Pedágio e sua natureza jurídica

* Jomar Luiz Bellini  –

INTRODUÇÃO 

Os governantes brasileiros com os cofres vazios estão concedendo serviços, anteriormente prestados diretamente, à empresas particulares e tendo a sua principal fonte de remuneração a cobrança de tarifas e em se tratando de rodovias através do pedágio. 

A discussão está aberta, pois se o pedágio for uma figura tributária, inviável essa delegação e, portanto a sua cobrança por particulares é ilegal, beirando a inconstitucionalidade. 

Longe de querer encerrar o assunto, este texto tem como única finalidade levantar as questões que entende importante para a solução desse dilema. 

PEDÁGIO, UMA ESPÉCIE TRIBUTÁRIA  

A jurisprudência e doutrina, inicialmente, não consideram o pedágio como uma das espécies tributárias constantes na Constituição, distinguindo-o da taxa. 

Segundo Alfredo Augusto Becker, a regra jurídica que tiver escolhido para base de cálculo do tributo o serviço estatal ou coisa estatal, terá criado uma taxa.[i] 

O pedágio como figura tributária surge de uma maneira pouco convencional na Constituição Federal. Ao estabelecer, no inciso V do artigo 150, que é vedado qualquer limitação ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, fez a ressalva da possibilidade de se cobrar pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. 

Luciano Amaro, diz que a Constituição relaciona o pedágio com uma atuação específica, pois ele tem por fato gerador a utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Continua ele, assinalando que, não é a construção de uma estrada de per si, que embasa a exigência do pedágio; essa obra pode dar lugar à contribuição de melhoria. Já o pedágio é cobrado de quem trafegue pela via pública, e, por isso, frui a utilidade proporcionada pela obra do Estado.[ii] 

Inexiste, a partir daí, qualquer dúvida de sua existência eliminando as discussões doutrinárias sobre ser sua cobrança um “preço público”, pois ao excepcionar a cobrança do pedágio após vedar a cobrança de qualquer tributo o texto lhe atribuiu, sem sombra de dúvida, a natureza jurídica de espécie daqueles. 

Somente para dar maior clarezas ao exposto, transcrevemos o inciso V do artigo 150 da CF. 

“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios… estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.” 

Necessário então identificar em qual das espécies tributárias se enquadra, pois segundo Alfredo Augusto Becker, no plano jurídico, todo e qualquer tributo pertencerá a uma dessas duas categorias: imposto ou taxa.[iii] 

Luciano Amaro classifica os tributos que, por se destinarem a financiar determinadas tarefas, que são divisivelmente referíveis a certo indivíduo ou grupo de indivíduos de modo direito ou indireto (o que traduz motivação financeira, pré-jurídica), têm fatos geradores (já agora no plano jurídico) conexos à própria atividade do Estado.[iv] 

Para ele essa atuação pode traduzir-se: a) na execução de um serviço público; b) exercício do poder de polícia; c) manutenção de via pública utilizada pelo indivíduo e d) na execução de uma obra pública que valorize a propriedade do indivíduo.[v] 

Manter conservado a via pública é preservar, resguardar de dano ou deterioração. Mais do que meros reparos. A conservação supõe a manutenção das vias públicas em estado normal de utilização (pista de rolamento livre de buracos e de outras imperfeições, acostamento, contenção de encostas, sinalização horizontal e vertical etc.).[vi] 

O indivíduo não usa o serviço prestado pelo Estado e sim utiliza a via pública, ou seja, um bem público e paga pelo seu uso. Portanto a hipótese de incidência ou fato gerador do pedágio é a utilização de via pública e não o serviço de manutenção. 

O serviço de manutenção é para o bem público do ente federado e não para o particular e nesse sentido, Alberto Xavier prescreve que, o facto constitutivo das obrigações em que se traduzem (as taxas) consiste ou não na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico a actividade dos particulares.[vii] 

O pedágio nessa ordem de idéia é a prestação pecuniária compulsória que é devida pela utilização de bens de domínio público. 

Se ainda, entendêssemos que existe uma prestação de serviço, o pedágio também seria taxa. 

Para que seja considerada taxa, há um critério jurídico. Esta é a existência ou não da compulsoriedade legal de sua utilização potencial ou concreta do serviço que se traduz pela impossibilidade jurídica do uso de outros meios para satisfazer a mesma necessidade. Na presença da compulsoriedade legal tratar-se-á de taxa; na sua ausência, tratar-se-á de preço público, caso em que sempre estará presente uma relação contratual.[viii] 

Não existe alternativa para o não pagamento do pedágio nas estradas e como fazem parte de um sistema e que nenhuma outra opção restou ao usuário e a compulsoriedade passa a existir e é fato notório que a compulsoriedade dos tributos decorre da potestade tributária. Ao largo da divergência doutrinária e jurisprudencial quando a natureza jurídica do pedágio, certo e que, não havendo rodovias alternativas a disposição dos usuários, configura-se como taxa, espécie tributária que deve submeter-se ao princípio da legalidade.[ix] 

O pedágio sendo, pois, taxa (decorrente da utilização de via pública), deve o atender, entre outros, aos princípios e requisitos, existentes na constituição e na lei complementar (Código Tributário Nacional), tais como o da legalidade, anterioridade, indelegabilidade da competência tributária, limitação de sua cobrança ao valor despendido com a manutenção, impossibilidade dos recursos serem utilizados em outra destinação, impossibilidade de ser cobrada pessoas que sejam de direito público interno, vedada a participação de particulares.

