Resumo:
Apesar da peça ser considerada uma comédia, há um intenso drama e aborda os atos de um senhor corrupto deixado no cargo de governador de Viena, quando, então, o Duque finge que viaja e, ainda, se disfarça para descobrir a parca moral que vige em sua cidade. E, assim, conclui que Viena está em apuros seja moral como espiritualmente. A peça tem final feliz para quase todos os personagens, exceto, para o preso que fora sacrificado no locus de Claudius. Todo enredo, enfim, gira em torno de conceitos como ética, justiça, corrupção, equidade, e abuso de poder[1] revelando-se muito contemporâneos e, ainda, tão carentes de perorações mais racionais e práticas.
Palavras-Chave: Justiça. Lei. Aplicação de Lei. Interpretação Jurídica. Boa-fé objetiva. Desuso da lei. Costumes.
Abstract:
Although it intends to be a comedy, there is an intense drama and approaches the acts of a mature corrupt man as governor of Vienna when the Duke pretends to travel and, besides, disguise himself in order to discover the poor morals that runs in his city. So, he concludes that Vienna is in danger morally and spiritually. The play has a hapy ending for almost all characters, except for the convict who had been sacrifice in the place of Claudius. All the plot turns around the concepts of ethics, justice, corruption, equity, and power abuse becoming very contemporary, needy of conclusions but rational and practical.
Keywords: Justice. Law application. Legal interpretation. Objective good faith. Law disuse. Customs.
“Medida por medida” foi a primeira peça de William Shakespeare logo depois que o Rei Jaime I[2], assumiu o trono inglês, em 1603, sucedendo a Rainha Virgem, Elizabeth I. Segundo os estudiosos, o autor desejava afagar o rei, enquanto outros, acreditavam que apenas queria testá-lo.
No contexto da peça, há Vivêncio, o Duque de Viena que não se sentia um bom fiscal das leis, como realmente, não era. Porém, o nobre duque se preocupava de fato de a lei não ser cumprida.
O governante reconhece a lei e, até a considera severa[3]. Nessas condições, a liberdade abusa da justiça, pois, de fato, a liberdade sem limites redunda mesmo em plena injustiça. O duque aponta para Lorde Ângelo, um puritano que era exemplo de retidão, assim como, seu representante. Enquanto o nobre viajava, era Ângelo que devia garantir o fiel cumprimento das leis.
Porém, o Duque não viajava realmente, e, ainda se fantasiava de frade para vigiar seu substituto e verificar, se a lei estava sendo devidamente velada.
De certa feita, Ângelo desejando fazer jus a sua fama de moralista e moralizador, ressuscitou uma antiga lei que apesar de estar em vigor formalmente, estava totalmente esquecida, era a que proibia terminantemente as relações sexuais e íntimas antes do casamento, sob pena de morte do infrator. Nessa toada, fecharam-se todos os bordeis.
Convém, destacar interessante diálogo que relatou um sábio burguês que se meteu em defesa dos bordeis. Evidentemente, Shakespeare já denunciava o sistema jurídico, no qual os bons advogados poderiam livrar seus clientes do cumprimento das leis.
Por ter desrespeitado Julieta, Claudius, seu noivo, vai para prisão e, aguarda a execução da pena capital. O fato é que Claudius ainda não havia casado com sua noiva, apenas, por mera questão formal.
Já na época do bardo, existia o contrato pré-nupcial[4] e, portanto, Claudius já era materialmente marido de Julieta, para que o casamento se aperfeiçoasse apenas faltava a declaração oficial, o que não foi feito somente para obter a majoração do dote[5] de Julieta.
Atualmente, é cediço que a união estável[6] e o casamento praticamente se equiparam e os direitos dos cônjuges não discrepam da verdade prática da realidade das relações humanas e conjugais.
Admite-se, portanto, defender duas situações, Claudius era ou não casado com Julieta? Tal questão ganha repercussão diante da pena severa cominada pelo decreto. Se Claudius fosse casado, então, não cometera ilícito. Se não o fosse, deveria morrer, pois essa era a sanção estabelecida por ter relações sexuais e íntimas fora do casamento.
Ângelo quer usar Claudius como exemplo, apesar de lamentar, mas age no deslumbramento do poder. Como bem assinalou Aristóteles, o exercício do poder revela o homem. Aristóteles ressalta que; “O pior dos homens é aquele que exerce a sua deficiência moral tanto em relação a si mesmo, quanto em relação aos seus amigos”. Ainda definiu o melhor dos homens; “não é o que exerce a sua virtude em relação a si mesmo, mas em relação a um outro, pois esta é a tarefa difícil.
A norma é boa e válida apenas porque advém da autoridade? Seria razoável discutir se a lei traz algum benefício social? A discussão sobre a discrepância entre legalidade e legitimidade é tema ainda atual.
