Pós-positivismo constitucional

Resumo:

Incumbe ao intérprete do texto constitucional filtrar a moral positiva através do exercício da razão pública, buscando sempre fundamentar suas decisões em argumentos cuja aceitabilidade pelos interlocutores não dependerá de adesão a qualquer credo ou ideologia, capaz de disciplinar a pluralidade com uma justiça pautada no respeito à dignidade da pessoa humana. O pós-positivismo é designação provisória e genérica de ideário difuso no qual se incluem a definição de relações entre valores, princípios e regras, dando azo a chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais.

Percorrer a trilha histórica do constitucionalismo[1] se faz necessário para melhor entender a atual fase do constitucionalismo denominada de neoconstitucionalismo. Há distinções conceituais e  mudança de paradigmas na teoria da norma. O atual momento do constitucionalismo deu azo para o decisionismo judicial.

Notar a intensa irradiação da Constituição Federal sobre todo o ordenamento jurídico é tarefa muito realizada pela doutrina e pela jurisprudência, assim como pelos operadores de Direito.

Parece incrível, mas a evolução história do constitucionalismo começou na Idade Antiga, e os primeiros marcos históricos significativos somente foram observados no século XIII com a Magna Carta do Rio João Sem Terra, em 1215 e a Bula de Ouro dos húngaros[2] em 1222 que são os registros mais antigos do constitucionalismo. Aquelas Cartas não tinham a idêntica significação que atualmente atribuímos às Constituições, pois não chegavam a limitar efetivamente o absolutismo dos monarcas divinizados, mas ainda assim, serviam como tentativas de pacificação entre o príncipe e o povo.

Realmente, aquelas Cartas não chegaram mesmo a limitar concretamente o absolutismo dos reis u monarcas divinizados, mas serviam como tentativas de pacificação entre o príncipe e o povo.

Através do desenvolvimento dos ideais liberais e o aparecimento das primeiras constituições escritas, a dos EUA (1787) e da França (1791) é que se inaugurou, propriamente, o constitucionalismo moderno ou formal.

Lembremos que o positivismo jurídico foi resultante da importação do positivismo filosófico para o mundo do Direito, na pretensão de se criar verazmente uma ciência jurídica, dotada de características análogas às ciências exatas e naturais. Foi a intensa busca de objetividade científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófico que divorciou o direito da moral e dos valores transcendentais.

Direito é norma que é ato emanado do Estado com caráter imperativo e força normativa[3]. A ciência do Direito, assim como todas as demais, deve fundar-se em juízo de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não se calca em juízo de valor. Não será no âmbito do Direito que se deve discutir as questões como legitimidade e justiça.

No âmbito filosófico desse mesmo contexto histórico, a passagem do Estado absolutista para o Estado liberal traduziu que a lei fosse vista como a real expressão superior da razão.

O Direito foi arrebatado pela onda positivista e passou a englobar o sistema jurídico como algo completo, autossuficiente e que as eventuais lacunas seria resolvidas e colmatadas dentro do próprio direito, através de costumes, analogia, equidade, e excepcionalmente, por princípios gerais do direito, sem haver qualquer labor criativo por parte do intérprete.

Na aplicação desse direito puro e idealizado e, o julgador não detinha margem para avaliar a justiça da lei.

Cumpria-lhes, apenas realizar o papel de árbitro imparcial e realizar o processo de interpretação mediante a subsunção do fato à norma. Ao juiz cabe, apenas, dizer as frias palavras da lei.

Compreendem-se tais pensamentos lembramos que os mesmos foram impulsionados pelas ideais de Jean-Jacques Rousseau esculpidas dentro do encaminhamento das ideais da Revolução Francesa e deflagradas como uma grande reação da burguesa contra as prerrogativas e privilégios da nobreza e do clero.

O auge do positivismo jurídico é marcado pela obra-prima clássica Teoria Pura do Direito, de autoria de Hans Kelsen, que, em apertadas linhas, resumiu a teoria filosófica em: a). aproximação quase total entre o Direito e a Moral; b). unidade do ordenamento jurídica e emanação do Estado; c). completude do ordenamento jurídico que contém conceitos e instrumentos suficientes e adequados para solução de qualquer litígio, inexistindo lacunas; d). a validade da norma dependerá apenas da adequação de seu procedimento, independentemente do seu conteúdo; e. para a aplicação da norma cabe ao intérprete apenas realizar a subsunção;

Conforme lecionou Luís Roberto Barroso naquele fetiche da lei e do legalismo acrítico. A deusa Têmis vendada, com balança na mão representa o maior símbolo, sendo musa de muitas gerações: o Direito produz ordem e justiça, com equilíbrio e igualdade. Ou talvez,  não seja bem assim. (In: BARROSO[4], L.R. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma dogmática[5] constitucional transformadora. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004. p.324-325). Já em sentido oposto leciona Suzanna Pozzolo na obra Un constitucionalismo ambíguo. (In: CARBONEL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Trotta, 2003).

Realmente, o positivismo jurídico atendeu e serviu de justificação para os horrores praticados pelos nazifascistas durante a Segunda Guerra Mundial e não resistiu quando ocorreu a vitória dos Aliados que fez desmascará-lo, desnudando a face cruel e desumana. Abriu-se o caminho para a reaproximação do direito e a ética.

Assim, o pós-positivismo que surgiu como sendo nova dogmática constitucional e traduziu na designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição de relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica[6] e a teoria dos direitos fundamentais.

As condições de validade das leis foram alteradas. Passou-se a exigir não apenas o atendimento dos aspectos formais de produção da lei, mas também a coerência de seu conteúdo frente os princípios constitucionais, que passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico.

