles buscavam a alteração para a separação de bens, com o argumento de que esta atenderia melhor a seus interesses. A negativa pela 2ª Vara Cível de Botucatu foi mantida pela 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP.
De acordo com os autos, a mulher é empresária e estaria enfrentando problemas para concluir negociações em razão do regime adotado por ocasião do casamento. O relator do recurso, o desembargador José Aparício Coelho Prado Neto, ressaltou que a alteração do regime de bens é admissível desde que resguardados os direitos de terceiros, como credores e herdeiros.
Desta forma, a mudança depende apenas da vontade dos cônjuges, uma vez que tem reflexo imediato e direto no patrimônio dos requerentes. Contudo, o relator observou as peculiaridades do caso concreto. O voto, que manteve a decisão do juiz de primeiro grau Fábio Fernandes Lima, foi acompanhado com unanimidade pelos desembargadores do TJSP Edson Luiz de Queiroz e César Peixoto.
“Na hipótese dos autos, é de se verificar que a autor é empresário e possui diversas ações judiciais movidas em seu desfavor, perseguindo créditos em valores expressivos, sendo que a alteração do regime de bens dos autores – de comunhão parcial para separação total de bens – poderá acarretar prejuízos aos credores, diante do risco de frustração de futuras execuções, circunstância que inviabiliza o deferimento do pedido”, destacou Neto.
Assegurar interesse de terceiros
Na opinião do juiz Rafael Calmon, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a decisão foi correta e adequada ao ordenamento jurídico brasileiro. “Um dos propósitos pelos quais ainda é exigida autorização judicial para mudança de regime de bens é não prejudicar ou assegurar o interesse de terceiros, que podem ter créditos com aquele casal”, explica.
“Se o casal se uniu sob o regime que amealha bens, ou seja, um regime comunitário, os credores podem ter, em tese, mais garantias diante de um eventual crédito contra esse casal. Se os cônjuges [em regime de comunhão de bens] tiverem dívida, os terceiros terão um patrimônio maior para poder satisfazer o seu crédito”, detalha Rafael Calmon.
O magistrado aponta que o pensamento contrário também é verdadeiro. “Se o casal for unido por regime separatista, ou seja, aqueles que tiram as garantias de terceiros e diminuem o patrimônio do casal, os credores podem ter mais dificuldades na eventual cobrança de dívidas que o casal tenha contraído.”
“Nesse julgado recente, o TJSP percebeu que não haveria só prejuízo potencial a terceiros, mas sim prejuízos concretos, porque já existem ações de cobrança, litispendência, contra o casal. Caso fosse diminuído o patrimônio dos autores da ação, os terceiros teriam prejuízo e não conseguiriam recuperar seus créditos.”
Incoerência legislativa
Segundo Rafael Calmon, os pedidos de alteração de regime de bens são frequentes nas varas de família, que, para ele, servem de termômetro da sociedade brasileira. “No Brasil, entendo que a lei seja incoerente por ainda exigir um procedimento judicial para mudança de regime de bens. A decisão do TJSP foi correta, porque agiu conforme a lei, mas a norma traz essa incoerência.”
A situação fomenta que muitos casais que desejam alterar o regime de bens recorram a atos simulados, como um divórcio para promover a partilha. “Não existe no Brasil uma impossibilidade de se fazer partilha por causa de credores, diferentemente do que ocorre no pedido de mudança dos regimes”, frisa o especialista.
“Esses casais não vão se divorciar realmente, apenas querem alterar o regime de bens, mas, como a lei atual proíbe, exigindo pedido motivado e preservação de interesse de terceiros, as pessoas acabam fingindo um divórcio para alterar o regime. Com o divórcio e a partilha, acaba-se com o regime de bens”, alerta Calmon.
Tendência de desjudicialização
O juiz se integra à vertente que defende que não deveria ser exigido um processo judicial para esses casos. “Quando a pessoa casa, ela não precisa passar pela Justiça. Por muito tempo, diziam assim: por que, para divorciar, precisam da Justiça? A lei foi alterada e hoje é possível divorciar também em cartório, lugar onde se casou”, observa.
“Com o regime de bens, idem. Quando você escolhe o regime de bens, não precisa da Justiça. Por que para alterar precisa, se para extinguir também não precisa? Para extinguir o regime de bens, basta eu me separar e fazer a partilha, o que pode ser feito em cartório – a menos que haja filhos menores de idade”, indaga.
As tendências, segundo Rafael Calmon, são a desjudicialização e a extrajudicialização. Assim, a alteração de regime de bens poderia ser resolvida não só em cartórios, mas também por meio da mediação, por exemplo. Já existem projetos de lei que caminham nesse sentido, de acordo com o especialista.
FONTE: IBDFAM, 14 de outubro de 2021.