A relação entre legalidade e legitimidade é bem estreita, tanto que alguns doutrinadores chegam até as confundirem. Em outra relação é, em geral, feita é a da legitimidade com o poder.[7] Posto que seja uma qualidade do poder, enquanto legalidade se refere ao exercício do mesmo.
Ensinam Bobbio et al., in litteris:
“Na linguagem política, entende-se por legalidade um atributo e um requisito do poder, daí dizer-se que um poder é legal ou age legalmente ou tem o timbre da legalidade quando é exercido no âmbito ou de conformidade com leis estabelecidas ou pelo menos aceitas. Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas vezes até no uso técnico, entre legalidade e legitimidade, costuma-se falar em legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário”. (Norberto Bobbio, Matteucci e Pasquino Dicionário de Política, V.2, Editora UnB, p.674).
É preciso tomar cuidado com esta vinculação da legalidade com a legitimidade, dado que é por aí que se inicia a considerar que a lei jamais deve ser contestada, não obstante sua injustiça, sua inconstitucionalidade e sua antijuridicidade possíveis. Além do que há o problema da legitimidade da própria lei. Realmente são figuras distintas, conquanto bastante ligadas.
Afinal, a lei não pode ser encarada apenas como mero ato de vontade do legislador[8], porém, como sendo reflexo de consenso social, forjado pela inteligência e pelo tempo.
Outro ponto relevante, é a evidente ausência de proporcionalidade entre o ato ilícito cometido (a relação sexual fora do casamento) e a pena (morte), nesse caso, avulta a disparidade existente entre o preceito e sanção. Afinal, a pena deve ser compatível com o dano social causado pelo infrator e o ilícito. Enfim, até para garantir o caráter preventivo da lei, de forma que as penalidades sejam proporcionais as crimes e, também, para que não sejam menores castigos aos maiores delitos.
Cesare Beccaria em sua obra intitulada “Dos Delitos e Das Penas”, escrita em 1763 e, publicada no ano seguinte, referia-se à limitação do poder punitivo do Estado bem como sobre a necessidade de humanizar as penas,
Já, o doutrinador italiano no século XVIII, sustentava a necessidade de haver proporção entre os delitos e as penas. Mais tarde, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, veio estabelecer que a lei não deve estabelecer mais do que penas estritamente e evidentemente necessárias, em seu artigo 8º.
De acordo com a concepção garantista[9] de Ferrajoli aponta que a pena de prisão perpétua e as penas pecuniárias pelas suas essências, são contrárias ao princípio de proporcionalidade e da igualdade das penas.
A primeira porque se revela desumana e não graduável segundo a equidade do julgador. A segunda, por sua vez, revela-se desproporcional por inexistir qualquer proibição penal informada pelo princípio de economia ou de necessidade.
A sanção não visa apenas punir ao infrator, mas servir de desestímulo para futuros descumprimentos. Claudius tem uma irmã, a formosa Isabela que está prestes a entrar para um convento.
Claudius solicita a Lúcio, seu amigo, que peça a Isabela, uma noviça, para interceder a seu favor perante Ângelo. Claudius acredita que a beleza e a pureza de sua irmã poderiam corromper a autoridade, subvertendo a ordem. E, Lúcio tenta convencer Isabela a procurar Ângelo.
Alertamos do perigo que é o literalmente considerar, o rigor da lei. Por outro lado, pode haver um costume contrário à norma? Não se admite o costume contra legem[10].
No Direito Romano era admitido que a lei caísse em desuso é o desuetudo, perdendo eficácia. Tratando do Direito Romano, o costume podia “não apenas criar direito como também derrogar o já existente”.
Para avaliar o desuetudo em nosso ordenamento jurídico, é indispensável conceituar os atributos que fornecem a sua validade, assegurando que a norma importada do mundo jurídico fará material a sua vontade no seio da sociedade.
Enfim, o derradeiro atributo da norma jurídica, conforme leciona Paulo Nader, não obstante a menor importância dada a estes pelos positivistas, é a legitimidade, nesta residindo a posição do povo em relação a uma regra, questionando-se o atendimento da norma ao justo ou ao injusto segundo a sua mens legis.
Conclui-se que a consuetudo obligatio é uma repetição constante e uniforme de uma prática social, porém, diversa da prescrição emanada do Direito vigente, também é direito positivo, corroborando a expressão romana de que o costume é um direito fundamental sobre os direitos e que o costume negativo, ou seja, o desuso apartando da norma o elemento essencial para a sua existência que é a eficácia, invalida a regra, ceifando a sua permanência no ordenamento jurídico-positivo.
O sistema jurídico brasileiro não admite que possa uma lei perecer pelo desuso, porquanto assentado no princípio da supremacia da lei escrita (fonte principal do Direito). Sua obrigatoriedade só termina com sua revogação por outra lei. Noutros termos, significa que não pode ter existência jurídica o costume contra legem. (Brasil – STF, 1995). Atualmente, a lei apenas pode ser revogada por outra lei.