Foi exatamente dentro desse ambiente filosófico que floresceu o novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo, cujos frutos irradiaram por todo o ordenamento jurídico, os valores abrigados nos princípios e regras constitucionais.

Porém, é relevante registrar que esse novo momento do direito constitucional não importou na superação do constitucionalismo anterior. Em verdade, o constitucionalismo contemporâneo conduz simplesmente a um processo de continuidade que agrega as novas  conquistas que passa a integrar a estrutura do  Estado Constitucional no período posterior à Segunda Guerra Mundial”.

Tal novo constitucionalismo foi entendido na concepção de modelo de Estado Constitucional de Direito[7] e decorre da convergência das tradições constitucionais europeia e norte=americana, o melhor desses dois mundos. Dotado de forte conteúdo normativo (Europa) e garantia jurisdicional(EUA).

No entanto, pontua-se que para o neoconstitucionalismo, a Constituição deve ser transformadora e capaz de condicionar a decisão da maioria, enquanto o constitucionalismo tradicional os direitos fundamentais eram pressupostos da democracia no neoconstitucionalismo, os direitos fundamentais funcionam como limites democracia.

De acordo com a tradição europeia a constituição de direito estabelece projeto político bem articulado e que condiciona as futuras decisões coletivas, o propósito do modelo econômico e das ações estatais na esfera educacional, da saúde, das relações de trabalho e, etc. Enfim, trata-se de texto jurídico supremo, representante da vontade geral encarnando a noção de Rousseau de vontade geral.

Mas, a noção de poder constituinte não se encerra em texto único, mas é assumida pelo Legislativo que teria, em tese, um poder ilimitado. (In: CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2003).

Já a   tradição norte-americana: i) supremacia da Constituição; ii)  “pacto dos mínimos” – autonomia dos indivíduos como  sujeitos privados e como agentes públicos; iii) garantia  jurisdicional – o judiciário é considerado o mais neutro dos  poderes, por se manter a margem do debate político; iv)  limitação do poder político – através do poder constituinte  do povo, em especial quanto ao Poder Legislativo; v)  judicialismo (Sanchis, Luís Prieto. Neoconstitucionalismo y  ponderación judicial. In: Carbonell, Miguel.  Neoconstitucionalismo(s). Madrid: Editorial Trotta, 2003).

No mesmo sentido é o posicionamento de Jorge Reis Novais, na obra intitulada “Direitos fundamentais e justiça constitucional”. Coimbra: Coimbra, 2012; e Luís Roberto Barroso na obra intitulada Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 69.

Em um Estado Democrático de Direito[8] não subsiste a dualidade criada pelo liberalismo, contrapondo Estado e sociedade. O Estado é formado pela sociedade e deve perseguir valores que esta aponta. Já não existe uma linha divisória romântica e irreal separando culpas e virtudes.

Diante desse cenário, surge o protagonismo do Judiciário em substituição do protagonismo do Legislativo, conforme ocorria no constitucionalismo tradicional, resultante do positivismo. Porém, isso não significa a supremacia dos tribunais sobre o Legislativo, mas sim, o equilíbrio entre  estes.

Sanchis criticando Elias Dias  trouxe visão particular quanto ao Direito brasileiro. E, Humberto Ávila defende que não é correto asseverar que o Poder Judiciário deve ponderar sobre o Poder Legislativo ou Executivo. Numa sociedade complexa e plural é o Poder Legislativo, por meio do debate, se pode respeitar e considerar a pluralidade de concepções de mundo e dos valores e, o modo de sua realização (…).

Num ordenamento constitucional que  privilegia a participação democrática e reserva ao Poder  Legislativo a competência para regular, por lei, um sem-número de matérias, não se afigura adequado sustentar se  passou do Poder Legislativo para o Poder Judiciário, nem  que se deve passar ou é necessariamente bom que se passe  de um para o outro” (Avila, Humberto.  Neoconstitucionalismo: entre a ciência do direito e o direito  da ciência. (In: Sarmento, Daniel (Coord.) Filosofia e teoria  constitucional contemporânea. Rio de Janeiro: Editora  Lumen Juris, 2009):

“os juízes da nação não são … mais que a boca que  pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que desta lei  não podem moderar nem a força nem o rigor”  (Montesquieu. Do espírito das leis. São Paulo: Martin  Claret, 2010, p. 172).

De acordo com a notável doutrinadora Margarida Lacombe Camargo a nova hermenêutica surge num contexto de crítica à preponderância do método lógico silogístico como fator principal de legitimação do Direito, conforme defendido pelo silogismo jurídico.

Ao longo da trajetória que acarretou o esgotamento do pensamento positivista, os princípios foram conduzidos ao epicentro do sistema jurídico, superando-se a crença passada de que os mesmos possuíam apenas mera dimensão axiológica.

Dentro do contexto do pós-guerra, as Constituições dos países passaram a incorporar expressivo número de princípios e direitos fundamentais, impondo aos seus Estados tanto o dever de não intervenção na esfera privada, como também o desenvolvimento de políticas pública em razão da efetivação desses ditos direitos.

Daniel Sarmento aponta que nesse quadro, a Constituição foi deixando de ser encarada como mero repositório de conselhos  para os poderes políticos e se convertendo em norma jurídica.

Antes até de explicar à ubiquidade[9] constitucional, é relevante delinear o histórico da implementação dos direitos individuais, civis, políticos e, também, os sociais, para então compreender a necessidade de cada medida e como as teorias constitucionais aventaram a aplicabilidade desses direitos.

É claro que a dimensão subjetiva de direitos do indivíduo frente ao Estado não apareceu de forma vertiginosa. E, mesmo o reconhecimento e afirmação histórica dos direitos fundamentais ao longo do tempo, foi obtendo uma classificação dinâmica, não estática que derivou de doutrinadores como Norberto Bobbio e Paulo Bonavides.

