O discurso de Hamlet

Resumo: A contemporaneidade de Hamlet e seu discurso nos faz refletir sobre as escolhas políticas, ideológicas e sociais que fomos fazendo no longo percurso de amadurecimento e crise das democracias.

O discurso nos remete às discussões dos sofistas gregos e da filosofia socrática e veicula as questões da existência ou não de determinadas realidades, materiais ou abstrações. “Ser ou não ser, eis a questão” é a mais famosa frase dita por Hamlet durante o monólogo da primeira cena do terceiro ato na peça de Shakespeare.

Existir ou não existir, em última instância, viver ou morrer. A consciência da existência humana é o que acovarda o pensamento suicida, pois diante desta, se detém o medo do que possa existir após a morte. Hamlet teme as eternas punições por ser um suicida. Em cena, estão escondidos o Rei e  Polônio (Polonius). Toda a trama nos faz refletir sobre o presente contemporâneo.

Nos ensinamentos das homilias, a rebelião e  usurpação são crimes mais graves, correspondentes aos próprios símbolos daquilo contra o que pregava a Igreja em benefício da estabilidade da dinastia Tudor. Também para Shakespeare sempre teve profunda significação, com restrição apenas, de que para o bardo, competia ao governante evidenciar as qualidades capazes de mantê-lo no controle do poder, por influência de Plutarco[1].

No período trágico, o cenário representado em Hamlet, naturalmente, por um irmão usurpador que, no caso, também é o autor de unmatural murder , ou seja, assassinato antinatural. Mas, o centro da ação não estará aí, e sim, na sua origem, e a imagem transmitida do rei assassinado será coerente com aquela que as homilias aprovava, enquanto Claudius age por ambição, traindo, matando, mentindo, perjurando-se, cumprindo, enfim, sua tarefa de ser maquiavélico de Gentillet, muito embora com a sutileza maior advinda do maior amadurecimento pessoal e artístico do autor.

O bardo já travara conhecimento com a obra de Maquiavel e, Claudius sendo o antagonista de Hamlet não poderia, de qualquer modo, ser desenhado com a simplicidade de um personagem menor.

Em seu comportamento público, ele apresenta apenas algumas características de político positivo. Em número suficiente de exemplos para demonstrar a sua preocupação com o Estado e com a política, da forma que foi concebida na era de Elizabeth I, esteve sempre presenta em Shakespeare e que, ao retratar temas secundários, ele preservou permanentemente a dicotomia um tanto simplista, entre os valores das homilias.

Entre as quatro tragédias romanas do bardo, bem ao lado de Tito Andrônico, Julius Cesar e Antônio e Cleópatra, Coriolano teve baixa popularidade, em razão, do próprio protagonista, Caio Marcius Coriolanus[2] que era um militar truculento e avesso às palavras. A peça carece dos mergulhos poéticos e existenciais como assistimos em Hamlet ou Macbeth e, ainda, que resulte em enredo quase realista, trata, em verdade, da luta de classes, política do alto e do baixo clero, guerra civil e imperialismo.

Importante destacar que Bertolt Brecht adaptou Coriolanus em 1951, mantendo o mesmo título, mas, redesenhando o perfil do cidadão do povo e dos tribunais. As quatro peças teatrais retrocitadas possuem cunho fortemente político, apesar de serem ambientadas em cenários distantes o bastante, no tempo e no espaço da Londres renascentista, o dramaturgo deu-se a liberdade de discutir de como aprofundado os regimes de governos e suas respectivas crimes, os primórdios da república, no século V antes de Cristo, a derrocada da república no século I, em Julius César, a transição da república par ao Império, também no século I antes do Cristo, em Antônio e Cleópatra e a decadência do império romano, no século IV depois de Cristo em Tito Andrônico.

O bardo se baseou em biografias de Plutarco e nos relatos históricos de Tito Lívio[3], com exceção de Tito Andrônico que é de matéria puramente ficcional, onde abordava assuntos de grande interesse dos ingleses, não só em função da  enorme admiração que nutriam pelos romanos, em razão de sua própria história política, plena de contradições e peculiaridades, como a presença precoce de um parlamento, desde 1215, a ruptura com a Igreja Católica, em 1533, seguida de alternância radical de religiões oficiais, a presença longeva de Elizabeth I no trono (de 1558 a 1603), que era uma mulher de corpo frágil, mas com estômago e têmpera de um rei, e em uma troca traumática de monarcas, com a ascensão do escocês Jaime I, dos Stuarts, depois da morte da Rainha Virgem[4].

Harold Bloom destacou que Coriolanus é a peça política, até mais que Julius Cesar e Henrique V, onde a representação do conflito de classes, fortemente marcado no enredo pela ocorrência da fome. Semelhantemente, ao que se passava na Inglaterra, em 1607, momento em que os camponeses se insurgiram em levantes populares contra os cercamentos dos campos em Northamptonshire, Leicestershire e Warwickshire, no que ficou conhecido como Midland Revolts, a Roma de Coriolanus está repleta de cidadãos famintos e celeiros repletos.

O bardo utilizou o tema da fome e suas imagens derivadas, o corpo, os alimentos, o aleitamento, a devoração, como um dos eixos de construção poética do texto, insinuando a existência de uma relação estreita entre a fome e a política.

O modo como Shakespeare trabalhou com tantas tensões sociais e políticas tirou provento máximo da educação retórica que recebeu e da cultura do debate que o humanismo renascentista fomentou amplamente na Inglaterra, o bardo conseguiu encenar um conjunto de problemas sem propor-lhes soluções, contentando-se em demonstrar o quão agudos era, podendo adquirir perspectivas diferentes e confrontando-se no espaço público.

Se a política habilmente se mantém como instrumento capaz de articular os diversos fios de interesse em jogo e, no limite, como alternativa à guerra civil, o bardo sugeriu que seu efeito, é antes domesticador, apaziguando as tensões às custas, ainda de uma tirania exercida não mais pela força, mas pela palavra.

Coriolanus, consiste em tragédia individual, sem abrir mão desse modelo, a tragédia como projeto de uma sociedade e de um regime de governo, sem heróis, trazendo apenas vencedores e vencidos.

A plateia e também os contemporâneos de Shakespeare já estavam habituados as discussões acerca dos vícios e virtudes da linguagem, era um tema recorrente da vida intelectual, escolar e teatral inglesa  no renascimento nascente.

Enfim, o humanismo renascentista se convertera em amplo projeto pedagógico que alçava o estudo de clássicos, principalmente, os latinos e, das artes do discurso ao centro do currículo das grammar schools e universidades, engendrando cultura que se pode chamar de cultura retórica.

