DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

* Volúsia Aparecida Sales

A Constituição Federal vigente determina implicitamente em seu conteúdo os princípios de tributação e os elementos delimitadores da atividade de tributar, funcionando como elemento disciplinador do poder de tributar, nos artigos 145 a 159.

Destarte, a Constituição traduz no tópico das “limitações do poder de tributar”, os princípios que amparam direitos fundamentais do cidadão, como ressalta Luciano Amaro. Princípios basilares como o direito a segurança jurídica, dentro outros que, protegem uma série de princípios constitucionais não estritamente tributários, como o da legalidade e evidentemente traça outros dedicados  especificamente à proteção da condição de contribuinte e do poder estatal em arrecadar tributos na conformidade da Lei maior.

Como disserta o Prof. WALTER GASPAR, os princípios que norteiam e informam a ordem jurídico-tributária se encontram de forma expressa ou tácita na Constituição, podendo ser gerais ou específicos.

No entanto, serão agora, objeto de nossa análise suscinta, os princípios gerais expressos, a saber: Princípio federativo; Princípio da Legalidade; Princípio da igualdade tributária; Princípio da anterioridade e da Irretroatividade: Princípio da Vedação do Confisco; Princípio da Imunidade Tributária; Principio da Uniformidade Geográfica, dentre outros de igual importância, como o Principio da  Capacidade Contributiva.

No capítulo I, do título VI, da Constituição da República Federativa do Brasil, está prescrita toda a regulação do sistema constitucional tributário, nos artigos 145 a 169, reservando o artigo 150 e seus incisos, ênfase aos princípios constitucionais tributários dos entes federativos, bem como, no artigo 151 a uniformidade geográfica a ser observada pela União Federal.

Em verdade, alguns Autores afirmam que o sistema constitucional tributário é um verdadeiro subsistema, que trata dos aspectos da imposição tributária pelo Estado, dos poderes exercidos por este na esfera tributária e das garantias dos contribuintes perante estes poderes.

Roque Carrazza, conceituando o tema concernente ao Sistema, exterioriza que:

“Sistema, pois, é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal sorte, que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras”.

Paulo de Barros Carvalho, analisando o sistema constitucional tributário como um verdadeiro subsistema, nos traz seu entendimento:

“Pertencendo ao fundamento da Constituição, da qual se destaca por mero expediente lógico de cunho didático, o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. (…)“

DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS  

Antes mesmo de adentrarmos nos princípios tributários propriamente ditos, acreditamos relevante para maior compreensão deste texto, traçarmos modestos conceitos de distinção entre princípios e regras.  

Estes são categorias do conceito norma, que podem vir revestidas ou de um preceito de caráter geral, enunciador de uma pauta de valores ou de um mandamento sistêmico – princípio – ou de um comando prescritivo, específico, de natureza concreta – regra.

A doutrina estrangeira e nacional de direito constitucional, tem em boa medida, partindo para a distinção entre princípio e regra, incluindo-os no círculo da norma jurídica, porém ocupando as duas, espaços diferenciados justamente em razão de sua distinção.

Conquanto não seja fácil proceder a esta distinção, brilhantes  doutrinadores, elucidam  estes institutos, dentre esses, Celso Antonio Bandeira de Mello  que nos ensina:        

“Princípio – como já averbamos alhures é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo’’.

Avaliando e analisando entendimentos doutrinários e especialmente o proferido por Celso Antonio Bandeira de Mello, compreendemos que os princípios jurídicos são verdadeiros comandos ordenadores do sistema.

Os princípios constitucionais são aqueles consagrados expressa ou implicitamente no sistema, que tem por função inspirar a compreensão das regras jurídicas, informando o seu sentido e atuando como mandamentos a serem seguidos no exercício do direito, em consonância com as normas previstas na Lei Maior. 

PRINCÍPIOS GERAIS E PRINCÍPIOS INERENTES AO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Evidente, que há princípios implícitos que de igual forma tem valor em sua normatividade que, analisados na interpretação dos que especificamente protegem o exercício do direito financeiro, somam maior efetividade e aplicabilidade das normas constitucionais.

Dentre eles o PRINCIPIO FEDERATIVO:

O artigo 4. da Constituição Federal estabelece:

 “A República Federativa do Brasil, rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios”:

(…)

V – igualdade entre os Estados.

Neste diapasão, é a lição do artigo 1:

“A Republica Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e o Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito(…)

Elencados como estão os artigos em referencia, claro que o principio federativo de igual forma acaba por refletir no campo do direito tributário.

PRINCIPIO DA ISONOMIA 

Indubitavelmente, esse é principio basilar em nosso sistema constitucional, ressaltando o espírito do regime democrático, demonstrando em sua imperatividade o verdadeiro espírito da Federação e democracia como preceitos de cláusulas pétreas.