Isabela é, outro exemplo, de retidão e, até reclama com uma freira que desejaria maior disciplina e mais estrita para a congregação. Ou seja, em termos de correção, era mais realista do que o rei.
Ângelo, em seguida, faz categórica afirmação sobre a lei e da sua aplicação. Como paladino da correção Ângelo não nega que o homem tenha as suas fraquezas. O homem deve manter sua retidão, até porque, se falhar, sofrerá as penalidades da lei ditada pelo Estado.
Isabela pede o perdão de Ângelo, ao governador em exercício. Primeiro, ela compreende e concorda com a lei e, ainda, reconhece que a justiça do comando legal, mas defende que a sanção, seja exagerada. Depois, tenta a persuadir Ângelo e o atrai por sua vaidade e, pedindo, copiosamente, por clemência.
Ângelo, no entanto, se mostra inflexível às súplicas de Isabela em favor de seu pobre irmão, Claudius. Afinal, a lei deve valer para todos. Entretanto, esse discurso do governador em exercício difere da conversa dos jurisdicionados, antes narrada, na qual se indica a possibilidade de aplicação desigual da lei, favorecendo os mais afortunados, aqueles com amigos influentes e auxiliados por “bons e convincentes advogados”.
Isabela reclama que a lei, embora, existente, não era aplicada por muitos anos, e, com isso, condenar o seu irmão seria injusto. E, clama que a norma deixa de ter força por conta do longo desuso.
H.L.A. Hart[11] comenta um caso de uma mulher, em 1944 que fora condenada por prática de quiromancia, com base em lei inglesa contra feitiçaria de 1735, norma esquecia e sequer era suscitada.
De fato, a medida em que mudam os costumes da sociedade, a lei deve adaptar-se às várias situações da humanidade. Assim, a lei não pode dissociar-se completamente dos costumes[12].
A lei não estava morta, apesar estivesse dormindo. Eis a finalidade preventiva da norma jurídica, promover a profilaxia social. A lei repele o ato que lhe seja contrário, mas também visa que essa repulsa vai atingir a quem se desviar de seu comando.
Isabela, vem a insistir novamente, mas foi rechaçada por Ângelo que lhe avisou: – Vosso irmão morrerá amanhã, resignai-vos. Acontece que Ângelo, por fim, mostrou fragilidade posto que foi derrubado por sua beleza e encanto. A humanidade tem as suas fraquezas e reconhece sua debilidade moral.
Evoca Ângelo um conceito de justiça: se os juízes são corruptos, como poderão punir alguém por corrupção[13]? Faltar-lhes-ia legitimidade.
Isabela, a linda moça tão pura e casta cogita em clemência, num discurso de elevados valores. Enfim, dominado e seduzido Ângelo insinua a Isabela que pode trocar a vida de Claudius pelos favores íntimos com Isabela. A vida do irmão por sua pureza, eis a proposta.
Horrorizada, a casta criatura, Isabela relata ao irmão Claudius sobre a proposta indecente feita por Ângelo. E, em seu desespero, pede à sua irmã que deve mesmo entregar a sua virgindade a fim de salvá-lo da morte.
Percebe-se que Isabela fora exposta à imoralidade do julgador e, depois, a do próprio irmão que com torpeza sustentou que os fins justificam os meios[14].
Isabela, porém, não é tão inocente, e ao rogar por clemência ao julgador, pedindo que desconsidere a lei tão esquecida. Quem estará mais errado? O Estado, os jurisdicionados (Claudius e Julieta) ou a noviça casta?
Conclui-se que todos, de uma forma ou de outra, agridem as leis e também a moral. O Duque, ainda disfarçado pelo frei, reconhece a decrepitude do sistema jurídico.
É trajado de frade que reaparece para Isabela. Tenta resolver o imbróglio. Sugere a Isabela que finja consentir com Ângelo, trocando sua virgindade pela liberdade do irmão. Porém, na hora de deitar-se na cama, deve ser substituída por outra moça, chamada Mariana, a noiva que no passado fora renegada por Ângelo (fora abandonada, porque ficara sem dote).
E, o plano é levado adiante e, Ângelo tem amoroso encontro com Mariana, acreditando ter se deitado com Isabela. E, apesar disso, descumpre o prometido à Isabela, e não suspende a execução de Claudius.
Afortunadamente, o Duque ainda, fantasiado de frade, esconde-se de Claudius e, faz com que outro prisioneiro seja executado no lugar do irmão de Isabela.
Todos, no entanto, inclusive a linda Isabela, pensam que Claudius morreu. Na cena final da peça teatral, todos vão às portas da cidade, aguardam o retorno do Duque. Este, já sabe de tudo, porque sempre esteve presente, apesar de se passando por frade.
