O crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação (código penal, art. 122)

Considerações iniciais: o presente artigo tem a finalidade de apresentar uma análise jurídica detalhada do crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação (CP, art. 122), especialmente em razão da Lei nº 13.968, de 26 de dezembro de 2019, que modificou o delito em estudo, incriminando também as condutas de induzir ou instigar a automutilação, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique. Em razão das referidas modificações, o tipo penal em estudo apresenta-se, além da modalidade simples, com duas figuras qualificadas e a possibilidade de três aumentos de pena (em diversas causas), conforme verificaremos no decorrer da referida análise.

É oportuno observar que a Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019(em vigor desde 26.07.2019), instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, determinando expressamente a notificação compulsória pelos estabelecimentos de saúde às autoridades sanitárias, e pelos estabelecimentos de ensino ao conselho tutelar, os casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada, que compreende o suicídio (tentado ou consumado) e o ato de automutilação (com ou sem a intenção suicida).

Sumário: 1. Introdução – 2. Classificação doutrinária – 3. Objetos jurídico e material – 4. Natureza jurídica da morte e das lesões corporais de natureza grave – 5. Sujeitos do delito – 6. Conduta típica – 7. Elemento subjetivo – 8. Consumação e tentativa – 9. Figuras típicas qualificadas – 9.1.Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima –9.2.Se resulta morte em razão do suicídio ou da automutilação – 10. Causas de aumento de pena –11. Casos especiais –12. Pena, competência e ação penal.

1. Introdução

Suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Embora a vida seja um bem jurídico indisponível, o direito não pune aquele que, com sua conduta, tira ou tenta tirar aquilo que tem de mais precioso: sua própria vida. Assim, o suicídio consumado não é crime pela impossibilidade de aplicação de sanção penal, e na forma tentada, por razões de política criminal como também, em ambos os casos, pelo fato do suicida ser, na realidade, considerado vítima e não autor.

Embora não seja crime, a conduta suicida é antijurídica porque ninguém tem direito de dispor da própria vida. Neste sentido, verifica-se que não configura constrangimento ilegal, a conduta daquele que exerce coação contra quem tenta suicidar-se (CP, art. 146, § 3º, II). Por analogia, entendemos que este dispositivo também se aplica nos casos de coação contra quem tenta se automutilar.

Automutilação (ou lesão autoprovocada intencionalmente) consiste em qualquer lesão intencional e direta dos tecidos do corpo provocada pela própria pessoa, sem que esta tenha a intenção de cometer suicídio. O desejo reiterado de provocar lesões em si próprio é considerado uma doença de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-10). Trata-se de um sintoma relativamente comum nos casos de perturbações da personalidade e perturbações mentais, a exemplo da depressão, ansiedade, esquizofrenia e abuso de substâncias. A automutilação, tentada ou consumada, também não é punida criminalmente.

Entretanto, a participação em suicídio ou automutilação, é punida nos termos do art. 122, do Código Penal, que dispõe: “Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou  prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de 6 (meses) a 2 (dois) anos”.

 

 2. Classificação doutrinária

Trata-se de crime comum (aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa), plurissubsistente (costuma se realizar por meio de vários atos), comissivo (decorre de uma atividade positiva do agente “induzir, instigar ou auxiliar”), de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio de execução, menos a omissiva), de ação múltipla (ou de conteúdo variado, porque o tipo penal descreve três modalidades de realização: induzir, instigar e auxiliar), formal (se consuma sem a produção do resultado naturalístico previsto no tipo penal: morte ou lesão corporal de qualquer natureza), instantâneo (uma vez consumado, está encerrado, ou seja, a consumação não se prolonga), monossubjetivo(pode ser praticado por um único agente), simples (atinge dois bens jurídicos alternativos: vida ou integridade corporal e, por isso, não é crime complexo), doloso (o agente quer ou assume o risco de produzir o resultado morte ou lesão corporal de qualquer natureza.

