Estado terá que pagar 150 salários mínimos a mulher de detento morto

DECISÃO:  TJ-MT – O Estado de Mato Grosso foi condenado a pagar 150 salários mínimos (R$ 57 mil) a título de indenização por danos morais à esposa de um detento morto enquanto cumpria pena no Presídio do Pascoal Ramos. Além disso, o juiz Márcio Aparecido Guedes, da 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública de Cuiabá, que proferiu a sentença, condenou o Estado a pagar pensão mensal correspondente a 1,5 salário mínimo à filha da vítima até quando a criança atingir a maioridade.  

A menor nasceu em 16 de janeiro de 2004, poucas horas após a mãe ter tido a notícia de que o marido havia sido assassinado no presídio. O valor pretérito da pensão deverá ser corrigido monetariamente, acrescido de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação. A quantia de 150 salários mínimos deverá ser paga de uma só vez. A sentença foi proferida nesta segunda-feira (30 de julho).  

A mulher do detento ingressou com ação de indenização por danos materiais e morais concomitante com pedido de tutela antecipada contra o do Estado. Na inicial, ela alegou que mantinha convivência duradoura, pública e contínua com a vítima, com quem tinha objetivo de constituir família. Contudo, em 16 de janeiro de 2004, seu companheiro morreu no Pascoal Ramos em decorrência de traumatismo crânio encefálico provocado por instrumento perfuro cortante. Recluso, ele estava sob a custódia do Estado. Na época do falecimento, a mulher estava grávida de nove meses e veio a dar a luz poucas horas depois de ficar sabendo da morte do marido. 

Apesar de não ser casado, o casal possuía certidão declaratória de união estável expedida pela 4ª Vara Especializada de Família e Sucessões. Eles permaneceram juntos de 1998 a 2004, data em que o detento foi assassinado.  

Segundo o juiz Márcio Aparecido Guedes, as "Regras Mínimas de Tratamento do Preso", definidas pelo Conselho da ONU e com vigência no ordenamento jurídico brasileiro, têm sido claramente desconsideradas na prática. Na decisão, o juiz frisou o artigo 37 da Constituição da República, que consagra a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Conforme o artigo, "a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". 

De acordo com o magistrado, a Constituição Federal assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. "Diante do homicídio ocorrido nas dependências da Unidade Prisional do Pascoal Ramos em Cuiabá/MT, constata-se a ocorrência de falha na vigília dos responsáveis pela segurança da penitenciária, que resultou na morte da vítima, a caracterizar a responsabilidade do Estado na reparação do dano causado dela decorrente (…) A vítima, estando cumprindo pena que lhe foi imposta, estava sob a custódia do Estado de Mato Grosso, que deveria assegurar-lhe a integridade física (…) Acresça-se que, se um preso se fere, agride, mutila ou mata outro detento, o Estado deve responder objetivamente pelo dano, já que cada detento está sujeito a situações de risco, inerente e próprio do ambiente carcerário", afirmou.

Eis a íntegra da decisão judicial:

 

30/07/2007

Comarca : Cuiabá Cível – Lotação : SEGUNDA VARA ESPECIALIZADA DA FAZENDA PÚBLICA

Juiz : Márcio Aparecido Guedes

 Vistos e etc…,

 M. M. C. S., qualificada nos autos, ingressou neste juízo com a presente Ação Indenização por Danos Materiais e Morais c/c Pedido de Tutela Antecipada, em face do ESTADO DE MATO GROSSO, buscando com a antecipação dos efeitos da tutela, “determinar ao Estado que pague desde já a pensão alimentícia por morte no valor correspondente a 1,5 (um e meio) salário mínimo por mês por cerca de 42 anos”, alegando, em síntese, que: 

-Era companheira de J. C. R. G., que mantinham uma convivência duradoura, pública e contínua, com o objetivo de constituir familiar. 

-Seu companheiro J. C. faleceu em 16/01/2004, em decorrência de traumatismo crânio encefálico, provocado por instrumento perfuro contundente e perfuro cortante, quando estava recluso na Unidade Prisional Regional Pascoal Ramos (Cuiabá/MT), estando sob à custódia do Estado de Mato Grosso. 

