Interpretação enviesada

*Luiz Flávio Borges D’Urso 

"Temos profundo respeito pelo Ministério Público e seus integrantes e buscamos manter relacionamento harmonioso, respeitoso e leal. Em que pesem esses fatores, a adjetivação empregada pelo procurador-geral de Justiça de São Paulo ao se referir a procedimentos adotados pela OAB-SP na defesa dos advogados contra a violação às prerrogativas profissionais como "iniciativas fascistas" ultrapassa os limites do bom senso e da urbanidade, sendo manifestamente injuriosa e difamatória. Também generaliza, atingindo e ofendendo toda a advocacia -hoje, aliás, integrada por muitos ex-promotores e ex-magistrados, que honram nossas fileiras. A história da OAB não pode ser apequenada por discordâncias episódicas, até porque a divergência de teses e opiniões faz parte de nossas profissões -não a ofensa.

As prerrogativas profissionais dos advogados asseguram ao cidadão a plenitude da ampla defesa e do contraditório, conforme estabelece a Constituição, sendo o acesso à Justiça o mais elementar dos direitos em uma democracia. Sobre a missão do advogado, muito bem colocou o ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello, ao enfatizar que a ele cabe "neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas -legais e constitucionais- outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos".

Para cumprir esses pressupostos, o advogado precisa estar escudado nas prerrogativas profissionais durante o exercício de seu múnus público. Nesse rol de prerrogativas, a lei assegura ao advogado a possibilidade de ter acesso aos autos, ao conteúdo de diligências e ao inquérito policial, uma vez que o direito de defesa não pode ser exercido sem esse conhecimento.

Também estabelece garantias de sigilo sobre informações e documentos confiados pelos clientes e a integridade de arquivos e escritórios. Embora para a maioria das pessoas, isso pareça ser óbvio, essas prerrogativas são constantemente violadas.

A instituição do desagravo público a um advogado tem previsão legal (lei federal 8.906/94) e decorre de um processo regular que tramita no Conselho de Prerrogativas da seccional, no qual autoridade representada tem assegurada a oportunidade de promover sua ampla defesa e o contraditório, inclusive, em grau de recurso.

Ao final, acontece um julgamento pelo conselho da ordem. Se concedido o desagravo, a OAB-SP promove uma sessão pública, na qual presta solidariedade ao colega violado em suas prerrogativas, expressando seu repúdio a tal ilegalidade. Promove, ainda, representação à corregedoria respectiva , incluindo aquele processo e o nome do agravante no "Diário Oficial" e na relação dos processos, hospedada no site da entidade. Tudo dentro da previsão legal.

A OAB-SP não possui "lista de inimigos", "lista de desafetos" ou qualquer outro nome que uma interpretação enviesada possa lhe atribuir. Nem age fora dos ditames legais. Apenas dá publicidade aos desagravos e moções de repúdio, para evidenciar que as legítimas prerrogativas profissionais dos advogados não podem mais ser ignoradas e constantemente violadas, muitas vezes por desconhecimento das próprias autoridades.

Buscamos avançar na questão e enviamos anteprojeto ao Congresso propondo a criminalização da violação às prerrogativas profissionais dos advogados. Esse projeto pretende ser a ponta-de-lança contra as arbitrariedades, além de ter função didática. Todo agente público que violar a prerrogativa de um advogado poderá ser processado criminalmente, dando ensejo também a ação civil por dano moral. Hoje, como todos sabem, o desagravo é um procedimento "interna corporis", tendo só recentemente alcançado repercussão fora da classe.

Exercendo seu direito de defender a advocacia, a OAB-SP traz à luz este importante e necessário debate, que nenhuma autoridade investida pelo poder do Estado deve desconhecer.

Dentro dessa perspectiva, qualquer iniciativa que venha a ferir as prerrogativas dos advogados irá suportar a reação enérgica da OAB-SP, objetivando restabelecer a legalidade e os primados maiores da advocacia". 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO é presidente da Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). Advogado criminalista, mestre e doutor em direito penal pela USP.

Artigo  publicado na edição de 23 de fevereiro de 2008,  da Folha de S.Paulo e site www.oab.org.br


Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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