O princípio da igualdade expresso no artigo 5. da Carta Magna, em seu “caput” determina que: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza……”

Por outro lado, no artigo 150, II da Constituição Federal, encontramos dentre as limitações de tributar o ali previsto:

Art. 150 – II – “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.

Sem dúvida esse principio interliga-se à esfera tributaria de modo integral, sendo inclusive inspirador de alguns princípios constitucionais tributários, como o principio da capacidade contributiva, ressaltando Roque Carraza, que tal principio está diretamente ligado ao princípio Republicano de forma acentuada.

Por tal dispositivo é que costumeiro a afirmativa de que no campo tributário conservar a isonomia é tratar os iguais como iguais e desiguais como desiguais.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 

O princípio da legalidade tributária está previsto no art. 150, I, da Constituição Federal de 1.988 e tem por objetivo resguardar os direitos dos contribuintes em relação ao poder de tributar da Fazenda Pública, impedindo-a de instituir ou majorar tributo a não ser através da lei.

O precitado artigo reproduz o enunciado contido no art 5º, II, da Carta Magna que, de uma forma genérica, estabelece a regra de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Em complemento a análise desse principio, convém lembrarmos que o Poder Estatal em seu papel normatizador, regulador e repressor agirá sempre em consonância com a lei, de igual forma determinado em outros artigos constitucionais como o contido no artigo 37 da Constituição Federal.

O principio da legalidade tributária há que ser analisado sob dois aspectos: legalidade formal, onde a regra tributária há que ser inserida no ordenamento jurídico em concordância com os devidos trâmites instituídos para a sua criação e no tocante ao aspecto material, como explicita a maior doutrina, ligado a tipicidade tributária, exigindo que a lei forneça os elementos que determinam o fato jurídico e os elementos que prescrevem o conteúdo da relação obrigacional tributária.

Controvérsias existem na doutrina quando trata das exceções ao principio da legalidade, nos casos previstos em situações de emergência e relevância, como por exemplo: nos empréstimos compulsórios em caso de guerra e calamidade pública e as exceções previstas no artigo153, parágrafo 1. da Constituição, com possibilidade de alteração de alíquotas de determinados tributos.

Luciano Amaro observa, que mesmo sendo esse ato do Executivo, um instrumento de alteração de alíquota, não podemos desprezar que o ato anteriormente deve ter sido criado por lei formal, não configurando, pois hipóteses de atuação discricionária da autoridade administrativa.

PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE

O princípio da anterioridade está previsto no art. 150, III, b, da Carta Maior.           

O enunciado no artigo referido, determina que  os tributos só podem ser cobrados com exercício financeiro posterior ao do exercício em que foi publicada a nova lei, que  tenha criado um tributo ou majorado seu recolhimento.

O artigo 104 do Código Tributário Nacional explicita de igual forma o conteúdo do principio da anterioridade, preceituando que abrange: a) instituição e majoração de tributos, b)- a definição de novas hipóteses de incidência que equivale à instituição de tributo; c)- a extinção e a redução de isenções, que equivalem, respectivamente, a criação ou aumento de tributo.

Como previsto, as revogações de eventuais isenções concedidas pelo ente tributante também devem obediência ao primado da anterioridade. Assim, se caso um contribuinte estiver em gozo de isenção de um determinado tributo e esta venha a ser retirada pelo ente tributante, a nova incidência (ou reincidência) do tributo deve respeitar o princípio em tela.

Conforme já oportunamente ressaltado, alguns tributos não obedecem necessariamente ao principio da anterioridade, como o Imposto de Importação, Imposto de Exportação, IOF (Imposto sobre operações de credito, cambio, seguro e operações com títulos e valores mobiliários), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), além das contribuições sociais que também devem obedecer ao postulado da anterioridade da lei instituidora, mas neste caso o período a ser observado para a entrada em vigor da lei instituidora é o prazo de 90 dias, em conformidade com o estabelecimento no art. 195, § 6º da Constituição.

Finalmente, a própria Constituição excetua determinados tributos da regra da anterioridade, dando à  União instrumentos para o desenvolvimento e incentivos à política econômica, monetária e nas exceções que sejam primordiais as rápidas alterações, conforme a própria Constituição determina.

PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI

Na verdade, esse princípio constitucional atinente aos direitos fundamentais, contém previsão no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Assim, acontecimentos já devidamente constituídos sob a égide anterior, não podem ser modificados pela nova lei sob pena de o fazendo exterminar-se a segurança jurídica existente entre as pessoas.

De qualquer forma, a regra é excepcionada pelo Código Tributário Nacional que, no art. 112, estabelece a retroatividade dos efeitos das leis interpretativas (Inciso I), bem como das leis que beneficiem o contribuinte (Inciso II, e suas alíneas).

Neste caso, conceituam os doutrinadores, como a aplicação da norma mais benéfica em favorecimento do contribuinte, como exceção ao principio da não retroatividade da lei (princípio da norma benigna).

