Resumo: Historicamente, a pena de prisão, como privação de liberdade surgiu apenas no século XVIII e, se consolidou no século XIX, pois até então era apenas usada para guardar os réus até seus julgamentos servindo, inicialmente, como meio de esperar a aplicação de pena mais cruel. Em face do enfraquecimento da pena capital, apareceram na Europa, as prisões destinadas ao recolhimento de mendigos, prostitutas, “vagabundos” e jovens delinquentes que se multiplicavam, principalmente, em face aos problemas acentuados trazidos pela crise do feudalismo.
Palavras-Chave: Direito Penal. Execução Penal. Direito Constitucional. Direito Processual Penal. Pacificação social.
É muito difícil enxergar o Direito Penal como instrumento eficaz de pacificação social. Considerado em si mesmo, não resolve o problema da criminalidade. Ainda com a existência e funcionamento do Direito Penal, os alarmantes índices da criminalidade brasileira[1] só vem aumentando.
A regulação comportamental evoluiu lentamente no Direito Penal[2]. Antigamente, o revide à uma agressão não guardava proporção com a ofensa sofrida, ocorriam embates, batalhas e guerras entre grupos humanos chegando até a total extinção.
A primeira conquista do Direito Penal, pasmem, foi a Lei do Talião[3], quando se delimitava o castigo e a vingança e, já traça um rascunho de proporcionalidade. Incrivelmente, olho por olho, dente por dente projeta uma correspondência delimitadora do revide, antes pleno em absoluto.
A partir do Código de Hamurabi[4], do século XXIII antes de Cristo delimitou o castigo e, havia a proporção entre o mal retribuído com o mal semelhante. Caso alguém tivesse a mandíbula quebrada com o soco, teria igualmente sua mandíbula quebra.
Antes disso, havia outras pessoas que apesar de não envolvida na agressão poderiam ser atingidas.
Existem pessoas que se situam no limite exato entre o cometimento do delito e a busca pelo trabalho honesto, da sobrevivência digna, muitas vezes mal remunerado e, por isso, e de repente, a prática delitiva, por uma vã vida melhor, parece ser sedutora, pouco se importando com as consequências de sua conduta.
Enfim, a missão do Direito Penal moderno é a aplicação de sanção que não existe por si mesma, pois tem a finalidade sem o que é ineficiente e despropositada. E, entre essas suas finalidades, destaca-se a ressocialização. Afinal, a execução da pena deve proporcionar condições suficientes para uma harmônica integração social do condenado.
Infelizmente, nem todos praticantes de infração penal, seja crime ou contravenção, necessitam de ressocialização. É o caso do crime cometido pela força do ímpeto, sem premeditação, conforme ocorre em homicídio mediante violenta emoção, logo em seguida de injusta provocação da vítima. Seja em um crime culposo, onde nem há intenção de causar o resultado, que se revela apesar de involuntário, bastante eficaz.
A identificação do criminoso contumaz requer atenção de diversas ciências, bem como a aplicação de terapêutica penal capaz de propiciar o retorno à sociedade. Já o crime esporádico, onde não havia intenção de cometer crime, agido tão-somente por imprudência, negligência ou imperícia[5], na clássica síntese da culpa, a desnecessidade de ressocialização do infrator, passa pelo menos, por sua conscientização do erro cometido e, das razões que o fizeram inadvertidamente delinquir.
Com o criminoso profissional, ainda que privado de liberdade, continua a cometer crimes, e invariavelmente nem deseja ser ressocializado e, possui na genética moral a grande possibilidade de reincidir, nem a aplicação da pena foi capaz de intimar o condenado, tornando-se a ressocialização quase impraticável ou apenas uma retórica legislativa.
Ainda que não seja possível a ressocialização do apenado, não se pode admitir que o criminoso deixe de ser adequadamente sancionado, pois a pena possui outras finalidades, além da ressocialização. É, por soi-même, retributiva, vez que impõe uma expiação para quem a cumpre, sempre dentro das balizas da legalidade.
E, a busca da justiça com aplicação da devida reprimenda, informa a sociedade, sobre a correta aplicação da lei e se transforma como meio mais simbólico do que efetivo, mas, poderá trazer pacificação e, obstar a vingança privada.
A fora isto, há a prevenção geral, pois acena-se para a sociedade com a mensagem de que o crime não compensa. Já a prevenção especial traz outra finalidade da pena, onde se insere a missão ressocializante da pena, correspondente ao principal objetivo da Lei de Execução Penal[6]. Já quanto aos criminosos contumazes, prevalece a prevenção especial com o fito de impedir a reiteração criminosa e, ainda, preservar a segurança da coletividade. É um pacificar da sociedade, com a retirada de seu meio, de quem cometeu a infração penal[7].
A realidade contemporânea nos aponta para um sistema prisional colapsado onde as unidades penais em que a permanência é simplesmente desumana, não se pune adequadamente, apenas de desumaniza lentamente o criminoso, sobrando-lhe a porção animal eivada de instintos e selvageria.
