Resumo:
A crítica da ideologia se preocupa com a noção de verdade e veracidade e, tende a tencionar a relação existente entre a Ciência do Direito e a Sociologia. A assunção de valores a serem tutelados pelas normas jurídicas e princípios jurídicos, além prover critérios hermenêuticos capazes de suprimir rupturas, lacunas e omissões legislativas.
A conceituação e problemática da ciência do Direito envolve múltiplos aspectos. Principalmente, se começarmos a debater se o Direito é, de fato, uma ciência própria e efetiva, ou na verdade é apenas uma técnica.
Segundo Maria Helena Diniz, a ciência jurídica é considerada ora como scientia, pelo seu aspecto teórico, ora como ars(arte), pela sua função prática. Outros, ainda dão ao problema uma solução eclética. Para o jurista Michel Villey (2009) entendendo como mais adequado visualizar o Direito como arte jurídica.
Como técnica. E, para o professor e jurista Renan Severo Teixeira da Cunha (2008), o conhecimento jurídico enquanto técnica seria o conjunto de atividades desenvolvidas para resolver situações concretas da vida, geralmente, conflituosas, decidindo-as com fundamento em algum direito, como por exemplo, o advogado ao equacionar certo caso concreto, o juiz ao solucionar a lide, o promotor de justiça ao oferecer uma denúncia, para ele estão desenvolvendo uma atividade técnica e não científica, embora pressupondo seu conhecimento científico do Direito.
Há ainda, doutrinadores que conferem ao Direito caráter de tecnologia como Theodor Viehweg e Tércio Sampaio Ferraz Júnior. E, para este último, o conhecimento jurídico não se preocupa com a verdade, mas sim, com a decidibilidade, buscando estabelecer critérios para solucionar conflitos sociais, possuindo a questão da decidibilidade um caráter tecnológico. Observa-se que no mundo contemporâneo, a técnica se transforma em tecnologia Ferraz Júnior, 2012).
Enquanto Viehweg apud Porcher Júnior, o Direito é tão somente uma técnica de resolução de conflitos, que articula uma necessidade aparente de sistema, porém, injustificável na prática.
A visão prevalente a enxerga como ciência e suas principais consequências, especialmente, após a obra de Hans Kelsen, intitulada “Teoria Pura do Direito”, onde o autor muito se esmerou em conferir-lhe aspecto puramente científico.
É sabido que o surgimento do positivismo é anterior às discussões metodológicas de Kelsen. O positivismo jurídico é teoria que veio a opor-se à doutrina do Direito natural.
Enfim, para esta nova matriz metodológica de explicação dos fenômenos do Direito, a ciência jurídica possui por objeto o conhecimento do conjunto de normas formadas pelo Direito vigente, o direito positivo.
E, com o fito de separar o Direito a moral e da política, pregam seus adeptos e seguidores que o jurista deverá limitar sua análise ao Direito estabelecido pelo Estado ou pelos fatos sociais, abstendo-se de qualquer valoração ético-política, isolando o mundo das normas de sua realidade social: o objeto de estudo do Direito é o sistema de normas coercitivas fora de seu contexto concreto.
Lembremos que a construção da ciência tem como ponto inicial a própria construção do conhecimento. Enfim, conhecer é trazer para o sujeito algo que se põe como objeto. Trata-se, portanto, de operação imanente pela qual a um sujeito pensante se representa um objeto. O conhecimento é fato do qual não podemos duvidar de sua existência.
Ainda que possamos indagar sobre sua validade, objetividade e precisão, porque diversas são as fontes de adquirir o conhecimento.
O conhecimento poderá ser religioso, metafísico, filosófico, histórico, sociológico, político, científico etc. E, é possível afirmar que não existe apenas um único tipo de conhecimento que possa ter sentido unívoco no mundo.
São muitos os estudiosos e autores que abordam a relação havia entre o sujeito e objeto. Existem correntes que suscitam essa problemática situada exatamente na relação sujeito-objeto, divergindo entre si, quanto à construção de conhecimento.
No que se refere a relação existente entre sujeito e objeto existem duas correntes doutrinárias que debatem a problemática. A corrente chamada de empirista, parte da ideia de que o conhecimento somente se adquire porque nasce do objeto e ao sujeito caberá somente registrá-lo e descrevê-lo, isto é, partiria do real (objeto) para o racional (sujeito).
Assim, o objeto seria algo transparente e invisível que se apresentaria ao sujeito tal como ele é, e cabendo ao sujeito somente saber ver e assim construir o conhecimento.
