Desejar ao fornecedor um feliz Dia do Consumidor pode parecer irônico ou, no mínimo, um tanto contraditório. Mas não é. Eu explico.
O chamado Código de Defesa do Consumidor (CDC) foi concebido em 1990 para proteger o consumidor, que, teoricamente, é a parte mais vulnerável da relação contratual.
É evidente que naquela época a expansão da atividade econômica inseriu grande parcela da população brasileira no mercado de consumo, sem que o povo tivesse uma cultura de consumo consolidada. Era imprescindível, portanto, a ingerência estatal para elevar, por força da lei, a parte menos favorecida (consumidor) ao patamar da mais favorecida (fornecedor). É para isso que serve o direito, para garantir que partes diferentes exerçam seus direitos de forma igual.
Após quase três décadas, todavia, o CDC merece uma releitura. Uma releitura que amplie o alcance da lei para além da proteção do consumidor. Uma releitura que enfatize o que o código já previa em seu texto inicial: a necessidade de educação para o consumo e de harmonização das relações.
É nesse cenário que o CDC pode – e deve – ser usado para proteger os fornecedores.
A educação é arma poderosa para que os fornecedores saibam se proteger nos momentos pré-contratuais (como os de elaboração e veiculação de campanhas publicitárias), contratuais (a realização do negócio em si) e pós-contratuais (por exemplo, a assistência técnica). De nada adianta o estabelecimento ter um exemplar do CDC à disposição do consumidor, se o lojista não entende o que está escrito naquele punhado de artigos. Para isso, a solução é educar cada um dos colaboradores envolvidos na cadeia comercial.
A harmonização das relações de consumo, calcada nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual, prevê também a proteção dos fornecedores por meio de mecanismos processuais que garantam a ampla defesa nas demandas judiciais.
Nesse ponto, ganha destaque a relativização da chamada inversão do ônus da prova, a ideia de que será sempre do fornecedor a responsabilidade de provar as suas alegações. O posicionamento mais moderno sobre o tema distribui esse ônus entre fornecedores e consumidores, de acordo com a natureza do fato que se pretende provar. Ou seja, a responsabilidade de provar não será sempre do fornecedor, como acontecia anteriormente, mas de quem tiver melhores condições de produzir a prova, por exemplo, a obtenção de documentos.
E não para por aí. A “obrigação” de realizar reparos em produtos com defeito dentro do prazo de 30 dias (sim, 30 dias) é um direito muito mais do fornecedor do que do consumidor.
Do mesmo modo, em geral, o consumidor não tem direito de arrependimento, ou seja, não tem o direito de desistir dos contratos assumidos perante os fornecedores. Assinou o contrato, tem que honrar, ainda que alegue que se arrependeu, que pensou melhor, que perdeu o emprego ou qualquer outra desculpa. Nesses casos, o fornecedor pode exigir do consumidor o pagamento de multa contratual pela rescisão unilateral do negócio. A exceção a essa regra são as compras realizadas fora dos estabelecimentos comerciais, nas quais o consumidor tem o prazo de sete dias para desistir do negócio. Essa modalidade de compra, no entanto, apesar de crescente, ainda representa bem menos do que as compras realizadas dentro da loja, o que implica dizer que na grande maioria dos casos o consumidor não tem direito de arrependimento.
Ou seja, muito além do ditado popular, o Código do Consumidor está aí para garantir que a razão nem sempre está com o cliente. Evolução dos tempos? Talvez. Parabéns, fornecedor.