* Roberto de Assis Matos
A Lei nº 11.232/2005, responsável por expressivas alterações no Código de Processo Civil Brasileiro, no que diz respeito à execução de sentença judicial, acabou com a necessidade da dualidade processual para se atingir a satisfação do pedido mediato e, com isso, dar o devido valor às sentenças judiciais que, até então, eram meros tickets para ingresso no trem expresso denominado execução.
O jurisdicionado, antes da reforma pela mencionada lei, necessitava exercer seu direito de ação duas vezes (no mínimo), porque, ao procurar um profissional com capacidade postulatória para esclarecimentos acerca da sua pretensão, subliminarmente, recebia a notícia de que o seu pedido, na verdade, eram dois: imediato e mediato. Tudo bem, pensava o esperançoso futuro sujeito processual; afinal de contas, se peço um e ganho dois, que mal poderá ter?
Pois bem. Ingressava o passageiro processual nos recintos da estação justiça e esperava o anúncio do número do seu primeiro trem, intitulado expresso do conhecimento. Adentra, juntamente com seu advogado, e logo na entrada é recebido pelo estiloso condutor-juiz, que lhe abre as portas com um grande sorriso, como se já soubesse da sua chegada. O jurisdicionado, contente, olha para seu patrono que, com toda postura, lhe afirma:
– Viu só, não te falei que íamos ser bem recebidos. Quando é a Senhora Constituição que nos recomenda, não há condutor no Brasil capaz de nos fechar as portas. Vamos entrar.
Já dentro do trem, empolgado com todo aquele ambiente ao estilo romano, permanece o passageiro de pé ao lado do condutor e rapidamente já começa a narrar o caminho para o seu vitorioso destino. Depois de algumas voltas, percebe que algumas vias estão tão "agravomente" obstaculizadas que mesmo que o condutor insista, não poderá passar, sendo necessário fazer o trajeto por outro caminho. É o momento em que, ao olhar para trás, no interior do trem, constata a existência de inúmeros outros passageiros, já sentados, aguardando a chegada aos seus respectivos destinos. É quando, já não tão empolgado diante da demora, questiona seu patrono e recebe a seguinte justificativa:
– Calma. Vai dar tudo certo. É que esse condutor é um pouco lento. Vamos tomar nosso assento.
A viagem se prolonga. O Senhor Jurisdicionado, de há muito já sentado, vê o condutor passar pela casa do réu e, como ele não é encontrado, assiste a um bate-papo infrutífero com os vizinhos para só encontrá-lo meses depois, no seu local de trabalho. Quando todos já estão juntos no trem, passeia o condutor pela zona sul da cidade, na esperança de que a vista agradável acalente os ânimos e faça surgir dali uma próspera amizade e conseqüente interrupção antecipada do juris-tur.
Isso não acontece e a viagem continua, chegando a ser necessário visitar outras cidades, com paradas demoradas só para ouvir a história de um morador local. Passados anos e noites, de repente o trem chega na estação sentença. O condutor pára, anuncia o fim da viagem e pede que todos dêem um visto no seu ticket. O Senhor Jurisdicionado olha para a estação sentença, vê um punhado de letreiros bonitos, alguns até em "neon-negrito" e, perdido, dirige-se uma vez mais ao seu guia na esperança de ouvir a tão esperada notícia, quando surge o seguinte diálogo:
(Advogado) – Gostou da viagem? Demorada, mas compensadora, não é?
(Sr. Jurisdicionado) – É Doutor?
(Advogado) – É, você não viu o ticket? Ganhamos.
(Sr. Jurisdicionado) – É Doutor? Que legal então, né! Então agora é só pegar aquele papelinho e ir ao banco trocar pelo meu dinheiro?
(Advogado) – Calma, não é bem assim. Por que a pressa? Até parece que não gostou da viagem. Nós conseguimos o seu pedido imediato. Agora, ganhamos um ticket para pegar outro trem e buscar seu pedido mediato. Olha ali o trem… é aquele com o nome expresso da execução. Vamos correr. Vem que eu já tracei o novo itinerário e preciso entregá-lo ao condutor.
(Sr. Jurisdicionado) – Vai demorar essa outra viagem, Doutor?
(Advogado) – Ah! Veja bem!!! Depende.
(Sr. Jurisdicionado) – Depende de que Doutor?
(Advogado) – Uma pergunta por dia, por favor, até porque temos muitos dias e noites para conversar sobre isso. Primeiro vamos ter que encontrar o réu de novo e avisá-lo de que pegaremos o expresso da execução.