A primeira dimensão de direitos fundamentais surgiu no século XVIII, implementando os direitos individuais tais como os direitos civis e políticos, preponderando a igualdade, legalidade e propriedade.

No século XX, com advento da segunda dimensão de direitos fundamentais, veio o reconhecimento de direitos sociais, também conhecidos como direitos culturais e econômicos, e, no mesmo século, veio a terceira dimensão, atribuindo a tutela de direitos coletivos e difusos, como os direitos ao desenvolvimento, direitos ambientais e a paz.

Cumpre sublinhar que há diferenciação na abordagem de Bonavides em comparação aos demais doutrinadores quanto a quarta dimensão que adveio do século XXI, referindo-se aos direitos da globalização política frente a globalização econômica, democracia, informação, para outra parte da doutrina, seriam os novos direitos em virtude de novas tecnologias como o direito de manipulação genética, biodireito e o cyberdireito.

Bonavides destacou que o direito a paz migrou da terceira dimensão para a quinta dimensão de direitos fundamentais, em contraponto ao seu entendimento pretérito. E, alguns doutrinadores exemplificam como o direito à felicidade, um direito da quinta dimensão.

Porém, a corrente majoritária da doutrina pátria, reconhece somente até a quarta dimensão, o que para a maioria dos doutrinadores, referem-se aos novos direitos, as novas tecnologias, não sendo o entendimento de Paulo Bonavides.

Ad memoriam, o STF, em primo momentum, através do Ministro Celso de Mello, ainda na década de noventa, reconheceu três dimensões, e, inclusive relacionou estas dimensões aos cânones da Revolução Francesa, sendo a primeira dimensão ligada à liberdade, a segunda à igualdade e a terceira dimensão ligada à fraternidade.

No século XXI, o STF reconhece e afirma uma quarta dimensão de direitos, conduzida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que afirmou que tal dimensão se refere aos novos direitos em razão das novas tecnologias. O precedente é a Ação de Inconstitucionalidade 3510[10].

De fato, alguns doutrinadores desenvolveram crítica à teoria geracional, para estes, a ideia de geração seria inadequada, pois, o surgimento de uma geração eliminaria a geração anterior. Trata-se de crítica inadequada, afinal, os adeptos da teoria dimensional-geracional vão afirmar que diferentemente do senso comum, uma nova geração não elimina a geração anterior, tem-se um jogo de sucessiva adição e não de subtração.

Os direitos fundamentais por meio de sua construção histórica, compõem a dimensão subjetiva que determina que os indivíduos sejam dotados de faculdade de impor ações, ou omissões em face do Poder Público, relatando que os direitos fundamentais sejam oponíveis ao Poder Público, resultando nos direitos do indivíduo, frente ao Estado.

A nova dogmática jurídica passou a  difundir o entendimento de que as normas em  geral, em especial as normas constitucionais,  enquadram-se em duas espécies diversas:  princípios e regras, cuja distinção conceitual  estruturou a base da teoria normativo-material dos  direitos fundamentais e um ponto de partida para  a resposta quanto as possibilidades e limites da  racionalidade no âmbito do direito.

Ronald Dworkin capitaneia a doutrina  preocupada com a nova dogmática e estabelece  que tanto as regras quanto os princípios “apontam  para decisões particulares acerca da obrigação  jurídica em circunstâncias específicas, mas  distinguem-se quanto à natureza da orientação  que oferecem”. Assim, sustenta que as regras, se  válidas, são aplicadas ao modo tudo ou nada (all  or nothing), ou seja, sendo válida a regra, a  resposta por ela oferecida deve ser aceita. De  outro viés, sendo inválida, a regra não poderá ser  aproveitada para o resultado da decisão.

A noção de Estado de Direito pode ser sintetizada como um Estado moderno no qual o ordenamento jurídico, não a outros subsistemas funcionais é atribuída tarefa de garantir os direitos individuais, refreando a natural tendência do poder político e expandir-se e a operar de maneira arbitrária.

Nota-se o crescimento da relevância do Poder Judiciário que passa a ser instado a resolver questões polêmicas que envolvem a aplicação de princípios[11] constitucionais colidentes. E, a antiga técnica de subsunção já não se mostra mais suficiente para, por si só, apresentar respostas aos hard cases. Supera-se, então, o pensamento de Montesquieu e, exige-se o esforço no desenvolvimento de nova dogmática jurídica.

A nova dogmática jurídica passou a disseminar o entendimento de que as normas em geral, especialmente, as normas constitucionais enquadram-se em duas espécies diversas, a saber: princípios e regras, cuja distinção conceitual estruturou a base da teoria normativo-material dos direitos fundamentais e um ponto de partida para a resposta quanto aos possíveis limites da racionalidade jurídica.

Dworkin esclarecendo sobre os princípios e sobre as consequências jurídicas decorrentes do preenchimento de condições preestabelecidas pelos princípios não são verificadas automaticamente. Nem mesmo as condições que tornam a aplicação dos princípios como necessárias podem ser estabelecidas previamente.

Ao contrário, os princípios somente anunciam uma razão que conduz o argumento em uma certa direção, porém, necessitam de uma decisão em particular. Os princípios não determinam a decisão, porém, apenas os seus fundamentos, que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de princípios.

Eis o porquê afirma-se que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de peso ou importância, demonstrável na hipótese de colisão. Isto é, quando dois ou mais princípios intercruzam-se, torna-se imperioso avaliar quais destes é o mais relevante para o caso concreto, mas sem que isso implica na perda de validade daquele princípio que deve ceder.