Grosso modo, a retórico corresponde a um conjunto de procedimentos operados no discurso com fins de torná-lo persuasivo, desde o nível da sentença até o nível do texto, seja escrito ou oral. Corresponde aos processos mentais, bem como os modos de interação social, gerados a partir desse uso e compreensão da linguagem, incluindo o cultivo de habilidades argumentativas e apreço ao debate.

A cultura retórica interfere na própria concepção de subjetividade, ao entender que tanto quanto os textos, as pessoas e suas identidades são passíveis de constante elaboração e reescritura, aptos ao que Stephen Greenblatt denominou de self-fashioning.

Erasmo de Roterdã[5] chegou a afirmar que os homens não nascem, mas são moldados e, tal moldagem que se dá na escola e encontra no  teatro formas complexas de representação, efetiva-se, principalmente, pelo uso da linguagem.

A história de Coriolano não corresponde à totalidade da peça, é uma das histórias, apenas, a ser contada: a mais grandiloquente, com suas cenas de batalha, procissões imponentes, dinâmicas familiares inusitadas e mortes espetaculosas.

Contudo, há resíduos deixados por outras trilhas que compõem o enredo, os quais somos forçosamente levados a enxergar uma vez que a morte de Coriolano não representa a morte de um “vilão”, mas a de um bode expiatório[6].

O conflito de classes é estruturante do enredo da peça, e Shakespeare o explora com um grau de complexidade surpreendente para a época, revelando como trágica a própria condição de uma sociedade que tenta se democratizar, mas cujas elites se recusam a dividir o alimento excedente com a plebe.

A entrada dos tribunos em cena corresponderia a uma tentativa de tornar essas forças menos assimétricas, mas não é isso o que essa tragédia romana nos mostra.

Na medida em que os tribunos apenas substituem as elites na manutenção da subalternidade dos cidadãos; na medida em que a república converte-se em uma encenação superficial de democracia; na medida em que uma mãe entrega a cabeça do filho único, talvez em nome de Roma, mas quiçá em troca de fama e poder, somos postos em contato com a insolubilidade do conflito e com o fato de que a intolerância que avultava como ameaça ao povo, personificada por Coriolano, não tem como alternativa a tolerância, mas o engodo, a demagogia, a força dos projetos pessoais de alguns poderosos. Na república recém-inaugurada, as técnicas de conservação do poder apenas se transformam, tornam-se mais maquiavélicas.

Em uma conclusão de dolorido niilismo, essa obra pouco conhecida do Bardo parece sublinhar a forte relação entre a fome e o ódio em uma sociedade de classes: curiosamente, o ódio não é produto da fome, é antes o alimento prometido para satisfazer com rapidez todas as fomes. O ódio é o combustível das rebeliões, guerras e assassinatos.

Daí, a necessidade de se fabricar “inimigos do povo” – para que gerem o ódio-alimento que vai suprir a escassez dos grãos e saciar os corpos, e em seguida eliminá-los, até que um novo inimigo seja forjado.

No fragmento de diálogo entre Menênio e o tribuno Sicínio, que fala do amor de lobos por cordeiros, e neste Caio Marcio faz parte do rebanho e não da alcateia. O que nos faz questionar: quem será o meu lobo?

Coriolanus em sua fala questiona: “Como vivemos juntos quando somos diferentes? A democracia é o pior dos regimes, com exceção, de todos os outros? Não temos escolha a não estar entre a demagogia dos tribunais e a tiranias dos homens fortes. É mesmo necessário preferir a segurança à liberdade e, à revolução social a ordem autoritária, se ela for apresentada como justa?”

As democracias, em sua maioria, não resolveram os sérios problemas socioeconômicos e sociais e deu-se grande aumento de abstenção nas eleições. Por exemplo, em nosso país, o atual Presidente da República fora eleito com 57 milhões de votos, mas o Brasil tem cerca de duzentos milhões de habitantes e 150 milhões de eleitores.

A referida abstenção eleitoral está vinculada à forte desesperança no regime democrático, o que gerou a eleição de figuras caricatas e bizarras, os chamados outsiders da política. Só à guisa de exemplificação, na Ucrânia elegeram um humorista como Presidente, em São Paulo elegeu-se Tiririca[7], pelo terceiro mandato consecutivo como deputado federal. E, tantas outras figuras folclóricas que vai desde ator de filme pornográfico até meretriz que encontrou Jesus.

O Brasil é o único, país da América do Sul, em que o povo não pode fazer propostas de Emenda à Constituição Federal.  O Brasil é o único país da América do Sul em que o povo não pode convocar plebiscitos e referendos (apenas o Congresso pode).

O procedimento da iniciativa popular (o povo fazendo projetos de lei) é bizarro. O Congresso não tem prazo para votar o projeto de lei do povo. Por exemplo, o projeto das dez medidas contra a corrupção está engavetado protocolarmente na Câmara de Deputados.

A partir das premissas de Michel Foucault e Jacques Lacan analisou-se o conceito de discurso tanto em sua elaboração linguística, como da relação ao  duto, procurando entender a História e de como esta contribui para a psicanálise e a crítica literária.

A análise da tragédia shakespeariana Hamlet sob as perspectivas desses dois pensadores, principalmente na relação de Hamlet quanto para Ophelia.

Foucault nos ofereceu justificativa para o percurso do mundo moderno e suas oposições. A partir do século XVII onde se situa Hamlet e, parte-se do princípio baseado nas leis de similitude e diferença. Lembramos que enquanto o mundo clássico enfrentou a representação a partir da modernidade, o assunto foi disciplinado pelo sentido e significação.

A linguagem evoluiu e passou de casos particulares de representação para os de significação (moderna e contemporânea). A interdependência da linguagem se desintegra, a escrita se suspense, desaparece o visto e lido, o visível e enunciável.

Foucault profetizou, in litteris: “as coisas e as palavras vão separar-se. O olho será fadado a ver, ver apenas; o ouvido somente ouvir e o discurso terá realmente por tarefa dizer o que é , mas não será nada mais que ele diz.” (Foucault, 2007).

A tragédia na modernidade é forma de representação que reclama o direito do indivíduo a seu destino, de suas ações frente a outrem. A tragédia moderna reclama o valor do herói a partir da identidade e sua diferença. Interessante é a perspectiva das teorias psicanalíticas o que inclui o complexo de Édipo[8], segundo a linha de Freud e Lacan. Traduzindo a significação do desejo na peça Hamlet.

No discurso utiliza-se a psicanálise para buscar contrastar por um fio de associações ou superposições, já que cogitamos de uma estrutura simbólica a ser desvendada. A natureza do discurso na obra literária moderna, passa por nova visão sobre a linguagem.