-À época do falecimento de seu companheiro, estava grávida de 09 (nove) meses, vindo a dar a luz poucas horas depois de tomar conhecimento da morte de Júlio César. 

-A morte de seu companheiro ocorreu pela exclusiva ineficiência, despreparo, desorganização e falta de coordenação do aparato policial do Estado. 

Assim, a Requerente busca por meio desta ação, a condenação do Requerido ao pagamento de: R$ 5.000,00 (cinco mil reais) atualizados a título de despesas com funeral e enterro de J. C. R. G., devidamente corrigidos, bem como ao pagamento de 1,5 (um e meio) salário mínimo por mês durante 42 (quarenta e dois) anos para a Requerente e sua filha menor a título de pensão alimentícia por morte e ainda a condenação do Requerido ao pagamento de danos morais a título de compensação pelo sofrimento experimentado pela morte do companheiro, a serem arbitrados pelo Juízo, levando-se em consideração as condições sócio-econômicas da vítima e seus familiares e a possibilidade do ofensor.  

Com a inicial, vieram acostados os documentos de fls.15/32.

O Requerido contestou (fls.37/69), argüindo preliminar de ilegitimidade ativa, em razão de não constar nos autos quaisquer documentos que comprovem a suposta relação de companheirismo existente entre ela e o ‘de cujus’ e, muito menos, se a sua filha tem como o pai o falecido, pleiteando a extinção do feito nos moldes do artigo 267, V, do CPC e caso rechada, sejam os pedidos julgados inteiramente improcedentes pela não ausência de nexo causal.

Às fls.310/319,  Requerente requereu a suspensão do tramite processual nos moldes do artigo 265, IV, “a”, do CPC impugnou a contestação, pedido deferido à fl.333.

A Requerente à fl.334 requereu a juntada da certidão expedida pela 4ª Vara Especializada de Família e Sucessões, dando conta de que a Ação Declaratória de União Estável ajuizada pela Requerente fora julgada procedente, reconhecendo deste modo, como tal a união mantida entre a Requerente e J. C. R. G., requerendo que o tramite processual do presente feito, retorne a sua normalidade.

A liminar foi indeferida (fls.336/338).

O representante do Ministério Público em parecer de fls.342/343, concluiu não evidenciou a presença de interesse público que justifique sua atuação nos autos.

EM SÍNTESE, É O RELATÓRIO.

DECIDO.

I – DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA

A preliminar argüida pelo Requerido não merece prosperar, vez que à fl.335 dos autos consta Certidão expedida pela 4ª Vara Especializada da Fazenda Pública assegurando que em 06/02/2007 o Juiz de Direito homologou por sentença a Ação Declaratória, declarando a existência de união estável entre a Requerente M. M. C. S. e o falecido J. C. R. G., desde 1998 até a data de sua falecimento (16/01/2004), para todos os efeitos legais.

Dessa forma, a Requerente M. M. C. S. é parte ativa legítima para figurar na presente ação, conseqüentemente, rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa argüida pelo Requerido.

II – DO MÉRITO

Trata-se de Ação Indenizatória na qual a Requerente pretende seja o Estado de Mato Grosso condenado ao ressarcimento por danos materiais e morais, em decorrência do assassinato de seu companheiro, ocorrido em 16.01.2004, quando cumpria pena em Unidade Prisional do Estado de Mato Grosso.

Os fatos aqui narrados demonstram o resultado de um sistema penitenciário falido, evidenciando total descaso do governo quanto à política criminal. Pode-se dizer que nada, ou quase nada, se tem feito. Prisões abarrotadas, imundas, que em vez de recuperar o detento, pervertem e degradam definitivamente os recuperáveis.

Casos como o presente não são raros, e muitos ainda surgirão, antes que a situação seja resolvida, se é que isso ocorrerá, havendo várias decisões de nossos Tribunais no sentido de reconhecer a culpa objetiva do Estado.

Ressalte-se que as "Regras Mínimas de Tratamento do Preso", definidas pelo Conselho da ONU, e com vigência no ordenamento jurídico brasileiro, têm sido, na prática, claramente desconsideradas.