De outro viés, as regras não comportam essa mesma dimensão. Verificado o conflito entre regras, a decisão deverá verificar qual destas é válida e qual destas deve ser abandonada ou reformulada. A propósito, Alexy e Dworkin divergem, quanto ao tipo de direitos englobados pelos princípios. De acordo com Alexy, os princípios podem se referir tanto aos direitos individuais quanto aos direitos coletivos.

A relação dos princípios quanto aos direitos coletivos exige a criação e manutenção de situações que satisfaçam, na maior medida possível diante das possibilidades jurídicas e fáticas, critérios que vão além da validade e da satisfação do direito. Na ótica de Dworkin só existem princípios relacionados aos direitos individuais. Normas que se referem aos direitos coletivos, podem ser consideradas como políticas.

Apesar de as concepções de Ronald Dworkin serem fortemente aceitas por outros doutrinadores, ainda assim, pode-se identificar divergência. Robert Alexy, a propósito, aproveitou em grande parte das considerações quanto a diferenciação entre regras e princípios. Porém, criticou Dworkin por considerá-lo muito simples. Afinal, esse é o ônus pesado de todo aquele que ousar ser o primeiro.

Diverge ainda de Dworkin por entender que não existe somente uma diferença gradual entre regras e princípios, mas uma diferença qualitativa. Segundo Alexy, os princípios exigem que algo seja realizado na maior medida que possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

Estes não contém mandamento definitivo, mas somente prima facie, ou seja, mandamento de otimização. Nesse mesmo sentido, Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. Em sentido contrário, segue a teoria estruturante do direito de Friedrich Muller,(in: Teses acerca de la estrutura de las normas jurídicas. Madrid: CEPC, 1989).

Por outo viés, reconhece-se que as regras exigem que seja feito exatamente aquilo que estas ordenam. Possuem determinação da extensão de seu conteúdo em face das circunstâncias fáticas e jurídicas. Se essa determinação falhar diante das possibilidades jurídicas e fáticas, então, as regras assumem um caráter definitivo.

Alexy afirma que a diferenciação entre regras e princípios também pode ser observada no caso de conflito entre estas. Pode-se afirmar que segundo o doutrinador, no conflito entre regras a solução somente poderá ser alcançada caso se introduza em uma das regras uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se uma das regras for declarada inválida.

No caso de colisão entre princípios, o doutrinador entende que um dos princípios em jogo deverá ceder, sem que implique isso numa declaração de invalidade do outo, tão pouco introduzida uma cláusula de exceção.

Segundo Alexy defende que o que de fato ocorre é que um dos princípios tem precedência em face de outro sob certas condições. E, sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. É o que se denomina de “lei da colisão”.

Uma vez exposto que no ordenamento jurídico, existe princípios e que são satisfeito em graus variados a depender da situação fática e jurídico, o meio para resolver a resolução de conflitos entre os princípios é a proporcionalidade pela lei de colisão. De onde vem a máxima proporcionalidade (denominado de princípio de proporcionalidade).

Existem três máximas da proporcionalidade, a saber: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Alexy citando o Tribunal Constitucional Federal, afirmou que a máxima da proporcionalidade decorre, no fundo, da própria essência dos direitos fundamentais. De sorte que quando um princípio colidir com outra de mesma natureza, faz-se necessário o sopesamento.

Visto que a aplicação de princípios válidos, caso sejam aplicáveis, é obrigatória, e visto que para essa aplicação, nos casos de colisão, é necessário um sopesamento, o caráter principiológico das normas de direito fundamental implica a necessidade de um sopesamento quando elas colidem com princípios antagônicos. Isso significa, por sua vez, que a máxima da proporcionalidade em sentido estrito é dedutível do caráter principiológico das normas de direitos fundamentais. (ALEXY, 2008).

A proporcionalidade em sentido estrito trabalha no campo das possibilidades jurídicas. A necessidade e adequação no das possibilidades fáticas. A proporcionalidade nas palavras de Humberto Ávila é o que estrutura quando princípios se imbricam no qual se deve ter uma relação de causalidade entre um meio e um  fim (ÁVILA, 2018).

Sem os três elementos não há a aplicabilidade da proporcionalidade. “A proporcionalidade aplica-se sempre que houver uma medida concreta destinada a realizar uma finalidade” (ÁVILA, 2018). Há sempre que levar em consideração na análise da proporcionalidade nas três etapas – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – a relação meio/fim.

Na adequação às possibilidades de a medida levar à realização da finalidade. Na necessidade se a medida for menos restritiva aos direitos envolvidos dentre outras para atingir a finalidade. Na proporcionalidade em sentido estrito se a finalidade pública for forte de modo que justifique a restrição. O fim significa “um estado desejado de coisas” (ÁVILA, 2018). Assim, para o exame da proporcionalidade há de se ter o fim que se deseja.

Importante destacar que Humberto Ávila distingue fins internos de fins externos. Os primeiros são aqueles que residem na própria pessoa ou situação objeto de comparação e diferenciação, ou seja, medidas devem ser consideradas pessoas e situações para determinado tratamento. Bem como a culpa com pena, a pena deve corresponder à culpa.

Já os segundos, refere-se aos estabelecidos resultados que não propriedades ou características dos sujeitos atingidos, mas que se constituem em fins atribuídos ao Estado, e que possuem uma dimensão extrajurídica. Tais fins podem ser empiricamente dimensionados, e se distingue a proporcionalidade de outros postulados como justa proporção que por sua vez se distingue de ponderação de valores e da razoabilidade.

Em síntese, de acordo com Robert Alexy, o conflito entre regras ocorre na dimensão da validade, ao passo que a colisão de princípios ocorre na dimensão de peso. Conveniente frisar que o conceito de ponderação pode ser sintetizado como sendo a técnica jurídica de solução de conflitos normativos que envolvem valores ou opções políticas em tensão insuperáveis pelas formas hermenêuticas tradicionais.