O tempo do discurso do outro é fator relevante. Basta pensar o herói num sentido histórico, o que primeiro se fará pela oposição do protagonista antigo ao moderno.

Há distinções quanto às apresentações do herói no mundo moderno, basta visualizar Quixote, personagem de Cervantes que se põe entre a identidade e a diferença.
Quixote quer ser semelhante aos signos que ele carrega e, quer prová-los, pois os signos visíveis já não são semelhantes aos seres visíveis.

Transforma-se, então, a narrativa em uma sequência de signos sem conteúdo, cujo intuito principal é modificar a realidade em signo, ou seja, provar que os signos da linguagem não são iguais às próprias coisas.

Cervantes desenhou o negativo do mundo do Renascimento, que passa a ser o intermediário entre a palavra e a coisa. O que é falado e o pensado. Quixote manda seu fiel escudeiro Sancho procurar Dulcineia e ele fica sozinho por um período prolongado. Quixote fala sozinho.

Quixote grita: “Não fujam, criaturas vis e covardes, que um cavaleiro sozinho é quem os ataca”. Os acontecimentos que se sucedem a essa assertiva, quando Dom Quixote fala com os Moinho, gera um dos mais estranhos acontecimentos que acometeram Dom Quixote em suas andanças.

O valoroso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha enfrenta quarenta combates, vencendo a metade e sendo derrotado nos outros vinte. Miguel de Cervantes atendendo a lição do seu mestre cético, Erasmo de Rotterdam (Roterdã), torna equivalentes as derrotas e vitórias, construindo um complexo sistema de relativização tanto da vitória quanto da derrota.

Ao tempo de Cervantes, um poeta bem retratava seu tempo, Régnier que afirmava: “o mundo é um carnaval onde tudo se confunde; quem pensa ganhar é amiúde quem perde”. Consciente disso, o fidalgo se esmera em transformar suas derrotas em vitórias; da mesma maneira, não comemora suas vitórias, considerando-as tão naturais quanto a existência de derrotas.

A luta com os moinhos de vento é única e tanto ajudou a forjar o mito quixotesco, porque envolve objetos inanimados que se transformam, para Dom Quixote, em gigantes cruéis, e depois, novamente, em moinhos de vento. O absurdo não reside somente em ver gigantes onde há trinta ou mais moinhos de ventos, mas principalmente em arremeter sozinho contra eles.

A pá de um dos moinhos, porém, derruba o ousado cavaleiro, dando o tema para uma das imagens mais representada pelos artigos ao longo dos tempos. Então, o herói ferido, não chão, é admoestado por Sancho, que lhe pergunta como não viu que atacava apenas moinhos de vento. Dom Quixote manda o amigo se calar, lhe explicando que as coisas da guerra, mais que as outas, estão sujeitas a mudança contínua.

Lutar com moinhos de vento, tornou-se, desde então, em todas as línguas ocidentais, o paradigma da luta inútil. Não importa ao protagonista, entretanto, que ela se apresente inútil, se a entende como necessária para o seu desejo e, portanto, necessária para o mundo.

Dom Quixote “lê” e enxerga os moinhos de vento como se fossem gigantes e, logo depois, como se fossem moinhos de vento mesmo, para que o leitor faça o mesmo com a ficção de que fazem parte tanto o personagem quanto, enfim, o próprio leitor. Lutar contra moinhos de vento é a própria luta da ficção contra a realidade, como o romance deixa muito claro quando atribui o encantamento dos moinhos ao “sábio Frestão”.

Então, apesar da aparente derrota, apesar de se encontrar bastante machucado, Dom Quixote recorre a um oxímoro poderoso e opõe, às más artes do sábio Frestão, a “bondade da sua espada”. A sua verdadeira espada é a fantasia, ou, em termos mais precisos, a ficção. Luta contra moinhos de vento quem assume sua fantasia, quem faz ficção e quem lê ficção, apostando todas as suas fichas na vizinhança do impossível. É uma luta inútil, como sabemos. Por isso mesmo, é uma luta que vale toda a pena do mundo.

Comemorou-se em 2022 quatrocentos e dezessete anos da primeira edição da obra Dom Quixote de La Mancha que é marco sinalizador de valores fundantes da alma ibérica.  Dom Quixote muito relaciona-se com homem brasileiro contemporâneo, dando ensejo ao presente populismo desvairado e iletrado que domina o país. Infelizmente, muitos seja por desconhecimento ou incúria ignoram ou não enxergam a importante mensagem de Cervantes.

O Cavaleiro da Triste Figura[9] vivenciou até as últimas consequências o ideal de ser movido e agir pelas próprias convicções, não importando o que custasse, sem enxerga ainda os efeitos de atos praticados. Encarnou o comportamento cavalheiresco que age em função da honra e dos ideais de justiça, mesmo que durante a missão apareça como ser deslocado no tempo e avaliado pelos outros como um completo louco varrido.

Ortega y Gasset já afirmava: Eu sou eu, e minha circunstância, e se não a salvo, não me salvo”. Cervantes era autor da Espanha do século XVII. Assim como todos os gênios, não se encerrou na estreiteza de uma confraria, de uma ordem, ou ainda, de um salão oficial. E, com a liberdade absoluta do espírito, se inspirou na Itália e em Andalucía, terra de luz, liberdade, beleza e de abertura à vida. Provavelmente, o melhor traço que melhor caracteriza a personalidade de Cervantes era o do amor a liberdade do tipo estoico[10], que não ambiciona riquezas, o que mais satisfaz com a honradez e, que, paradoxalmente, muito deseja da vida. Correspondendo a um meio-termo entre a razão da austera Castela e a vitalidade da luminosa Andalucía.

A defesa incondicional da liberdade corresponde ao leitmotiv do belo discurso que Cervantes põe na boca de Dom Quixote, eis as palavras: “A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos, que aos homens deram os céus; não se lhe podem igualar os tesouros que há na terra, nem os que o mar encobre; pela liberdade, da mesma forma que pela honra, se deve arriscar a vida, e,  pelo contrário, o cativeiro é o maior mal que pode acudir aos homens.  Digo isto, Sancho,  porque bem viste os regalos e a abundância que tivemos neste castelo, que deixamos; pois no meio daqueles banquetes saborosos, e daquelas bebidas nevadas, parecia-me que estava metido entre  as estreitezas da fome; porque os não gozava com a liberdade com que os gozaria, se fossem meus; que as obrigações das recompensas, dos benefícios e mercês recebidas, são ligaduras que não  deixam campear o ânimo livre. Venturoso aquele a quem o Céu deu um pedaço de pão, sem o obrigar a agradecê-lo a outrem que não seja o mesmo Céu!” [Dom Quixote de la Mancha, Parte II, Cap. LVIII, p. 300].

