O operador do direito e o dilema da sala vazia.

* Bruno J. R. Boaventura

Operar é um atalho mental apresentado para o aplicador repousar sua visão crítica em travesseiro de conceitos ideológicos apráticos, imerso em sonhos nebulantes sem qualquer tipo de idéia emancipadora.

O operador é aquele preso por amarras mentais, e, incapaz de interpretar plenamente a norma, e assim criticar ou repensar a teoria dada pela mesma quando preciso. È aquele que não visualiza as causa e os efeitos práticos desta norma, principalmente se este elemento coadunar ou não com o fim da sistematicidade jurídica, ou seja, a justiça.

O operador faz ininterruptamente opções por tecnicismo formal exarcebado baseando-se em sistema jurídico dado como perfeito, pronto e acabado, turvando assim o lado dos efeitos práticos. Fundamenta a operacionalidade em uma pseudo-liberdade de interpretar o Direito baseada em uma lógica dedutiva com fundamentos em premissas indutivas que amarram o interprete num acriticismo teórico, tendo como conseqüência a refratariedade da efetividade da concreção da justiça como fator de desenvolvimento da igualdade social.

As amarras são intentadas por impositores de uma formalização rígida de equacionamento de um raciocínio metodológico tido como finalisticamente justo, porém nada mais do que enaltecimento de um agir do não-agir, impedindo um entendimento livre da interpretação crítica. A crítica é o romper, essencialmente isto, da ordem dada, para daí exsurgir uma nova ordem dialeticamente reflexiva a ser construída com uma finalidade prática.

Teorias, conceitos, pensamentos, idéias não são nada sem a respectiva concreção prática. A crítica é uma teoria altamente prática. O alcance da prática do justo passa pela libertação deste acriticismo teórico.

A liberdade e a igualdade como causas; a solidariedade como efeito, através de um meio harmonioso da segurança jurídica com a efetividade prática, dará ao Direito a concreção de seu objetivo de dever ser justo para todos. 

A segurança jurídica completa tão buscada através da disposição do direito como um sistema integralmente fechado, não será possível, pois tudo se baseia em atos humanos de vontade, e, estes nunca serão realizados de forma idêntica. Ora realizar-se-ão com diferentes disposições das coisas em determinado espaço e/ou, em tempos diferentes, ora no passado ou no futuro, e, portanto com valorações humanas diferentes.

O estado dos valores humanos não é estático, e, sim em constante dinamismo de mudança, seja retrógrado ou evolutivo, mas sempre caminha para um ponto diferente que atualmente está.

O equilíbrio do meio jurídico segue pelo a relativização da segurança jurídica, através de uma prática comprometida com a maximização da justiça, numa nova reviravolta do pensamento de Descartes e Kant[1], tendo assim como preocupação principal a então proporcionalidade da individualidade com a coletividade, do naturalismo com o positivismo, do poder com a opressão. 

A idéia de operador de direito comumente e composta também pela idéia deste sistema jurídico fechado. As limitações impostas pela natureza do ordenamento jurídico para sua conceituação em sistema são muitas. Inclusive a de não conseguir gerar normas na dinamicidade que aos axiomas sociais se modificam, a da sua coerência ser tendencial (antinomias) assim como a sua completude (lacunas). 

A visão do Direito como sistema não é mero erro semântico ou opção metodológica, mas sim uma das amarras mentais capazes de restringir a liberdade do interprete. Mas a principal limitação é a descaracterização da sua unidade, com a virtualização do método originário e desenvolvimento da criação de um de seus elementos, as normas, que atualmente não obedecem a própria norma fundamental do ordenamento (todo o poder origina-se do povo), porque são fabricadas condizentes com os interesses econômicos e políticos distorcidos, com pouca ou nenhuma influência do interesse público, o querer da sociedade cidadã, o chamado pelo Supremo Tribunal Federal, de desvio ético-jurídico[2]

A rigidez do direito só é aceita por aqueles que o operam e não vivenciam a justiça. Este é um alerta a todos aqueles que não usufruem a chance dada pela vida de serem juristas, na sua concepção real, e não simplesmente: operadores, mecanicistas ou tecnocratas do direito. Lembro as acepções do termo ecoado (operador), e outros, que ao meu ver não passam de sinônimos do significado apregoado[3].