Alexy demonstra que a relação de tensão que não se resolve de imediato com a determinação de prevalência de um sobre o outo, mas sim, em função da ponderação entre os princípios colidentes, quando um destes de acordo com o caso concreto, recebe a prevalência sobre o outo e cria uma verdadeira regra. Os princípios possuiriam somente uma dimensão de peso e não determinariam as consequências normativas de forma direta, ao contrário das regras. Assim os princípios são aplicados segundo o modo tudo ou nada.

A despeito das divergências teóricas existentes entre Dworkin e Alexy, suas analises fecundaram nova dogmática jurídica e, o protagonismo dos princípios dentro do ordenamento jurídico não significou mero apego metodológico às novas ideias abstratas. Provocou mudança no modus de pensar o direito e, reconhecer que os valores expressos pelos princípios integram e permeiam todo sistema jurídico ainda que não positivados em texto normativo.

As Constituições que se seguiram no segundo pós-guerra passaram então a prever maior número de princípios do que propriamente de regras. A Constituição brasileira de 1988 embora se enquadre no rol das editadas no pós-guerra, não seguiu essa lógica.

Humberto Ávila adverte que nossa Constituição possui as duas espécies normativas, tanto princípios como regras, mas muito mais regras do que princípios. E, cada qual com função diferente, de sorte que não se pode cogitar em primazia de um sobre o outro, mas apenas de funções e eficácias diferentes e complementares.

Demonstra Ávila que dentro da realidade constitucional pátria, o legislador constituinte decidiu na maior parte dos casos, fazer ponderação pré-legislativa. Isto é, as regras foram incluídas no texto constitucional para resolver conflito, conhecido e antecipável, e funcionando como um bloqueio para o uso das razões decorrentes dos princípios. Portanto, a existência de regra constitucional elimina a ponderação horizontal entre os princípios pela existência de uma solução legislativa prévia destinada a eliminar ou diminuir os conflitos de coordenação, conhecimento, custos e controle do poder.

Há em doutrina o entendimento de que o modelo de princípios, a principiologia possibilite franco déficit de racionalidade, permitindo a perigosa abertura para o decisionismo.

De fato, a distinção entre regras e princípios requereu maiores habilidades dos intérpretes como a tarefa de aplicar aqueles novos valores por meio de uma posição moral em busca de sua autêntica efetividade.

Foi a insuficiência do modelo positivista clássico que gerou a necessidade de maior eficácia de normas de direito fundamento e, daí, provocou o reconhecimento da força normativa das Constituições que deixaram de ser consideradas como mera folha de papel, ou documento burocrático. Afinal, os princípios ali constantes passaram a irradiar para todo o ordenamento jurídico e assumir merecido status de norma jurídica. E, o pluralismo  que antes era meramente formal, dentro do texto constitucional, passa se projetar externamente, para as leis.

Eis que todo esse cenário leva o Poder Judiciário para o centro das atenções na cena (trágica) política. Daniel Sarmento nos ensina que numa leitura clássica do princípio da separação de poderes cedeu espaço para outas visões, onde o ativismo judicial é, doravante, exercido na defesa de valores constitucionais[12].

O ilustre doutrinador enxerga as reticências em nossa cultuar jurídica, concluindo que o grande, porém, não o único intérprete da Constituição seria mesmo o Poder Judiciário. Alerta-nos, ainda, que o neoconstitucionalismo peca por excesso trazendo efeito colateral danoso, afinal, a ditadura da toga pode não ser melhor do que a ditadura da farda. Nenhuma ditadura é boa, não importa a cor, a indumentária ou as razões ideológicas que defenda.

Igualmente Luigi Ferrajoli se preocupa com tamanhos riscos. Pois as leis cada vez mais são redigidas em linguagem obscura, tortuosa e formam labirintos legislativos, ao ponto de levar o Tribunal Constitucional italiano a arquivar o clássico princípio penal da não exclusão de culpabilidade pela ignorância. E, flagra que a racionalidade da lei, contrapôs-se a iuris prudentia. Com a vivaz sabedoria dos julgadores, o vetusto direito comum padece por um legislador mais desordenado e que abre flancos para a discricionariedade dos juízes e a formação jurisprudencial, causando a perda inexorável da certeza, eficiência e garantias.

Entre nós, basta identificar o grosso busilis a respeito do juiz das garantias introduzido pelo Pacote Anticrime[13]. Urge um debate sério sobre o ativismo judicial e a autocontenção jurisprudencial[14]. A abertura das portas para que o magistrado interprete a Constituição de modo a julgar mais adequadamente o caso concreto pode encobrir franco decisionismo crônico da jurisdição constitucional.

Ronald Dworkin já alertou sobre os riscos do ativismo judicial tal como um romance em cadeia que visa sempre trazer nova hermenêutica voltada para garantir maior coerência no Direito e nas decisões judiciais, evitando-se a insegurança jurídica que todo decisionismo propaga.

Conclui-se, infelizmente, que o juiz ao interpretar as normas jurídicas incidentais no caso concreto realiza franca atividade criativa do direito e, que ainda servirá para os casos concretos semelhantes no futuro.

Noutra direção, mas com a mesma finalidade de romper os padrões positivistas tradicionais que propiciaram as atrocidades ocorridas na Segunda Guerra Mundial, Friedrich Muller, doutrinador pós-positivista que desenvolveu a sua teoria estruturante das normas jurídicas, na qual discorreu contra a teoria dos princípios por compreender que o texto constitucional fornece somente o texto da norma, isto é, uma forma prévia da norma jurídica. E, para ser alcançada, necessita passar pelo processo de concretização, aferível conforme cada caso concreto e onde são utilizados todos os recursos hermenêuticos disponíveis.