Comentando o discurso de Dom Quixote, escreveu Mário Vargas Llosa (1936-) o seguinte texto, em que destaca a inspiração liberal do nosso herói: “Recordemos que o Quixote pronuncia esta louvação exaltada da liberdade ao partir dos domínios dos anônimos duques, onde foi tratado a corpo de rei por esse exuberante senhor do castelo, a encarnação mesma do poder.

Mas, nos afagos e mimos de que foi objeto, o Engenhoso Fidalgo percebeu um invisível espartilho que ameaçava e rebaixava a sua liberdade, porque os não gozava ‘com a liberdade com que os gozaria, se fossem meus’.

O pressuposto desta afirmação é que o fundamento da liberdade é a propriedade privada, e que o verdadeiro gozo só é completo se, ao desfrutar, uma pessoa não vê recortada a sua capacidade de iniciativa, a sua liberdade de pensar e de agir. (…) Não pode ser mais claro: a liberdade é individual e exige um mínimo de prosperidade para ser real. Porque quem é pobre e depende da dádiva ou da caridade, nunca é totalmente livre” [In: Cervantes, 2004: XIX].

A liberdade apregoada e defendida por Dom Quixote, é a que hodiernamente chamamos de liberdade negativa. Trata-se de uma liberdade não adjetivada, liberdade primária de ir e vir, essa liberdade que estimulou as revoltas espanholas, portuguesas e ibero-americanas, nas denominadas “conjurações”, seja dos comuneros espanhóis do século XVI, seja dos nossos conjurados neogranadinos ou mineiros de fins do século XVIII.

Ora, a liberdade primária defendida pelos conjurados latino-americanos é a de pensar e agir, a de não serem taxados os cidadãos sem prévia negociação com a Coroa.

A propósito disto, afirma Vargas Llosa: “Que ideia da liberdade se faz Dom Quixote? A mesma que, a partir do século XVIII, far-se-ão na Europa os chamados liberais: a liberdade é a soberania de um indivíduo para decidir a sua vida sem pressões nem condicionamentos, em exclusiva função de sua inteligência e vontade. Quer dizer, o que vários séculos mais tarde um Isaiah Berlin (1909-1997) definiria como liberdade negativa, a de estar livre de interferências e coações para pensar, se exprimir e agir.

O que reside no coração dessa ideia de liberdade é uma desconfiança profunda em face da autoridade, dos desaforos que pode cometer o poder, qualquer poder” [Vargas Llosa apud Cervantes, 2004: XIX].

Essa liberdade negativa é também defendida por Sancho Panza. Em face das complicadas tarefas de governador da Insula Barataria, o fiel escudeiro prefere a vida simples de quem se contenta com o trabalho manual e o alimento na hora certa; prefere essa vidinha aos luxos da corte e à complicada ritualística da governança, que lhe exige, entre outras coisas, entrar em combate com incômoda armadura que lhe impossibilita os movimentos, levar uma surra monumental dos inimigos fictícios e se submeter à famélica dieta prescrita pelos médicos, a fim de manter as aparências estetizantes do palco da política.

Eis o discurso com o qual Sancho dispõe-se a justificar a sua saída do poder, para desfrutar a simples liberdade dos filhos de Deus: “Abri caminho, senhores meus, e deixai-me voltar à minha antiga liberdade; deixai-me ir buscar a vida passada, para que me ressuscite desta morte presente. Eu não nasci para ser governador, nem para defender ilhas nem cidades dos inimigos que as quiserem acometer.

Entendo mais de lavrar, de cavar, de podar e de pôr bacelos nas vinhas do que de dar leis ou defender províncias nem reinos. Bem está São Pedro em Roma; quero dizer: bem está cada um, usando do ofício para que foi nascido.

Melhor me fica a mim uma fouce na mão, do que um ceptro de governador; antes quero comer à farta feijões, do que estar sujeito à miséria de um médico impertinente, que me mate à fome; e antes quero recostar-me de Verão à sombra de um carvalho, e enroupar-me de Inverno com um capotão, na minha liberdade, do que deitar-me, com a sujeição do governo, entre lençóis de Holanda, e vestir-me de martas cevollinas.

Fiquem Vossas Mercês com Deus, e digam ao duque meu senhor que nasci nu, nu agora estou, e não perco nem ganho; quero dizer: que sem mealha entrei neste governo, e sem mealha saio, muito ao invés do modo como costumam sair os governadores de outras ilhas; e apartem-se, deixem-me, que me vou curar, pois suponho que tenho arrombadas as costelas todas, graças aos inimigos que esta noite passearam por cima do meu corpo” [apud Cervantes, s/d: II, 279].

O Cavalheiro da Triste Figura, embora reconheça a legitimidade dos poderes constituídos, desconfia dos seus excessos. Numa Espanha presidida pelo Estado patrimonial dos Áustrias, Dom Quixote fica com um pé atrás, em face da autoridade. Ela, como nos subúrbios das grandes cidades brasileiras ou no nosso sertão, somente se fazia presente, na Espanha cervantina, para tornar mais difícil a vida do desprotegido cidadão.

Quando os poderosos extrapolam os seus privilégios, utilizando uma legislação que, como a filipina, privilegiava quem tivesse recursos contra os que não tinham nada, o herói cervantino não duvida em favor de quem vai empunhar as suas armas: em defesa dos fracos. Isso acontece, por exemplo, quando Dom Quixote desafia o poderoso Juan Haldudo, que está açoitando um dos seus empregados que lhe extraviou uma ovelha. Dom Quixote intervém, lança em riste, obrigando o rude senhor a parar com a injusta punição.

O romance tem origem no teatro e a caracterização dos personagens como nas peças teatrais de Shakespeare. Quando Hamlet divaga ele fala, e  quando fala ele divaga. A literatura moderna transforma a arte da caracterização porque transforma quem vê o personagem.

O herói, o autor e o signo mostram como se desdenham sobre as diferenças e as similitudes pelas falas de Quixote. Ele confunde razão com insanidade e dúvida de tudo como absoluto.

Ele toma algo pelo que não é e, as pessoas pelo que não são, ignora o amigo e reconhece o estranho. Quixote é o insano[11] do século XVI, mas, teve a lucidez de enxergar nos moinhos, o mostro. Todos os signos para Quixote se assemelham e todas as semelhanças valem como signos.

Os moinhos de vento na obra de Cervantes se tornou a própria metáfora da loucura. Na obra, um louco e idoso cavaleiro investe sua lança contra as imensas pás rodantes de um moinho, tendo como testemunha o atônito e fiel escudeiro Sancho Panza que tentava em vão dissuadi-lo.