(Sr. Jurisdicionado) – Como assim…, de novo? Eu vi o réu assinando o ticket também. Olha ele lá no expresso do conhecimento indo embora… Pega ele, Doutor, pega…
E assim caminhava a humanidade jurídica até o advento da Lei nº 11.232/2005, que veio com a promessa de uma justiça mais célere e efetiva. Para isso, dentre outras coisas, deu à sentença de mérito a força executiva inerente ao poder estatal não só de dizer, mas, também, de satisfazer o direito à uma obrigação de fazer, não-fazer ou receber coisa distinta de dinheiro.
Mas não foi só. Quanto às pretensões para recebimento de quantia certa, trouxe a citada lei todo um regramento novo, eliminando a necessidade de uma segunda ação e condensando tudo num único procedimento, agora bifásico.
O foco deste singelo estudo está na mensagem do introduzido artigo 475-J no Código de Processo Civil e sua possível aplicação na execução provisória, também alterada e disciplinada na letra "O" do dispositivo inserido.
A polêmica novidade vem assim redigida: CPC 475-J – "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação".
Para análise acerca da aplicação deste dispositivo em sede de execução provisória, em especial no tocante à mencionada multa de 10%, necessário se faz nos posicionarmos quanto ao termo a quo da contagem dos exigidos quinze dias para o espontâneo pagamento do montante da condenação sem o acréscimo-sanção. Melhor refletindo, imprescindível será, antes, estabelecer o que devemos considerar como sendo o momento da condenação.
Considera-se judicialmente condenado aquele que, por sentença, for declarado devedor de quantia certa ou a ser liquidada e estará condenado quando esta sentença tornar-se pública, ou seja, sair da esfera do seu prolator. A meu ver, prolatada em audiência ou entregue em cartório (ou na secretaria), serão estas as datas das respectivas condenações. O que ocorre, de plano, é que esta condenação, para se tornar definitiva, precisa de um plus: o trânsito em julgado. O trânsito em julgado tem o condão de, neste aspecto, tornar alguém definitivamente condenado e nada mais. Não fosse assim, não haveria argumentos para sustentar a existência de uma execução provisória (que prefiro chamar de execução antecipada). A execução só é tratada como não-definitiva porque não-definitiva também poderá ser uma eventual condenação.
Constatado o momento da condenação, resta estabelecer o dies a quo do prazo de quinze dias previsto para o pagamento espontâneo do montante fixado na sentença, antes da efetiva análise acerca da possibilidade de sua aplicação na denominada execução provisória.
O silêncio da lei em estabelecer o termo inicial do debatidíssimo prazo de quinze dias, data venia, se não foi intencional, foi providencial, na medida em que a mens legis da reforma é o atingimento do binômio celeridade-efetividade. E digo isso porque o jurisdicionado já vencido numa fase de cognição deve ser estimulado a, espontaneamente, cumprir com o provimento estatal, sob pena de sofrer mazelas ainda maiores em seu patrimônio. Considerá-lo cientificado da possibilidade de um acréscimo de 10% no montante já fixado pelo magistrado apenas com o simples decurso do prazo contado do trânsito em julgado ou – menos pior – com a muitas vezes inútil intimação de seu patrono é, na verdade, retirar da efetividade o tempero celeridade. É que o vencido, já insatisfeito com a condenação, agora (já na seara da execução) sabedor de que terá de pagar com acréscimo de 10%, certamente obstacularizará ao máximo o recebimento pelo seu credor.
Vou mais além. Se é certo que a execução (definitiva ou não) só ocorrerá a requerimento do credor, então é possível que ela nem ocorra. Imagine a hipótese de, espontaneamente, o vencido, intimado da condenação, independentemente de saber ou não as conseqüências da multa moratória, procure seu credor e efetue o pagamento tal como determinado na sentença. Nada há que obrigue este credor, já satisfeito, a comunicar o poder judiciário acerca da satisfação de sua pretensão, tanto que o legislador, atento a esta possibilidade, inseriu o parágrafo 5º no art. 475-J do CPC, para alertar que, não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte. Prolatada a sentença e, conseqüentemente, atendido pelo Estado o pedido imediato, pode ser o bastante para que o vencedor consiga, por si só, seu pedido mediato. Mas caso isso não aconteça, o que é o mais provável, querendo, deve o agora credor retornar ao Poder Judiciário e, nos mesmos autos, requerer a execução, momento em que se justifica interpelar o vencido com o ultimato de 15 dias para pagar sem incidência de qualquer acréscimo, num verdadeiro ato de desestímulo ao ingresso na fase executiva ou abandono da fase pré-executiva (recursal), tudo em nome da célerefetividade.