 

3. Objetos jurídico e material

O objeto jurídico é alternativo: é a proteção do direito à vidaou a integridade corporal. Objeto material é a pessoa sobre a qual recai a conduta criminosa do agente que consiste no induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação.

 

4. Natureza jurídica da morte e das lesões corporais de natureza grave

Existem duas correntes doutrinárias: Para uma delas, o resultado morte ou lesão corporal de natureza grave constituem condições objetivas de punibilidade do crime de participação em suicídio.

Nélson Hungria afirma que, “embora o crime se apresente consumado com o simples induzimento, instigação ou prestação de auxílio, a punição está condicionada à superveniente consumação do suicídio ou, no caso de mera tentativa, à produção de lesão corporal de natureza grave na pessoa do frustrado desertor da vida”.[1]

Para a outra corrente, na qual nos filiamos, a morte e a lesão corporal de natureza grave não constituem condições objetivas de punibilidade e, sim, elementares do tipo, pelo fato de que as condições objetivas de punibilidade se situam fora da descrição típica do crime e sua ocorrência não depende do dolo do agente. Nos ensinamentos de Fernando de Almeida Pedroso, a morte e as lesões graves no crime de participação em suicídio,

“não constituem condições objetivas de punibilidade, pois representam o objetivo e propósito a que se direcionava e voltava o intento do agente. Trata-se no caso, portanto, do resultado naturalístico ou tipológico do crime”.

[2] Nessa mesma corrente, Damásio de Jesus, afirma

“a morte e as lesões corporais de natureza grave devem estar no âmbito do dolo. Logo, constituem o tipo e não se revestem dos caracteres das condições objetivas de punibilidade”.[3].

5. Sujeitos do delito

O sujeito ativo do crime de participação em suicídio ou a automutilação pode ser qualquer pessoa, não se exigindo nenhuma condição especial, pois, trata-se de crime comum. O sujeito passivo será a pessoa induzida, instigada ou auxiliada. Pode ser, da mesma forma, qualquer pessoa com plena capacidade de discernimento, pois, caso contrário é crime de homicídio ou de lesão corporal, praticado por meio de autoria mediata.

Embora seja o crime de participação em suicídio ou a automutilação, verifica-se que o mesmo admite tanto a coautoriaquanto a participação em sentido estrito. Exemplos: (a) Se A induz B a se automutilar. A será autor do crime de participação em suicídio ou a automutilação; (b) Se A e B induzem C a suicidar-se. A e B serão coautores do crime de participação em suicídio ou a automutilação; (c) Se A induz B a instigar C a se automutilar. Teremos, A (indutor) como partícipe, e B (instigador) como autor do crime de participação em suicídio ou a automutilação, pois este realizou uma das condutas típicas do delito em estudo.

Verifica-se, então, que induzir, instigar ou auxiliar, constituem, em regra, atividades de partícipe. No crime de participação em suicídio ou a automutilação, essas atividades constituem o núcleo do tipo penal, ou seja, quem as pratica será autor ou coautor e não partícipe, de acordo com a concepção restritiva, onde autor é somente aquele que realiza a conduta típica.

 

6. Conduta típica

O núcleo do tipo penal é representado pelos verbos induzir, instigar ou auxiliar. Desta forma, a participação em suicido ou a automutilação pode ser moral (no induzimento ou na instigação) ou material (no auxílio). Mesmo que o agente realize todas as condutas, responde por crime único, pois se trata de crime de ação múltipla ou de conteúdo variado.

Induzir – consiste em fazer nascer, criar na mente de alguém, a ideia de autodestruição ou de autolesão até então inexistente. Desta forma, o agente indutor acaba, por qualquer meio, criando em alguém uma vontade que o leva ao suicídio ou a automutilação.

Instigar – consiste em reforçar, estimular uma ideia de autodestruição ou de autolesão já existente. O agente instigador provoca, por qualquer meio, a vontade já existente da vítima, mas não toma parte nem da execução nem do domínio do fato.