Contextualizando, cumpre informar que em meados do século XVI, a península ibérica sofrera  grande seca e, como alternativa aos moinhos de água que até aquele momento eram usados tradicionalmente para moer o trigo, foram criados os moinhos mediterrâneos que utilizavam a força dos ventos.

Suas hastes gigantes e suas velas foram manejadas pelo moleiro de maneira a melhor aproveitar a força do vento. O moleiro é como um velejador e, necessariamente, é um profundo de cada vento da região. A importância dos ventos é tamanha que, no alto do moinho, cada janela sinalizada com a direção e o nome do vento para facilitar o manejamento rápido das velas.

Elaborando uma reflexão sobre o que muitas vezes observamos no mundo corporativo, pedindo uma licença poética para utilizar esta metáfora. Na correria do dia a dia, muitas vezes as relações são observadas de forma quase que monstruosas.

Quando há divergências de opiniões, quando se busca um caminho  diferente para cada projeto, as pessoas envolvidas na rotina pesada, cansativa, observam o outro  não como o “Moinho de vento”, mas como um gigante que quer apenas derrubá-lo.

Ao invés de usar a  energia dos moinhos, buscam derrubá-lo também. Sem uma reflexão sobre o momento, os objetivos da  empresa, o alinhamento estratégico, sem se dar conta que a outra pessoa pode estar olhando para o  mesmo lugar, apenas escolhendo caminhos diferentes ou atalhos…

As novas experiências da linguagem são a poesia e a loucura. Desse modo, o louco, por homossemantismo, reúne todos os signos e preenche com uma semelhança que não cessa com uma semelhança que não cessa de proliferar e o poeta faz o sentido alegórico que busca em outra linguagem, sem palavras nem discurso, da semelhança: “O poeta faz chegar à similitude até os signos com uma semelhança que acaba por apaga-los.” (Foucault, 2007).

Nessa situação limítrofe entre o marginal e o arcaico da linguagem que no Ocidente se abre um espaço para o pensamento das palavras e coisas, cuja questão não são mais similitudes, mas as identidades e as diferenças.

O problema de se falar do nome é uma questão que Foucault reporta um nível de significação que passa por alguns processos que se baseiam na teoria da proposição e singularmente do verbo, mais precisamente do verbo ser, pois este verbo nomeia, ele idealiza a representação.

Nomear é (pelo verbo ser) representar. Em outras palavras, para Foucault a palavra designa, ela em sua natureza é nome; nome próprio que aponta para “ (…) tal representação e mais nenhuma”.

Desse modo que a uniformidade dos nomes pululam de uma taxonomia para outa, sendo necessária a criação de tantos nomes quantas coisas a nomear. Assim, cada nome seria tão fortemente a única representação que ele designa, que não se poderia sequer formular a menor atribuição e, a linguagem recairia abaixo de si mesmo (Foucault, 2007).

A proposta de Foucault é que tudo já foi nome, nome próprio em si. Na dinâmica geral da linguagem, o nome aparece como ponto para onde a conversa toda a língua, protegida por suas convenções, regras, história, entrando numa relação com a verdade. Eis onde se funda toda experiência clássica da linguagem.

O nome é que organiza todo o discurso clássico[12], escrever ou falar não é exprimir se, não o jogar com a linguagem.

Enfim, toda literatura clássica se funda em levar os nomes ao sentido absoluto, usando estratégia retórica, com o movimento, à palavra, a violentar sua origem e legitimar o termo adequado e absoluto para nomear as coisas.

A literatura moderna foi a forma pela qual se pôde romper com esse “ser” da linguagem clássica, cuja função era representar. Veio a literatura moderna liberar esse ser para si mesmo.

A acepção clássica da linguagem e da nova perspectiva que se criara nos séculos XVII e XVIII, podemos definir a linguagem como objeto epistemológico[13] e seus limites se desdobram.

A proposta de Foucault é que tudo já foi nome, nome próprio em si. Na dinâmica geral da linguagem, o nome aparece como ponto para onde a conversa toda a língua, protegida por suas convenções, regras, história, entrando numa relação com a verdade pela qual será julgada. Eis onde se funda toda experiência clássica da linguagem.

Conforme desenvolvido por Foucault, há símiles a serem debatidos acerca das ideias psicanalíticas, pois tal como percebemos na psicanálise, o nome caracterizado por uma função simbólica para se pensar o discurso.

Ele nunca representa as coisas em si, mas aquilo que é anterior ao mesmo, isto é, ele está atrelado a todo um processo de mudanças sociais e históricas que acompanham essa linguagem e tem uma iniciação no sujeito em sua tenra idade, a partir da relação simbólica entre a figura objeto de seu desejo (mãe) e de sua lei (pai).

Noutras palavras, queremos afirmar que não há como se perceber a natureza do desejo e da castração no sujeito senão pelo discurso haja vista a proposição de Lacan de que o inconsciente é articulado pela linguagem.

Tais questões estão atreladas a noção de origem que os discursos explicitam e deste Freud aparece embasado pela figura do pai. Freud ao cogitar da substância real do complexo de Édipo, o que, segundo o patriarcado europeu do início do século XX, seria explicitado pela “metáfora paterna”.

Para Lacan, trata-se apenas de instância simbólica, sendo os discursos guiados por noções que variam conforme o tempo e o espaço, onde se situam os seres que utilizam a linguagem.

Os discursos, em verdade, constituem a partir da relação com o outro que adquire para o sujeito uma característica castradora que é a lei.

Em Hamlet, a ação trágica no mundo moderno é circundada pelo ideal de justiça e liberdade tal como tragédia antiga, mas antes a justiça nesta se centra no interior do personagem, sendo complexo e pouco satisfatória pois (…) é a personagem e si, desse modo o destino individual, que são enfatizados acima da substância ética que a personagem representa. (Williams, 2002).

Já a tragédia moderna, o conflito que se desenvolve no interior do próprio herói, mas antes de ser pura e simples ação do espírito, em sua pretensa individualidade e mesmice, esta abarca um exterior que leva ao conflito por meio de jogo dialético de forças individuais.

De acordo com Sigmund Freud um acontecimento real na vida de Shakespeare o impulsionou a representá-lo em Hamlet, Toda a hesitação de Hamlet em vingar o assassinato de seu pai, que fora perpetrado por seu irmão (Tio de Hamlet) tornou possível a explicação freudiana a partir da teoria psicanalítica.

