PENSANDO ALTO: *Clovis Brasil Pereira
O crime em breve histórico
Um dos crimes que mais chocaram a população de São Paulo, e causaram indignação à toda sociedade brasileira, foi sem dúvida, o chamado “crime da cantareira”, que ocorreu no mês de setembro de 2007.
A morte de dois adolescentes, e outros ataques perpetrados pelo acusado, podem contabilizar, segundo a polícia, 21 (vinte e uma) vítimas de abuso sexual, das quais 11 (onze) já foram identificadas. Os atos de violência, com sinais de barbárie, por certo, chocam o senso comum, a sensibilidade humana, principalmente porque se tratava de crianças indefesas, que por certo não tinham como opor qualquer resistência à sanha assassina.
O crime ocorreu numa mata próxima à Serra da Cantareira, na Zona Norte de São Paulo, e os corpos das vítimas fatais, os irmãos Francisco, de 14 anos, e Josenildo, de 13 anos, foram encontrados no dia 25/09, sendo que o principal suspeito, que veio a confessar o crime, Ademir Oliveira do Rosário, foi preso no dia seguinte.
A polícia, segundo noticiário, suspeita que o criminoso era ajudado por uma ou mais pessoas, tendo efetuado a prisão de um suspeito, que se encontra preso, enquanto perduram as investigações.
A história do assassino confesso
Obviamente, que a dor da família das vítimas, é indescritível, e como pai, sinto que é inimaginável formas ou receitas para aplacar a dor, a indignação e a revolta que, principalmente os familiares e amigos mais próximos, estão sentindo e vivenciando com o triste acontecimento.
Chamou-nos a atenção todavia, o histórico de crimes do acusado, e as condições em que tal indivíduo saiu do cárcere, e foi colocado em regime de “desinternação progressiva”, programa disponibilizado para prisioneiros com problemas psiquiátricos.
Por esse programa, o suspeito dos crimes teve a oportunidade de ganhar a liberdade de sábado a segunda feira, com retorno ao Hospital Psiquiátrico de Franco da Rocha, onde permanecia de segunda à sexta feira. Isso, segundo consta no noticiário, já vinha ocorrendo desde 19 de setembro de 2006, portanto há mais de um ano.
Sua ficha de crimes é extensa. Em 1999 foi condenado a um total de 18 anos de prisão por homicídio, roubo, atentado violente ao pudor e porte ilegal de arma. Cumpriu parte da pena na Casa de Custódia de Taubaté, interior de São Paulo, e finalmente transferido para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico II de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo.
A "quase falência" dos meios de controle do Estado
A sociedade como um todo, tem, através do Estado, aqui representado por seus agentes estatais, sejam da União, Estados ou Municípios, os órgãos responsáveis pelo controle dos indivíduos, suas ações, omissões, o direito à liberdade, o dever de repressão aos delinqüentes, a assistência aos necessitados, enfim, criar as condições básicas e necessária para que a convivência social seja harmoniosa.
Nesse passo, tenho plena convicção de que tais controles têm se mostrado ineficientes, precários, e em muitos casos, em plena falência.
E porque afirmamos isso? Constatamos com absoluto espanto, que o Hospital onde o criminoso estava internado, para recuperação de distúrbios psiquiátricos, não reúne as mínimas condições de oferecer qualquer programa de recuperação. Faltam médicos, enfermeiros, os equipamentos mínimos necessários são precários. Enfim, o local não oferece as mínimas condições para prestar assistência aos doentes lá internados.
Segundo declarou o Presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), referido Hospital não tem condições ao menos de ser chamado de “Hospital”, e não deveria nem estar funcionando.
Foi noticiado também, que a transferência do condenado para o programa de internação progressiva, foi determinado pelo Poder Judiciário, com base em dois laudos constantes do processo. Dois desses laudos afirmavam que o condenado tinha problemas psiquiátricos, e outros dois, que afirmavam o contrário, ou seja, tinha capacidade mental plena.
Por outro lado, o programa permitia a liberdade paulatina do preso, e oferecia a liberdade ao suspeito dos assassinatos, no fins de semana, já por mais de um ano, e os agentes responsáveis pela sua execução, não detinham nenhum mecanismo de controle da conduta do prisioneiro, quando fora do local de internação.
Pelo que se vê, o crime por ingerência direta de uma sucessão de erros e omissões, que denotam, no mínimo, a falência dos meios de controle da sociedade.
Afinal, quem são os culpados?
Essa é uma reflexão da qual não podemos fugir. Colocar a culpa e a responsabilidade, por tão nefasto crime, somente sobre os ombros de Ademir Oliveira do Rosário, o criminoso confesso, parece fácil, cômodo, porém se mostra muito ingênuo e pueril.
O pretenso criminoso estava em liberdade, por ato do Estado, que através de seus agentes, atestaram, de forma equivocada, precária, inconsistente, que tal indivíduo podia conviver em sociedade.
Ele não pulou muros, rompeu cadeados, quebrou paredes, serrou grades, empreendeu fuga, para se colocar do lado de fora da prisão. Foi condenado em
O resultado dessa sucessão de erros e omissões, deu no que deu. Tivesse o Estado oferecido meios, como lhe competia, através de um equipe de psiquiatras, peritos, médicos, enfermeiros, enfim, profissionais comprometidos com a responsabilidade da função recebida, por certo, Ademir Oliveira do Rosário não estaria nas ruas, por mais de um ano, sem nenhuma vigilância, acompanhamento ou monitoramento externos. Aliás, possivelmente não estaria ao menos autorizado à desinternação progressiva.
O Poder Judiciário, por sua vez, teria tido condições de melhor avaliar o pedido do prisioneiro, que obviamente ansiava pela liberdade, mas que, de forma realista, agora se sabe, não estava apto para recebê-la.
Tenho plena convicção, que esta é mais uma anúncio, um aviso, de que a sociedade precisa reagir, se posicionar, exigir melhor instrumentalização dos meios de controle da vida em sociedade, pois caso contrário, chegaremos ao fundo do poço, muito em breve.
É triste dizer, mas a culpa pelo bárbaro “crime da cantareira”, não pode ser creditada apenas ao acusado Ademir Oliveira do Rosário. A culpa e a responsabilidade pela morte de mais dois inocentes, deve ser compartilhada com o Poder Estatal, seja a União, o Estado ou Municípios, cada um no limite de suas atribuições constitucionais, e que têm, indistintamente, se mostrado inoperantes, impotentes, negligentes, para gerir os destinos da sociedade.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
CLOVIS BRASIL PEREIRA: é Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista
Contato: prof.clovis@terra.com.br