Entretanto, as personagens ignoram que o Duque conhece os fatos. E, Isabela, então, perante o Duque acusa Ângelo de corrupção moral e do assassinato de Claudius.
O Duque finge não acreditar. E, pior, determina a prisão de Isabela e sugere que Ângelo a processe. Ocorre, então, o julgamento e, o próprio Duque e governador, novamente, vestido de frade, vai depor a favor da Isabela.
Uma vez confrontado no seu testemunho, o Duque revela, finalmente, a sua identidade. No veredicto final, Ângelo é condenado a casar-se com Mariana, e, depois a morrer pelo assassinato de Claudius.
Isabela, contudo, intercede por Ângelo e apresenta o conceito de cogitatio, isto é, a mera cogitação, não representa um crime. Embora, Ângelo tenha expressado que sua vilania não foi consumida com Isabela.
A lei não alcança os pensamentos nem intenções. Isabela demonstra com lucidez e, pede clemência para Ângelo, o que é concedido pelo Duque.
Para alegria geral, descobre-se que Claudius está vivo e determina o Duque que ele se case com Julieta, reparando o mal através do casamento[15]. Para que ninguém fique sem par, o Duque propõe desposar Isabela. Há, contudo, um enigmático silêncio de Isabela e, a peça termina sem que saiba se aceitou casar-se com o Duque.
Há, contudo, um enigmático silêncio de Isabela e, a peça termina sem que saiba se aceitou casar-se com o Duque. No direito, o silêncio pode obter especial relevância e, ao contrário do adágio popular, quem cala nem sempre consente.
Tanto é assim, que o artigo 111 do Código Civil Brasileiro afirma que: “O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.[16]
Uma das inovações decorrentes da denominada comercialização do direito privado, aponta para o artigo 113 do CC/2002 que faz referência à boa-fé[17] e aos usos como parâmetro de interpretação de negócios jurídicos e, ainda, o artigo 138 que passou a exigir a perceptibilidade do erro para anulação do negócio jurídico e, também, o artigo 110 do mesmo diploma legal, que dispõe que a reserva mental não macula o negócio.
O artigo 111 do CC/2002 ao referir que o silêncio importa anuência nos casos em que os usos ou as circunstâncias do caso o autorizarem, também constitui um ótimo exemplo. Reconhece-se, portanto, que o silêncio como força capaz de gerar obrigações relacionada intimamente com o âmbito comercial. E, liga-se com a celeridade de relações comerciais.
Particularmente, quanto ao casamento, há de haver uma manifestação positiva e inequívoca[18], além de expressa dos noivos. Pode-se interpretar o silêncio[19] como uma forma de Shakespeare dizer, indiretamente, que as pessoas podiam ir contra o Duque, que representava o Estado.
Por outro lado, como não há negativa[20] e o Duque simbolizava o poder, admite-se a interpretação de que o duque e Isabela, ao final, se casam.
A brincadeira etimológica sobre os nomes dos personagens, pois Claudius, irmão de Isabela, que significa aquele que claudica, ou seja, manca. Pois, é essa a situação do personagem, que se casa de fato, mas não se casa formalmente, e que viola a lei, mas, ao mesmo tempo, não a viola, e que pede que sua irmã cometa uma imoralidade para salvar-lhe a vida.
Vicêncio, o nome do Duque de Viena, é nome predominantemente masculino, de origem latina e que significa literalmente “aquele que vence”. Ao passo que Isabela, é nome de origem hebraica e que significa casta e pura.
O mesmo jogo de palavras, igualmente, se aplica a Senhora Overdone que em inglês seria quando se fala sobre o ponto de fritura do bife. Correspondendo ao bem passado, quase esturricado.
Nota-se, a crítica à hipocrisia dos legisladores e dos governantes. Porém, tudo é feito de forma inteligente, até porque o Duque acaba sendo o grande herói e restaurador da ordem.
Afinal, a norma jurídica deve ser vista com os olhos de seu tempo e, deve servir à sociedade, e não o contrário. A sociedade e seus valores se modificam e, a lei não está imune a tal fenômeno. O direito contemporâneo tem se dedicado a análise dos casos concretos, atribuindo relevância secundária à vontade, eivada de subjetivismos e aos desejos não revelados pelas partes.
Mais que a intenção da parte, deve-se avaliar o intérprete o ponto de vista objetivo, para identificar se houve um comportamento correto, legal e transparente[21].
Visando atingir o verdadeiro, o significado da norma jurídica para o aplicador do Direito, não se baseia apenas na letra da lei, mas em uma série de fatores, que podem ter se modificado quando da sua criação. O sistema distingue os quatro elementos básicos da interpretação[22] (gramatical, lógico, histórico e sistemático), não sendo quatro espécies distintas e, sim, devem atuar em conjunto.