Auxílio – pressupõe a participação material ao suicídio ou a automutilação, de forma meramente secundária, como, por exemplo, o fornecimento de veneno ou de qualquer objeto ou instrumento para a prática de autolesão, empréstimo do punhal, do revólver, a indicação de um local ideal para o suicídio ou a automutilação etc. De qualquer forma, o auxílio deve ser material e não moral, ou seja, o auxílio moral caracteriza forma de participação por induzimento ou instigação. Embora existam opiniões contrárias, o auxílio é sempre prestado por uma ação ou atividade positiva de fazer e, por isso, entendemos não ser possível prestar o auxílio por omissão. Neste sentido, Damásio de Jesus afirma

“mesmo que o sujeito tenha o dever jurídico de impedir o resultado, como no caso do soldado que assiste passivamente à vítima dar cabo à própria vida, não existe delito de participação em suicídio por atipicidade do fato”.[4]

De qualquer forma, para caracterizar o crime de participação em suicídio ou a automutilação, é necessário que a conduta do agente seja dirigida a pessoa ou pessoas determinadas, e não quando são praticadas de modo geral. Exemplo: não comete o crime em estudo, quem escreve um livro induzindo os leitores ao suicídio ou a automutilação como única forma de solução de seus problemas amorosos.

 

7. Elemento subjetivo

O elemento subjetivo do delito é o dolo, direto ou eventual, consistente na vontade livre e consciente de induzir, instigar ou prestar auxílio para que a vítima se suicide ou pratique a automutilação. Não há previsão da modalidade culposa.

Na modalidade de dolo eventual, é possível o agente assumir o risco de alguém praticar o suicídio ou a automutilação? Sim, é possível. É o caso do agente que pratica reiteradas sevícias (ofensas, maus tratos, crueldade) contra a esposa, sabendo-se que a mesma se encontra na iminência de praticar o suicídio ou a automutilação. Se ele continuar a seviciar a esposa, vindo a mesma a suicidar-se ou a se automutilar, estará configurado o crime de participação em suicídio ou a automutilação, a título de dolo eventual. Magalhães Noronha exemplifica muito bem, o caso.

“pai que expulsa de casa a filha desonrada, tendo poderosas razões para supor que ela se suicidará, com esse gesto, assume o risco de produzir o resultado”.[5]

 

8. Consumação e tentativa

O crime de participação em suicídio ou a automutilação se consuma sem a produção do resultado naturalístico (morte ou lesão corporal de qualquer natureza), previsto no tipo penal, embora ele possa ocorrer, pois, quanto ao resultado, trata-se de crimeformal, da mesma forma da extorsão mediante sequestro, no qual o recebimento do resgate exigido é irrelevante para a plena realização do tipo.

Trata-se, ainda, quanto à conduta, de crimecomissivoporque decorre de uma atividade positiva do agente “induzir, instigar ou auxiliar” e de crime plurissubsistenteporque costuma se realizar por meio de vários atos. Desta forma, a tentativa, embora de difícil configuração, é teoricamente possível, como, por exemplo, se o agente, utilizando-se de uma rede social, induz a vítima a suicidar-se ou a se automutilar, mas o fato não chega ao conhecimento da mesma.

É oportuno observar que, antes do advento da Lei 13.968/2019, quando ainda não havia a criminalização das condutas de induzir ou instigar a automutilação, o crime de auxílio ao suicídio consumava-se com o resultado morte ou lesão corporal de natureza grave, pois, quanto ao resultado, tratava-se de crime material. Assim, se a vítima tentasse se suicidar e viesse a falecer, o participante seria punido com pena de reclusão de 2 a 6 anos. Se da tentativa de suicídio resultasse lesão corporal de natureza grave, o participante seria punido com pena de reclusão de 1 a 3 anos.

Entretanto, se da tentativa de suicídio a vítima sofresse lesão corporal de natureza leve ou não sofre nenhuma lesão, o participante não respondia por nenhum crime porque o fato era atípico. Assim, não existia tentativa de participação em suicídio porque o legislador anterior havia condicionado a imposição de pena à produção do resultado morte ou lesão corporal de natureza grave.