O prazo de quinze dias previsto no art. 475-J do CPC deve ser contado da intimação pessoal do vencido, até como homenagem ao art. 238 do CPC[1], presumindo-se válidas com o só encaminhamento ao(s) endereço(s) declinado(s) nos autos, garantindo-se o contraditório sem ferir a celeridade.
Sustentar como início de contagem do prazo de 15 dias a data do trânsito em julgado (como tem entendido parte da doutrina e a jurisprudência do STJ[2]), é negar aplicação do dispositivo na execução provisória, cuja possibilidade passo a argumentar.
Dispõe o par. 1º, do artigo 475-I, do CPC que será provisória a execução da sentença quando impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo. Por sua vez, o art. 475-J do mesmo estatuto disciplina que, caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10%.
De início, reporto-me ao art. 475-O do CPC para enfatizar que o legislador dispôs que a execução provisória da sentença far-se-á do mesmo modo que a definitiva. Do mesmo modo, porém, sem, é claro, ter havido o trânsito em julgado da sentença. O trânsito em julgado seria como um pressuposto processual objetivo negativo para a existência da execução provisória.
O termo "provisória" que acompanha a palavra "execução" – e por isso prefiro chamar de execução antecipada – não significa que a execução será incompleta; indica que houve uma opção por iniciar a antecipação dos atos executórios porque a sentença proferida não teve sua eficácia suspensa por vontade da lei ou do magistrado.
Havendo uma sentença condenatória – e como vimos a condenação surge com a mera publicização do julgado (o que não deve ser confundida com a publicação no diário de justiça) – com seus efeitos em pleno vapor, nasce para o vencedor o direito de optar por aguardar ou não o trânsito em julgado.
Prolatada a sentença, já não há mais que se falar em esgotamento da função jurisdicional, porém, o Estado-Juiz volta à inércia, uma vez que dependerá da provocação das partes a remessa à revisão pela superior instância ou o início da fase executiva, ou, ambos (remessa à reapreciação e execução antecipada).
Permitir antecipação no exercício da juris-dicção (fase cognitiva) é um trabalho de preservação da garantia de reversibilidade da situação. Permiti-la (a antecipação) no exercício da juris-efetivação (fase executiva) vai mais além: é uma tarefa de preservação também de garantias para a eventual necessidade de indenizar, preocupação esta que o Estado deixou a cargo do vencedor do primeiro round da demanda.
Ao possibilitar a execução antecipada, o Estado transfere ao vencedor o ônus da análise do risco de os atos executivos (por si sós de natureza ofensiva) serem entendidos como descabidos e, portanto, tipificados como passíveis de indenização. É o que está bem claro no inciso I, do art. 475-O, do CPC, quando afirma que corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido. É uma séria advertência ao candidato a exeqüente, porém, que não deve ser vista com excepcionalidade, sob pena de caracterizar como excepcionais as decisões acertadas da justiça de primeiro grau. Não devemos nos esquecer que, para dizer o direito, o magistrado passa por uma longa e exauriente reflexão cognitiva acerca do direito material discutido, com todas as oportunidades para o exercício de ampla defesa e demais consectários do devido processo legal.
A possibilidade de reforma de uma decisão deve ser analisada pelo pretenso exeqüente, de maneira que, se opta por antecipar seu requerimento de execução, a ele deve ser dado o novo tratamento célerefetivo, com todos os mecanismos inibitórios-desestimulantes anti-procrastinatórios, inclusive, a possibilidade de recebimento da multa prevista no art. 475-J do CPC, caso o executado, pessoalmente intimado, não efetue o depósito do montante da condenação em quinze dias.
