* Gustavo Passarelli da Silva –
Introdução
O valor da causa, por não raras vezes, deixa de receber a atenção que lhe merece ser dispensada, diante das importantes conseqüências que acarreta para o deslinde da questão posta à apreciação do Judiciário.
Como exemplo, pelo valor da causa é que se estabelece o montante das custas a ser recolhido, o tipo de procedimento que pode ou deve ser adotado, o parâmetro para a fixação dos honorários de sucumbência, sem contar com o bem da vida que está se perseguindo.
Por todos esses motivos, dentre outros que não cabe aqui declinar, a lei processual prevê uma séria de requisitos para a fixação do valor da causa quando do ajuizamento da ação, bem como faculta às partes, e mesmo ao juiz ex officio, tomar as medidas cabíveis para a eventual necessidade de adequação.
A regra geral é de que todo o pedido deve ser certo e determinado, admitindo-se, como exceção o pedido genérico, nas hipóteses elencadas pelo artigo 286 do Código de Processo Civil.
Neste ponto, ganha relevo o tema a ser abordado neste artigo, pois as ações de indenização por dano moral não se enquadram em nenhuma das exceções à regra, previstas nos incisos I a III, do artigo 286 do CPC, bem como não existem na legislação critérios objetivos para a aferição do quantum. Assim, em muitas hipóteses, pode-se afirmar na maioria dos casos, vem sendo adotado o pedido genérico para a fixação do valor da causa em ações dessa jaez. Todavia, tem-se que essa não é a melhor solução para o problema, como será a seguir explicitado.
Da inexistência de critérios objetivos para a fixação do quantum do dano moral a ser indenizado
A despeito do prestígio de que hodiernamente desfruta o dano moral, sem contar com sua ampla autonomia e a multifacetária ocorrência, é de se concluir que não existem critérios rígidos a serem observados para sua quantificação, a não ser os parâmetros existentes na lei, que no início eram utilizados pela analogia, como é o caso da Lei de Imprensa e do Código das Telecomunicações, situação essa que não mais subsiste pela incontestável inviabilidade, consoante remansoso entendimento doutrinário e jurisprudencial.
Obviamente que não é tarefa fácil a fixação do valor da indenização nestes casos pois, ao contrário do que ocorre com os danos materiais, é impossível a recomposição do patrimônio moral, dado que o sofrimento não tem preço. O que se pretende, tão somente, é proporcionar um estado de conforto à parte lesada, servindo também de caráter punitivo e repressivo para o agressor, no intuito de inibir nova prática nesse sentido, sendo de se mencionar que o direito pátrio adota, em parte a teoria norte americana dos punitives damages.
Todavia, várias circunstâncias devem ser levadas em consideração para aferir-se o quantum a ser indenizado, como por exemplo o grau de cultura, a posição social, a repercussão do dano na vida íntima da vítima, sem contar com outros, como por exemplo a capacidade de pagamento do ofensor, seu grau de culpabilidade, podendo-se dizer que as nuanças são tão numerosas quanto as possibilidades de ocorrência do dano extrapatrimonial.
Nada obstante a inexistência de critérios objetivos para a fixação do dano, existe a grande preocupação no sentido de que o instituto do dano moral no Brasil não se transforme em indústria de enriquecimento ilícito, tal como se verifica nos Estados Unidos da América.
Portanto, é de lembrar-se que a atividade do magistrado na fixação do valor da indenização por dano moral deve pautar-se pelo comedimento, de modo a não proporcionar o locupletamento, bem como não ridicularizar a vítima e o próprio Judiciário, concedendo-se indenizações em valores módicos, especialmente pela falta de elementos fornecidos pelos dispositivos legais aplicáveis à espécie.
Das hipóteses previstas no artigo 286 do código de processo civil
Para aqueles que entendem que nas ações de indenização por dano moral o pedido poderia ser feito de forma genérica, a solução para o problema encontrar-se-ia no inciso II, do artigo 286 do Código de Processo Civil, ou seja, segundo essa corrente de entendimento não seria possível determinar a extensão do dano experimentado, o que somente poderia ser aferido com maior grau de certeza na instrução do processo e coleta de provas necessárias.
Tal argumento não procede sob vários aspectos. Com efeito, para que haja a propositura da ação de dano moral é necessário que a lesão ao direito tenha já se verificado na esfera íntima do ofendido, posto que se assim não for, certamente lhe faltará interesse de agir.
De outro vértice, é de se entender que as provas que serão produzidas em fase de instrução e julgamento do processo servirão tão somente para corroborar as alegações de dano feitas na inicial e, à falta de critérios objetivos na legislação para o seu arbitramento, não é a coleta de provas que será o fator determinante neste sentido. Pode-se dizer, então, que a coleta de provas pelo magistrado quando da instrução probatória é concernente à formação de seu poder de convencimento, com relação que ao que alegado pelo autor da demanda.
Ademais, estribando-se na presunção de que todos, em princípio são de boa-fé (e que nestes casos não procurarão o enriquecimento ilícito), inegável que a pessoa mais adequada para quantificar o quanto será necessário para lhe proporcionar um estado de conforto, em virtude de um dano experimentado, será o próprio autor da ação, cabendo ao juiz tão somente adequar o pedido em caso de exorbitância.