Dispõe a Carta da República, consagrando a teoria da responsabilidade objetiva do Estado:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Sobre a responsabilidade do Poder Público, ensina Hely Lopes Meirelles ("in" Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 27ª ed., 2002, p. 624):

"Por isso, incide a responsabilidade civil objetiva quando a Administração Pública assume o compromisso de velar pela integridade física da pessoa e esta vem a sofrer um dano decorrente da omissão do agente público naquela vigilância. Assim, alunos da rede oficial de ensino, pessoas internadas em hospitais públicos ou detentos, caso sofram algum dano quando esteja sob a guarda imediata do Poder Público, têm direito à indenização, salvo se ficar comprovada a ocorrência de alguma causa excludente daquela responsabilidade estatal.".

E prossegue:

"O que a Constituição distingue é o dano causado pelos agentes da Administração (servidores) dos danos ocasionados por atos de terceiros, ou por fenômenos da Natureza. Observe-se que o art. 37, § 6º, só atribui responsabilidade objetiva à Administração pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causem a terceiros. Portanto, o legislador constituinte só cobriu o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos;" (ob.cit. p. 624).

Outro não é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello ("in" Ato administrativo e direito dos administrados, ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1981, p. 150):

"O caso mais comum, embora não único, é o que deriva da guarda, pelo Estado, de pessoas ou coisas perigosas, em face do que o Poder Público expõe terceiros a risco. Serve de exemplo, o assassinato de um presidiário por outro presidiário".

Discorrendo sobre a obrigação do Estado de zelar pela incolumidade do preso, ensina Cretella Júnior ("in" O Estado e a Obrigação de Indenizar, ed. Saraiva, 1980, p. 251/252):

"Pessoas recolhidas a prisões comuns ou a quaisquer recintos sob a tutela do Estado têm o direito subjetivo público à proteção dos órgãos públicos, cujo poder de polícia se exercerá para resguardá-las contra qualquer tipo de agressão, quer dos próprios companheiros, quer dos policiais, quer ainda de pessoas de fora, que podem, iludindo a vigilância dos guardas, ocasionar danos aos presos. (…). Como já vimos, a polícia pode agir ou deixar de agir, ocorrendo da ação ou omissão danos aos recolhidos em estabelecimentos sob a guarda do Estado".

Esse direito encontra-se consubstanciado na Constituição Federal:

"Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIX  é assegurado aos presos o respeito á integridade física e moral;

Na lição de José de Aguiar Dias ("in" Rui Stoco, ob. cit. p. 278):

"O fundamento primário da responsabilidade civil é o princípio da restituição, isto é, a contemplação da manutenção, do equilíbrio social, que se afere de acordo com a ordem jurídico- política vigente: é esse o sentido em que deve ser entendida a responsabilidade civil do Estado. Vem, ela a ser, pois, a obrigação, a cargo do Poder Público, de reparar o dano por ele causado, restabelecendo, por meio de indenização adequada o equilíbrio econômico rompido pelo prejuízo."

Para Yussef Said Cahali ("in" Responsabilidade Civil do Estado, Malheiros Editores, São Paulo, 1996, p. 504):

"Na realidade, a partir da detenção do indivíduo, este é posto sob a guarda e responsabilidade das autoridades policiais, que se obrigam pelas medidas tendentes à preservação de sua integridade corporal, protegendo-se de eventuais violências que possam contra ele serem praticadas, seja da parte dos agentes públicos, seja da parte de outros detentos, seja igualmente, da parte de estranhos. A pessoa detida para simples averiguação, preso em virtude de sentença condenatória ou preventivamente no curso do processo criminal ou, mesmo simplesmente perseguida por suspeita de prática de infração não é destituída do seu direito inalienável à integridade física ou moral, cuja preservação e tutela cabem às autoridades policiais."

É fato incontroverso que, no dia 16.01.2004, o companheiro da Requerente cumpria pena no Presídio do Pascoal Ramos (Cuiabá/MT), onde foi assassinado. Constando nos autos, que a morte de J. C. se deu por TCE, I. CORTO CONTUNDENTE (fl.26).

