* Neri Tadeu Camara Souza
Em todo o Brasil aumentam as situações em que os pacientes, nos mais diversos ramos do atendimento em saúde, sentindo-se prejudicados, por ocasião de um tratamento, buscam a via judicial para ressarcirem-se de um dano que julgam ter sofrido. Isto acontece também na Odontologia sendo o cirurgião-dentista alvo de processos judiciais, no terreno da responsabilidade civil, para que indenize o paciente de uma lesão, patrimonial ou extra-patrimonial, da qual ele julga ser vítima em virtude de um tratamento odontológico. Cabe pois uma análise, que busca ser sistemática, do enfoque que é dado, em nosso ordenamento jurídico, ao ser avaliada, por nossos tribunais, a situação do cirurgião-dentista frente à necessidade de ressarcir, ou não, um paciente de eventual dano que tenha sofrido em conseqüência da sua atuação profissional.
Para se responsabilizar juridicamente um cirurgião-dentista por um fato danoso a um paciente, deve-se concluir pela presença dos três elementos caracterizadores da responsabilidade civil, a saber: conduta (culposa), dano e nexo de causalidade, acrescidos de um quarto pressuposto, obviamente, o ato lesante. Não há como se atribuir o evento danoso à conduta do cirurgião-dentista se em instante algum este agiu com imprudência, imperícia ou negligência ao atender o paciente, realizando corretamente os procedimentos os quais se propunha executar. Não se configura, portanto, nestes casos, um dever de reparar prejuízos, por parte do profissional, tanto na esfera patrimonial, como moral.
Ao paciente de atendimento odontológico cabe o ônus de comprovar que o cirurgião-dentista, pelo seu proceder ou pela técnica empregada, deu azo aos danos sofridos, pois a odontologia é uma atividade que, na sua relação contratual de prestação de serviços odontológicos aos pacientes, tem, como regra geral, por objeto destes contratos obrigações de meios e não de resultado. Ausente, pois, esta prova não há como se responsabilizar civilmente o profissional desta área, se este, inclusive, conseguir demonstrar, em juízo, que agiu de acordo com os procedimentos técnicos recomendados para o caso. Não se demonstrando que um dano ocorrido com o paciente tenha decorrido da falta de diligência – ausência da prova de culpa – no trato com o paciente, não há porque se responsabilizar, nos tribunais, o cirurgião-dentista pela lesão porventura sofrida pelo mesmo. Trazemos da escola norte-americana, tradicional e experiente no tema, o conceito de culpa, segundo Charles Wendell Carnahan: “The concept of fault is keyed to a breach of duty owed to the injured party” (THE DENTIST AND LAW. Saint Louis: The C. V. Mosby Company, 1955, p.55), em tradução do autor: ”O conceito de culpa é entendido como uma violação de um direito pertencente ao lesado”. Complementamos com o conceito de culpa de René Savatier, mestre da responsabilidade civil mundial, que nos ensina: “La faute est l’inexécution d’um devoir que l’agent pouvait connaitre et observer” (TRAITÉ DE
Também a ausência de nexo causal entre o ato deste e o dano ao paciente exime de ser responsabilizado este profissional da odontologia. Se faz, sempre, imperiosa a demonstração do nexo causal entre a ação ou omissão e o dano suportado pela vítima. Se inexistir nexo causal – relação de causa e efeito – entre os alegados danos sofridos e a conduta imputada ao cirurgião-dentista queda improvado que a ação do profissional foi a responsável pelo prejuízo experimentado pelo paciente, eximindo-se assim, este profissional, em juízo, da responsabilidade de ressarcir o prejuízo. O que é ilustrado pelo escólio de Antonio Lindbergh C. Montenegro: “Nexo causal é a relação de causa e efeito entre a ação, ou omissão, e o dano.
Se inexiste tal relação o ato ilícito não gera responsabilidade, vale dizer, obrigação de indenizar” (RESPONSABILIDADE CIVIL. 2.ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1996, p.22).
Havendo culpa no agir do cirurgião-dentista este pode vir a ser responsabilizado, judicialmente, pelos danos sofridos por um paciente. Estes danos podem ser tanto materiais como morais. O dano material será afastado frente à ausência de demonstração, nos autos, através de documentação idônea, da existência do mesmo. Os danos materiais necessitam da comprovação, pois ditos danos não se sujeitam a presunções nem se caracterizam por mera hipótese, pois resultam da efetiva lesão aos bens ou interesses patrimoniais. O dano moral, por sua vez pode, até, ficar caracterizado, tão só pela presença de um dano estético ou pela existência de um abalo psicológico sofrido.
