* Felipe Luiz Machado Barros
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem a finalidade de expor de maneira prática e didática o conteúdo semântico e formal dos institutos de Direito Processual Penal acima mencionados, de forma que ao final sejam elencadas as principais diferenças entre as sentenças de pronúncia e condenatória no âmbito do Tribunal do Júri.
2. BREVES COMENTÁRIOS ACERCA DO TRIBUNAL DO JÚRI
Antes de estudarmos as sentenças de pronúncia e de condenação no Tribunal do Júri, vejamos qual o conceito deste que é o mais popular e famoso instituto de nosso ordenamento jurídico-processual penal, pois, afinal de contas, qual o estudante de Direito que nunca ouviu falar, desde os primeiros passos em uma faculdade, das audiências do Júri Popular? Passemos, então, a uma análise conceitual deste instituto.
Sem dúvida alguma, o Tribunal do Júri é o mais romântico e democrático dos institutos de Direito Processual Penal, tendo sido criado para proteger os cidadãos contra tiranias e perseguições, de forma que prevalecesse a democracia pelo julgamento do homem pelos seus próprios pares. Não obstante estarmos de acordo com ideais tão essenciais à feitura da justiça, verificamos que hoje em dia há uma subversão à essência do Júri, pela total falta de um justo julgamento dos acusados. Ao dizermos justo julgamento, não estamos nos referindo ao júri popular como se este fosse um tribunal de exceção; estamos falando, sim, que existe um grande despreparo, até mesmo psicológico, daquelas pessoas que são escolhidas para compor a tribuna popular, de forma que, ao serem abordadas por advogados ou promotores que utilizam-se de artifícios de ordem "sentimental", são levadas a julgar de acordo com suas emoções, revelando uma total atecnia, que, na maioria das vezes, acarreta absolvição de um acusado o qual, ao acaso fosse processado dentro de critérios estritamente técnicos, sem sombra de dúvidas, restaria condenado. Outro fator de fundamental importância para o impedimento de um justo julgamento por parte dos acusados em um júri popular é o fator político. Principalmente nas comarcas do interior de nosso Brasil verificamos que as decisões políticas interferem de sobremaneira no pesar de todas aquelas pessoas imbuídas da tarefa de compor o corpo de jurados, de tal forma a ser escolhido "a dedo" o conselho de sentença, a fim de que aquele que procura a via da corrupção do sistema, pelo uso da "politicagem" (parodiando os dizeres do eminente Prof. Paulo Lopo Saraiva), tenha um "justo julgamento". Enfim, verificamos, até mesmo pela maior profissionalização do juiz de direito, ser dispensável o Tribunal do Júri, pelo menos nas comarcas do interior, de forma que esperamos que algum dia prevaleça a técnica sobre o emocional, caso o júri popular não seja modificado, a fim de que os culpados paguem aqui pelos seus atos ilícitos.
Mas, e qual o conceito de Tribunal do Júri? LEIB SOIBELMAN, em sua Enciclopédia Jurídica (Vol. II, Ed. Rio) nos fornece um conceito geral e bastante técnico: "Tribunal composto de jurados sob a presidência de um juiz togado, cabendo àquele decidir da responsabilidade do réu (questões de fato) e a este a fixação da pena em função das respostas". Conforme os ensinamentos dos FÜHRER, em Resumo de Direito Processual Penal (Vol. VI, Ed. Malheiros, 1999), é o Tribunal do Júri "um órgão de 1ª instância, ou 1º grau, da Justiça Comum", podendo ser da esfera estadual ou federal. É composto de 1 juiz de direito, que é o seu presidente, e de 21 jurados, sorteados entre os alistados. Apenas 7 destes 21 formam o conselho de sentença, em cada sessão. E a competência do Júri, qual seria? Bem, esta nos é fornecida pela CF/88, em seu art. 5º, XXXVIII, sendo competente para julgar os casos que versem sobre crimes dolosos contra a vida, podendo lei ordinária ampliar eventualmente esta competência.
Enfim, neste trecho do trabalho expomos de maneira bem efêmera o que seria o Tribunal do Júri, sua organização e sua competência, apenas para fornecer subsídios introdutórios à matéria central do trabalho, dependente que é do tema já abordado, qual sejam, as sentenças de pronúncia e condenatória prolatadas em sede de júri popular. É o passo seguinte a se tomar em nosso breve estudo.
3. A SENTENÇA DE PRONÚNCIA. CONCEITO. MOMENTO EM QUE É PROFERIDA. NATUREZA JURÍDICA. PRESSUPOSTOS. A FORMA DA PRONÚNCIA.
Conceito. Segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná (RT 544/425), é a sentença de pronúncia mero juízo de admissibilidade, cujo objetivo é submeter o acusado ao julgamento popular.