PRINCIPIO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

A imunidade tributária conceitua-se como a  proibição constitucional de tributar determinados fatos ou pessoas  e neste caso, o fato gerador não chega nem mesmo a se constituir.

È diferente do instituto da  isenção,  pois neste caso (isenção) ocorre o fato gerador mas dispensa-se o pagamento do tributo, embora a obrigação tributária tenha nascido.

Na imunidade, nem o fato gerador se forma, nem a obrigação tributária. Não há incidência.

Os casos de imunidade constam da Constituição Federal, no artigo 150, inciso VI.

Conforme Walter Gaspar nos explicita, as características da imunidade são as seguintes:

–    não é uma renuncia ao poder de tributar, não são favores fiscais, são excluídas a prioridade do   elenco de fenômenos possíveis de tributação.

–    A imunidade é uma limitação da competência tributária vinda da própria Constituição.

–     A imunidade é sempre ampla e indivisível, não são imunidades parciais ou fracionadas.

–    Só se aplica aos impostos, não sendo aplicável a outras espécies de tributos.

PRINCIPIO DA UNIFORMIDADE GEOGRÁFICA

Este princípio determina que não podem ser instituídos pela União Federal, tributos que não sejam uniformes em todo o território nacional ou que implique em destinação ou preferência em relação ao Estado, Distrito Federal ou Município, em detrimento de outro.

O enunciado no artigo 151 da Constituição Federal prevê a necessidade de atendimento à uniformidade, embora excetuando a possibilidade de concessão de incentivos fiscais destinados a promover o desenvolvimento sócio econômico entre as diferentes regiões do País.

Em suma, ao instituir o tributo, a União deverá ter como meta à uniformidade para que todos enquadrem-se, entretanto, poderá incentivar as regiões que necessitam de estímulo para o desenvolvimento. Isto significa não instituir o tributo previamente para beneficiar ou distinguir, mas podendo incentivar nos casos que se fizerem necessários.

Dentre outros princípios, importante, ressaltarmos o PRINCIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA elencado no artigo 145, § 1º. da Carta Magna que assim prescreve:

“Artigo 145 – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributaria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

O princípio da capacidade tributária gera polêmica, haja vista que os defensores dos interesses precípuos do Estado, entendem que não poderia o poder estatal ficar a mercê da condição financeira e econômica do contribuinte para instituir seus tributos e atender com a receita as atividades públicas e coletivas.

Entretanto, o princípio tem o traço de moldar a necessidade do Estado na tributação com a real condição do contribuinte em arcar com o ônus do pagamento sem prejuízo de sua própria subsistência, com recursos que lhe sejam compatíveis.

Assim, nos casos concretos, onde o contribuinte sente-se lesado e discriminado nas exações confiscatórias e oneração excessiva da carga tributária, busca melhor adequação entre o poder de tributar dos entes federativos e sua real condição de arcar com a pesada carga tributaria. Usualmente, o Poder Judiciário termina por tutelar excessivos processos de contribuintes em busca da proteção ao direito de impor sua capacidade contributiva.

Alguns autores, ao declinarem suas análises com referência a capacidade contributiva, nos trazem, nestes casos que até mesmo traduz a possibilidade de alegar o principio do não confisco quando o contribuinte sente-se  escorchado no tributo que lhe está sendo determinado à arcar.

Neste aspecto, de bom alvitre lembrarmos que o confisco tributário ocorre quando, pela utilização de tributo, o Estado retira a totalidade ou parcela considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou financeira por tal ato.

A Constituição Federal preceitua no artigo 150, inciso IV, a proibição em utilizar tributo com efeito de confisco. 

Há imperiosa necessidade de que o Poder Legiferante possibilite a norrmatização de mais justo critério entre a tributação e a realidade do contribuinte em arcar com o que lhe está sendo imposto.                           

Em breve análise aos princípios constitucionais tributários, entendemos que o Estado necessita de recursos financeiros para consecução de seus fins e que os tributos representam por certo a maior receita do País.

Entretanto, para o equilíbrio entre o poder de império do Estado, a limitação do poder de tributar, primordial se faz a reforma tributária, que venha a gerar maior cumplicidade e justiça entre o critério da tributação e a realidade do contribuinte em arcar com o ônus da carga tributaria, sem o excessivo sacrifício de sua própria subsistência, o que por certo propiciará o real desenvolvimento econômico, financeiro e social do país, alcançando a verdadeira aplicabilidade de muitos dos princípios constantes da Lei Maior, aqui analisados.

Bibliografia.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. Editora Saraiva

MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros

CARVALHO, Paulo de Barros.Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva

CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Editora Malheiros

 


Referências Bibliográficas

Volúsia Aparecida Sales  –  Advogada, Mestre pela Universidade Mackenzie,  Professora Universitária.   2004

Redação Prolegis
Redação Prolegishttp://prolegis.com.br
ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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