Relativamente a seus clientes, a obrigação do cirurgião-dentista não é, porém, sempre de meios, como ocorre em certas especialidades odontológicas. Exemplifique-se, como sendo especialidade cujo objeto contratual é uma obrigação de meios, com o atendimento profissional em Endodontia pois nos casos de tratamento endodôntico a obrigação do odontólogo é de meios, já que o serviço prestado pelo cirurgião-dentista não é vinculado especificamente ao resultado, e sim ao emprego de todos os elementos disponíveis indicados tecnicamente para alcançar a cura. A culpa do profissional surge da inobservância dos cuidados necessários, ou seja, na sua conduta – no seu agir profissional, a teor do prescrito no artigo nº951 (“O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização, devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho”) do Código Civil brasileiro e no artigo nº186 (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”) do mesmo Código. Mas, determinadas especialidades da prática odontológica se caracterizam por ter como objeto da relação contratual com o paciente uma obrigação de resultado. Pode-se, ademais, admitir, com prévia análise das circunstâncias do caso concreto, que os contratos de prestação de serviços odontológicos contêm, implícita, uma cláusula de incolumidade do paciente, consubstanciada no dever de cumprimento do tratamento necessário – adequado – sem causar o agravamento da situação ostentada pelo cliente.
Portanto, o contrato de prestação de serviços odontológicos constitui-se numa obrigação de meios, ou, em certas ocasiões da atividade profissional odontológica, dependendo do caso, de resultado. E, porque estamos tratando de um contrato, também porque em sede de uma relação de consumo, se deve transcrever o que nos ensina Oscar Ivan Prux: “O contrato e todo o conteúdo da manifestação de vontade que lhe é pertinente, encontram seus limites mais próximos na lei, mas devem respeitar também os demais princípios que integram o direito como um todo, de modo a apresentarem-se como instrumentos aptos a seus fins ideais” (RESPONSABILIDADE CIVIL DO PROFISSIONAL LIBERAL NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Belo Horizonte: Del Rey, 1997, p.136). E, da lei, ou seja, do ordenamento jurídico transcrevemos de nosso Código Civil, até por ir ao encontro do que diz Oscar Prux, o artigo nº422, verbis: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. E, nada mais adequado que estabelecer legalmente a necessidade da presença da boa-fé na vontade – no atuar – dos contratantes pois esta visa proteger as expectativas legítimas, dos mesmos, no contrato. Por esclarecedor, adicionamos o ensinamento sobre o aspecto contratual da relação do cirurgião-dentista com o paciente, de Ida T. P. Calvielli: “Assim a obrigação contratual do cirurgião-dentista compreende, fundamentalmente, a realização do serviço convencionado (e que consiste no seu plano de tratamento) que poderá ser considerada cumprida, em determinados casos, se o profissional agiu com zelo e diligência (obrigação de meio). Em outros somente o resultado desobrigará o profissional” (Responsabilidade Profissional do Cirurgião Dentista, in: COMPÊNDIO DE ODONTOLOGIA LEGAL. Moacyr da Silva (Coordenador), Rio de Janeiro: Editora MEDSI, 1997, p.402-03). E, enfatizamos o que diz ainda Ida Calivielli: “A obrigação contratual do cirurgião-dentista, portanto, compreende o dever de executar o serviço convencionado obedecendo à adequação técnica e científica” (op.cit., p.404). Mas certo é que demonstrado que os sofrimentos físicos e morais padecidos por um paciente após tratamento odontológico a que for submetido decorreram de imperícia, negligência ou imprudência do profissional, ficará caracterizado o dever deste de indenizar o mal causado, eis que presente o elemento integrador da responsabilidade civil, a culpa, no seu agir. Fica, com a presença da culpa, patente o inadimplemento contratual do cirurgião-dentista em sua obrigação de meios, para com o paciente, cujo objeto jurídico caracteriza-se pelo correto proceder no atendimento a este, ou seja, atuar com diligência, perícia e prudência, dentro dos conhecimentos atualizados da profissão odontológica indicados para aquele local e momento.