 

 9. Figuras típicas qualificadas

São aquelas em que a lei acrescenta alguma circunstância ao tipo básico com a finalidade de agravar a pena. No crime de participação em suicídio ou a automutilação, em estudo, existem duas figuras qualificadas, a saber:

9.1    Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima

Nos termos do § 1º, do art. 122, do Código Penal, a pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, “Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código”.

As lesões corporais de natureza grave, estão previstas nos quatro incisos do § 1º, do art. 129, do Código Penal, e são elas: I – incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II – perigo de vida; III – debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV – aceleração de parto.

As lesões corporais de natureza gravíssima, estão previstas nos cinco incisos do § 2º, do art. 129, do Código Penal, e são elas: I – incapacidade permanente para o trabalho; II – enfermidade incurável; III – perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV – deformidade permanente; V – aborto.

Desclassificação para lesão corporal gravíssima: nos termos do § 6º, do art. 122, do Código Penal, se da automutilação ou da tentativa de suicídio que resulta lesão corporal natureza gravíssima (observa-se que não inclui a lesão de natureza grave) e o delito é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, o agente não responde por estecrime qualificado de participação em suicídio ou a automutilação (que tem pena prevista de reclusão, de 1 a 3 anos) e, sim, pelo crime de lesão corporal gravíssima (CP, art. 129, § 2º), cuja pena é sensivelmente superior: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

9.2    Se resulta morte em razão do suicídio ou da automutilação

Nos termos do § 2º, do art. 122, do Código Penal, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, “Se o suicídio se consuma ou se daautomutilação resulta morte”.

Desclassificação para homicídio: nos termos do § 7º, do art. 122, do Código Penal, se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta mortee o delito é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, o agente não responde por este crime qualificado de participação em suicídio ou a automutilação (que tem pena prevista de reclusão, de 2 a 6 anos) e, sim, pelo crime de homicídio (CP, art. 121), cuja pena é sensivelmente superior: reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.

10. Causas de aumento de pena

No crime de participação em suicídio ou a automutilação, em estudo, existe e a possibilidade de três aumentos de pena, aplicados distintamente em diversas causas de aumento, a saber:

Nos termos do § 3º, do art. 122, do Código Penal, “a pena é duplicada: I – se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência”.Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)  Motivo egoístico – entende-se o motivo que decorre do exclusivismo que faz o sujeito referir tudo a si próprio, sem consideração aos interesses alheios . Exemplo: agente induz a vítima ao suicídio para ficar com a sua herança, com seu cargo, com sua esposa, para receber o seguro de vida etc. Guilherme de Souza Nucci define o motivo egoístico como

“excessivo apego a si mesmo, o que evidencia o desprezo pela vida alheia, desde que algum benefício concreto advenha ao agente”.[6]

(b)  Motivo torpe – é aquele baixo, ignóbil (que inspira horror do ponto de vista moral) e repugnante que deixa perplexa a coletividade.

(c)  Motivo fútil – é aquele insignificante, banal, sem importância, totalmente desproporcional em relação ao crime praticado.

(d)  Vítima menor – quando a lei fala de vítima menor, está se referindo àquela maior de 14 anos e menor de 18 anos, que ainda não atingiram a maioridade penal (CP, art. 27). Se a vítima for menor de 14 anos, haverá presunção da sua incapacidade de discernimento.

(e)  Vítima com diminuída capacidade de resistência – em razão de enfermidade física ou mental (vítima embriagada, sob o efeito de tóxicos, angustiada, deprimida, com idade avançada, com algum tipo de enfermidade grave etc.)

É necessário que a capacidade de resistência da vítima esteja diminuída. Exemplo: agente induz ao suicídio alguém embriagado. Entretanto, se a vítima tiver totalmente sem capacidade de discernimento e resistência, estará configurado o crime de homicídio e não de participação em suicídio ou a automutilaçãoqualificada.