Merecedora de destaque, a Escola do Direito Livre nasceu na Alemanha, ao final do século XIX, no pensamento de François Geny e também, de Eugen Ehrlich desenvolvendo-se no sentido de melhor garantir ao juiz, a função criadora sempre que não se depare com preceito legal específico ao caso concreto, sendo que o objetivo único do Direito é a Justiça e, portanto, havendo ou não uma lei escrita, o julgador estará autorizado a se nortear por essa finalidade primacial.
Desta forma, defender-se, até mesmo, a decisão judicial contra legem, nos casos em que o juiz reputar necessário. A máxima dessa Escola é fiat justitia pereat mundus (faça-se justiça, ainda que o mundo pereça). Essa escola apresenta ainda duas tendências uma moderada, que defende apenas a atividade criadora do juiz diante da lacuna da lei, e a mais radical, que defende a atividade criadora quando uma norma for considerada injusta. O que se parece muito com o que fez o Duque de Viena na peça do bardo.
Refere-se à boa-fé objetiva[23] que se manifesta concretamente nos atos[24]. Na peça “Medida por medida”, o duque no julgamento cogita em temperar a justiça com clemência e, no equilíbrio na aplicação da lei. Não façamos da lei um espantalho[25]. (Ato II, Cena II).
Referências
ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. São Paulo. Nova Cultural: 1996.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfraco. Dicionário de Política. Volume 2. Brasília: Editora UnB, 1998. Também disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2938561/mod_resource/content/1/BOBBIO.%20Dicion%C3%A1rio%20de%20pol%C3%ADtica..pdf Acesso em 21.11.2021.
BOBBIO, N. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª edição. Tradução de Maria Celeste C.J. Santos. Brasília: Editora UnB, 1994.
CARBONELL, Miguel; SALAZAR, Pedro (Organizadores). Garantismo. Estudios sobre Luigi Ferrajoli. 2ª edição. Madrid: Editorial Trotta, 2009.
CASTRO NEVES, Jorge Roberto de. Medida por Medida. O Direito em Shakespeare. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013.
DA MAIA, Alexandre. O garantismo jurídico de Luigi Ferrajoli – notas preliminares. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/553/r145-05.pdf?sequence=4 Acesso em 21.11.2021.
DIÓGENES, Kennedy L. O Desuso Revoga A Lei? Disponível em: http://revistas.unirn.edu.br/index.php/revistaunirn/article/view/50/59 Acesso em 22.11.2021. R. FARN, Natal. v.1., n.2, p. 151-162.
DIMOULIS, Dimitri. Direito Penal Constitucional: Garantismo na Perspectiva do Pragmatismo Jurídico-Político. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016.
DOS SANTOS, Juarez Cirino. Lei de Abuso de Poder ou De Proteção da Autoridade? Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/publicacoes/edicoes/36/243 Acesso em 22.11.2021.
ERLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Brasília: Editora UnB, 1999.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 1ª edição/3ª tiragem, 1990.
FOUCAULT, M. Il faut déféndre la societé. Paris: Hautes Etudes, Gallimard/Seuil, 1977.
FRANÇA, Limongi. Hermenêutica Jurídica. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997.
HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. Trad. por Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d.
_______________. The concept of law. Oxford: Clarendon Press, 1975.
MARQUES, Fernando Tadeu; TASOKO, Marcelle Agostinho. O princípio da proporcionalidade em Direito Penal e Direito Processual Penal. Disponível em: https://revistapos.cruzeirodosul.edu.br/index.php/jus_humanum/article/view/883/699 Acesso em 21.11.2021.
MARTINS-COSTA, Judith. Adimplemento e inadimplemento. Revista da EMERJ. p. 95-113. Rio de Janeiro. Número Especial, 2003, parte I.
NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 7ªedição. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
SAVIGNY, Friedrich Karl Von. Da Vocação de nossa época para a legislação e a ciência do Direito. Madrid: Aguilar, 1970.
SHAKESPEARE, W. Medida por medida (Measure for Measure). Produção de Ridendo Castigat Mores. Disponível em: https://www.professorjailton.com.br/novo/biblioteca/medida_por_medida.pdf Acesso em 22.11.2021.
VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da Norma Jurídica. 4ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996.
[1] Os crimes de abuso de autoridade descrevem situações de abuso do poder realizadas por agente público (servidor ou não) no exercício das funções ou a pretexto de exercer tais funções. Logo, se o crime é definido como abuso do poder no exercício de funções, é necessário esclarecer o conceito de função e, depois, o conceito de abuso do poder no exercício da função – uma pesquisa que precede a análise dos novos tipos de crimes de abuso de autoridade instituídos, cuja aplicação pressupõe esses conceitos.