Se caracteriza, também, este contrato, entre o cirurgião-dentista e o seu paciente, por ser uma relação de consumo a que se estabelece entre ambos. Mas, mesmo sendo uma relação de consumo, a responsabilidade deste profissional, no exercício de sua atividade, é uma responsabilidade subjetiva (Teoria da Culpa). E, em termos de responsabilidade civil, frise-se aqui os quatro elementos, pressupostos da responsabilidade subjetiva, com o ensinamento de Rogério Marrone de Castro Sampaio: “Quatro são, portanto, os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva ou clássica:
1. Ação ou omissão (comportamento humano).
2. Culpa ou dolo do agente.
3. Relação de causalidade.
4. Dano experimentado pela vítima” (DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil – Série Fundamentos Jurídicos. São Paulo: Editora Atlas, 2000, p.29). Em sede de relação de consumo, portanto sob a égide do CDC – Código de Defesa do Consumidor (Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990) e mais especificamente em seu artigo nº14, no parágrafo 4º (“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa), que o afirma explicitamente, há que se provar a culpa do profissional liberal. E, profissional liberal que é, aí está situado o cirurgião-dentista, em termos de se comprovar a sua responsabilização, em nosso ordenamento jurídico. Assim uma prova técnica processualmente não efetivada – não realizada, ou através desta, em sendo realizada, não quedar comprovada a culpa do profissional, exurge desta situação nos autos a inexistência de um dever para o cirurgião-dentista de indenizar o paciente por eventual dano que este, porventura, tenha sofrido em seu tratamento. Concluindo uma prova pericial que houve erro no planejamento e execução do plano de tratamento odontológico, não se pautando a atuação do cirurgião-dentista dentro dos referenciais técnicos e, conseqüentemente, o tratamento executado não atingindo um resultado satisfatório, impõe-se o dever do odontólogo indenizar o paciente pelos danos – prejuízos – que este infausto tratamento tenha causado. A prova pericial do erro do profissional em odontologia, quando há debate jurídico sobre o mesmo, é mandatória, face ao caráter especializado da avaliação de um suposto dano necessária para o deslinde da lide jurídica. A jurisprudência, emanada dos tribunais pátrios, reiteradamente tem afirmado que a regra esculpida
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”, podendo levar o cirurgião-dentista a ser responsabilizado, em juízo, pelos danos causados ao paciente por outrem. Enfatize-se, aqui, a responsabilidade civil do cirurgião-dentista pelo fato de terceiro, nos termos deste artigo nº932, inciso III, de nosso Código Civil, no que tange aos seus auxiliares nos serviços odontológicos. Ele tem responsabilidade tanto in eligendo, ou seja, tem o dever de escolher bem aqueles que vão lhe auxiliar na sua azáfama diária junto aos pacientes, como também tem responsabilidade in vigilando, qual seja, a de supervisionar, vigiar e fiscalizar a atividade dos mesmos. Qualquer prejuízo causado a um paciente por seus auxiliares o cirurgião-dentista poderá ter que ressarcir, em termos de responsabilidade civil, os prejuízos sofridos por este.
Quedando comprovado, portanto, que não houve um agir dentro da “lex artis”, estado atual da ciência odontológica para aquele momento, exurge daí a obrigatoriedade do cirurgião-dentista ressarcir o paciente dos danos sofridos. Não só danos materiais, como também os danos morais e os danos estéticos, quando ocorrerem. Os dois últimos serão estabelecidos pelos julgadores, nas decisões, dentro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Assim, se houverem danos decorrentes de defeito na prestação de serviços odontológicos, por um ato lesante do cirurgião-dentista, comprovando, pois, a prova pericial que o serviço prestado ao paciente foi defeituoso, e ficando demonstrada também a culpa no agir do profissional, evidencia-se como necessária a responsabilização do cirurgião-dentista pelos danos sofridos pelo paciente. Estando presentes os quatro elementos, que compõe a responsabilidade subjetiva (teoria do dano), a saber, ato lesivo, dano, nexo causal e culpa ao agir, fica estreme de dúvidas que é necessário que o profissional tenha que ressarcir o paciente dos prejuízos decorrentes do seu serviço imperfeito. Entendemos, pois, que podem ocorrer danos materiais para o paciente, em decorrência de um serviço odontológico mal executado, e que é possível também a existência de danos morais. O arbitramento, tarefa sensível, pelo julgador, da indenização por estes danos morais deve ser moderado e eqüitativo, atento às circunstâncias de cada caso, evitando que se converta a dor em instrumento de lucro (de lucro capiendo), levando-se, porém, sempre em consideração as dores, a vergonha, o constrangimento suportados pelo autor da ação judicial, inclusive verificando-se o quanto estes se prolonguem no tempo, em face de um erro técnico no atendimento odontológico.