Diante do homicídio ocorrido nas dependências da Unidade Prisional do Pascoal Ramos em Cuiabá/MT, constata-se a ocorrência de falha na vigília dos responsáveis pela segurança da penitenciária, que resultou na morte da vítima, a caracterizar a responsabilidade do Estado na reparação do dano causado dela decorrente.

É que, "incumbe ao Estado cuidar da incolumidade dos presos. Os danos por estes sofridos nas prisões devem ser indenizados pela Fazenda do Estado, independentemente do exame da culpa dos servidores" (TJSP ¿ RT 556/66).

A vítima, estando cumprindo pena que lhe foi imposta, estava sob a custódia do Estado de Mato Grosso, que deveria assegurar-lhe a integridade física, evidenciando-se o nexo causal entre a atividade estatal e o evento danoso, sendo devida a indenização, nos termos do art. 1.547 do Código Civil c/c art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

"Na ação de ressarcimento com fundamento na responsabilidade objetiva prevista no art. 107 da Carta Magna (atual art. 37, § 6º) basta ao autor a demonstração do nexo etiológico entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) imputável à Administração Pública e o dano de que se queixa. Presumida a culpa do agente, opera-se a inversão do ônus probatórios com vistas à eventual exclusão de responsabilidade, cabendo, por isso, à entidade pública provar que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima" (in RT 567/106).

Nos termos do art. 333, inciso II, do CPC, cabia ao Requerido demonstrar os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito da Requerente, o que não foi levado a efeito.

Acresça-se que, se um preso se fere, agride, mutila ou mata outro detento, o Estado deve responder objetivamente pelo dano, já que cada detento está sujeito a situações de risco, inerente e próprio do ambiente carcerário.

A propósito:

"Na ação de ressarcimento com fundamento na responsabilidade objetiva prevista no art. 107 da Carta Magna (atual art. 37, § 6º) basta ao autor a demonstração do nexo etiológico entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) imputável à Administração Pública e o dano de que se queixa. Presumida a culpa do agente, opera-se a inversão do ônus probatórios com vistas à eventual exclusão de responsabilidade, cabendo, por isso, à entidade pública provar que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima" (RT 567/106).

É de julgar-se procedente, pois, a pretensão da Requerente, é que o Estado de Mato Grosso seja condenado a indenizá-la  pela morte do filho que se encontrava preso sob ordem do Estado.

Neste sentido é o entendimento pacífico na jurisprudência pátria:

"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – MORTE DE DETENTO. O ordenamento constitucional vigente assegura ao preso a integridade física (C.F. art. 5º, XLIX) sendo dever do Estado garantir a vida de seus detentos, mantendo, para isso, vigilância constante e eficiente. Assassinado o preso por colega de cela quando cumpria pena por homicídio qualificado responde o EstadoCIVILmente pelo evento danoso, independentemente da culpa do agente público. Recurso Improvido." (STJ-1ª Turma, Resp 5711/RJ, Rel. Min. Garcia Vieira, v.u., DJU de 22/04/91, pg. 04771).

Na seqüência, definida a culpa grave do Requerido, pela morte do filho da Requerente nas dependências da Unidade Prisional do Pascoal Ramos, passo a julgar os pedidos das verbas indenizatórias e fixar seus valores, condenando o Requerido.

DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS

a) Pensão Mensal

A menor A. B. S. S., é filha da Requerente, nascida em 17/01/02004, durante a união estável com J. C.. Assim, entendo que como o Estado de Mato Grosso é o responsável pela morte de J. C. R. G. ocorrida nas dependências do Presídio do Pascoal Ramos, cabe ao Requerido Estado de Mato Grosso arcar com pensão mensal para a Requerente e sua filha menor, que fixo em 1,5 (um e meio) salário mínimo mensal, até que a menor atinja a maioridade.

b) Indenização por gastos com remoção e sepultamento da vítima

Indefiro o pedido de indenização com despesas com funeral e enterro, visto que a Requerente não trouxe aos autos provas referentes a tais despesas.

II – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

A indenização por danos morais, aferível até mesmo a partir do art. 159 do Código Civil, integra-se na previsão legal, já que não discrimina tipos de dano. Questão tormentosa por vários anos, foi defendida por expoentes da nossa cultura jurídica: Aguiar Dias ("Da Responsabilidade Civil", vol. II, p. 339/400), Wilson Melo da Silva ("Da Responsabilidade Civil Automobilística", p. 305/321 E "O Dano Moral esua Reparação", ed. Forense), Pontes de Miranda ("Tratado de Direito Privado, vol. 22, p. 216/219, § 2.723).

O dano moral, no Brasil, mesmo "de lege data", é ressarcível. Basta para tanto a análise do art. 159 do Código Civil que, ao referir-se à indenização por danos causados a outrem, não faz qualquer discriminação quanto aos materiais e morais. Outros dispositivos legais também fazem menção ao ressarcimento por dano moral, como o art. 1.543, quando se refere ao valor de afeição; no art. 1.547, quando determina a indenização em caso de injúria, mesmo em circunstâncias onde não se possa provar o prejuízo material e outros (art. 1.548 e 1.538 do Código Civil). Portanto, a legislação civil brasileira, de longa data, permite tanto o ressarcimento do dano material quanto o moral.

Segundo o magistério de Caio Mário da Silva Pereira (in Responsabilidade Civil, ed. Forense, Rio, 3ª ed. 1992, p.58):

"O argumento baseado na ausência de um princípio geral desaparece. e, assim, a reparação do dano moral integra-se definitivamente em nosso direito positivo", acrescentando que, "com duas disposições contidas na Constituição Federal de 1988, o princípio da reparação do dano moral encontra o batismo que a inseriu em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por dano moral em nosso direito, obrigatório para o legislador e para o Juiz".

Consagrado o princípio da reparação do dano moral, sua indenizabilidade, "que ainda gera alguma polêmica na jurisprudência, ganha foros de constitucionalidade. Elimina-se o materialismo exagerado de só se considerar objeto do Direito das Obrigações o dano patrimonial" (in HUMBERTO THEODORO JÚNIOR; Alguns impactos da nova ordem constitucional sobre o Direito Civil, RT 662/8).

Danos morais, segundo a definição do insigne mestre Wilson Mello da Silva, autor de um dos melhores trabalhos sobre o assunto na literatura jurídica brasileira, "são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico"(in O Dano Moral e sua reparação – 2ª ed., Forense – p. 13).

E continua afirmando que:

"o patrimônio moral decorre dos bens da alma e os danos que dele se originam seriam, singelamente, danos da alma, para usar da expressão do evangelista São Mateus, lembrada por Fischer e reproduzida por Aguiar Dias".

Tratando-se de dano moral, o conceito de ressarcimento abrange duas forças: uma de caráter punitivo, visando a castigar o causador do dano, pela ofensa que praticou; outra, de caráter compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido.

O exame dos autos mostra que, o companheiro da Requerente foi morto nas dependências do Presídio do Pascoal Ramos quando onde cumpria pena.

Não resta dúvida de que a morte prematura de um companheiro, com toda uma vida pela frente, causa sofrimento incomensurável à sua companheira que realmente se preocupa com sua vida.

Em sede de indenização por danos morais, a questão da prova se apresenta de forma simples, quando se trata de demonstrar o prejuízo. Ao prejudicado cumpre provar o dano.

Segundo o magistério de Aguiar Dias ("in" Da Responsabilidade Civil, 6ª ed. 1979, v. l, p. 93/94):

"O que o prejudicado deve provar, na ação, e o dano, sem consideração ao seu ‘quantum’, que é matéria da liquidação. Não basta, todavia, que o autor mostre que o fato de que se queixa, na ação, seja capaz de produzir dano, seja de natureza prejudicial. é preciso que prove o dano concreto, assim entendida a realidade do dano que experimentou, relegando para a liquidação a avaliação do seu montante".

Ainda segundo o renomado jurista:

"O prejuízo deve ser certo. é a regra essencial da reparação. Com isso, se estabelece que o dano hipotético não justifica a reparação". ("Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro", vol. 14/221 – Carvalho Santos e colaboradores).