Essa nova forma de interpretar o Direito na busca de efetividade dos direitos fundamentais faz surgir os argumentos que acusam o Judiciário de carecer de legitimidade democráticas por tratar de questões afetas à vontade da maioria.

Argumenta-se, outrossim, que há o perigo decorrente da subjetividade das decisões judiciais, pois a abertura do texto constitucional permitiria ao julgador interpretasse a Constituição de forma que melhor julgasse adequadamente o caso concreto, podendo até a aparente legitimidade de a decisão judicial encobrir decisionismo crônico da jurisdição constitucional.

No entanto, não é assim. A atuação do Judiciário não ilimitada ou despida de freio. Seu novo papel, fundado na necessidade de aferir efetividade aos direitos fundamentais, vem juntamente com o dever de racionalidade, ou seja, a justificação da tomada de decisão. É nesse sentido a doutrina de Dworkin e Alexy.

De forma didática, Daniel Sarmento resumiu  e apontou a citação de Dworkin e Rawls, in litteris: “(…) cabe ao intérprete filtrar a moral positiva através do exercício da razão pública, buscando fundamentar suas decisões em argumentos cuja aceitabilidade pelos interlocutores não depende da adesão a qualquer credo religioso ou metafísico, ou a qualquer compreensão particular sobre a “vida boa” – ainda quando se trate da compreensão majoritariamente acolhida”.

Tanto Dworkin como Alexy[15] demonstraram tudo isso e, desenvolveram o pensamento dominante que atestam que atualmente os princípios ocupam o centro gravitacional do ordenamento jurídico e, ainda demanda atuação construtiva de seu intérprete que, desse modo, não deve afastá-lo da coerência e eficiência que tanto se espera do ordenamento jurídico.

Há mais de três décadas da atual Constituição brasileira de 1988 deve-se alertar que o uso da razão pública  importa em afastar de dogmas religiosos e ideológicos e cuja validade é aceita pelo grupo de seus seguidores e usar argumentos que sejam reconhecidos como legítimos por todos os grupos sociais. A razão pública consiste na busca de elementos[16] constitucionais essenciais e, em princípios consensuais de justiça, dentro de um ambiente de pluralismo político.

Constata-se não o déficit de racionalidade do Direito, mas apenas a reestruturação do mecanismo para tomada de decisão pelo intérprete. O princípio da proporcionalidade assume fundamental função, pois servirá de parâmetro de verificação da legitimidade da decisão do legislador diante dos ditames constitucionais.

Apenas para fins didáticos, admite-se que o constitucionalismo seja subdividido em três fases distintas, a saber: constitucionalismo antigo, constitucionalismo moderno, clássico ou social e, por fim, o constitucionalismo contemporâneo.

Destaque-se, ainda, que se assenta em três pilares, a saber: a contenção e controle do poder dos governantes, por meio da separação de poderes, a garantia de direitos individuais, concebidos como direitos negativos oponíveis ao Estado e, ainda, a necessidade da legitimação do governo pelo consentimento dos governados por via da democracia representativa.

Enfim, permite-se muitos significados ao constitucionalismo[17], mas que estão todos vinculados a grande evolução do direito constitucional e, se sustenta no princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Portanto, engloba fins garantísticos e inclui juízo de valor.

 

Referências

 

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[1] A origem do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, e da França, em 1791, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais. As Constituições norte-americana, de 1787, e a francesa, de 1791, são os marcos históricos e formais do constitucionalismo moderno. Presentemente o Constitucionalismo revela uma renascida vitalidade após as trágicas experiências do fascismo europeu. Com efeito, os textos constitucionais reclamam uma supremacia para além do formal, que inclui a vinculação de todas as relações jurídicas a seus comandos normativos. Para tanto se reformula o sentido e alcance da lei e se propõem novas possibilidades hermenêuticas. Nesta etapa também há de se destacar a emergência de novos atores no marco da pluralidade da América Latina, associada, e tendo como pano de fundo o contexto próprio de sociedades periféricas, à aspiração de que o Constitucionalismo contribua à solução de problemas históricos de exclusão e negação de direitos.  Tendo em vista a amplitude temática que supõe a abordagem do Constitucionalismo, o tratamento doutrinal adequado sugere escolher caminhos pautados em referências clarificadoras, que permitam visualizar os institutos que dele emergem assim como as épocas de seu desenvolvimento.  Por essa via, no seu marco evolutivo é possível distinguir várias etapas: a dos Antecedentes, a do Constitucionalismo liberal, a do Constitucionalismo social  e a fase atual caracterizada como Novo Constitucionalismo, Constitucionalismo de princípios ou como preferimos, Constitucionalismo contemporâneo. As etapas não são rigorosamente marcadas por datas. A diversidade de circunstâncias e a vastidão das teorizações e fórmulas que incidem nas passagens do Constitucionalismo impedem traçá-las com exatidão. Entretanto, isso não quer dizer que não possam ser pautadas referencias temporais.

[2] Em latim Bulla Aurea ou crisóbula é decreto que foi dado em um selo dourado. Emitidos por monarcas na Europa e no Império Bizantino durante a Idade Média e o Renascimento. A Bula Dourada de 1213 foi emitida pelo Sacro Imperador Romano Frederico II. E, a de 122, pelo Rei André II da Hungria confirmando os direitos de nobreza e, foi-lhe imposta da mesma forma a Magna Carta eo Rei João da Inglaterra. Também promulgou a Bula Dourada de 1224, a Goldenen Freibrief, garantindo certos direitos aos habitantes saxões da Transilvânia. O mesmo termo também se refere à Bula Dourada de 1356, um decreto emitido por uma Dieta (Reichtag) em Nuremberg liderada pelo Sacro Imperador Carlos IV que fixou por um período de mais de quatrocentos anos, um aspecto fulcral da estrutura do Sacro Império Romano-Germânico.