Ilustre-se o que foi exposto com a avaliação da prestação de um serviço em prótese dentária, encarada pela doutrina e jurisprudência pátrias, como obrigação de resultado, na relação contratual que se estabelece entre o profissional e o seu paciente na área da Odontologia. Se mal executado, este serviço, como numa situação em que seja utilizado pelo profissional na confecção da prótese material de qualidade inferior, isto implicará na devolução do valor cobrado, ou seja, ressarcimento dos danos materiais, podendo caracterizar-se, até, a necessidade da indenização por danos morais ao paciente. Aqui estamos vendo configurar-se a responsabilidade civil pelo fato da coisa, na responsabilização do agir do cirurgião-dentista, prevista
Cabe aqui a visão da doutrina do Direito do que sejam obrigações de meios e obrigações de resultado. Veja-se o que bem esclarece Marcelo Leal de Lima Oliveira: “Foi Demogue – nota do autor: jurista francês René Demogue que em 1925 divulgou a classificação das obrigações contratuais em obrigações de meios e obrigações de resultado – o primeiro a fazer a distinção entre obrigações de meio e de resultado. Para ele, há uma obrigação de meio quando a própria prestação nada mais exige do devedor além de, pura e simplesmente, empregar determinados meios sem se importar com os resultados.
Nas obrigações de resultado, o devedor se obriga a realizar um fato determinado, a atingir certo objetivo” (RESPONSABILIDADE CIVIL ODONTOLÓGICA. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p.71-72). Diz mais: “Nas obrigações de meio, portanto, o objeto mediato do direito de crédito não é o resultado primário pretendido pelo credor, mas sim uma atividade do devedor buscando satisfazer este interesse primário” (op.cit., p.72). E, o mesmo Marcelo Oliveira complementa: “Assim, pode-se afirmar que as obrigações de resultado são aquelas em que, além do esforço necessário, o devedor se obriga a atingir determinado resultado útil de sua atividade. (…)
As obrigações de meio, por sua vez, são aquelas em que o devedor se obriga a utilizar-se de suas habilidade técnicas e capacidade pessoal para a realização de determinado fim, não estando, contudo, sua obrigação vinculada ao resultado final desta atividade” (op.cit., p.72-73). Ainda sobre as obrigações de meios e de resultado, transcrevemos o ensinamento de Suzana Lisboa Lumertz, Paulo Roberto Rukatti Lumertz e Marcelo Lisboa Lumertz: “Na obrigação de meio o cirurgião-dentista se obriga a “prestar serviço”, devendo agir com diligência e cuidado no sentido de atingir a finalidade do tratamento proposto. Não se obriga ao resultado. A prestação consiste somente no “fazer”, com técnica recomendada, atenção e conhecimento dos avanços científicos, através de constante atualização. Deve, ainda, expor ao paciente os riscos e possíveis intercorrências do procedimento” (RESPONSABILIDADE JURÍDICA DO CIRURGIÃO-DENTISTA. Porto Alegre: Edições Renascença, 1998, p.19).
As provas sendo consistentes, inclusive a pericial, o pedido do paciente autor de uma ação judicial, portanto, procedente no todo, ou em parte, surge para o cirurgião-dentista o dever de ressarcir o dano que tiver causado. Como bem nos ensina Hans Kelsen: “Quer dizer: ele não só é obrigado a não causar a outrem qualquer prejuízo com a sua conduta mas ainda, no caso de, com essa sua conduta, ter causado um prejuízo a outrem, a indenizar esse prejuízo” (TEORIA PURA DO DIREITO, 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.139). E, este dever do cirurgião-dentista de indenizar decorre do surgimento deste direito subjetivo de ser ressarcido que tem o paciente. Para a satisfação deste direito o paciente pode até levar à apreciação do poder judiciário a sua pretensão de ser ressarcido dos prejuízos que eventualmente tenha sofrido. Pretensão esta sobre a qual também nos esclarece Hans Kelsen: “Por isto apenas existe uma “pretensão” como ato juridicamente eficaz quando exista um direito subjetivo em sentido técnico, quer dizer, o poder jurídico de um indivíduo de fazer valer, através de uma ação o não-cumprimento de um dever jurídico em face dele existente” (op.cit., p.151). Tudo isto muito bem expressado,
O caso fortuito e a força maior, como na responsabilidade civil em geral, eximem o profissional de ser responsabilizado pelos danos porventura sofridos pelo paciente como bem diz o artigo n°393 do Código Civil pátrio, verbis: “O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Também a culpa exclusiva do paciente exime o profissional como a jurisprudência e a doutrina brasileiras já deixaram bem estabelecido. Além disso o Código Civil brasileiro ainda prevê, em seu artigo de nº944 (“A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”) que na determinação do “quantum debeatur” seja levado em consideração o grau de culpa do agente lesante, na determinação do valor pecuniário que este vai ter de pagar ao prejudicado em termos de responsabilidade civil.
A realidade atual nos tribunais brasileiros, dedução extraída da análise da doutrina e da jurisprudência brasileiras faz sobressair deste contexto uma tendência dos tribunais de, no caso concreto, em situações jurídicas da postulação de ressarcimento de prejuízos causados por cirurgião-dentista ao paciente, analisarem as circunstâncias peculiares de cada tratamento odontológico, para só assim optar entre considerar a obrigação, no que se refere àquela pela qual o cirurgião-dentista se comprometeu com o seu paciente, como sendo de meios ou de resultado. Este parece ser o entendimento jurisprudencial e doutrinário. Em certas especialidades, portanto, os tribunais brasileiros, é válido dizer, despegam-se da interpretação de que a obrigação do cirurgião-dentista seja de meios e aceitam tratar, em termos jurídicos, e dentro do processo judicial, que a mesma seja uma obrigação de resultado, com a evidente implicação legal, no campo processual, de ocasionar o que é ditado pela doutrina pátria: a inversão do ônus da prova. Em conseqüência desta inversão do ônus de fazer prova no processo, passa a ser atribuição, quando em juízo, do cirurgião-dentista eximir-se, através do devido conjunto probatório, de ter atuado com negligência, imprudência ou imperícia, comprovando nos autos que o eventual insucesso no tratamento odontológico, se existente, deveu-se ao caso fortuito (casus), força maior (vis major), ou mesmo culpa exclusiva do paciente.
Consegue-se, no entretanto, identificar quais especialidades da Odontologia são aceitas, como tendo por objeto contratual, via de regra, uma obrigação de resultado. Para isto, valemo-nos da listagem oficial de especialidades expressa na Resolução n°63/2005 (Aprova a Consolidação das Normas para Procedimentos nos Conselhos de Odontologia), do CFO – Conselho Federal de Odontologia (publicada no Diário Oficial da União, Seção I, página 104, em 19/04/2005), que no artigo de nº39 faz saber que as especialidades integrantes do exercício profissional da Odontologia são: “a) Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais; b) Dentística Restauradora; c) Disfunção Têmporo-Mandibular e Dor Oro-Facial; d) Endodontia; e) Estomatologia; f) Radiologia Odontológica e Imaginologia; g) Implantodontia; h) Odontologia legal; i) Odontologia do Trabalho; j) Odontologia para Pacientes com Necessidades Especiais; l) Odontogeriatria; m) Odontopediatria; n) Ortodontia; o) Ortopedia Funcional dos Maxilares; p) Patologia Bucal; q) Periodontia; r) Prótese Buco-Maxilo-Facial; s) Prótese Dentária; e, t) Saúde Coletiva”, e só é possível o registro – a inscrição – como especialista no Conselho Federal de Odontologia nas referidas especialidades. As especialidades de Implantodontia e, também é admitido, Prótese Dentária, estão entre aquelas que apresentam-se como especialidades regidas na relação contratual, de prestação de serviços odontológicos, por uma obrigação de resultado, ainda que não se exclua a aleatoriedade nestes tratamentos, mesmo que numa pequena proporção, e portanto, sendo aceita a possibilidade de não se obter ao final do tratamento o objetivo terapêutico perseguido pelo cirurgião-dentista, e esperado pelo paciente. A aleatoriedade – a álea – que, sempre, vai ter a possibilidade de se inserir na evolução dos tratamentos odontológicos, é devida à possível imprevisibilidade dos fenômenos biológicos das estruturas orgânicas, que são o campo de atuação do cirurgião-dentista. Além destas especialidades descritas como tendo uma obrigação de resultado, com as devidas ressalvas feitas, podemos citar como colocadas situando-se entre as especialidades cujo objeto jurídico do contrato de serviços odontológicos afigura-se, predominantemente, como sendo uma obrigação de resultado estas: Dentística Restauradora, Odontologia
Assim, emerge do exposto que a tendência dos julgadores em nosso país, mesmo respeitando, e levando em consideração, na avaliação da lide, a inclusão em um ou outro grupo, no que tange à qualidade da obrigação contratual (de meios ou de resultado) que se estabelece entre o cirurgião dentista e o paciente, é avaliar as características do caso concreto, como sói acontecer nas lides jurídicas, ao manejar processualmente as postulações judiciais de ressarcimento, pelos pacientes, em termos de insucesso em tratamentos odontológicos.