Peço venia para abrir um parêntese, a fim de esclarecer eventuais manifestações de afronta à razoabilidade ou proporcionalidade constitucionais. Ao se falar em depósito do montante da condenação, entendo não se tratar necessariamente e exclusivamente de dinheiro e sim de garantia de cumprimento das decisões judiciais, pois, se assim fosse, para condenações vultosas, o prazo de quinze dias seria demasiadamente insuficiente para tornar líquida tamanha quantia. Nada impede que, havendo em seu patrimônio algo de valor equivalente, possa o vencido oferecê-lo em juízo como demonstração de boa-fé com o cumprimento da sentença, a fim de evitar a incidência da multa sancionatória. Seria um contra-senso qualquer vedação neste sentido, até porque nada impede que o vencedor aceite como dação em pagamento o bem ofertado, feitas as devidas compensações. Postergar essa possibilidade apenas para a fase executiva, seria andar na contramão de direção da celeridade/efetividade, uma vez que é o que acabaria ocorrendo em futura penhora e adjudicação (na hipótese); a diferença seria o acréscimo de 10% na obrigação do executado que teve a infelicidade de não ter tido liquidez suficiente naquele prazo (15 dias) que lhe fora concedido para tanto. Seja como for, trata-se de um tema para discussão futura e mais aprofundada.
Continuando. Ao insistir na necessidade de intimação pessoal para que tenha início a contagem do prazo de quinze dias do art. 475-J, o que pretendo é estabelecer uma coerência no sistema. Entendo não poder haver dois pesos e duas medidas. O prazo de 15 dias deve ter como início de contagem a mesma referência tanto para a execução definitiva quanto para a não-definitiva (provisória). E o que as diferencia, em essência, é a existência ou não de decisão com trânsito em julgado, o que o afasta como referência para demarcar o início de qualquer coisa em ambos os institutos. O que se busca com a execução, definitivamente ou não, é um único resultado: satisfação (definitiva ou não) e se definitivamente posso ver atendido meu pedido mediato acrescido de 10% pela relutância do executado, o que me impede de obter o mesmo quantum antecipadamente, ainda que não definitivamente? Seria como se obter uma tutela antecipada (ainda na fase de cognição) sem os acréscimos devidos pela mora, pelo simples fato de não se ter, ainda, sentença definitiva de mérito. Se for necessário reverter, a reversão se fará, também, pelo todo (na tutela ou na efetivação).
Quanto à segurança jurídica na antecipação da execução, andou bem o legislador, que se preocupou em resguardá-la quando fez constar no inciso II que fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento. Se necessário, o executado, nos mesmos autos, transforma-se em exeqüente, sendo possível o levantamento da caução prestada, conforme disciplinado no inciso III[3]. Acautelou-se a lei com a exigência de caução suficiente e idônea prestada nos próprios autos, caso haja requerimento de levantamento antecipado de eventual depósito em dinheiro ou de práticas que importarem em alienação de propriedade com possibilidade de dano. Em relação à idoneidade ou suficiência da caução, fica a cargo do julgador a apreciação, cabendo a ele autorizar ou não, em favor do exeqüente, o levantamento da quantia já depositada, pois, na pior das hipóteses, ficará a própria quantia depositada pelo executado antecipado como se caução fosse, postergando sua liberação, agora sim, para data posterior ao trânsito em julgado no processo em grau de recurso.
CONCLUSÃO
Relembrando citação de uma canção do Legião Urbana, disse o saudoso poeta: o futuro não é mais como era antigamente.
Hoje, somos o futuro de um passado processual recente em que, para resguardar alguns direitos, suprimiam-se outros. Sopesavam-se direitos de mesma dimensão na tentativa injusta de quantificá-los para justificar a aplicação de um em detrimento de outro. E assim tem sido desde a denominada reforma do poder judiciário implantada pela EC 45/2004.
A Lei nº 11.232/2005, ao condensar os processos de conhecimento e de execução em um único procedimento bifásico, procurou resguardar, ao mesmo tempo, todos os direitos e garantias dos indivíduos de boa fé, numa verdadeira preocupação com a pacificação social. Ao conceder um prazo moratório de 15 dias para um vencido cumprir espontaneamente o provimento jurisdicional, não teve como objetivo dar ao credor 10% a mais no seu direito e sim dar ao vencedor 100% a menos de tempo na resolução de seu conflito. Deixar de intimar o vencido pessoalmente para cumprir espontaneamente sua obrigação sem multa, é criar mais uma possibilidade de conflito ou agravar o já existente. Transferir a intimação para a pessoa do advogado, é dar ao causídico uma capacidade "pagatória" que não lhe é inerente. Como sancionar um advogado por não conseguir alertar seu cliente em 15 dias, se o próprio poder judiciário, com todo o aparato que possui, muitas vezes leva mais de meses para localizar pessoas? Entender assim é transferir um ônus, que é do Estado, aos advogados, sem que se tenha dado a eles poderes especiais para tanto. E no sistema dos juizados especiais cíveis (que dispensa a capacidade postulatória): será que o magistrado terá de nomear, àqueles que não têm, um advogado para intimá-lo de que dispõe de 15 dias para pagar o valor fixado na sentença, sob pena de acréscimo de 10%? Se no JECiv a intimação é pessoal para o demandado sem advogado, por que não sê-lo na justiça comum? Não há qualquer comprometimento na celeridade, ao contrário, evita-se, em muito, o início da fase executiva.