Freud considerou que a hesitação de Hamlet quanto a esta tarefa ao ser contraposta a sua ausência de escrúpulos, ao mandar seus cortesãos à morte,  ao matar Polônio, e, ao lançar-se a um embate mortal com Laertes só pode ser explicado pela “(…) obscura lembrança de que ele próprio havia contemplado praticar a mesma ação contra o pai, por paixão pela mãe.(Freud, 1986).

Lacan enfoca em Hamlet em dois campos: o do desejo e o discurso. Pensar o homem, o mesmo homem através do outro, no entanto, isso é possível por meio do discurso. Lacan partiu do Complexo de Édipo para estabelecer as relações no decorrer da trama, pelo impasse de Hamlet com o pai e a mãe.

Lacan trouxe Hamlet para o centro da experiência analítica, pois ele é analisado como instância de uma configuração discursiva, ou simbólica, no nível da tripartite lacaniana. Enfim, Hamlet é atravessado pela linguagem e, sob a égide do estruturalismo, numa perspectiva edipiana e a metodologia de análise saussuriana.

Lacan comentou o efeito fantasmático de Hamlet. Para Lacan, em Hamlet, o herói e poeta se distinguem, pois ele só podem estar aí por seu discurso e, apenas por ele que somos capazes de perceber quem são.

Enfim, a comunicação do inconsciente não pode ser presentificada, mas sim, por meio do discurso dramático. Não há inconsciente antes do discurso dramático. A peça nos coloca o problema de subjetividade humana e do desejo.

Hamlet constitui a nossa relação com o inconsciente, é isso que revela nossa relação com o significante quer dizer e somos nós que fornecemos o material disso.

Hamlet é a tragédia da interioridade, ela não nos oferece em toda a sua estrutura elementos que se limitem apenas a isso, antes suas características apontam para um universo inter e intrassubjetivo, onde o desejo é dominado pelo mundo em que  o outro se encontra.

Esse Outro, assegurou Lacan nasce da figura materna, sujeito primordial da demanda. O pai de Hamlet se apresenta como o fantasma, não na acepção do insólito personagem simplesmente, mas na forma de motivação contra Claudius na predisposição do príncipe frente a sua dimensão intersocial.

Assim, o príncipe Hamlet convive entre o seu desejo por Gertrudes, a sua mãe e a sua Lei (motivada pelo seu pai). O mistério de Hamlet se encontra entre os dois e nessa faca de dois gumes é o desejo que anseia ser atravessado.

É nessa oscilação, o sujeito se caracteriza. Mas só consegue isso através do discurso, o discurso do Outro. Na peça Hamlet no Ato III, Cena IV há a imagem célebre da relação pai-mãe-filho cuja análise merece toda atenção.

A sequência de martírio em que Hamlet leva a sua mãe é interseccionada pelo fantasma e, assombrado agora por algo além de sua alma apenas, o pai lhe traz à tona o que deve ser feito. “É o passo entre ela e a luta de sua alma”. (tradução livre)

Hamlet se abstém de suas atitudes e agora, se volta à purificação do Outro. É quando Hamlet vai adjurar pateticamente sua mãe de tomar consciência do ponto em que ela se encontra, a de uma vida vergonhosa e incestuosa, da qual quer consertar, e ensinando-a a portar-se melhor, começando por não mais dormir com Claudius.

O motivo da inércia de Hamlet é seu desejo que parece suspenso por aquilo que ele não pode querer: o desejo para com a mãe. O desejo recalcado cuja causa torna o herói indeciso, não sabendo avançar na direção da ação que lhe é encomendada por seu pai, a vingança centra em Claudius.

Além disso, se dá a lembrança do desejo infantil pela e, ele é cúmplice do possuidor. Hamlet para estancar a culpabilidade deve procurar o culpado fora do verdadeiro culpado.

A ação de Hamlet não é desinteressada conforme assegurou Lacan(1984) é kantianamente motivada. Hamlet revela a dimensão do recalque e censura, seguindo a tendência de dar a sua censura uma origem social. Afirmou Ernest Jones apud Lacan que as coisas são mais censuradas pela organização são os desejos mais naturais.

O que nos conduz à percepção das necessidades especiais sociológicas que são nem um pouco exauridas para explicar este tipo de interdição, de onde surge a dimensão do inconsciente tal como Freud nos demonstrará pelo mito original, onde a realidade psíquica necessita da realidade histórica para sustentá-la ( Freud, 1996).

Hamlet expressa a tendência imperativa que para ele é duplamente comandada pela autoridade do pai e do amor que lhe dedica; e a de querer defender sua mãe e de guardá-la para si, que devem fazê-lo ir no sentido de matar Claudius.

O que distingue Hamlet de Édipo é que o personagem do bardo através do discurso significa. Pra o príncipe não são os deuses que delimitam o seu destino.

Na relação discursiva com o Outro: o pai (a Lei) e a mãe (o seu desejo natural). O príncipe no seu próprio discurso através da relação dialética de seu próprio discurso.

Outra personagem importante é Ophelia que vai além da perspectiva de assujeitamento, loucura e desejo, sobre a prerrogativa de assujeitamento, loucura e desejo.

Ophelia articula seu próprio desejo e Hamlet é elemento repositor para ela tanto quanto o inverso. O drama de Hamlet pode ser pensado de Ophelia e, mesmo havendo distinções claras entre os dois, eles necessitam de certa ligação cuja natureza é ressaltada da tristeza de Hamlet.

Ophelia age e, é regulada por seu pai, portanto seu discurso é, de certa forma, batizado de Polonius. Outro ponto reside na voz de Ophelia ser uma voz feminina e que se revela demente diante do patriarcalismo dominante e, o fato de não ser compreendida, daí ser considerada louca.

Revela-se a Ophelia ilógica e irracional, sendo uma voz alienada em face do patriarcalismo hegemônico. Em outros termos, a autoridade é o pai e o Outro mesmo e fundamental. Ressignificando pois o Outro não é simplesmente o mesmo, mas uma instância de identidade.

A identificação pronunciada no desejo do Outro é sempre uma questão de interpretação, pois ela é um encontro furtivo entre o Mesmo e o Outro.

Enfim, o discurso de Hamlet resta disseminado na contemporaneidade seja em sua agonia ou dúvida, ou por sua profunda autenticidade quanto à natureza humana. Ser ou não ser democrático. Ser ou não ser democrata. Eis, a questão!

Referências

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O Bardo Jurídico – Parte 03 https://online.fliphtml5.com/dozlr/vvxq/

O Bardo Jurídico – Parte 04 https://online.fliphtml5.com/dozlr/rhjr/

[1] Plutarco foi um historiador, filósofo e prosador grego, autor de Vidas Paralelas, obra muito difundida pelos humanistas do Renascimento. Plutarco mostrou ter  consciência de que no império coexistiam dois mundos e duas culturas, cada qual com seus mitos e suas tradições. Para ele, os heróis gregos e romanos  eram iguais em valor, mas basicamente diferentes.