Para o empirista[1] o conhecimento é descrição do objeto, tanto mais exata que possível sendo capaz de apontar as suas características.
Ressalte-se que no empirismo, a mais radical escola é a do positivismo representada por Auguste Comte, pensador francês e afirma que o conhecimento científico nasce do objeto. É neste pensamento que repousa a verdade científica, apresentando-se ao sujeito como de fato é, na realidade.
Já a corrente racionalista, ao revés, da descrita anteriormente, coloca seu fundamento de validade no sujeito e o objeto seria apenas um ponto de referência, quando não é ignorado. Tal corrente possui similitudes com o positivismo lógico, pois, esse labora ou confere à razão uma importância bem expressiva, bem afastada do objetivo, o que não há como confundi-los.
Ainda dentro do racionalismo, encontramos o idealismo que seria o extremo dessa postura, pois para um idealista, o conhecimento nasce e se esgota no sujeito, enfim, com a ideia pura.
A problemática sobre o conhecimento e a divergência havia entre essas duas retrocitadas correntes, a empírica e a racional, faz com que procuremos a entender a relação sujeito-objeto na construção da ciência.
O termo “ciência”, dentro da acepção vulgar, indica conhecimento, é derivado da palavra latina scientia, oriunda, do verbo scire, isto é saber. O vocábulo ciência para todos os doutrinadores, significa conhecimento, saber, possui um sentido dos mais variados, posto que defina todos os ramos do saber humano.
Segundo o doutrinador Tércio Sampaio Ferraz Júnior, o termo “ciência” não é unívoco, se é verdade que com ele designamos um tipo específico de conhecimento; não há, entretanto, um critério único que determine a extensão, natureza e os caracteres deste conhecimento; tem fundamentos filosóficos que ultrapassam a prática científica, mesmo quando esta prática pretenda ser ela própria usada como critério.
A ciência é composta de elementos e de enunciados que visam a transmitir informações verdadeiras sobre tudo, o que existe, existiu ou existirá. O conhecimento científico, no fundo, traz essas constatações e enunciados que se tornam, comprovando assim a existência desses dados. O conhecimento científico se constitui, nesse sentido, em um corpo sistemático de enunciados verdadeiros.
Não se limita a constatar apenas o que existiu e o que existe, mas também, o que existirá, possui manifesto sentido operacional, sendo um sistema de previsões, bem como de reprodução e inferência dos fenômenos que descreve.
A ciência, é, em primo locus, o conhecimento de novos fatos da realidade, cabendo questionar quais fatos, qual realidade o jurista investiga. São fatos e realidades legais, ou seja, o direito positivo vigente num dado momento e num certo país. O que confirma ser o direito muito mutável e efêmero.
A problemática principal da ciência do Direito reside exatamente na questão do seu método e de seu objeto de conhecimento, porque, para alguns doutrinadores a ciência do Direito é atividade intelectual que tem por objeto o conhecimento racional e sistemático dos fenômenos jurídicos, enquadrando-se, então num conhecimento unívoco e não variado.
É, este, portanto, o conceito da ciência do Direito presente na maioria dos manuais estudados, isto é, uma ciência dogmática, estática, chamada de dogmática jurídica. E, por possuir tais características, seu seria apenas avaliar, o que está contido basicamente nas leis e nos códigos. Portanto, não tem natureza crítica, ou seja, não penetra no plano do debate quanto a conveniência social das normas jurídicas.
Elucidou Miguel Reale que não é possível confundir a ciência do Direito com a Dogmática Jurídica, pelo fato de que: a Dogmática Jurídica corresponde ao ápice em que o jurista se eleva ao plano teórico dos princípios e conceitos gerais, que são necessários à interpretação, construção e sistematização dos preceitos e institutos que compõem o ordenamento jurídico.
E, ao operar-se no plano da ciência do Direito, os estudiosos tão-somente cogitam dos juízos de constatações, com o fito de converter as determinações contidas no conjunto normativo. Sendo irrelevante qualquer constatação a respeito do valor da justiça, mantendo-se alheia e indiferente aos valores. Apenas define e sistematiza o conjunto de normas que o Estado impõe à sociedade.
E, o que define o Estado é a ideologia[2]. De sorte que a ideologia[3] tem voraz influência na definição e funcionalidade da Ciência do Direito.
É possível questionar como uma ciência do Direito poderá permanecer indiferente aos valores, se o princípio fundamental dessa ciência, é exatamente trabalhar com as questões humanas, posto que sejam variáveis, jamais estáticas e inertes, ou mesmo, vinculadas à norma posta ou positivada.
Se a ciência é, por si só, um conhecimento mutável, mesmo que se concretize como autêntica ciência, mesmo que se labore com normas descritíveis, mas que estejam sempre preparadas para possíveis modificações conforme haja o progresso social que tão bem envolve o Direito.
Na época do Código Civil de 1916, de Beviláqua, o chefe da família era sempre o homem, na figura de pai. Tanto que se a esposa desejasse trabalhar, precisava de ter autorização marital. Fato que foi modificado com o Estatuto da Mulher Casada de 1962. Já no Código Civil de 2002, de Miguel Reale, reconhece-se a participação tanto do marido como da esposa na gestão da família. Dando azo à paridade de poderes aos dois gêneros.
O mais intrigante para os juristas e doutrinadores é como a ciência se constitui, se existem divergência sobre a sua real existência, no que tange ao método e ao objeto de estudo.
E, a dificuldade ainda surge quanto a existência autônoma da ciência do Direito, que traz à baila o debate sobre os fenômenos jurídicos se podem ou não ser objeto de reflexão e, análise sob os mais diversos pontos de vista de outros ramos do saber.
Miguel Reale bem explicou que a Ciência Jurídica e estuda o fenômeno jurídico tal como se concretiza no espaço e no tempo, enquanto a Teoria Geral do Direito constitui a parte geral do Direito, onde se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura e funcionamento das regras jurídicas e, ainda, sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica.
Repise-se que é muito antiga a discussão a existência de uma ciência do Direito. Enfim, os romanos a qualificam como Iurisprudentia e a definiram como ciência por nasceu e se desenvolveu com a filosofia grega o que permitiu à ciência analisar e gerenciar seus materiais.
E, mesmo assim, paira uma incerteza quanto à doutrina jurídica, e sua prática, pois havia dúvidas se poderia chamar-se de ciência, uma doutrina que era incapaz de decidir com certeza e firmeza os problemas à esta submetidos.
Assim, somente, no século XX, quando ocorreu grande progresso na maioria das ciências, é que fora possível melhor conhecer os aspectos da realidade social, possibilitando assim, a certeza de que estamos adquirindo um conhecimento que permitiu investigar a lei e dar a ela um caráter mais científico.
De acordo com Von Krishmann, refere-se ao fato de que, estando a ciência jurídica vinculada à legislação e variando esta segundo a vontade do legislador, a obra do jurista ou doutrinador é realmente efêmera, depende do capricho daquele e não pode seriamente pretender descobrir nada de real e permanente. Isso torna impossível estabelecer as famosas leis gerais.
Traduzindo Von Krishmann é que todas as ciências têm leis e as leis são a sua finalidade suprema. Todas as ciências em todos os tempos, têm, além de leis verdadeiras, outras falsas. Porém, a falsidade destas não exerce qualquer influência sobre o seu objeto.
O que é diferente do Direito, pois nesse ocorrem fatores imprevisíveis, dados novos, a influência da vontade do legislador é bastante forte, por isso é tão difícil acatar a cientificidade do Direito.
Se considerarmos ciência qualquer tipo de conhecimento racional que engloba dados da realidade natural, social ou cultural, não teremos problemas para cogitar de uma ciência jurídica, visto que essa estuda os dados da realidade, embora de forma racional.
Suponhamos, porém, que exista uma ciência e que a sua utilização seja lícita. Dessa forma, podemos entendê-la então como arbitrária, nada progressiva, distante da realidade social e, tomaríamos como exemplo a ciência jurídica, pois seu problema reside aí: é a ciência jurídica, por ser ciência arbitrária e nada progressista?
Um dos maiores problemas da ciência do Direito é a sua arbitrariedade, por ser constituída de leis arbitrárias que se modificam com o tempo, pois uma mera palavra do legislador converte bibliotecas inteiras em lixo, isto é, uma mudança na legislação torna inúteis a maioria dos manuais do Direito.
Não podemos exagerar esse feito, pois um ordenamento jurídico num todo não se modifica, mas evolui. Assim, o que muda são algumas normas, o que ocorre na verdade é um progresso, uma evolução da ciência jurídica quando se busca atender a dados da realidade social.
Enfim é a ciência jurídica arbitrária porque o legislador resta preso à doutrina tradicional, com métodos, sistemas e conceitos e, que esse, mesmo querendo realizar inovações e atualizações, se prende às técnicas habituais de determinada época histórica.
Por isso, uma ciência jurídica, mesmo entendida no modesto sentido de ordenação de conceitos e métodos de análise de normas legais, não se improvisa, mas adquire-se através de uma educação especializada que transmite seus métodos e suas rotinas de geração para geração.
Contemporaneamente, por mais radicais que sejam as mudanças, o jurista continua utilizando técnicas e hábitos de tradição doutrinária, já que o progresso social da ciência jurídica é discutível. Se considerarmos como objeto da ciência jurídica apenas o conhecimento do Direito, tal progresso seria duvidoso.
Nesse sentido, na realidade, quando se fala de progresso da ciência jurídica, teria que se pensar especialmente na forma como, graças ao desenvolvimento desses métodos de análise, o jurista é capaz de enfrentar novos problemas e realidades partindo de um Direito que inevitavelmente vai ficando ultrapassado pela evolução social (La Torre, 1978).
Enfim, a solução desse busilis está em sabermos, afinal, se existe ou não um progresso social da ciência do Direito e que importância tem o jurista na existência desse progresso. Tal constatação se dá através da própria evolução dos homens e de suas realidades e é através dessas que o Direito, ou o conhecimento do Direito (já que ciência é conhecimento), poderá realmente se caracterizar como progresso social, regulando e controlando a vida da comunidade.
Quando nos propomos a estudar a ciência jurídica, a primeira análise realizada é de que o Direito não pode ser algo diverso, ou que não faz parte da realidade social. Ele precisa, isto sim, fazer parte da realidade social global, deve ser ciência à medida que é conhecimento, pois, o jurista deve integrar-se na construção desse progresso que o Direito tanto persegue.
Caberá ainda questionar: o jurista também persegue esse mesmo progresso social, faz dele ciência jurídica, ou esta deverá ser pura e livre de qualquer influência ideológica? Enfim, busca-se uma concepção de ciência jurídica e para que isso ocorra, torna-se necessário examinar qual é seu verdadeiro método e objeto.
Sobre os aspectos relacionados com o objeto e o método da ciência jurídica, o primeiro propõe é que a ciência tem por objeto o conhecimento do conjunto de normas que constituem o Direito vigente ou positivo. O jurista, ao utilizar esse objeto de conhecimento, deve buscar e desenvolver seus conceitos, sua metodologia, utilizando-se somente da lei.
O jurista deve limitar-se ao Direito, tal como nos é posto, estabelecido, não podendo adentrar e envolver-se em questões éticas ou valorativas, ou ainda, ater-se as questões sociais, ou, especificamente, as normas que se prendem à realidade social. O direito normativo/dogmático e somente esse é seu objeto de estudo.
Diante disso, o jurista não precisa ser indiferente ao que diz respeito aos valores éticos, morais e sociais. Este pode criticar o Direito positivo e esforçar-se para modificá-lo, alcançando assim sua reforma e estruturação de algumas normas quando achar necessário. Porém, agindo assim ele estará fora de seu campo de atuação como cientista do Direito.
O jurista analisa, objetivamente, as leis ainda que se esforce para que o Direito de seu país se ajuste aos conceitos éticos mais aperfeiçoados, tal como ele os concebe. A atitude positivista não pressupõe e nem nega a relevância dos estudos da sociologia jurídica, isto é, das indagações sobre a atuação do Direito na realidade social, mas simplesmente afasta da ciência jurídica e da análise das normas este tipo de consideração.
O objeto do Direito deve ser estudo como algo diverso e separado dos fenômenos sociais. E, nesse sentido, J. Austin, em sua jurisprudência analítica, nos informa que “se deve distinguir o Direito positivo de outros tipos de normas, como os usos sociais ou outros preceitos independentes daquele que se considera o único e verdadeiro Direito.
E, para tanto, o doutrinador aponta que a ciência jurídica deve ocupar-se só das leis positivas, sem preocupar-se se são boas ou más.
Depois, de buscarmos entender a problemática que envolve a cientificidade ou não da ciência do Direito, abordando aspectos desde a construção do conceito de conhecimento e de ciência e sua violação com o Direito, procurarmos enfocar alguns aspectos relacionados com Ciência Jurídica de acordo com Hans Kelsen.
Lembremos que o conceito de ciência jurídica apresentado por Kelsen é o de uma ciência purificada de qualquer valor, tanto social como ético ou moral. E, a referida postura, tornou-se polêmica e bastante discutida, porém, são poucos que ousam a desafiar tais premissas com competência e clareza de afirmações.
Partimos da premissa de quais são ou devem ser os métodos de estudo do Direito. Kelsen parte da mesma premissa dos demais positivistas tradicionais, isto é, a análise do Direito deve fazer-se independentemente de qualquer juízo de valor ético, político e, de qualquer referência à realidade social em que atua.
O Direito é um fenômeno autônomo, cujo conhecimento é o objeto da ciência jurídica como atividade intelectual distinta da ética e das ciências sociais. E, a autonomia da ciência jurídica requer que se liberte das contaminações ideológicas que, de forma mais ou menos consciente, têm perturbado o estudo do Direito.
Hans Kelsen partiu de uma concepção de ciência que está fundada na objetividade, exatidão e neutralidade de suas proposições, que vão descrever o objeto dado. Seu objetivo é purificar a ciência jurídica de todos os elementos estranhos, fixando como seu único objeto o conhecimento do que é o Direito, sem tentar justificá-lo nem o colocar sob os pontos de vista alheios a ele.
Ou seja, uma teoria consciente da legalidade específica de seu objeto. Para constituir uma ciência tão purificada e limpa, sem quaisquer “impurezas”, o fundamental para Hans Kelsen é que o Direito se resuma exclusivamente à norma. Cabe, portanto, à ciência jurídica transformar essas normas em regras, criar a forma lógica do jurídico. Aqui o objeto é a norma e não o fato. Todos os fatos deverão obedecer ao que a lei ordena.
Por isso comenta Eugeny Pashukanis: “Esta ‘teoria’ no intenta en absoluto examinar el derecho, la forma jurídica como forma histórica, pues no trata de estudiar la realidad en forma alguna. Por esto, para emplear una expresión vulgar, no hay gran cosa que se pueda sacar ahí” (1976).
Com efeito, o Direito como é produto cultural, traz em seu bojo valores éticos, políticos, sociais e econômicos que prevalecem na sociedade e atuam como fatores para a pesquisa do cientista do Direito e, até mesmo, para o intérprete da norma jurídica, que não podem deixar de cotejar os resultados de suas atividades com as aspirações da comunidade dentro do qual os efeitos serão percebidos.
Assim, a norma jurídica representa valores reconhecidos como relevantes pela sociedade e deve ser tratada pelo cientista e pelo intérprete como um instrumento de realização daqueles mesmos valores reinantes, divorciando-se de uma atitude acrítica e dogmática.
A Semiologia[4] não ousa substituir outras ciências mais diretamente adaptadas à estrutura agonística e antagonística, numa palavra, a dialética, de nossa existência, mas seu crescente prestígio leva a uma tendência para as interpretações mais descompromissadas e contemplativas da vida e da convivência humana.
O enlace Semiótica/Semiologia para com Direito a engendrar à larga probabilidades não encaradas/concertadas, ou timidamente postas à procura, ao debate e ao esboço e que, exige, como premissa maior, o próprio arejamento da concepção e visão ortodoxas do homem para com o Direito, eis que não se resume todo este novel posicionamento em re-manejar, mas em re-criar e re-pensar, finalmente, a partir do re-flectir (já que não se pode negar a poiética humana, se não o que seria o próprio homem enquanto homem ?) que re-toma como base uma perspectiva outrora refutada (ou démodé, como alguns concebem no que tange a novas incursões no contexto linguagem jurídica) como esposada, sob o assento não de um prévio paradigma justificável em si, tampouco, nem da resolução verificável de problemas.
Entre os doutrinadores que podemos estudar, temos Luiz Alberto Warat(1985) que questiona essa visão positivista e tenta laborar com a desconstrução do modelo de Kelsen de Ciência, fazendo perceber através de um contradiscurso que a visão positivista abordada por Kelsen, ou a visão de ciência jurídica como uma ciência dogmática do Direito, não pode mais ter força de sistema normativo, pois se apresenta como corpo confuso de regras, cheia de defeitos e insuficiências para satisfazer cabalmente às necessidades reais da sociedade humana.
Para Warat (1985), o termo “Direito” é somente um preceito obrigatório que organiza e conforma a sociedade. Portanto, é preciso deslocar a ideia de uma ciência rigorosa e objetiva que estabelece o caráter imaginário das verdades, para que possamos compreender que através do gênero científico nunca se poderá efetivar a crítica à sociedade e reconhecer o homem com seus anseios.
No debate, há uma questão certa: a partir da segunda metade do século XX, a ciência do Direito firmou-se como uma ciência dogmática do Direito, apesar que persistirem opiniões e críticas contrárias a esse dogmatismo.
Enfim, a concepção dogmática de ciencia é a sua relação com a hermenêutica como teoria da interpretação, ou a busca de métodos de interpretação que possibilitem uma adequação ou readequação da dogmática à realidade social.
Conclui-se que a Ciencia Jurídica estuda o fenômeno jurídico[5] em todas suas manifestações e momentos, e, essa experiência não se formaliza e aperfeiçoa apenas em leis, manifestando-se igualmente em sociedade e nas relações de convivência.
A Ciência do Direito somente se revele como ciência madura quando as interpretações dos artigos se completam através de uma visão unitária de todo o sistema.
[1] O Direito como experiência humana, como fato social, existiu da Grécia, como entre os povos orientais, mas passou a ser objeto de ciência somente no mundo romano, quando adquiriu unidade sistemática. Foram os povos do Lácio que primeiramente, entenderam de que era necessário discriminar e definir os diversos tipos de fatos jurídicos, bem, como determinar as relações constantes existentes entre eles (objetivando atingir os princípios que governem a totalidade da experiência do Direito).
[2] Antoine Destutt de Tracy, filósofo iluminista, nascido em 20 de julho de 1754 e descendente de família aristocrática conhecida por ser uma das maiores proprietárias de terra da França, foi o criador do termo “ideologia”. O objetivo, ao criar esse termo, era recheado de ambição: criar uma ciência que fosse capaz de mapear de forma racional a origem e o desenvolvimento de todas as ideias, combinações e suas consequências – ou seja, originar a “ciência das ideias”. Foi o próprio autor que denominou essa ciência como “ideologia”, originado pelos neologismos dos termos eidos e logos, do grego, significando algo aproximado de “estudo das ideias”. Os conceitos de ideologia são diversos. Para entendê-los, começaremos pelo autor Norberto Bobbio, em seu livro “Dicionário da Política”, que divide ideologia em duas formas: o sentido “fraco” e “forte” da palavra. Para ele, o sentido fraco significa “um conjunto de ideias e de valores que tem como função orientar comportamentos políticos e coletivos” e o sentido forte tem a concepção baseada no Marxismo, sendo entendido como uma “falsa consciência das relações de domínio entre as classes”.
[3] O direito funciona como aparato que mantém as divergências no capitalista, isto é, que o capitalista continue com seu lucro e o trabalhador continue a vender sua força de trabalho. No marxismo, o Direito é parte da história, das contradições e paradoxos e da infraestrutura do capitalismo sendo relevante a análise de maneira dialética.
[4] Efetivamente, a semiótica jurídica, com seu aparato metodológico permite conceber o processo de positivação normativa como fenômeno do discurso (sem, contudo, limitar ou reduzir o Direito unicamente ao fenômeno discursivo), como enunciação, como fato de linguagem. Esta premissa deriva da adoção de um quadro categorial aristotélico, característico da tradição ocidental, que preconiza a análise do ato predicativo realizado pelo sujeito ao expressar-se num discurso em que a realidade está representada. Algumas obras importantes para a epistemologia jurídica trouxeram esta opção: é o caso de Bernard S. Jackson (1980; 1987), que explorou a semiótica estruturalista de A. J. Greimas relacionada às teorias positivistas de Hart, MacCormick, Dworkin e Kelsen. Outros autores que aplicaram a matriz greimasiana aos estudos sociológicos, políticos e jurídicos foram Landowski (1992) e Bittar (2001). No Brasil também é conhecida a aplicação da semiologia de Saussure aos estudos políticos empreendida por Warat e Rocha (1995 – 2ª versão), sob forte influência da Escola Analítica de Buenos Aires, e por eles denominada de semiologia política.
[5] A complexidade da realidade social, política e econômica, a velocidade com que ocorrem as transformações, como também a ampliação das lides que são trazidas ao Poder Judiciário, exigem, cada vez mais, um esforço muito grande para se manter o sistema vivo, em adaptação e ainda resguardando sua unidade e estrutura própria. Os operadores do Direito devem superar um paradigma que é formalista, de simples apego à lei, para reconstruírem seus códigos de acordo com outras expectativas geradas em torno de sua atuação.
Gisele Leite Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.
Ramiro Luiz Pereira da Cruz. Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Articulista de várias revistas e sites jurídicas renomados. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.
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