Ora, partindo-se do pressuposto de que para a propositura da ação de dano moral mister se faz a verificação de sua ocorrência, não é lícito deixar ao julgador que faça o arbitramento, sem que pelo menos se espelhe na estimativa apresentada pelo autor.
As hipóteses insculpidas no artigo 286, em que se admite o pedido genérico, são consideradas exceções e como tal devem ser analisadas, restritivamente. Uma vez que o dano já foi causado, a liquidação que eventualmente se faça no transcurso da ação é tão somente para corroborar as alegações do autor na inicial, não para determinar sua extensão, que como já dito, cabe à vítima. Cita-se, neste sentido, ensinamento de JOEL FIGUEIRA JR.:
"Ora, se a regra estabelecida é a formulação de pedido certo e determinado, e a hipótese vertente deixa de se enquadrar em qualquer dos três incisos mencionados, assim deverá proceder o autor, quando da formulação de seu requerimento na peça inaugural, sob pena de vir a ser rejeitada, se, eventualmente, não suprida a omissão (art. 284, CPC).
Em situações como essa e outras similares, não é função do Estado-juiz fixar o valor da indenização mediante o seu "prudente arbítrio" (conforme chavão forense), porquanto a expressão representa nada menos do que um pedido de julgamento por eqüidade (critério eqüitativo), vedado como regra e só admitido nos casos expressamente previstos em lei (art. 127, CPC)."
(Comentários ao Código de Processo Civil, Volume 4, Tomo II, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 93)
Importante, em atenção ao fim pretendido pelo presente artigo, continuar trilhando os ensinamentos do jurista supra mencionado, que elucida de forma ímpar o problema enfrentado pelos operadores do direito em casos que tais:
"Portanto, no exemplo apontado, haverá o autor de estabelecer, na inicial, o quantum pretendido, a título compensatório, em face da morte do ente querido, levando em conta os critérios norteadores das abalizadas doutrina e jurisprudência para o dano moral, atendendo assim a orientação legislativa voltada à definição do pedido certo e determinado, que servirá de bússola para o juiz durante a instrução e, em particular, no momento da prolação da sentença."
(ob. cit., p. 93)
Assim, é de se considerar que nos casos de indenização por dano moral a parte que os sofreu deverá mensurar a quantia que entende ser suficiente para tentar recompor a situação anterior, a despeito da dificuldade natural desta pretensão.
Da necessidade de fixação ao valor da causa nas ações de dano moral
Tendo em vista que não se aplicam às ações de indenização por dano moral nenhuma das hipóteses previstas no artigo supra citado, é de se concluir que não deverá ser admitida a fixação do valor da causa em montante irrisório em situações que tais, deixando-se ao magistrado a determinação do quantum.
A justificativa muitas vezes encontrada para a fixação genérica do valor da causa em ação de dano moral é de que se o juiz condenar o réu em quantia inferior ao eventualmente requerido na inicial haveria sucumbência recíproca. Ainda, de que caberia tão somente ao julgador quantificar o dano moral, inclusive para coibir abusos das partes ao ajuizar a demanda, pretendendo valores exorbitantes.
Outro argumento que ganha corpo em sede de ação de dano moral é a respeito das custas judiciais, que são calculadas em razão do fato do valor atribuído à causa. Segundo aqueles que entendem dessa forma, a determinação de quantia alta na inicial restringiria o acesso à justiça daqueles desprovidos de condições financeiras.
Todavia, em que pese a força desses argumentos, bem como o abalizado entendimento doutrinário que suporta essas proposições, o caminho mais adequado para a solução do problema deve respaldar-se na regra geral do artigo 286 do Código de Processo Civil, onde o pedido deverá ser certo e determinado.
A questão da sucumbência recíproca não merece prosperar no caso de condenação por dano moral quando reste minorado o pedido feito na inicial, pois é de se concluir que o objetivo da demanda (a verificação da ocorrência do dano e da conduta ilícita do réu foi atingido, havendo tão somente a atividade do Judiciário para adequar o quantum.
Obviamente, declinado um valor como o pretendido pelo autor da ação, não está o julgamento de procedência do pleito adstrito à condenação, in totum, da quantia almejada, cabendo ao magistrado adequar o pedido à realidade da situação que envolve as partes.
Dessarte, não procede o argumento no sentido de que a minoração do valor da condenação, em relação ao declinado na inicial, induziria à sucumbência recíproca, e consequentemente à aplicação do parágrafo único do artigo 20 do Código de Processo Civil. O que importa, neste caso, é a procedência do pedido (de condenação) e não a sua quantificação, que caberá ao julgador adequá-la à realidade. Importante, neste sentido, é o ensinamento de JOEL DIAS FIGUEIRA JR., rebatendo o pensamento daqueles que entendem haver a sucumbência recíproca:
"O equívoco daqueles que assim procedem é manifesto, pois, além de burlarem o Fisco e as orientações instrumentais, no tocante à valoração da causa, que necessita estar em sintonia com o pedido e com a causa de pedir, temem inutilmente, em razão de uma fixação do quantum em importância inferior à pedida, tendo em vista que tal circunstância não representa acolhimento parcial do pedido, assim como ele não estará parcialmente vencido. Nesses casos, não há sucumbência recíproca, à medida que o postulante viu prosperar, integralmente, o seu pedido imediato (fundado em pretensão ressarcitória), assim como o pedido mediato foi também atendido, fixado apenas em quantia inferior à pretendida."
