Novos tempos?

* Eduardo Feld

Temos visto recentemente o início de uma verdadeira revolução na Administração Pública brasileira, fruto de insistente cobrança que a população faz aos  administradores exigindo conduta ética no exercício de suas funções. Mas o que vem a ser ética? É, sem dúvida, um conceito complexo que rende muitas teses de doutorado e discussões acadêmicas, mas um início de entendimento pode ser alcançado tendo em mente o que se convencionou chamar "imperativo kantiano", ou seja, nada mais que um tratamento rigoroso dado pelo filósofo Immanuel Kant à idéia popular de que devemos fazer apenas aquilo que julgamos correto e admitimos que possa ser feito por qualquer um em idênticas condições. Assim, por exemplo, não vou "furar" uma fila, porque não admito válido que todos procedam dessa forma, naquele tipo de situação. Já diz a sabedoria popular “não faça com os outros o que não gostaria que fizessem com você” e a ética, ainda que num modo de ver simplificado, porém não simplista, é a aplicação deste ditado num nível social, ou seja, coletivo.

Como conseqüência do que acabamos de expor, diferentemente da vida privada de cada um, há um imperativo de impessoalidade no trato dos assuntos de ordem pública. Segundo este imperativo, nessa esfera pública, pessoas em situações iguais devem ser tratadas do mesmo modo e pessoas em situações diferentes devem ser tratadas de acordo com suas individualidades e diferenças, mas sem que sentimentos de apreço ou desapreço pessoal influam nas decisões.  Explicando melhor; se sou juiz, devo julgar a causa de um amigo meu do mesmo modo que julgaria a de qualquer pessoa. Assim, podemos dizer, sob certo aspecto, que a “política” está abstraída, ou seja, excluída, dos motivos da decisão judicial, mas quando assim afirmamos, não nos referimos à política ideológica, ao livre modo de pensar e ver o mundo, mas sim à política de amizades e jogos de interesses, que prevalecia no Brasil, como mola mestra da Administração, durante séculos, numa verdadeira “ética” às avessas, que se chama patrimonialismo.

De acordo com o patrimonialismo, julgamos e administramos tendo em vista o que podemos obter como retorno, de bom ou ruim, para nós mesmos. Assim, pedidos de pessoas poderosas ou de seus amigos têm prioridade para serem apreciados e deferidos. De acordo com a ética, abomina-se tal conduta, mas o patrimonialismo ainda tem resquícios renitentes e a figura da pessoa "influente" ainda ronda o cenário brasileiro. Este tudo consegue, em situações nas quais outros não conseguiriam o mesmo. Muitas dessas figuras ainda hoje são admimiradas, não por capacidade intelectual, por esforço, mas por uma habilidade incompreensível a uma mente ética, chamada “influência”. Muitas pessoas outrora “influentes” são hoje interrogadas, chamadas a prestar contas de seus atos quer aos seus pares, à Sociedade ou à Justiça .Que seja o sinal de tempos melhores para nós brasileiros e o prenúncio de que, muito em breve, o patrimonialismo estará morto e enterrado, dando lugar a uma nova consciência ética individual e coletiva.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

EDUARDO FELD: juiz titular da 1ª Vara Criminal de Parnamirim, RN, mestre em direito e engenheiro formado pelo IME.

Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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