Enfim, é indispensável para o adequado objetivo do Direito Penal que o sistema prisional funcione bem, independentemente de classe social ou função exercida.
Quando o Direito penal teatral assume publicamente que não pune, não previne a nova prática de outros delitos, há o sub-reptício estímulo da justiça pelas próprias mãos, já uma política armamentista[8] que quer disputar a segurança à bala, e basta haver injustiçado para que o sistema seja acionado à revelia do Judiciário e do Legislativo.
A Lei n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, usualmente, conhecida como “Pacote Anticrime”, promoveu uma das mais abrangentes reformas da legislação Penal, Processual Penal e de Execução Penal, modificando, acrescendo e suprimindo diversos artigos dos Códigos Penal e de Processo Penal, da Lei de Execução Penal e também em algumas leis penais esparsas.
No que se refere especificamente à matéria de Execução Penal, as alterações oriundas da Lei n. 13.964/2019 foram as mais extensas e impactantes já promovidas desde a edição da Lei de Execuções Penais (Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984), doravante LEP, modificações essas que terão, certamente, enorme impacto social, já que envolvem alterações nos prazos de progressão de regime, no período de cumprimento total de penas, nos requisitos do livramento condicional, dentre outras.
A nova disposição concentrou no art. 112 da LEP todos os prazos legais de progressão de regime, o que acarretou a revogação do art. 2º, § 2º da Lei n. 8.072/1990, que trazia as frações de progressão de regime dos crimes hediondos.
A nova previsão alterou também a sistemática de cálculo da pena, inovando no uso de percentagens ao invés de frações da pena, sistema que era adotado desde a edição da LEP, em 1984.
Quanto aos novos prazos estabelecidos, alguns permaneceram idênticos ou praticamente idênticos aos anteriores, tais como os dos incisos: I (crime comum cometido sem violência ou grave ameaça por agente primário), que era de 1/6 (um sexto) da pena (fração geral de progressão de regime dos crimes comuns) e agora é 16% (dezesseis por cento) dela; V (crime hediondo cometido sem violência ou grave ameaça por agente primário), que era 2/5 (dois quintos) da pena e agora é 40% (quarenta por cento) dela; e VII (agente reincidente específico em crime hediondo), que era 3/5 (três quintos) da pena e agora é 60% (sessenta por cento) dela.
Outros prazos são visivelmente mais gravosos que os anteriormente previstos, destacando-se os dos incisos II, III e IV, respectivamente, de 20% (vinte por cento) da pena para reincidentes em crime cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça, de 25% (vinte e cinco por cento) da pena para primários em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça e de 30% (trinta por cento) da pena para reincidentes em crime cometido com violência à pessoa ou grave ameaça, sendo que a todas essas hipóteses se aplicava anteriormente a fração geral de 1/6 (um sexto) da pena.
Também mais gravosa é a hipótese do inciso VI, de 50% (cinquenta por cento) da pena se o apenado for primário e condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, ou condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado, ou condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada.
Nesses casos, a fração anterior era de 2/5 (dois quintos) da pena no caso de crime hediondo com resultado morte e de 1/6 (um sexto) da pena nas outras duas hipóteses, visto que se tratam de crimes de natureza comum[9].
A lenta evolução do Direito Penal[10] precisa acelerar o aperfeiçoamento dos métodos de execução penal[11] e do sistema prisional, sob pena, de ser apenas uma vitória de Pirro[12].
Referências
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[1] Diversos Estados brasileiros registram queda no número de crimes violentos em 2021, na comparação com 2020. Com dados do primeiro semestre de 2021, Mato Grosso do Sul apresentou redução de 60% no latrocínio – que é o roubo seguido de morte – e de 87% nos feminicídios. A secretaria de segurança pública sul-mato-grossense ressalta que o estado está entre os que mais apreendem drogas no país, e que tem atualmente um dos maiores índices de esclarecimentos de homicídios.
[2] Deu-se na pena inúmeras alterações, passando da vingança divina, vingança privada e vingança pública. Essas etapas foram marcadas por forte sentimento religioso e espiritual. Mas, essa divisão meramente didática, haja vista uma fase se interligar e conviver com outra durante todos os tempos. Na vingança divina, o motivo da punição estava justificado pelo fato o criminoso ofender as leis, que eram propostas por divindades, e a punição tinha o objetivo evitar que a comunidade fosse contaminada com o ato do infrator e, uma das punições era a morte do transgressor. Com o crescimento da população e a complexidade social surge a vingança privada. Era uma vingança entre os grupos, eis que encaravam a infração como uma ofensa não relacionada diretamente à vítima, mas, sobretudo, ao grupo a que pertencia. Nesse período, imperava a lei do mais forte, a vingança de sangue, em que o próprio ofendido ou outa pessoa do seu grupo exercia o direito de voltar-se contra o agressor, fazendo a justiça pelas próprias mãos, cometendo, na maioria dos casos, excessos e demasias, o que culminava com propagação do ódio e consequentes guerras entre os grupos humanos. Por derradeiro, a vingança pública, com a evolução política da sociedade e melhor organização comunitária, o Estado avocou o poder-dever de manter a ordem e a segurança social, conferindo a seus agentes a autoridade para punir em nome de seus súditos. Enfim, a pena assume nítido caráter público.
