JURISPRUDÊNCIA –
O simples atraso não basta para desconstituir a relação contratual entre segurado e seguradora de automóveis. A conclusão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo entendimento é o de que, para que se caracterize atraso (mora) no pagamento de prestações relativas ao prêmio, é necessária a interpelação do segurado.
O proprietário do veículo – um caminhão Scania T112 HW 4×2, ano 1990 – fez um contrato com a Companhia Paulista de Seguros, com pagamento do prêmio em sete vezes, mas deixou de pagar as duas últimas prestações, vencidas em 30 de novembro e 31 de dezembro de 1997. Em 13 de janeiro de 1998, ele sofreu um acidente na altura do Km 676 da BR 70, próximo à cidade de Cáceres (MT). Ocorrido o sinistro, o segurado procurou a seguradora. Diante da recusa em ressarcir os danos, ele entrou na Justiça com ação de cobrança, alegando que pagara mais de 70% do prêmio e não recebera nenhuma comunicação judicial de que o contrato de seguro estivesse cancelado devido à falta de pagamento.
Em primeiro grau, a ação foi julgada procedente, mas a decisão foi revista pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual entendeu que a falta de pagamento de parcelas vencidas acarreta a suspensão da cobertura, que só pode ser restabelecida para prevenir eventos futuros, pelo restante do prazo contratual, se pago o valor em atraso.
O entendimento do TJ é que seria "justo e razoável" que, se pagas algumas parcelas ou apenas uma delas com atraso, a seguradora não possa se eximir de cumprir a obrigação contratual. Nesse caso, contudo, o segurado deixou de pagar as duas últimas prestações sem sequer alegar que isso se deu por algum motivo relevante.
Essa decisão levou o proprietário do veículo a recorrer ao STJ, onde o caso foi distribuído ao ministro Humberto Gomes de Barros. Ao apreciar a questão, o relator ressaltou que a Segunda Seção – que reúne a Terceira e a Quarta Turma, responsáveis pelos julgamentos das questões referentes a Direito Privado, já uniformizou a jurisprudência do STJ sobre o tema. Até então a Quarta Turma julgava que a extinção do contrato por inadimplência devia ser requerida em juízo, enquanto a Terceira entendia não ser devida a indenização decorrente de contrato de seguro durante o período de mora, no qual o seguro existe, mas não opera efeitos. Assim, a indenização só seria devida se o pagamento do prêmio fosse efetuado antes da ocorrência do sinistro.
Decisão da autoria do ministro Aldir Passarinho Junior, atual presidente da Seção, uniformizou o entendimento sobre o tema nas duas Turmas de Direito Privado e chegou a uma posição mais flexível. Para ele, já que a via judicial é extremamente onerosa, obrigar a seguradora a, todas as vezes em que houver atraso em uma parcela do prêmio, ingressar com ação para buscar a extinção do contrato é, na prática, o mesmo que lhe impedir o direito de defesa.
"Na compreensão da seguradora, a suspensão se dá automaticamente. Tenho, entretanto, como necessária, porém suficiente, a interpelação feita ao segurado, advertindo-o sobre a mora e a suspensão dos efeitos do contrato até o pagamento, para impedir procedimento lesivo do contratante, sob pena de se estimular o ilegítimo hábito de não pagar, até a eventualidade do acidente e, então, pedir a cobertura com o concomitante recolhimento da parcela inadimplida", afirmou o ministro Aldir Passarinho Junior à época.
Em suma, o ministro, na ocasião, conclui pela dispensa do ajuizamento da ação judicial pela seguradora, admitindo, no entanto, a suspensão do contrato após a interpelação promovida pela contratada ao segurado, colocando-o em mora.
Como, no caso em análise dessa vez pela Terceira Turma , não ocorreu nem a interpelação do segurado para a constituição em mora nem o ajuizamento da ação para rescindir o contrato de seguro, a sentença foi restabelecida para julgar procedente a ação, ficando a seguradora obrigada a ressarcir os danos sofridos com o acidente. Conforme destacado pelo relator em seu voto, a comunicação sobre o cancelamento do contrato só se efetuou após a solicitação da indenização, quando ocorrido o sinistro.
Assim, o ministro Humberto Gomes de Barros seguiu o entendimento da Segunda Seção, segundo o qual "o mero atraso no pagamento de prestação do prêmio do seguro não importa em desfazimento automático do contrato, para o que se exige, ao menos, a prévia constituição em mora do contratante pela seguradora, mediante interpelação".