[2] Conta-se a história de Caio Márcio, general romano que tomou a cidade de Corioli dos volscos, se tornou a figura política mais odiada entre o povo romano.  A cidade se enervou e os nobres temerosos que o grassar da fome atiçasse ainda mais o rancor entre as classes, não acatou as terríveis sugestões de Coriolano.  Este por sua vez, furioso com que considerou uma vergonhosa capitulação do patriciado frente à plebe, não demorou, banido pelos romanos, em refugiar-se nos  acampamentos dos volscos, eternos adversários daquela Roma dos primeiros tempos. Lá, dominado pelo ressentimento e pelo desejo de vingança, entrou em conluio  com Aufidius, o rei inimigo, para vir pôr Roma em sítio. As cenas da guerra contra os vólcios são um espetáculo de bravura. Ele é várias vezes, levantado pelos soldados, que gritam o seu nome. Portanto, ele atinge  o ápice de sua carreira como herói guerreiro. Mas com a volta de Coriolano, os senadores romanos lhe oferecem o cargo de cônsul. No entanto, segundo os costumes da república romana, o candidato a este cargo deve pedir, com humildade, ao povo que lhe dê seus votos. E é este novo papel que Coriolano é incapaz de representa e ele reluta em aceitá-lo. Coriolano”, de Shakespeare, é a última de suas “peças romanas”. É o retrato de um herói que resultou em uma duradoura tradição de interpretações políticas do  personagem como um líder antipopulista ou mesmo um protofascista.

[3] Titus Livius, conhecido simplesmente como Lívio, autor da obra histórica intitulada Ab urbe condita (Desde a fundação da cidade) onde relata a história de Roma desde o momento tradicional da sua fundação, 753 a.C., até ao início do século da Era Cristão, mencionando desde os reis de Roma, tanto os primeiros como Tarquínios. Quintiliano enumera Tito Lívio entre os maiores historiadores de todos os tempos, do mesmo nível  de Heródoto; Tito Lívio “tem um charme maravilhoso, é transparente na narrativa, enquanto seus discursos são eloquentes além do que é possível descrever, e admiravelmente adaptados em tudo que  é dito tanto às circunstâncias quanto ao local. Quanto às emoções, especialmente as mais agradáveis,  posso resumir dizendo que nenhum historiador já as representou com tamanha perfeição.

[4] Corresponde a Era de Ouro Inglesa e o governo da Rainha Virgem durou exatamente quarenta e quatro anos e, é ainda lembrado como um período de progresso, consolidação da Igreja Anglicana e importantes vitórias militares. Foi momento relevante para a história da Inglaterra. A Rainha Elizabeth era a chefe de Estado do Reino Unido e de alguns países  da Commonwealth (entre eles, a Austrália, o Canadá, a Jamaica e a Nova Zelândia).  Porém, ela não possuía poderes executivos ou legislativos, essa parte fica com o Parlamento.

[5] Erasmo de Roterdã ou Roterdão ou Rotterdam (1455-1536) nascido Gerrit Gerritscoon ou Herasmus

Gerritszoon (em latim Desiderius Erasmus Roterodamus) foi teólogo, filósofo humanista neerlandês que viajou por toda a Europa, como por Portugal, Espanha, Inglaterra, Croácia, Bulgária, Dinamarca e outros.

Publicou uma edição crítica do Novo Testamento Grego em 1516 – Novum Instrumentum omne, diligenter ab Erasmo Rot. Recognitum et Emendatum.  A edição incluiu uma tradução em Latim e anotações. Baseou-se também em manuscritos adicionais recentemente descobertos. Na segunda edição, o termo mais familiar “Testamentum” foi usado em vez de “Instrumentum”. Esta edição foi usada pelos tradutores  da versão da Bíblia do Rei Jaime I de Inglaterra. O texto ficou conhecido mais tarde como o textus receptus. Erasmo publicou mais  três edições – 1522, 1527 e 1535. Foi a primeira tentativa por parte de um académico competente e liberal de averiguar aquilo que  os escritores do Novo Testamento tinham efetivamente dito. Erasmo dedicou o seu trabalho ao Papa Leão X, como patrono da aprendizagem,  e considerou o seu trabalho como o seu principal serviço à causa do Cristianismo. Imediatamente depois, começou a publicação das suas paráfrases do Novo Testamento, uma apresentação popular do conteúdo de vários livros. Este, como todos os seus livros, foi publicado  em Latim, mas as suas obras eram imediatamente traduzidas noutras línguas, com o seu encorajamento. O movimento de Martinho Lutero começou no ano seguinte à publicação do Novo Testamento, e foi um teste ao carácter de Erasmo.  A discussão entre a sociedade europeia e a Igreja Católica Romana tinha-se tornado tão aberta que poucos se podiam furtar a um  pedido de uma opinião. Erasmo, no auge da sua fama literária, foi inevitavelmente chamado a tomar partido por um dos lados,  mas partidarismo era algo de estranho à sua natureza e hábitos. Em toda a sua crítica às tolices clericais e aos abusos, ele tinha sempre afirmado que não estava a atacar as instituições da  Igreja em si e não era um inimigo do clero. O mundo inteiro tinha rido com as suas sátiras, mas poucos interferiram com as suas atividades.  Ele acreditava que o seu trabalho até então o recomendava às melhores mentes e aos poderes dominantes no mundo religioso. Erasmo tinha uma simpatia pelos pontos principais da crítica luterana à Igreja. Tinha um grande respeito pessoal por Martinho Lutero  e Lutero sempre falava de Erasmo com reverência pelo seu conhecimento. Lutero esperava obter a sua cooperação num trabalho que parecia o resultado natural do seu próprio. Na sua troca de correspondência inicial, Lutero expressou uma intensa admiração por tudo o que  Erasmo tinha feito pela causa de um cristianismo saudável e razoável e encorajou-o a unir-se ao movimento. Erasmo, porém, criticou  duramente a doutrina luterana que negava ao homem o livre arbítrio. A popularidade extraordinária dos seus livros fica patente pelo número de edições e traduções que surgiram desde o século XVI, e  no interesse permanente que é suscitado pela sua personalidade esquiva, mas fascinante. Dez colunas do catálogo da “British Library” estão ocupados com a mera enumeração de suas obras e subsequentes reedições. Grandes nomes da era clássica e dos pais da igreja foram traduzidos, editados ou comentados por Erasmo, incluindo Santo Ambrósio de Milão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Basílio  de Cesareia, São João Crisóstomo, Cícero, e Jerónimo de Estridão. O seu livro mais famoso, “O Elogio da Loucura”, (Laus Stultitiae), escrito em 1509, foi dedicado ao seu amigo Sir Thomas More.