[3] O principal doutrinador Konrad Hesse, em sua obra “A força normativa da Constituição”. Para Hesse, “a Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social”. Hesse, assim, faz uma crítica à concepção sociológica de Lassalle, que diz que a Constituição escrita é mera folha de papel e que, senão corresponde à soma dos fatores reais de poder, ela sucumbe. O que Hesse diz,  com sua teoria, é que Lassalle está errado, pois a Constituição escrita não é uma mera folha de papel, ela pode nem sempre irá sucumbir perante os fatores reais de poder, pois tem capacidade para modificar a realidade, desde que haja “vontade de Constituição”.

[4] A visão pós-positivista também acarreta mudanças na área da interpretação constitucional. Nesse particular, leciona BARROSO: “A interpretação jurídica tradicional  desenvolveu-se sobre duas grandes premissas: (i) quanto ao papel da norma, cabe a ela oferecer, no seu relato abstrato, a solução para os problemas jurídicos;  (ii) quanto ao papel do juiz, cabe a ele identificar, no ordenamento jurídico, a norma aplicável ao problema a ser resolvido, revelando a solução nela contida.  Vale afirmar: a resposta para os problemas está integralmente no sistema jurídico e o intérprete desempenha uma função técnica de conhecimento, de formulação de  juízos de fato. No modelo convencional, as normas são percebidas como regras, enunciados descritivos de condutas a serem seguidas, aplicáveis mediante subsunção. Com o avanço do direito constitucional, as premissas ideológicas sobre as quais se erigiu o sistema de interpretação tradicional deixaram de ser integralmente  satisfatórias. Assim: (i) quanto ao papel da norma, verificou-se que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontra no relato abstrato do texto normativo  Muitas vezes só é possível produzir a resposta constitucionalmente adequada à luz do problema, dos fatos relevantes, analisados topicamente; (ii) quanto ao papel  do juiz, já não lhe caberá apenas uma função de conhecimento, voltado para revelar a solução contida no enunciado normativo. O intérprete torna-se coparticipante do processo de criação do direito, completando o trabalho do legislador, ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis”.

[5] A zetética parte de evidências, e a dogmática de dogmas. Questões zetéticas têm uma função especulativa explícita e são infinitas. Questões dogmáticas têm uma função diretiva explícita e são finitas. Nas primeiras, o problema tematizado é configurado como um ser (que é algo?). A Teoria zetética do Direito pode ser entendida pela oposição à Teoria dogmática do Direito, onde determinados conceitos e fatos são simplesmente aceitos como dogmas. Em oposição, a zetética coloca o questionamento como posição fundamental, o que significa que qualquer paradigma pode ser investigado e indagado.

 

[6] Portanto, as relações entre (a) o privado e o público, (b) entre o individual e o coletivo e (c) entre o primado do direito adquirido ea busca pela concretização de normas programáticas revelaram-se antinômicas -antinomia, aqui entendida como “incompatibilidade entre direitos relativos a um  mesmo objeto” ^ como uma “relação que une duas normas incompatíveis pertencentes a uma mesma ordem jurídica e dotadas do mesmo campo de aplicação ou domínio de validade”. Em face da gravidade da crise econômica do Brasil contemporâneo, responsável pela crescente fragmentação de uma ordem social  e política atravessada diacronicamente pela interpenetração das diferentes esferas decisórias e pela explosão de demandas contraditórias encaminhadas  ao Estado de modo igualmente contraditório por grupos e classes com interesses distintos, conflitantes e excludentes, tal antinomia acabou emergindo de maneira irreversível ao final dos anos oitenta.

[7] O Estado Constitucional tem como sua principal característica é o surgimento da lei como fonte precípua do Direito, inaugurando-se o chamado Estado Legalista ou Legalitário. Poder este legitimado e limitado pela soberania popular e refletido na Constituição. A origem do Estado Constitucional no Brasil data da primeira Constituição, em 1824. Em um Estado Constitucional de Direito, têm-se como exigência fundamental que os casos submetidos a Juízo sejam julgados com base em fatos provados e com aplicação imparcial do direito vigente; e, para que se possa controlar se as coisas caminharam efetivamente dessa forma, é necessário que o juiz exponha qual o juízo lógico que percorreu para chegar à decisão a que chegou.

[8] Dessa forma, o Estado Democrático de Direito é uma forma de Estado em que a soberania popular é fundamental. Além disso, é marcado pela separação dos poderes estatais, a fim de que o legislativo, executivo e judiciário não se desarmonizem e comprometam a soberania popular. O Estado Democrático de direito é definido juridicamente pelo respeito aos direitos humanos fundamentais. É um Estado no qual os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos são garantidos através do direito constitucional. Em um Estado Democrático de Direito, as leis e a justiça são elementos fundamentais. Os países democráticos, sendo republicanos ou parlamentaristas, devem ter as suas leis garantidas por uma Constituição. É dever dos Estados, a partir de seus poderes, garantir a manutenção desses direitos

[9] A ubiquidade se refere à qualidade divina de estar em toda parte. É o fato de estar ou existir concomitantemente em todos os lugares, pessoas, coisas. A ubiquidade constitucional desenvolve abordagem sistemática da nova hermenêutica constitucional consignando a construção dos direitos fundamentais, através de dimensões dos direitos fundamentais, corroborando para a feição contemporâneo do ordenamento jurídico. Consiste no tratamento dado pela Constituição de temas que antes eram disciplinados pela legislação ordinária ou até mesmo ignorados.

[10] CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA) . PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO.