[2] Jaime VI foi Rei da Escócia e Rei a Inglaterra e Irlanda devido a União de Coroas, quando assumiu como Jaime I. Ele sucedeu ao trono escocês com apenas treze meses, logo após sua mãe Maria da Escócia ter sido forçada a abdicar em seu favor. Quatro regentes governaram o país durante sua menoridade, que se encerrou oficialmente em 1578, apesar de ele apenas ter assumido total controle de seu governo em 1583. Em 1603, ele sucedeu a Isabel I de Inglaterra como o monarca da Inglaterra e Irlanda, reinando nos três países por mais 22 anos até sua morte, em 1625, aos 58 anos, no período conhecido como Era jacobina, em sua homenagem. Após a União das Coroas, ele passou a viver na Inglaterra, voltando para a Escócia apenas em 1617 e se intitulando “Rei da Grã-Bretanha e Irlanda”. Jaime foi um grande defensor de um parlamento único para a Inglaterra e Escócia. Durante seu reinado, começaram o Plantation de Ulster e a colonização britânica da América.
[3] Na opinião da doutrina e jurisprudência pátrias o Direito Penal brasileiro é muito brando com os criminosos. Tanto que nosso país já galgou a reputação internacional de ser um verdadeiro paraíso para bandidos. Alguns juristas apontam que o reduz a violência é a certeza da punição e, não, propriamente as penas duras.
[4] O pré-nupcial ou pacto antenupcial é o contrato firmado entre os nubentes antes da celebração do casamento, ele serve para estabelecer o regime de bens a ser adotado durante a união entre ambos e também trata das questões patrimoniais do casal. Importante ressaltar que a assinatura do pacto pré-nupcial deve anteceder a união do casal, mas o pacto somente terá eficácia com a realização do casamento. Inclusive, o casal homoafetivo pode fazer o pacto pré-nupcial para assegurar seus direitos e livre planejamento matrimonial. O contrato pré-nupcial, além de determinar o regime de bens, os noivos podem especificar o patrimônio que cada um tinha antes de se casar e, estabelecer regras sobre administração dos bens em conjunto do casal, quem irá arcar com quais despesas, dessa forma evita brigas futuras referente às questões patrimoniais.
[5] Regime dotal era aquele em que conjunto de bens designado dote é transferido pela mulher, ou alguém por ela, ao marido, para que este, dos frutos e rendimentos desse patrimônio, retire o que for necessário para fazer frente aos encargos da vida conjugal, sob a condição de devolvê-lo com o término da sociedade conjugal. O regime dotal deixou de existir com a vigência do Código Civil brasileiro de 2002, que passou a viger em 10 de janeiro de 2003, encontrando-se atualmente dezoito anos em vigência. O Ministério Público Estadual recorreu ao STJ por entender que não é possível a alteração do regime de bens de casamento celebrado antes da entrada e vigência do Código Civil de 2002.
[6] A União Estável é uma relação jurídica que se dá com a união de duas pessoas que convivem como se tivessem vínculo matrimonial. Para que ela ocorra, é preciso que um casal tenha convivência duradoura, contínua e pública, com a intenção de constituir uma família. Para declarar a união estável é preciso comprovar que há uma relação afetiva entre duas pessoas que seja duradoura, pública e com o objetivo de constituir família. Ou seja, um casal de namorados que não vive sob o mesmo teto, não tem filhos ou alguma outra prova de constituição familiar simplesmente não pode declará-la. Mas um casal que já está junto há algum tempo, tem filhos, mas não vive sob o mesmo teto, pode. Parceiros que vivem juntos, dividem as despesas e têm o relacionamento reconhecido pelos demais – ainda que não tenham filhos — também podem declarar união estável.
[7] O conceito de poder, é talvez a maior questão política da atualidade e, transcende aos limites do Direito, bem como o das relações econômicas, segundo Foucault, o poder é uma relação de força que existe, essencial, como o que reprime, sendo por isso útil para garantir as relações de produção econômicas, especialmente, através do Direito.
[8] O legalismo é utilizado, muitas vezes, como estratégia autoritária, de impor uma ação estatal justificada apenas na necessidade de cumprimento da lei. Aliás, o legalismo é ideologia jurídica caracterizada a partir do dogma do monismo estatal (o Estado é a único fonte mediata do Direito, tendo não apenas o monopólio da jurisdição, mas também o monopólio do direito de punir. O legalismo coloca as normas legais estatais como verdade absoluta, inerentemente de qualquer evidência ou fato social, argumento ou interpretação extensiva que possa colocar em prova aquelas normas.
[9] No que se refere à pena máxima cominada, segundo Ferrajoli sustenta que a mesma, qualquer que seja o crime, não deveria ultrapassar de dez anos. Uma redução deste gênero suporia uma atenuação não apenas quantitativa, senão também, qualitativa da pena dado que a ideia de retornar à liberdade, depois de um breve e não após longo ou indeterminável tempo tornaria sem dúvida mais tolerável e menos alienante a pena de reclusão.