É flagrantemente inconstitucional a privatização do pedágio, como tal considerada a delegação ou concessão de sua cobrança a particulares, em nome destes e em especial computando para o seu valor os custos de investimento, como duplicações e outras obras.

Para essas obras caberia a cobrança por parte da Administração Pública, de contribuição de melhoria nos moldes traçado pelo artigo parágrafo 5º do artigo 12 do Decreto-Lei 195, de 24 de fevereiro de 1967.

O que pode ser privatizado ou terceirizado, é tão e somente o serviço de manutenção e de conservação da via pública, condição para gerar o pedágio. Impossível privatizar o pedágio propriamente dito, qual seja, o direito de cobrá-lo para si, como credor, ainda que com o nome (hoje impróprio) de preço público.

O credor (sujeito ativo) do pedágio somente pode ser o Poder Público, podendo após arrecadá-lo, repassá-lo a terceiros, não como pedágio, mas como pagamento do preço ajustado pelos serviços de manutenção e de conservação da via pública respectiva, segundo o contrato firmado em decorrência de prévia licitação.

Portanto, deverá o valor do pedágio ingressar, como receita, nos cofres públicos do titular da via pública correspondente, antes de seu repasse a terceiros como despesa. Assim se exige porque trata-se de tributo, na sua espécie taxa.

Com isso se evitaria a cobrança abusiva que se verifica nas estradas concedidas, até mesmo porque não se concede somente o serviço e sim as obras necessárias na via pública.

Dúvida inexiste, mesmo que para alguns o pedágio ainda seja preço público, com a edição da Constituição de 1988, pois trata-se de tributo, na espécie taxa e como tal deve ser tratado.

Não menos importante é a arguta observação de Leandro Paulsen, onde ele se preocupa com a cobrança do pedágio, que poderia vir a efetivamente limitar o direito de ir e vir, além de remeter o leitor ao artigo 175, inciso III, da Constituição Federal.

Diz ele que, considerando que a referência ao pedágio constitui exceção em norma que estabelece limitações ao poder de tributar, parece que a Constituição realmente considera o pedágio como tributo. E, dentre as espécies de tributo, enquadra-se como taxa. (…) Aliás, é importante que se sujeite às normas tributárias, particularmente às limitações do poder de tributar, uma vez que o pedágio, se excessivo, pode efetivamente implicar limitação ao tráfego de pessoas, cerceando a liberdade de ir e vir dos indivíduos.[x] 

Se o constituinte quisesse dar ao pedágio o caráter de preço público ou de tarifa, não teria inscrito no Título VI, Capitulo I, Seção II da Constituição, que trata do Sistema Tributário Nacional e das Limitações do Poder de Tributar e sim no Título VII, Capitulo I, dos Princípios Gerais da Atividade Econômica.

CONCLUSÃO

Em conclusão, temos, pois, que é juridicamente inviável a delegação a particulares, pelo Poder Público, da cobrança do pedágio, pelos seguintes motivos: 

a) A natureza jurídica tributária é de taxa, em decorrência da utilização da coisa estatal – via pública mantida pelo Poder Público; 

b) poderá privatizar, conceder ou terceirizar a prestação de serviços de manutenção, mas mediante o pagamento de um valor, previamente acertado em licitação. 

c) no valor do pedágio cobrado está embutido o investimento em adaptações e construções necessárias o que é fato gerador de contribuição de melhoria; 

d) o constituinte optou por dar ao pedágio as características de tributo colocando-o no capitulo destinado ao Sistema Tributário Nacional e não de preço público, pois se assim quisesse o teria criado no capitulo dos Princípios Gerais da Atividade Econômica; 

e) a cobrança somente ser feito pelo titular do domínio, ou seja, União, Estado, Distrito Federal ou Município, da via pública que gerar (CF, artigo 150, inciso V, e CTN, artigo 77); 

f) somente pode ser aplicado na manutenção e reparação da via pública que o gerar, sendo vedada a sua utilização para outra finalidade, como por exemplo, construção ou duplicação de vias públicas (CF, artigo 150, inciso V, e CTN, artigo 77); 

g) é intransferível a capacidade ativa tributária para particulares e a instituição do pedágio deverá ser feita pela pessoa jurídica de direito interno (CTN, artigo 7º c.c. 8º); 

h) não pode ser cobrado no mesmo ano de sua instituição ou aumento, devendo atender o princípio da anterioridade (CF, artigo 150, inciso III, letra “b”).

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[i] Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed., São Paulo, Lejus, 1998, p. 380.

[ii] Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed. São Paulo, Saraiva, 1999, p. 49.

[iii] Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed., São Paulo, Lejus, 1998, p. 381.

[iv] Ob. cit., p. 81.

[v] Ob. cit., p. 81.

[vi] Ob. cit., p. 49.

[vii] Manual de direito Fiscal. Lisboa, 1981. V. 1.

[viii] Tese preparada para o X Simpósio Nacional de Direito Tributário, sobre o tema Taxa –Preço Publico, que entre outros participantes participaram Hugo de Brito Machado, José Eduardo Soares de Melo, “apud”, Aurélio Pintanga Seixas Filho. Taxa. Doutrina, Prática e Jurisprudência, Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 19, nota de rodapé.

[ix] TJRS – AC 598355485 – RS – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Arno Werlang – J. 09.06.1999.

[x] Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, p. 96.

           


Referência  Biográfica

Jomar Luiz Bellini:   Professor de Direito Processual Civil, Teoria Geral do Processo, na Universidade de Sorocaba e Faculdade de Direito de Itapetininga. Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP. Especialista em Comércio Exterior pela FECAP-SP Mestre em Direito político e Econômico pela Universidade Mackenzie–SP e Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP

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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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