* Rogério Roberto Gonçalves de Abreu
A redução da menoridade civil
Entrou em vigor, neste mês de janeiro de 2003, o novo Código Civil brasileiro e, assim, nossa sociedade vive mais uma vez a instabilidade criada por uma tal profunda alteração no ordenamento jurídico nacional, dada a inevitável interação entre os diversos ramos do Direito, todos permeados pelos conceitos e normas do Direito Civil.
Dentre as diversas modificações introduzidas pelo novel Código, uma, de grande relevo em razão da influência que exercerá em vários ramos jurídicos, já começa a despertar a curiosidade dos intérpretes e operadores do Direito. Trata-se da redução da menoridade civil, de 21 para 18 anos de idade. A partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002, será civilmente capaz, para todos os atos jurídicos, aquele que, não interditado, haja atingido seus 18 anos.
As mais cáusticas dúvidas que têm aparecido na discussão sobre o tema são relacionadas à interdependência entre os ramos do Direito, principalmente quando uma dada disciplina jurídica tende a atrair (real ou aparentemente) o conceito civil de maioridade como pressuposto ou condição de sua eficácia. No direito penal, por exemplo, prescreve o respectivo código (art. 65, I) ser "circunstância atenuante" o fato de contar o réu com menos de 21 anos de idade na data do fato criminoso, bem como que se lhe haverá de contar pela metade o prazo prescricional (art. 115). Com a redução da menoridade civil para 18 anos indaga-se: tais normas estariam revogadas pelo NCC ou, ao contrário, não teriam sofrido o impacto na novel estipulação legal de maioridade civil?
Outra questão que vêm ganhando considerável fôlego nas conversas de bastidores (enquanto não se tornarem violentas discussões judiciais), é se estaria ou não revogado o parágrafo único do artigo 2.º do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual prescreve que, "nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade". Entendendo-se que tal norma foi realmente revogada, uma vez submetido o adolescente a medida sócio-educativa de internação, teria que ser compulsoriamente liberado ao completar 18 anos de idade, alterando-se, portanto, a regra do artigo 121, § 5.º, do ECA, a qual determina a liberação compulsória do internado que atinge 21 anos completos.
Em ambos os casos acima tratados, ou seja, tanto nos exemplos do Código Penal como nestes pinçados do Estatuto da Criança e Adolescente, na verdade, não houve alteração ou revogação das referidas normas com a vigência do NCC. Por outras palavras, a redução da menoridade civil não lhes causou impacto. O entendimento é simples. A redução da maioridade civil tem efeitos precisos na área da capacidade civil de exercício, enquanto que as normas do CP e do ECA jamais tiveram por fim proteger o civilmente incapaz ou, melhor dizendo, a incapacidade civil. Caso assim tivessem feito, teriam expressamente excluído o emancipado que, embora menor de 21 anos, seria plenamente capaz para os atos da vida civil. Todos sabemos que, a despeito de emancipado, continuava o réu menor de 21 anos a fazer jus à circunstância atenuante e ao privilégio do prazo prescricional contado pela metade (CP, 65, I e 115).
No caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prefixar a idade de 21 anos como excepcional limite de aplicação de suas normas, não tinha em mente o legislador do ECA proteger o civilmente incapaz, eis que, como se falou, caso houvesse sido realmente este seu intento, teria feito exclusão do emancipado. Assim não fez, justificando o entendimento de que, a exemplo do Código Penal, estabeleceu-se a idade de 21 anos como uma simples tarifação legal. Poderia ter sido escolhida outra idade, como 22 anos, 25 anos etc. Escolheu o legislador, contudo, a idade de 21 anos para ter efeitos nos sistema do próprio Estatuto, não atraindo do Direito Civil, neste caso específico, o conceito de maioridade, motivo pelo qual a alteração legislativa desta não lhe poderia causar qualquer impacto.
A entrada em vigor do novo Código Civil, com a efetiva vigência e aplicação da norma que reduz a maioridade civil, deverá, num primeiro momento, dar azo a uma considerável celeuma de posições doutrinárias, principalmente acerca da acomodação dessa regra às normas interdependentes hauridas de outros ramos do Direito. A partir da judicialização dos conflitos regidos por tais normas é que teremos a exata dimensão do quão tormentoso nos promete ser a resolução definitiva de tais conflitos. Lançado está, mais uma vez, o convite ao debate, e certamente a última palavra ainda está longe de ser dada.
Referência Biográfica
Rogério Roberto Gonçalves de Abreu – Promotor de Justiça na Paraíba, professor da Universidade de João Pessoa e da Fundação Escola Superior do Ministério Público da Paraíba, pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes