* Mathias Magalhães Silva –
Recentíssimas alterações no sistema recursal pátrio foram introduzidas pela Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, que alterou dispositivos da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, referentes a recursos e ao reexame necessário.
Das alterações, nos limitaremos em poucas linhas a dar atenção a uma das quais nos causou espécie, qual seja: o acréscimo de um 3º parágrafo ao artigo 515 do Código de Processo Civil, cuja redação passará (salvo modificação antes de sua entrada em vigor, cuja vacatio legis é de três meses) a ser a seguinte:
"Art. 515
§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento."(NR)
O aludido parágrafo 3º enseja um conflito normativo, eis que revela-se às escancaras, totalmente antinômico ao caput do art. 515 a que se submete.
Se a apelação devolve ao Tribunal competente, o conhecimento da matéria impugnada, e a instância origem sequer analisou, ainda que inicialmente o mérito da causa, impossível se mostra, por óbvio que é, a impugnação de questão meritória, inexistente no decisório.
O malsinado parágrafo, indubitavelmente é norma supressora de instância julgadora.
É princípio atinente aos recursos, o inconformismo da parte vencida com a decisão proferida pelo julgador, in casu, especificamente a sentença.
O pedido dirigido ao Tribunal competente é o de nova decisão, de reforma ou anulação da sentença, ou seja, das questões nela apreciadas ou que ao menos o foram parcialmente, à guisa das disposições do parágrafo 1º do art. 515 e art. 516 do CPC.
"Não pode o apelante impugnar senão aquilo que foi decidido na sentença; (…)." (RTJ 126/813)
O parágrafo em questão, sem sombra de dúvidas, ampliou o efeito devolutivo do recurso de apelação, pois, além de permitir o pronunciamento pela Segunda Instância, de questão de mérito anteriormente não decidida, mesmo que o Apelante a postule em suas razões, viola as próprias disposições de seu caput, pois, não há matéria de mérito a ser impugnada, demais, sendo defeso ao recorrente a postulação de reforma do inexistente até então.
O aludido dispositivo, além de afrontar ao seu caput, viola indubitavelmente o princípio do duplo grau de jurisdição, posto que subtrai do órgão julgador de primeira instância, a apreciação da questão de direito substancial, a quem fora inicialmente submetida a pronunciamento, nos termos da postulação da tutela jurisdicional.
A questão da supressão de grau de jurisdição foi objeto de inúmeros julgados proferidos pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, destacando-se a resenha de autoria do Prof. Humberto Theodoro Júnior(1), sobre alguns acórdãos afetos ao tema:
"Se o julgamento de primeiro grau se restringiu a questões preliminares, não pode o tribunal, por força da apelação, aprecie desde logo o mérito da causa, É que, na espécie, não houve sequer início do exame da questão de mérito. Julgá-la originariamente em segundo grau importaria abolir o duplo grau de jurisdição. A decisão do tribunal não poderá, pois, ir além do plano das preliminares" (STF, RE 71.515, 72.352, 73.716 e Ação Resc. 1.006, in RTJ, 60/207, 60/828, 62/535 e 86/71.
Destarte, além de um conflito normativo entre o mencionado parágrafo 3º e o seu respectivo artigo, que merece correção, para se expurgar a contradição de normas de uma mesmo sistema, salta aos olhos a ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição, que, não obstante não previsto em texto expresso na atual Carta Maior, a doutrina ensina que tal princípio encontra-se ínsito no sistema constitucional, no postulado do devido processo legal.(2)
Notas
1. Curso de Processo Civil, Vol. I, 24ª ed., 1998., p. 565, nota 54.
2. José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, Vol. I, 3ª ed., 1975, p. 78.
Referência Biográfica
MATHIAS MAGALHÃES SILVA, advogado em Campinas (SP), especializado em Direito Processual Civil.