[11] É visível que a ascensão dos princípios ao andar constitucional representou uma espetacular promoção, um fenômeno deveras insólito. De fato,  foram guindados de um sombrio quarto de fonte supletiva ao belo palácio de vetor axiológico do sistema jurídico. Qual José do Egito, os princípios  também foram incrivelmente alçados do poço ao trono. A respeito desse importante personagem bíblico, confira-se: ALMEIDA, João Ferreira de (tradutor).  Bíblia Sagrada. Revista e Corrigida. São Paulo : Sociedade Bíblica do Brasil, 1995, Velho Testamento, Gênesis, capítulos 37 a 50.

[12] A teoria da Constituição Dirigente tem como principal autor J.J. Gomes Canotilho para quem a Constituição dirige, é um mapa para atuação do Estado e de todos seus agentes e órgãos, por meio de programas de ação vinculantes para concretizar determinados objetivos e finalidades que são estipulados pelo constituinte (projeta um ideal para o futuro). Trata-se de típica Constituição do Estado Social, prevendo direitos fundamentais de segunda geração (direitos sociais) e mecanismos de intervenção do Estado na economia e na sociedade.

[13] A Lei 13.964 de 2019 (“Pacote Anticrime”), já nasceu, presumidamente, inconstitucional, por contrariar o decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal  Federal (STF) nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54. Começaremos nossa análise crítica pelo art. 3°-A do CPP, com a redação dada pela Lei n° 13.964/19. Esse dispositivo apenas reafirmou a opção constitucional  pela adoção do sistema acusatório. Todavia, em que pese não se tenha sequer sido suscitada sua inconstitucionalidade, encontra-se com a vigência suspensa,  em razão de decisão cautelar do Ministro Luiz Fux, proferida nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6298, 6299, 6300 e 6305. A importante e necessária figura do juiz de garantias, prevista nos art. 3°B-3°F do CPP, também se encontra com a vigência suspensa por prazo indeterminado, por força da decisão acima referida. O questionamento da constitucionalidade formal do juiz de garantias, sob a alegação de que normas de organização  judiciária devem ser regulamentadas pelo próprio poder judiciário, é falacioso, porque a instauração do juiz de garantias significa tão somente a criação  de uma competência funcional por fase do processo, missão essa de competência da lei processual.

[14] Entre as novidades, a Lei Anticrime elevou de 30 para 40 anos o tempo máximo da pena de reclusão, ampliou o rol de crimes considerados hediondos – foram incluídos delitos como genocídio, roubo com restrição de liberdade da vítima e furto com uso de explosivo – e limitou as hipóteses de progressão de regime e de livramento condicional. Somente duas regras ainda não entraram em vigor. Uma delas é a criação do juiz das garantias, com o acréscimo dos artigos 3ª-A a 3º-F no CPP. A outra é a exigência de realização de audiências de custódia no prazo máximo de 24 horas após a prisão em flagrante, conforme nova redação dada ao artigo 310 do CPP. Ambas as normas estão suspensas por liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, relator das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305. Durante o primeiro ano de vigência da Lei 13.964/2019, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem uniformizando a interpretação de seus dispositivos. Acórdãos sobre o Pacote Anticrime foram divulgados em seis edições do Informativo de Jurisprudência, publicação periódica produzida pela Secretaria de Jurisprudência do tribunal.

[15] De acordo com Ronald Dworkin e Robert Alexy, princípios e regras são espécies diferentes de normas jurídicas. Com efeito, se, de um lado,  as regras são aplicadas no modo do tudo-ou-nada, de outro, os princípios possuem uma dimensão de peso ou importância que as regras não têm. Devemos notar que a teoria de Alexy é posterior à de Dworkin e, por isso, é mais refinada, como uma espécie de desdobramento. Alexy desenvolveu a ideia de princípios como mandados de otimização. Isso significa que deve ser feito o máximo, de acordo com as possibilidades  fáticas e jurídicas, para que um princípio seja implementado. Mas, também por isso, Alexy admitiu que os princípios poderiam ser satisfeitos em graus  diferentes, algo de que Dworkin não cogitou. Ainda nesse sentido, na teoria de Alexy os princípios podem limitar a aplicação das regras. Ou seja, as próprias regras podem ter satisfação parcial em  razão da consideração dos princípios como mandado de otimização. Isso, no controle de constitucionalidade brasileiro, acontece na interpretação conforme  à Constituição e na declaração de nulidade parcial sem redução de texto. Por fim, a teoria de Alexy ainda contempla uma técnica para a solução de conflito entre princípios: a técnica da ponderação, ou o princípio (ou postulado)  da proporcionalidade.

[16] Segundo José Afonso da Silva, os elementos da Constituição podem ser: Elementos Orgânicos: dizem respeito às normas reguladoras da estrutura do Estado e do poder. Ex.: Título da Organização do Estado na CFRB/1988.Elementos Limitativos: são normas que limitam a atuação dos poderes estatais em nome do Estado de Direito. Ex.: direitos políticos que limita a maioria parlamentar. Elementos Socioideológicos: são as normas que revelam o compromisso entre o Estado individualista e o Estado Social. Ex.: Capítulo dos direitos sociais na CFRB/1988.Elementos de Estabilização Constitucional: são normas que visam solucionar conflitos constitucionais, defender a Constituição, defender o Estado, defender as instituições democráticas. Ex.: artigos constitucionais referentes a ADI e ADC.

[17] De acordo com José Roberto Dromi, as Constituições do futuro terão sete valores fundamentais, a saber: verdade (devem não estabelecer promessas inalcançáveis); solidariedade (entre os povos); consenso (as Constituições serão fruto de consenso democrático); continuidade (deverão preservar a identidade de cada Estado); participação (irão consagrar uma participação maior do povo na vida política); integração ( deverão atuar como principal elemento de integração da comunidade); universalização (dos direitos fundamentais).

Gisele Leite
Gisele Leite
Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

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