(ob. cit., p. 94)
A lição supra citada também encontra eco na jurisprudência, dado que o Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida no Recurso Especial nº 21.696-9-SP, julgado em 25.05.1993, publicado no DJU em 21.06.1993, p. 12.366, sob o relato do Ministro Cláudio Santos dispôs que, "sendo meramente estimativo o valor da indenização pedida na inicial, não ocorre a sucumbência parcial se a condenação fixada na sentença é inferior àquele montante."
Outrossim, vale salientar que a questão das custas judiciais não se traduz em empecilho intransponível para o ajuizamento da ação, pois aqueles que não podem arcar com os custos de uma demanda judicial certamente poderão valer-se dos benefícios concedidos pela Lei 1.060/50.
No que diz respeito ao dano moral, por se tratar de patrimônio íntimo, subjetivo, impossível de aferição econômica exata, o que se persegue na demanda não é a recomposição do status quo ante (até mesmo porque tal seria impossível), mas sim proporcionar à vítima uma sensação de conforto, bem como imputar ao agressor uma penalidade de monta suficiente a inibi-lo a reincidir na conduta ilícita, sem contudo, levá-lo à bancarrota.
Partindo-se do pressuposto de que o objetivo da indenização do dano moral é o acima citado, tem-se que ninguém melhor do que o próprio ofendido para determinar a quantia ideal que lhe proporcionará um certo conforto, diante da situação vexatória pela qual passou, considerando-se também a impossibilidade de se restaurar uma situação pretérita.
Certamente existe o argumento de que referida linha de pensamento levaria, inexoravelmente, a pedidos exorbitantes, insuflando-se a indústria da indenização.
Tal insurgência não procede da mesma forma. Com efeito, é de se reconhecer que o Código de Processo Civil, em seu artigo 14, traça as normas de conduta para as partes, sendo que em princípio, a boa-fé é presumida.
Ainda, mesmo em se considerando que pedidos vultosos e desconectados com a realidade possam ser feitos, é de se lembrar que ao julgador cabe a aplicação do direito, e por via de conseqüência a pacificação social, o que significa dizer que será perfeitamente admissível a adequação do quantum, por ocasião da sentença. Este é o ensinamento de YUSSEF SAID CAHALI:
"Em substância, a questão pertinente ao valor da causa na ação de reparação de dano moral resolver-se por via de estimativa unilateral do autor, que se sujeita contudo ao controle jurisdicional, remarcando ainda pela provisoriedade."
(Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, p. 694)
Assim, se o ofendido é a pessoa mais adequada para estimar o tamanho do prejuízo de ordem íntima que sofreu, em decorrência do ato ilícito do qual foi vítima, é de se reconhecer que as ações fundadas em indenização por dano moral devem ter seu pedido certo e determinado, visto que não se incluem nas hipóteses previstas no artigo 286 do Código de Processo Civil.
Também não prospera o argumento daqueles que entendem que poderá o autor da ação não se referir a quaisquer valores no transcurso da sua petição inicial, requerendo tão somente a verificação da existência do dano e responsabilidade por parte do agente, para depois aferi-lo em liquidação de sentença, nos moldes do artigo 608 e seguintes do Código de Processo Civil.
Certamente, a própria instrução probatória já é suficiente para demonstrar a existência do dano, bem como a culpa do ofensor, razão pela qual adotar esse posicionamento significa o mesmo que ir de embate aos princípios da economia processual e da efetividade da jurisdição.
Apesar de dissenso ainda existente na jurisprudência, pode-se dizer que o caminho a ser trilhado certamente será o da necessidade de fixação do valor da indenização pretendida na inicial, valendo transcrever a seguinte ementa, emanada do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:
"Valor da causa – Indenização por dano moral – Pedido líquido – Valor que representa o conteúdo econômico da demanda – Valor da causa que a ele deve corresponder – Recurso não provido."
(Agravo de Instrumento n. 270.421-1- Pirajuí – 8ª Câmara Civil – Relator Des. Antônio Villen – 4.10.95 – votação unânime)
Interessante é a impugnação a ser feita nestes casos, pois não caberia ao requerido nesta ação impugnar o valor da causa e declinar o valor da indenização que deveria ser pago. Portanto, entende-se que o caminho mais correto é que o magistrado, utilizando-se do mandamento do artigo 284 do Código de Processo Civil, determine ao autor que emende a petição inicial no prazo de 10 dias, sob pena de indeferimento.
Referência Biográfica
Gustavo Passarelli da Silva – Advogado em Campo Grande (MS), professor de Direito da Universidade Católica Dom Bosco
E-mail: gustavo@pithan-loubet.com.br