O ordenamento jurídico é a parametração (parâmetros) da vontade material de sobrevivência da raça humana. Sem esta parametração desta vontade colocar-se-ia em risco a própria sobrevivência pretendida.

Nesta sobrevivência em certo ponto de sua história, o humano entendeu que o eu-individual teria menos chance do que eu-coletivo. Nesta autoconsciência surgiu a primeira regra de sobrevivência: respeitar os outros eu-individuais para mantença do eu-coletivo. 

A partir do surgimento da racionalidade efetiva, e, o uso desta como facilitação da sobrevivência, paralelamente ao desenvolvimento dos meios social, a respeitabilidade já existente foi complexada. Este paralelismo é indicativo categórico que as normas do homem representam fidignamente exatamente o que aquela coletividade o é.

As dificuldades serão solucionadas, os momentos infelizes superados, mas a felicidade plena e constante jamais alcançada. Por que necessitamos do conceito da infelicidade para sabermos da existência da felicidade, para almejarmos a felicidade como objetivo. Trazendo esta idéia de sistema, temos que as antinomias serão solucionadas, as lacunas superadas, mas a sistematicidade plena e constante jamais alcançada. Por que necessitamos da novidade (fato ou interpretação do valor) para sabermos da existência inerente da incompletude, e, almejarmos a atualidade como objetivo.

O jurista, enquanto ser humano eivado de conhecimento jurídico do mundo social, deve se guiar, não pelos dogmas da lei, não pelas imposições da própria sistematicidade jurídica, pois tais preceitos, podem, conscientemente, serem desviados pelo homem por interesses diversos da finalidade de sua criação. 

A finalidade precípua de toda a criação da ciência do direito, e assim de seus componentes, nada mais é do que os ares frescos do valor do justo, soprados, sobre os fatos na direção de uma sociedade igualitária. 

O caminho do jurista é a transposição e reconstrução incondicionável destes desvios realizados por interesses escusos, dando força suficiente para os ares da justiça derrubarem o fruto podre da desigualdade da árvore social, e a luta para que a semente desta árvore seja a justiça social e que esta cresça eivada de democracia, florescendo numa sombra que atinja a todos indistintamente.

Não me preocupo com o uso do termo operadores do direito, mas sim o seu efeito aos que começam a vivenciar a justiça. O direito encarado como máquina a ser operada se torna algo incompatível com as nuanças da contemporaneidade social e da questionalidade natural a todo jurista.  Aquele que se auto-limita, e vê a justiça como sendo a Lei pronta e acabada, não será capaz de lutar pelo desenvolvimento de nossa sistematicidade jurídica em busca do axioma da justiça social.

O despertar é agora, devemos todos encarar o direito não primeiro como fonte de renda, mas sim de uma enorme satisfação em tentar, pelo menos tentar, construir e desconstruir os basilares da sistematicidade jurídica em busca de uma satisfação como cidadãos inseridos numa sociedade na qual a democracia deve ser amadurecida, e difundida por todas as veias organizativas, e não uma pragmática esperança.

Um teste prático da mentalização das escolhas de um jurista: imagine-se em uma sala totalmente vazia, que você tenha que construir obedecendo a seguinte metodologia: 

1) As paredes serão pintadas de uma cor que demonstre sua aptidão ideológica;

2) Agora acrescente a seguinte modificação nesta sala imaginativa: 

Um lado das paredes sumirá por completo dando lugar a um vazio, neste vazio você preencherá com pessoas. Não quaisquer pessoas, mas os atores sociais que você identifica como reais detentores de poder de inserção de mudanças na sociedade.

Certo, lembre que você está no meio da sala de frente ao espaço preenchido pelas pessoas escolhidas por você.

Agora, como uma sala não é composta deste “estranho vazio”, feche a parede e de à ela uma forma de contato visual com as “escolhidas” pessoas do outro lado.