[10] Em análise do STF em ação direta de inconstitucionalidade 4.277 que atribui às uniões homoafetivas, igual tratamento jurídico que o destinado às uniões estáveis heteroafetivas, busca-se demonstrar, o efeito reconhecimento da Suprema Corte, especialmente as relações sociais da pós-modernidade, que se encontram em permanente transformação, fato que não pode ser desprezado pela jurisprudência, nem pelo sistema jurídico oficial, pois resultaria em insegurança social decorrente do descompassado entre o sistema normativo formal e a realidade ética-social brasileira. O julgamento conjunto da ADPF 132 e da ADI 4277 representou uma genuína quebra de paradigmas e um avanço para o nosso Direito das Famílias. Assim, as uniões homoafetivas foram equiparadas às uniões estáveis.
[11] Na órbita do Direito anglo-saxão, o referencial de Hart, os padrões gerais de conduta são comunicados através dos precedentes e da legislação. O fazem, respectivamente, com um uso máximo e um uso mínimo de palavras.59 O precedente constitui-se, por assim dizer, em exemplos dotados de autoridade. Essa comunicação de padrões de conduta através do precedente traz consigo uma grande zona de imprecisão, no tocante aos sujeitos atingidos e quanto às condutas pretendidas. Ao contrário, aparentemente, a regra de conduta comunicada através da lei (usando formas explícitas de linguagem) seria, nas palavras de Hart, “clara, certa e segura”.
No entanto, a evolução do pensamento jurídico tem possibilitado a compreensão de que em ambos os casos as regras de conduta não nos são comunicadas de forma absolutamente segura ou clara. Neste momento, uma conclusão mais apressada poderia fazer crer que a “interpretação” da lei e dos precedentes bastaria para aclarar seu conteúdo. Hart refuta tal possibilidade, uma vez que a própria maneira de os interpretar está submetida aos limites gerais da linguagem (ou seja, em certos casos, até mesmo as regras de interpretação poderiam necessitar ser interpretadas).
[12] Não se confundem com os costumes, regras consuetudinárias dotadas de convicção de obrigatoriedade em um dado âmbito. Mas a distinção não tem maior relevância para o presente tema, pois tanto os usos quanto os costumes podem qualificar o silêncio como declaração, a teor dos arts. 111 e 432, ambos do CC/2002. Vistos esses aspectos sobre as circunstâncias qualificadoras do silêncio, é importante tratar de algumas circunstâncias que não são suficientes para qualificá-lo como declaração de vontade, apesar da existência de fatores que ensejam dúvidas a respeito.
[13] Corrupção ativa: quando um indivíduo oferece dinheiro a um funcionário público em troca de benefícios próprios ou de terceiros; Corrupção passiva: quando um agente público pede dinheiro para alguém, em troca de facilitações para o cidadão. O Código Penal brasileiro, em seu artigo 317, define o crime de corrupção passiva como o de “solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
[14] Não foi Maquiavel que proferiu esse lema. Maquiavel participou de missões diplomáticas na Espanha,
França e, até no Vaticano. Quando a facção Médici tomou o poder na Itália, foi preso, torturado e exilado da cidade. Entre muitos conselhos, destacam-se este: “Não se afaste do bem, mas saiba valer-se do mal, se necessário”. Portanto, inaugurou a ideia de valores políticos mensurados pela prática e utilidade social. Os fins justificam os meios é frase que não consta da obra de Maquiavel e nunca fora escrita por ele. Com relevante adendo: a política talvez, seja um fim em si mesma.
[15] Pela lei italiana, em priscas eras, se o estuprador se cassasse com vítima, o casamento funcionava como reparação e, assim, o homem receberia o perdão por sua violência e a honra da mulher seria restaurada diante da sociedade. Até 2005, existia na lei penal brasileira dispositivo previsto na Lei 11.106 que determinava que, se a vítima de violência sexual se casasse com seu agressor, ou com outro homem, o crime simplesmente deixaria de existir. Tal legislação estava em vigor desde 1940, no título dos “Crimes de Costume”.
[16] Via de regra, o silêncio é um nada jurídico. No direito civil a manifestação de vontade expressa é crucial na segurança jurídica e no direito penal o silêncio é tido como autodefesa do acusado, devendo ser previamente informado de seu direito, não podendo seu silêncio ser interpretado em seu prejuízo.