Por danos morais compreendem-se as ofensas aos direitos da personalidade, da pessoa sobre ela mesma e, por isso mesmo, insuscetíveis de serem avaliados em termos monetários.

Esse é o entendimento jurisprudencial:

"No plano moral não basta o fator em si do acontecimento, mas, sim, a prova de sua repercussão, prejudicialmente moral" (TJSP – 7ª C – Ap. Rel. Benini Cabral, j. 11/11/92 – "in" JTJ-LEX 143/89).

"In casu", o dano moral e sua reparação são inegáveis, em razão do abalo e do sofrimento causados à Requerente pela morte prematura de seu companheiro.

O dano moral, sem reflexo patrimonial, é presumido, porque impossível de ser provado. Surge em decorrência da ofensa e dela é presumido. é o que basta justificar a indenização.

Esse é o entendimento jurisprudencial:

"Dano moral puro. Caracterização.

Sobrevindo, em razão do ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização"(STJ, 4ª T, REsp.8768/SP, Rel. Barros Monteiro, j. 18/02/92, RSTJ 34/235.

No tocante ao "quantum" da indenização, em se tratando de dano moral, o conceito de ressarcimento abrange duas forças: uma de caráter punitivo, visando castigar o causador do dano, pela ofensa que praticou; outra, de caráter compensatório, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido.

Oportuno lembrar a lição de Maria Helena Diniz ("in" Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1990, v. 7 – "Responsabilidade Civil", 5ª ed., p. 78/79):

"A fixação do quantum competirá ao prudente arbítrio do magistrado de acordo com o estabelecido em lei, e nos casos de dano moral não contemplado legalmente a reparação correspondente será fixada por arbitramento (CC, art. 1553, RTJ, 69: 276, 67: 277). Arbitramento é o exame pericial tendo em vista determinar o valor do bem, ou da obrigação, a ele ligado, muito comum na indenização dos danos. é de competência jurisdicional o estabelecimento do modo como o lesante deve reparar o dano moral, baseado em critério subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa dou dolo) ou objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação equitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. Na reparação do dano moral o juiz determina, por eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização, devida, que deverá corresponder à lesão e não ser equivalente, por ser impossível tal equivalência".

Na fixação da indenização por danos morais, prevalecerá o prudente arbítrio do julgador, levando em consideração as circunstâncias do caso, evitando que a condenação represente captação de vantagem.

Sobre essa valoração, vale lembrar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"O valor da indenização por dano moral sujeita-se ao controle do Superior Tribunal de Justiça, sendo certo que, na fixação da indenização a esse título, recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico dos autores e, ainda, ao porte econômico dos réus, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo- se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso.

Assim, considero razoável arbitrar a título de danos morais o valor correspondente a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos.

EX POSITIS, e por tudo o mais que dos autos consta e princípios de direito aplicáveis à espécie JULGO PROCEDENTE a ação proposta por M. M. C. S. em desfavor do ESTADO DE MATO GROSSO, para condenar o Requerido no pagamento de indenização à Autora, a título de danos morais, no valor de uma parcela única correspondente a 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos; bem como a título de danos materiais – pensão mensal – para a Requerente e sua filha menor, que fixo em 1,5 (um e meio) salário mínimo mensal, até que a menor A. B. S. S. atinja a maioridade, iniciando o pagamento à partir de 16.01.2004, sendo que o valor pretérito será corrigido monetariamente, acrescido de juros de mora de 1% ao mês, estes devido à partir da citação.

Condeno, ainda, no pagamento dos honorários advocatícios, que arbitro em R$=2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

A presente sentença, de acordo com o disposto no art. 475 do C.P.C, está sujeita ao duplo grau de jurisdição. Assim, havendo ou não recurso voluntário, subam os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça.

PUBLIQUE-SE.

REGISTRE-SE.

INTIME-SE.

CUMPRA-SE.


FONTE: TJ-MT, 31 de julho de 2007

Clovis Brasil Pereira
Clovis Brasil Pereirahttp://54.70.182.189
Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG – UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”.

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