[3] Apesar de terem sido substituída por novos modos de teoria jurídica, os sistemas da lei de talião serviram a um propósito crítico no desenvolvimento dos sistemas sociais – o estabelecimento de um instituto cujo propósito era decretar a retaliação e garantir que essa fosse a única punição. Em verdade, ainda antes do surgimento do Livro dos Hebreus, os Códigos de Hamurabi e de Manu já haviam trazido normas de sancionamento pessoal pela transgressão de regras sociais, utilizando-se, como modelo de punição, o princípio de talião, comumente representado pela frase “olho por olho, dente por dente”, em límpida demonstração da forma vingativa e, para a época, proporcionalmente retributiva com que eram aplicadas as penalidades então existentes.
[4] O Código de Hamurabi foi o primeiro código de leis da história e vigorou na Mesopotâmia, quando Hamurabi governou o primeiro império babilônico, entre 1792 e 1750 a.C. Esse código se baseava na Lei do Talião, que punia um criminoso de forma semelhante ao crime cometido, ou seja, “olho por olho, dente por dente”.
[5] A negligência é uma falta de cuidado ou desleixo relacionado a uma situação. A imprudência consiste em uma ação que não foi pensada, feita sem precauções. Já a imperícia é a falta de habilidade específica para o desenvolvimento de uma atividade técnica ou científica. Apesar de terem significados bem diferentes, há quem confunda negligência, imprudência e imperícia. As palavras induzem a uma ideia de falta de cuidado, mas há detalhes significativos distintos sobre cada uma delas.
[6] O Pacote Anticrime alterou a Lei de Execução Penal nos seguintes termos: Inclusão de parágrafos do art. 9º-A sobre Identificação de Perfil Genético para Crimes Hediondos. Em caso de crime hediondo com resultado de morte.
[7] Na LEP que se encontram, por exemplo, as regras para progressão de regime (isto é, as circunstâncias em que alguém poderá sair de um regime fechado para o semiaberto, e assim por diante). Esse assunto, contudo, mereceria um texto exclusivamente para ele. A LEP ainda dispõe sobre diversas outras situações que serão discutidas e resolvidas no processo de execução. É o caso da unificação das penas (procedimento que precisará ser feito pelo juiz quando o preso tiver mais de uma condenação, para que se possa avaliar adequadamente os benefícios, o regime de cumprimento de pena e outros).
[8] Em 2020, alta na posse de armamentos foi de 97,1% após flexibilização de regras promovidas por Bolsonaro, segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Homicídios voltaram a crescer após dois anos de retração.
[9] Nesse sentido, ao ampliar a grande maioria dos prazos de progressão de regime, a Lei n. 13.964/2019 acaba por contribuir diretamente para o agravamento do já absurdo quadro de superlotação carcerária, o que acarretará direta e decisivamente numa piora ainda mais significativa das violações de direitos fundamentais ocorridas dentro das penitenciarias do país. O legislador ordinário, portanto, ao aumentar os prazos de progressão de regime, como feito na Lei n. 13.964/2019, caminhou em sentido absolutamente oposto àquele preconizado pelo Pretório Excelso, incorrendo em evidente inconstitucionalidade, já que o incremento em quase todos os prazos de progressão de regime certamente piorará ainda mais o caos do sistema carcerário.
[10] A configuração do Direito Penal difere da maioria das demais disciplinas, no que diz respeito ao seu conte do principal, isto é, no que afeta as normas penais incriminadoras, que vem a ser aquelas que definem a matéria proibida, sob determinadas sanções, incluindo a pena privativa da liberdade, ainda hoje majoritária nesse âmbito do Direito. Enquanto nos demais setores e disciplinas se encontram normas jurídicas de natureza meramente regulatória das relações entre as pessoas, tal como ocorre de modo muito particular no Direito Privado – ou, entre privados –, o Direito Penal, ao contrário, trata de proibir comportamentos pela intervenção da pena pública, que, em princípio, sequer é dirigida satisfação dos interesses individuais das pessoas eventualmente envolvidas.
[11] No momento da execução penal, concretiza-se as finalidades de retribuição, prevenção especial e ressocialização, que significa reingressar o delinquente ao convívio social, conforme dispõe o artigo 1º da Lei de Execução Penal: Art. 1º, Lei 7210/84 A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
[12] Vitória pírrica ou vitória de Pirro é uma expressão utilizada para se referir a uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis A expressão recebeu o nome do rei Pirro do Epiro, cujo exército havia sofrido perdas irreparáveis após derrotar os romanos na Batalha de Heracleia, em 280 a.C., e na Batalha de Ásculo, em 279 a.C., durante a Guerra Pírrica. Após a segunda batalha, Plutarco apresenta um relato feito por Dioniso de Helicarnasso.