* Ravênia Márcia de Oliveira Leite
A Polícia Civil, balizada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, possui fim certo e determinado: as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares (art. 144, § 4°, CF/88).
Todavia, a Polícia Civil possui outras atribuições que não estão ligadas àquelas descritas em sede legal ou constitucional; são aquelas que poucos vêm ou conhecem, ligadas ao tratamento humano e social.
Aportam nas Delegacias de Polícia feridas não cicatrizadas; oriundas de crimes graves ou de sérios problemas sociais. Os policiais civis deparam-se com a séria responsabilidade de aplicar a lei, com destreza técnico-científica, mas também de tratar feridas, oriundas de violência doméstica ou sexual, por exemplo, onde muitas vezes vêm-se abraçados às vítimas, num ímpeto das últimas, que buscam refúgio nos escudos policiais, que pedem socorro no momento inquieto pelo qual suas almas passam – adolescentes estupradas, esposas violentadas fisicamente, adolescentes infratores que se perderam dos pais e vivem nas ruas, enfim, uma vastidão de exemplos.
“Sacerdócio (do Latim “sacer” que significa sagrado) é designado para uma associação de pessoas que executam tarefas de determinada religião dentro de um templo. É designado de sacerdote (ou sacerdotisa) quem participa do sacerdócil e este é responsável por proceder os cultos, os ritos, as pregações, ministrar leis e demais tarefas ligadas a crença do templo para o qual se desempenhou.” (grifo nosso)
“A Polícia é a denominação das corporações governamentais incumbidas da aplicação de determinadas leis destinadas a garantir a segurança de uma coletividade, a ordem pública e a prevenção e elucidação de crimes. O termo provém do vocábulo grego ("politeia"), donde derivou para o latim ("politia"), ambos com o mesmo significado: governo de uma cidade, administração, forma de governo. Presente em todos os países, com funções de prevenção e repressão ao crime e manutenção da ordem pública, através do uso legítimo da força se necessário, fazendo respeitar e cumprir as leis.” (grifo noss).
Pergunta-se: policiais ou sacerdotes?! Reponda-se, autorizadamente, pelos conceitos acima apresentados, um pouco de ambos, ministramos e fazemos cumprir a lei e nesse ponto mistura-se o social e o legal.
O policial civil, bem como o sacerdote, detém seríssimas responsabilidades: humanas, sociais e legais. Entretanto, como policial ou sacerdote existem limitações, humanas e técnicas.
No Brasil, por exemplo, para garantir a proteção da aposentadoria, os padres são equiparados aos trabalhadores autônomos (Lei 8.212/91, art. 12, inciso V, alínea c) e alguns padres foram indenizados em direitos trabalhistas; receberam milhares de horas extras trabalhadas, FGTS e INSS atrasados e outros direitos, sendo que, o Presidente da República resiste em assinar tratado com o Vaticano a fim de eliminar os direitos trabalhistas dos padres, já que, nosso Estado é laico, ou seja, o padre é um trabalhador que merece ver seus direitos trabalhistas respeitados.
As instituição policiais, como um todo, sofrem sérias mudanças gerenciais e organizacionais, todavia, ainda são vistas como mero braço armado do Estado, mas, como demonstrou-se, os policiais civis, que caminham entre os cidadãos, não fazem meremante cumprir a lei; muitas vezes a ministram, como verdadeiros sacerdotes.
Ora, hoje a grande maioria dos Delegados de Polícia enfrenta um concurso composto por 7 (sete) fases, como
Enfim, a Polícia Civil traçou e implementa novas metodologias e cria novos policiais civis; mas mudar paradigmas e culturas não é fácil. Não é fácil, interna ou externamente.
Externamente, os Policiais Civis são vistos como pessoas que se vêm à margem da lei ou acima dela; todavia, de forma majoritária, a Instituição busca o cumprimento integral da lei, imbuída de atividades de Polícia Comunitária e modernizando-se gerencialmente.
Internamente, lutamos contra as dificuldades acarretadas pelas mudanças culturais e organizacionais, com treinamento e modernizações gerenciais, como em qualquer empresa.
Mas, enfim, o Policial Civil escolheu e abraçou uma profissão, que ao mesmo tempo nos chama a um sacerdócio. Todavia, o padre também é um profissional, remunerado e detentor de direitos trabalhistas, como qualquer outro profissional. O policial pode tirar sua indumentária? Seu colete? Sua arma? Sua segurança? A segurança de sua família? O policial mantém se alerta, sempre. Não temos outra alternativa.
Mas, como ser humano que é, ao mesmo tempo, precisa de descanso, de lazer, de abrigo, de amparo, de exercer e ver cumpridos seus direitos.
Enfim, trata-se de uma séria dicotomia, como apresentado. A Polícia Civil precisa ser revista e conhecida pela sociedade. Somos mais que policiais que servem a um lema – servir e proteger. Somos sacerdotes. Somos humanos.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Ravênia Márcia de Oliveira Leite: Delegada de Polícia Civil em Minas Gerais. Bacharel em Direito e Administração – Universidade Federal de Uberlândia. Pós graduada em Direito Público – Universidade Potiguar. Pós-graduanda em Direito Penal – Universidade Gama Filho.
E-mail: ravenia@terra.com.br