Hegel, a aporia entre o direito de filosofar e o dever de obedecer.

* Bruno J. R. Boaventura

O desafio do presente texto é passar uma idéia do pensamento de GW.F.Hegel descrito exclusivamente na obra Princípios da Filosofia do Direito, tendo como base o exemplar impresso pela Editora Martins Fontes em 1997.

Hegel apresenta uma visão histórica em não considerar isolada e abstratamente a legislação, mas vê-la como um elemento condicionado de uma totalidade e correlacionada com outras determinações que constituem o caráter de um povo e de uma época (fls.5). O cuidado que Hegel pede é para o risco de superestimarmos esta visão histórica, e não darmos importância para o conceito atual da coisa que é o resultado de um processo cultural, mas é um resultado dado conforme o tempo vivido. Assim deve ser considerado o equilíbrio da gênese temporal com a gênese conceitual.

Hegel estabelece uma forte crítica ao positivismo, que em sua concepção está sempre a introduzir uma determinação singular das instituições e dos indivíduos. A conseqüência principal do positivismo seria então a negação da liberdade, ou seja, estabelece a fúria destruidora do individuo, por exemplo, ao tentar impor um estado da igualdade universal ou da vida religiosa universal (fls.14).

No direito, para Hegel, o positivismo torna as regras o que for validado pelo Estado, mesmo que fora da realidade desconsiderando circunstâncias interiores do fato. Tornando o direito como algo irracional, lesando o seu próprio conceito (fls.74), pois o reduzem ao mero princípio da autoridade (fls.188 189). Esta identidade formal do direito elimina todo o seu conteúdo e toda a sua determinação (fls.120). A idéia de legislação deve ser o reconhecimento do conteúdo como definida na universalidade (fls.186), e a realidade efetiva demonstra que é imperfeita, algo inaceitável ao positivismo que exige que os códigos sejam algo absolutamente acabado (fls.192).Por isso a necessidade requer que o conceito de direito seja demonstrado por um outro método que não o demonstre como um teorema geométrico (fls.200).

Ao exteriorizar os meus conceitos devo adequá-lo às contradições com os conceitos de outrem. (fls.101).

É da contraposição da individualidade e da universalidade que Hegel expõe a dialética como método, que é para ele o motor do conceito. Mas não a dialética negativa platônica, mas dialética superior do conceito que busca atingir o contrário de uma representação para então aproximar da verdade entendida como o meio-termo (fls.33). A solução dos contrários se da pela própria idéia que o sujeito tem da realidade como, por exemplo, com o direito de propriedade (fls.34). A base filosófica do espírito fenomênico de Hegel, e porque não dizer de todo o seu pensamento, é a vontade natural contraditória do individuo (fls.40) se relacionando dialeticamente com as vontades naturais contraditórias de outros indivíduos. Poderíamos detalhar neste fluxograma:

Determinar dentro do meu universo quais os necessários instintos a serem seguidos.

                                                                                                                                                                       

 

O indivíduo é um possuir de contrariedades (fls.40). 

 

 

 


Individualidade       vontade     reflexão sobre si       decisão     existência      liberdade         universalidade

Nega a individualidade, até os limites estabelecidos na personalidade.

Oposição da satisfação própria e do que o dever ordena.

Ter a consciência de si  (direitos) conhecendo a objetividade moral (deveres), e agir querendo ou não obedece – lá.

Satisfazer as carências, tendências, paixões, opiniões, fantasias é alcançar o bem-estar ou felicidade.

 

 

 

O pensamento para Hegel progride do conceito do indivíduo para o universal, o progresso consiste em ultrapassar a vontade que só existe para si para a vontade universal.  O destino dos indivíduos está em participarem desta vida coletiva (fls.271), no qual a individualidade e a universalidade só podem ser aceitas no respeito mútuo. Esta unidade é representada na máxima de Hegel de que somente tem deveres aqueles que têm direitos (fls.226). A injustiça é querer tornar indevidamente o particular em universal. E recomenda que religião seja a consolação e esperança para as injustiças, principalmente nas épocas de miséria.

Assim a ação, tem que ter razão de obrigar outrem (Fls.102) para estar justificada, e se desenvolve em processo dialético com outras ações. Os resultados devem estar em conformidade com a necessidade e não com a vontade (fls.105). Não aceitar isto é a manifestação do mal, natural do indivíduo (fls.127.) Desta conformidade é que existe a identidade do indivíduo com as Leis e as instituições. (fls.143). A realização do dever e do direito, que está representada na forma de leis e de princípios, liberta-o dos instintos naturais, e da subjetividade indefinida (fls.144).

Na aplicação concreta a preocupação deve ser o equilíbrio entre a forma e o conteúdo, o que deve ser resolvido são os conflitos jurídicos propriamente ditos (fls.197). Em um julgamento, a definição da intenção do agente é uma convicção subjetiva do juiz, a certeza da consciência, que retira do direito a possibilidade de aplicação de um raciocínio matemático (fls.199 e 200).

A formalização da universalidade é a sociedade civil, convergida na Constituição do Estado (fls.149). A sociedade civil é dividida em classe substancial, industrial e universal. A classe universal é quem universaliza os interesses (Fls.268). Estado é divido em legislativo, governo e o príncipe. O legislativo cabe trazer até a existência a consciência pública como universalidade (fls.275).  Governo cabe interpor os indivíduos, e administrar e julgar conforme as decisões do monarca (fls.266). Ao príncipe é a suprema vontade de todo o poder (fls.247), e o seu poder vem de Deus (fls.256).

A inevitável aporia do pensamento no livro Princípios da Filosofia do direito é o estabelecimento de todo um método que defende o direito de filosofar como símbolo da liberdade, e ao mesmo tempo estabelece uma obrigação de obedecer a autoridade suprema do monarca. Hegel é um filosofo democrático ao mesmo tempo que é um político autoritário e extremamente crente na burocracia Estatal (fls.276). Hegel, em sua individualidade, rompe com o pensamento positivista, mas na coletividade jura obediência ao absolutismo prussiano.

Esta aporia tem como base a coisificação da liberdade, pois Hegel entende que a propriedade como a primeira existência do homem livre (Fls.47).  Assemelha o direito a personalidade ao direito da propriedade. É um problema que ele próprio cria (fls.64), e resolve de forma a entender que a liberdade é uma peça de madeira a ser lapidada pelo individuo e entregue ao monarca, que então saberá como encaixa – lá no grande quebra cabeça que é a sociedade civil.

Se todas as idéias humanas possuem um tempo de validade, algumas de Hegel sobreviveram tão somente a primeira geração da liberdade, e não alcançaram a segunda geração da igualdade (fls.50).

O que fica é que Hegel, no livro Princípios da filosofia do direito, como filosofo quer universalizar a filosofia, e como obediente as leis quer universalizar a submissão. Tenho para mim que é melhor ficarmos com o primeiro que brilhantemente nega o positivismo na seguinte passagem: “Aqueles que julgam poder dispensar a demonstração e a dedução em filosofia só mostram assim que ainda estão longe da menor idéia do que é a filosofia, e se os que discorrem sem conceitos podem decerto discorrer nenhum direito têm em participar num discurso filosófico.” (fls140.)

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

Bruno J.R. Boaventura: Advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C.

Clovis Brasil Pereira
Clovis Brasil Pereirahttp://54.70.182.189
Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG – UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”.

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