3) Feito isto; vire-se para um outro lado da parede, diferente do “estranho vazio”. A partir do inicio desta parede você imaginará um lugar para colocar, em sua opinião, as melhores obras científicas.

4) Em uma outra parede imagine uma tela de pintura que represente os valores da sociedade do futuro.

5) O tamanho da sala será proporcional a sua ambição financeira;

6) Agora no meio da sala você colocara uma mesa de estudos. Imagine para que lado sua visão estará voltada quando estiver estudando. 

Posto isto, proponho um modelo de resposta que apresente uma acepção de um real jurista, indubitavelmente suscitador de críticas.

1) A cor da sala deve ser branca, pois a neutralidade ideológica, mesmo como tendência, é meta a ser buscada por aquele que visa a verdade cientifica. 

2) As pessoas escolhidas, quanto mais de aproximar do povo, melhor a concepção democrática do jurista. O povo é o responsável pela mudança.

3) As obras representaram a base teórica do jurista. Um acervo bibliográfico completo deve conter clássicos, atuais, mas, sobretudo modernos, pois são estes que impõem ao conhecimento humano os próximos passos.

4) Nos dias atuais, muita ambição representa o afastamento dos princípios base de atuação do jurista, e, a curta ambição representa assim como numa sala muito aperta o achatamento completo das idéias.

5) Os valores representam um ideal pretendido a ser concretizado no futuro. Um jurista sem valores é uma linha que não tem caminho e se curva ao menor obstáculo.

6) Os estudos devem ser direcionados aos valores pretendidos para a concreção dos valores da sociedade do futuro, com as pessoas escolhidas como sua base, e, os livros como seu braço direito. 

A parede que sobra destina-se a porta para aqueles que acreditam que um jurista deva estar livremente descomprometido de todas estas questões.

Temos a imperfeição como essência, assim nada criado pelo homem será insuscetível desta natureza, acreditar num operador do direito como máquina e num sistema jurídico como algo orgânico (completo para o fim que se destina) é perfeitamente humano.

 


 

Notas:

[1] “Kant conclui a reviravolta fundamental do pensamento ocidental aberto por Descartes (…) Projeta duas linhas de descendência: uma que resulta na diminuição ideal de direito, caracterizando uma vertente axiológica cuja idéia central é a de liberdade, que no direito assume a forma da justiça; outra, que arremata o traço positivista do direito, cujo conceito basilar é a segurança. Joaquim Carlos Salgado. “Prefácio” . In: Gomes, Alexandre Travessoni. O fundamento da validade do direito. Kant e Kelsen. BH: Mandamentos, 2000. p.9

[2] Adin n. 1158-8/AM. 

[3]Operador s.m. 1.2 aquele que executa operações técnicas definidas, que se dedica a algum tipo de manipulação; 1.3 indivíduo encarregado de operar, de fazer funcionar máquinas, aparelhos, sistemas etc.(…) Mecanicista adj. FIL relativo a mecanicismo ou que é seu adepto ou seguidor.  Mecanicismo s.m. FIL 1 doutrina filosófica, também adotada como princípio heurístico na pesquisa científica, que concebe a natureza como máquina, obedecendo a relações de causalidade necessárias, automáticas e previsíveis …(…) Tecnocrata 2 estadista ou alto funcionário que busca apenas soluções técnicas ou racionais para os problemas, sem levar em conta aspectos humanos e sociais”.”In: HOUAISS, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.  p. 1875, 2069 e 2683.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Bruno J. R. Boaventura:  advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT; Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Campo Novo do Parecis, e Associações ligadas a radiodifusão comunitária;    Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso;  Autor de diversos estudos publicados em diversos sites e revists jurídicas. Participou  do Fórum de Discussão dos Objetivos do Milênio no Grupo da Educação, organizado pelo Programa das Nações Unidas para do Desenvolvimento – PNUD, como representante da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso; É Presidente da Câmara Setorial Temática da Assembléia Legislativa de Mato Grosso para discussão do Conselho Estadual de Justiça.  E-mail: bovadv@terra.com.br


Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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