[17] Regras de Interpretação da Convenção de Viena de 1969: (a) Regra Geral – art. 35. a.1. Boa-fé; a.2. sentido comum dos termos do Tratado; a.3. Contexto; a.4. Objeto e finalidade (teleológico); (b) interpretação de Tratados autenticados em duas ou mais línguas – art. 33; (c) Meios Suplementares de Interpretação – art. 32. Posição do Supremo Tribunal Federal – STF. Inicialmente cumpre destacar que o §2º, do art. 5º, da Constituição Federal do Brasil de 1988 determina que os direitos e garantias expressos na Constituição, não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos Tratados Internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O referido § 2º, do art. 5º, da CF, determina que os direitos e garantias expressos na Constituição, não excluem direitos decorrentes dos Tratados e Convenções Internacionais.
[18] Quanto à manifestação de vontade: devendo ela ser livre, inconteste e corresponder ao exato interesse do nubente. Se, nos termos expostos, o casamento é existente e válido passa a ter eficácia jurídica e, consequentemente, pode produzir todos os efeitos (artigos 1565 e ss., CC).
[19] “O silêncio pode então definir-se: ‘uma manifestação de vontade, por meio de um comportamento negativo, deduzida de circunstâncias concludentes, caracterizadas pelo dever e pela possibilidade de falar quanto ao silente e pela convicção da outra parte, indicando uma inequívoca direção de vontade incompatível com a expressão de uma vontade oposta.
[20] Se houver recusa expressa ou falta de manifestação explícita e positiva de vontade Ocorrerá causa de paralisação da celebração do casamento, pois sem o seu consentimento não pode haver o matrimônio. Vide artigo 1.538, inciso I do Código Civil Brasileiro. Se o nubente declarar que está sendo obrigado a casar, também demonstra a vontade viciada e imprópria, impondo a suspensão da celebração e impedindo a consumação do casamento. Ou ainda, manifestar arrependimento durante a celebração. “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir” (negrito nossos – art. 107 do Código Civil).
[21] A propósito, a Lei de Acesso à Informação em seu artigo 5º informa: É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão. Realizado o pedido de acesso, o órgão ou entidade que o recebeu deve conceder imediatamente a informação disponível.
[22] As Escolas de Interpretação ou Sistemas Hermenêuticos são correntes que surgiram no século XIX em face do surgimento das grandes codificações e, dominaram, teoricamente, em certas épocas, procurando estabelecer a forma ideal de relacionamento entre a norma e seu aplicador, tentando determinar, quais sejam as interpretações possíveis e, qual grau de liberdade e discricionariedade a ser conferida ao julgador.
[23] Reconhecer a boa-fé não é tarefa fácil, resume o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins. Para concluir se o sujeito estava ou não de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético, ou se havia justificativa amparada no direito, completa o magistrado.
Mesmo antes de constar expressamente na legislação brasileira, o princípio da boa-fé objetiva já vinha sendo utilizado amplamente pela jurisprudência, inclusive do STJ, para solução de casos em diversos ramos do direito. No Código Civil de 2002 (CC/02), o princípio da boa-fé está expressamente contemplado. O Ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da Terceira Turma, explica que a boa-fé objetiva constitui um modelo de conduta social ou um padrão ético de comportamento, que impõe, concretamente, a todo cidadão que, nas suas relações, atue com honestidade, lealdade e probidade.
Ele alerta que não se deve confundi-la com a boa-fé subjetiva, que é o estado de consciência ou a crença do sujeito de estar agindo em conformidade com as normas do ordenamento jurídico.
[24] Tratando do fenômeno, a Profa. Judith Martins-Costa esclarece que, seja qual for o tipo da cláusula geral, o que fundamentalmente a caracteriza é a sua peculiar estrutura normativa. Por cláusula geral entende-se uma disposição normativa que utiliza, intencionalmente, uma linguagem aberta, fluida ou vaga (através do emprego dos chamados “conceitos jurídicos indeterminados”), havendo uma ampla extensão no seu campo semântico. É devido a essa vagueza semântica que elas permitem a incorporação de princípios, diretrizes e máximas de conduta originalmente estrangeiros ao direito codificado, o que constitui a base para a construção de um sistema aberto.
[25] O juiz tem o papel de mediador entre a lei e o fato, ou seja, o juiz diz o direito frente aos fatos apresentados. Diz-se, pois, que o julgamento é um silogismo cuja premissa maior é a lei, a premissa menor é o fato e a conclusão, a sentença. Entretanto não se pode reduzir a atividade judicante em mera operação matemática, uma vez que a aplicação do direito envolve fatores psíquicos e apreciações de interesse, principalmente na determinação do sentido da lei, em que não se pode alcançar a neutralidade axiológica.
Angelica Giorgia Affonso, OAB/SP n 208996, inscrita na subseção de Guarulhos/SP, formada pela Universidade de Guarulhos, no ano de 1998, atuante desde 2003. Pós Graduada em Processo Civil, pela ESA-Unisul, com habilitação para o Magistério Superior. Atua ainda, como monitora no curso de Usucapião do Portal Carreira do Advogado. |