[6] A origem do termo bode expiatório está nas tradições hebraicas de sacrifício e expiação, que eram cerimônias religiosas de expurgação dos pecados do povo hebreu. Nesses rituais, dois bodes e um touro eram separados para que fossem levados ao lugar de sacrifício como parte das cerimônias do Yom Kippur (dia do perdão). “Para saber de onde veio esse tal bode cheio de culpa, é necessário retroceder até as antigas tradições do mundo judaico. No chamado Dia da Expiação, encontrado no livro bíblico de Levítico, os hebreus organizavam uma série de rituais que pretendiam purificar a sua nação. Para tanto, organizavam um ato religioso que contava com a participação de dois bodes. Em sorteio, um deles era sacrificado junto com um touro e seu sangue marcava as paredes do templo.”

 

[7] Francisco Everardo Tiririca Oliveira Silva. Deputado Federal. Vide a página: https://www.camara.leg.br/deputados/160976  Acesso em 25.09.2022.

[8] O complexo de Édipo é o primeiro momento conflituoso vivido pelos homens durante o período da primeira infância e está diretamente atrelado às relações familiares que estabelecemos desde pequenos. O grande neurologista baseou-se na tragédia de Sófocles para nominar a sua teoria: Édipo Rei. O complexo é considerado um fenômeno central da sexualidade infantil, tendo seu apogeu entre os três e cinco anos do indivíduo. Em sua forma simples e positiva, a criança apresenta amor pelo genitor de sexo oposto e rivalidade com o do mesmo sexo. Sua energia libidinal e suas experiências afetivas orbitam essa organização. Cito Freud: “O menino começa a manifestar de forma exagerada a preferência pela mãe. O menino passa a desejar que a mãe exista somente para ele, torna-se ciumento em relação ao pai e faz tudo para eliminá-lo de sua convivência com a mãe. Ao mesmo tempo, ou posteriormente, sente-se culpado de uma falta grave, experimenta remorsos em relação ao pai. A mesma coisa acontece com a menina: ela passa a desejar o pai e a repelir a mãe”. Tal triangulação, entretanto, é uma esquematização. Há também, além da forma negativa, uma série de casos mistos em coexistência dialética.

[9] Miguel Cervantes, em verdade, é o próprio cavaleiro da triste figura, pois fugiu da lei, lutou em guerras, foi refém de piratas e, ainda escreveu o primeiro romance da história. Dom Quixote quando foi publicado em 1605 foi um sucesso.

[10] Para um estoico, existe uma conduta adequada que o leva a felicidade, isto é, quando suas ações estejam em conformidade com a natureza e seus princípios em harmonia com o cosmo. Para alcançar tal graça, existem virtudes básicas que o conduzirão: a inteligência (saber diferenciar o bem do mal), a coragem (conhecer seus limites para agir) e a justiça (o que dá a cada um o que lhe é devido). Disso decorre que “a liberdade é entendida como a necessidade que se baseia no  conceito da autodeterminação, atribuído à totalidade a que o homem pertence” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed). A eleuthería, para um estóico, implica em um sentimento de pertencimento e ação conforme o Logos e a Physis. O homem é entendido como um microcosmo no macrocosmo, isto é, faz parte de um universo equilibrado e ordenado, sendo o indivíduo constituído de um instinto para seguir a razão, pois esta lhe fornece normas infalíveis, a liberdade do homem consiste em atuar e querer dentro do que lhe cabe, ou seja, dentro de seu heimarmené (Destino), quer dizer, em sintonia com todas as coisas que têm uma ordem natural e necessária.

[11]  O que poderia ser mais moderno – e mesmo pós-moderno – do que borrar as fronteiras de arte e vida a fim de levar o leitor a se perguntar quanto haverá de fictício no real? Ou de realidade na ficção? Fenômeno editorial na Europa pelo seu divertido valor de face, com traduções para o inglês, o francês e o italiano num intervalo de poucos anos, a obra de Cervantes passou por um período de incubação em que era vista como mero entretenimento. Mas não demoraria a ganhar uma profusão de leituras condizentes com sua profundidade e riqueza. O século XX viu o apogeu dessa tendência. Especialista em virar a lógica literária do avesso, Franz Kafka imaginou Sancho Pança como o verdadeiro herói e Dom Quixote como seu demônio obsessor. Vladimir Nabokov declarou-se impressionado com o compêndio de maldades abarcado pelos dois volumes. Em seu ensaio Um romance para o século XXI, Mario Vargas Llosa afirma que a noção de liberdade presente no livro “é a mesma que, a partir do século XVIII, terão na Europa os chamados liberais” – e ainda que “o fundamento da liberdade é a propriedade privada”. Salman Rushdie leu ali a prova de que “uma obra literária não tem que ser apenas cômica, trágica, romântica ou histórico-política: se for concebida direito, pode ser muitas coisas ao mesmo tempo”. Jorge Luis Borges situou o Quixote no centro de um de seus contos mais sutis, em que um escritor chamado Pierre Menard concebe a tarefa absurda de escrever outra vez a obra de Cervantes – não a reescrever ou copiá-la, mas escrevê-la de novo, idêntica, como se fosse a primeira vez. Bloom, para quem o Quixote “está em guerra com o princípio de realidade de Freud, que aceita a necessidade da morte”, explica assim a diversidade de leituras da qual este parágrafo é uma pequena amostra: “Nenhuma interpretação crítica da obra-prima de Cervantes concorda ou mesmo se assemelha à de qualquer outro crítico. Dom Quixote é um espelho posto não diante da natureza, mas do leitor”. Pode-se argumentar que o romance, como gênero, não aspira a outra coisa.

[12] Assim, a estrutura básica do discurso direto é: verbo de elocução – dois-pontos – mudança de linha – parágrafo – travessão. O travessão indica o começo da fala de uma personagem, mas também a mudança de interlocutores, como a mudança da voz da personagem para a voz do narrador. A noção de Discurso é empregada como: Um conjunto de regras anônimas, históricas sempre determinadas no tempo espaço, que definiram em uma dada época, e para uma área social, econômica, geográfica, ou linguística dada, as condições de exercício da função enunciativa. (FOUCAULT, 1960).

[13] É tudo aquilo que não se pode provar cientificamente, ou seja, que não existe um argumento que prove que algo realmente seja verdade. Um exemplo é a dor de cabeça simples, a qual não existe um exame que se possa fazer para afirmar cientificamente que a dor realmente está ali.

Gisele Leite
Gisele Leite
Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

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