Nos termos do § 4º, do art. 122, do Código Penal, “A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real”. Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)  Rede de computadores – neste caso, o agente pratica a conduta típica por meio de um conjunto de dois ou mais computadores que usam determinadas regras (protocolo) em comum para compartilhar, especialmente, a troca de mensagens entre si, utilizando-se de uma conexão por meio de fio de cobre, fibra ótica, ondas de rádio e também via satélite. Exemplos: a internet; a intranet de uma empresa; uma rede local doméstica etc.

(b)  Rede social – é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que compartilham valores e objetivos comuns. Uma das fundamentais características na definição das redes é a sua abertura, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes.Exemplos: Facebook, YouTube, WhatsApp, Messenger, Instagram, Twitter, Snapchat, LinkedIn etc.

(c)  Transmitida em tempo real – é uma expressão utilizada na reportagem, no meio televisivo ou radiofónico para indicar que um programa ou evento está sendo transmitido em tempo real, simultaneamente enquanto ocorre. No caso do delito em estudo, o agente se utiliza de qualquer meio de comunicação (falado ou escrito) para praticar a conduta delituosa em tempo real.

Nos termos do § 5º, do art. 122, do Código Penal, “Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual”.  Verifica-se, então, as seguintes hipóteses:

(a)  Líder ou coordenador –  é o indivíduo que tem autoridade para comandar ou coordenar outros, ou seja, é a pessoa cujas ações e palavras exercem influência sobre o pensamento e comportamento de outras.

(b)  Grupo ou rede virtual–é um espaço específico na Internet que permite compartilhar, aos respectivos participantes, dados e informações sendo estas de caráter geral ou específico, das mais diversas formas (textos, arquivos, imagens, fotografias, vídeos etc.).

 

11. Casos especiais

  • Automutilação – também conhecida como autolesão, não é punida pelas mesmas razões de política criminal em relação ao suicídio, ou seja, não comete crime o sujeito que ofende a própria integridade corporal. Entretanto, a conduta de se auto lesionar, dependendo do propósito do agente, pode ser meio de execução utilizado pelo mesmo para praticar outros crimes.

Assim, se o agente lesa o próprio corpo, ou agrava as consequências da lesão existente, com a finalidade de receber indenização ou valor de seguro, responde por estelionato (CP, art. 171, § 2º, V). Se o agente cria ou simula incapacidade física que o inabilite para o serviço militar, responde pelo crime de criação ou simulação de incapacidade física, previsto no art. 184, do Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001/1969).

(b)  Greve de fome – especialmente dentro do sistema prisional, o médico tem o dever de zelar pela vida do grevista de fome, ou seja, ele está na posição de garantidor, onde sua omissão o fará responder pela morte do grevista (CP, art. 13, § 2º).

Assim, chegará o momento em que a intervenção médica para ministrar alimentação ou medicamento se torna inevitável para que o grevista não venha morrer ou sofrer lesões irreversíveis. Neste caso, a coação exercida pelo médico para impedir o suicídio do grevista não caracteriza o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146, § 3º, I).

Situação análoga ocorre com as testemunhas de Jeová que, por motivos religiosos, são contra as transfusões de sangue. Assim, a transfusão determinada pelo médico, quando necessária para salvar a vida do paciente, também não caracterizará o crime de constrangimento ilegal (CP, art. 146, § 3º, II).

(c)  Pacto de morte – também chamado de suicídio a dois, ocorre quando duas pessoas combinam, por qualquer razão, o duplo suicídio e, para tanto, ficam em um cômodo da casa hermeticamente fechado, com o gás de cozinha aberto. Entretanto, se um ou ambos sobreviverem, teremos as seguintes situações:

Se um sobrevive e foi ele quem abriu o gás, responde pelo crime de homicídio (CP, art. 121), pois realizou o ato executório de matar;

Se um sobrevive e não foi ele quem abriu o gás, responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122);

Se os dois sobrevivem, havendo lesão de natureza grave: quem abriu o gás responde por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II), e quem não abriu responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação(CP, art. 122);

Se os dois sobrevivem, e não há lesão de natureza grave: quem abriu o gás responde por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II), e quem não abriu pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122);

Se os dois sobrevivem e ambos abriram a torneira do gás: ambos respondem por homicídio tentado (CP, art. 121, caput c/c art. 14, II).