De outro lado, não há como sustentar ser o trânsito em julgado a referência para o início do prazo de 15 dias constante no CPC 475-J, com todo respeito à posição que vem sendo adotada pelo STJ. Não é o que diz o dispositivo e, se assim fosse, incabível seria sua aplicação em sede de execução provisória, cuja existência só se justifica pela ausência de trânsito em julgado e de efeito suspensivo em recebimento de recurso.
A EC 45/2004, ao inserir o inciso LXXVIII[4], no art. 5º, da CF88, preocupou-se com a notória morosidade e com o descrédito social no poder judiciário, pouco eficiente na pacificação com justiça, escopo magno da jurisdição.
Temos, ainda hoje, uma justiça de primeiro grau insegura consigo mesma, que necessita de uma terapia processual para assumir o papel para o qual foi criada. Antecipar tutela já foi uma revolução, na medida em que, para muitos, foi e ainda é considerada uma verdadeira ofensa constitucional, por afrontar dispositivo que afirma que ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal. Mas devido processo legal não é sinônimo de devido processo letal. Estar em juízo, hoje, ainda é uma longa viagem cara para o demandante e um investimento/financiamento para o demandado. Antecipar tutela, a meu ver, é um instituto que, de certa forma, contribui para a morosidade e um transtorno para o magistrado que se vê, no seu dia-a-dia, obrigado a apreciar em cognição sumária inúmeras demandas complexas. Explico. Hoje, na maioria das ações, há pedido de tutela antecipada e o magistrado passa quase que todo seu dia ou presidindo audiências e/ou decidindo antecipações de tutela. E o restante dos processos? Vão ficando cada vez mais esquecidos e atrasados, de maneira que, para se atender parte dos jurisdicionados, necessário se faz deixar de lado uma outra grande parte para apreciação num futuro distante. O que necessitamos é que haja maior prestígio às decisões de primeiro grau e isso só acontecerá quando a magistratura julgar com convicção suficiente para retirar de suas decisões a possibilidade de suspensão dos seus efeitos (antecipação de tutela na sentença). Por que será que no sistema dos juizados especiais cíveis a regra é o recebimento de recurso apenas no efeito devolutivo (Lei nº 9.099/95, art. 43) ? Não precisamos de lei para isso, nem tampouco virar do avesso o art. 520 do CPC. Nossos juízes não precisam de confirmação de seus julgados para torná-los, desde já, eficazes e a eficácia, por si só, não significa imediata execução porque vedada – a meu ver corretamente – a execução ex officio. O que o jurisdicionado espera é que o juiz cumpra seu ofício, ou seja, julgue pra valer e o jurisdicionado, se quiser, que faça valer o julgado, assumindo todas as responsabilidades com uma possível modificação. Sentença que possibilita efeito suspensivo é sentença com calda de recurso "necessário": recurso necessário para lhe dar eficácia.
À luz das reformas introduzidas pela Lei nº 11.232/2005, execução provisória com possibilidade de aplicação da multa prevista no art. 475-J do CPC se coadunam e fortalecem os princípios da celeridade e efetividade. Nossa sociedade litigiosa está farta de juris-falação; o momento é de juris-efetivação.
O futuro não pode e não deve ser mais como era antigamente.
NOTAS E REFERÊNCIAS
[1] Art. 238. Não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais e aos advogados pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria.
Parágrafo único. Presumem-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos, cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver modificação temporária ou definitiva.
[2] (REsp n. 954.859/RS, relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma, DJ de 27.8.2007.)
[3] CPC 475-O III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.
[4] CF 5º LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Roberto de Assis Matos: Graduado em Direito pela UNESP – Universidade Estadua Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003). Diretor de Divisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, exercendo suas funções no Cartório do Juizado Especial Cível da Comarca de Ribeirão Preto. Professor de Direito Processual Civil do Curso de Direito do Centro Universitário Moura Lacerda da cidade de Ribeirão Preto. Pós graduando em Direito Processual Civil.