(d)  Duelo americano ou roleta russa – no duelo americano existem duas armas e só uma delas está carregada e os agentes escolhem uma delas; na roleta russa, a única arma tem um só projétil, devendo ser disparada pelos agentes cada um em sua vez. Nestes casos, o sobrevivente responde pelo crime de participação em suicídio ou a automutilação (CP, art. 122).

(e)  Erro na execução ou aberratio ictus  – ocorre quando o agente pretende atingir determinada pessoa, efetua o golpe, mas, por má pontaria ou qualquer outro motivo, acaba atingindo pessoa diversa da que pretendia. Assim, se um suicida dispara uma arma sobre si mesmo e acaba errando, atingindo e matando uma terceira pessoa, responde pelo crime de homicídio culposo.

 

12. Pena, competência e ação penal

As penas cominadas ao crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação (CP, art. 122) são as seguintes: (a) Na figura simples (caput), a pena é de reclusão de 6 meses a 2 anos; (b) Na figura qualificada pela lesão corporal de natureza grave ou gravíssima (§ 1º), a pena é de reclusão de 1 a 3 anos; (c)Na figura qualificada pelo resultado morte (§ 2º), a pena é de reclusão de 2 a 6 anos; (d) Causas de aumento de pena (§ 3º), a pena é duplicada; (e) Causas de aumento de pena (§ 4º), aumento até o dobro; (f) Causas de aumento de pena (§ 5º), aumento de metade.

O bem jurídico protegido é a vida (no caso de suicídio) e a integridade corporal (no caso da automutilação). Desta forma, se a conduta do agente consiste em induzir, instigar ou prestar auxílio material ao suicídio, a competência é do Tribunal do Júri que julga os crimes dolosos contra a vida (homicídio, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto), na forma tentada ou consumada (CF, art. 5º, XXXVIII, alínea d, c/c CPP, art. 74, § 1º). O Júri é também competente para julgar os crimes conexos, mesmo quando o réu tenha sido absolvido da imputação principal. E, no caso de concurso entre a competência do Júri e de outro órgão de jurisdição comum, prevalecerá a competência do Júri (CPP, art. 78, I).

A ação penal é pública incondicionada, cujo oferecimento da denúncia para iniciar a ação penal não depende de qualquer condição de procedibilidade. 

 

[1].     HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal – Volume V. Rio de Janeiro: Forense, 4ª ed., 1958, p. 236.

[2].     PEDROSO, Fernando de A. Homicídio, Participação em Suicídio, Infanticídio e Aborto. Rio de Janeiro: Aide, 1ª ed., 1995, p. 217.

[3].     JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte Especial –Volume 2. São Paulo: Saraiva, 32ª ed., 2012, p. 128.

[4].     JESUS, Damásio E. de. Direito Penal – Parte Especial –Volume 2. São Paulo: Saraiva, 32ª ed., 2012, p. 130.

[5].     NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal – Volume 2. São Paulo: Saraiva, 30ª ed., 1999, p. 42.

[6].     NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 11ª ed., 2012, pp. 654-655.

 

 

Vicente de Paula Rodrigues Maggio

Advogado e professor

Advogado militante formado pela Universidade Guarulhos; mestre em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de direito penal e processo penal em cursos de graduação e pós-graduação. Autor de diversos livros e artigos jurídicos.                                                     Avaliador de cursos de direito pelo MEC (pertence ao                                                         Banco de Avaliadores (BASis) do Sistema Nacional de                                                       Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

Vicente de Paula Rodrigues Maggio
Vicente de Paula Rodrigues Maggio
Advogado militante formado pela Universidade Guarulhos; mestre em direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e doutor em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor de direito penal e processo penal em cursos de graduação e pós-graduação. Autor de diversos livros e artigos jurídicos. Avaliador de cursos de direito pelo MEC (pertence ao Banco de Avaliadores (BASis) do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).

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