Momento em que é proferida. A pronúncia encontra-se, doutrinariamente falando, na fase denominada "sumário de culpa", que é a primeira fase do procedimento do Júri, indo do recebimento da denúncia até a sentença pronunciativa. Aí se dá o exame da admissibilidade da acusação, partindo-se ou não para um julgamento popular. Outro aspecto importante a ser analisado é que na oportunidade da pronúncia outras providências pode o juiz tomar, preterindo-se o pronunciamento. É o caso da ocorrência da impronúncia (quando há negativa de admissibilidade), absolvição sumária (quando existir alguma excludente de ilicitude) ou desclassificação (quando o crime sub examine não for considerado doloso contra a vida, fugindo da competência do júri popular e indo para a álea do Juiz singular).
Natureza jurídica. A natureza jurídica desta pronúncia é discutida entre os doutrinadores, devido ao fato de uns acharem que se trata de sentença, e outros a denominarem de decisão interlocutória. Os que defendem a idéia de que a pronúncia é sentença dizem que esta se trata de uma sentença "processual", vez que trata de matéria procedimental, sem conteúdo material, não produzindo res judicata; é o entendimento de MIRABETE (Código de Processo Penal Interpretado, Ed. Atlas, 5ª edição, 1997). Já para os que argüem ser a pronúncia decisão interlocutória, defendem sê-la uma decisão interlocutória "não-terminativa", ou seja, que não põe fim ao processo, mesmo sendo uma forma de despacho judicial, cabendo aí recurso em sentido estrito; é o que nos ensina os FÜHRER (Ob. e v. acima cits.). Aderimos à segunda opinião, apesar de o instituto levar o nomen juris de "sentença de pronúncia", vez que, em sentença, analisamos o mérito do feito (CPC, art. 162, § 1º), o que não é o caso da pronúncia, em que o juiz apenas analisa a admissibilidade de se levar o caso ao julgamento popular, e, aí sim, proferir-se uma sentença de mérito, seja condenatória, ou de absolvição.
Pressupostos. Já vimos então, que no momento da conclusão da 1ª fase do procedimento do Júri, ou seja, a fase "sumário de culpa", o juiz proferirá a sentença pronunciativa, a qual carrega em seu conteúdo a admissibilidade de julgamento de determinado fato perante o povo. Mas e quais os pressupostos legais determinadores de tal admissibilidade? Tais nos são revelados pelo CPP em seu art. 408, caput: "Se o juiz se convencer da existência do crime e de indício de que o réu seja o seu autor, pronunciá-lo-á, dando os motivos do seu convencimento". São, então, pressupostos para a pronúncia: a) existência do delito e b) convencimento de que o réu seja o autor. Deverá o julgador, ao pronunciar-se, motivar o seu entendimento acerca da admissibilidade, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz, podendo este buscar nos autos, ou através de diligências, as provas necessárias para a formação dos pressupostos para a sua decisão de pronunciar ou não o acusado. Assim não fosse, estaríamos incorrendo em grave erro de justiça.
A forma da pronúncia. A função da pronúncia, como já vimos, é admitir que há possibilidade de o acusado ser levado ao Júri, de forma que o juiz, para que não haja injustiça com o pronunciado, e sob pena de nulidade do ato em comento, deverá fundamentar as razões pelas quais criou seu juízo de admissibilidade. Mas não é só isso. Deve também o julgador observar a classificação do crime e suas qualificadoras, também sob pena de nulidade caso não o faça, ou o fazendo, não fundamente as razões que o motivaram a tal. Assim deve o juiz tipificar o delito e suas qualificadoras, a fim de que o acusado saiba pelo o quê está sendo levado a julgamento popular.
4. SENTENÇA CONDENATÓRIA
A sentença condenatória no Processo de Júri é diferençada da homônima que se passa em sede de Processo Criminal comum. No Processo Criminal comum há apenas um órgão encarregado de julgar e delimitar o quantum da pena a ser aplicada ao acusado: é o juiz ou o tribunal. Já no Processo de Júri a sentença condenatória é ato jurisdicional complexo, na lição de MIRABETE (Ob. cit.), em que os jurados decidem sobre o crime (fato principal, ilicitude, culpabilidade, circunstâncias) e o juiz presidente sobre a aplicação das sanções penais. Fica desta forma a sentença condenatória dividida em duas partes, quando em processos da álea do Júri Popular: a 1ª parte correspondendo à condenação ou não do acusado (ou acusados), de acordo com os quesitos apresentados ao jurados pelo juiz-presidente do tribunal, e a 2ª parte dizendo respeito à dosimetria da pena em caso de condenação, devendo o juiz-presidente obedecer, para tanto, o que foi respondido nos quesitos, de forma que assim estar-se-á respeitando uma prerrogativa constitucional conferida aos jurados, que é a soberania de seus veredictos (CF, art. 5º, XXXVIII, c), de maneira que demonstra-se inconstitucional o disposto no CPP, art. 492, § 1º, que diz: Se, pela resposta a quesito formulado aos jurados, for reconhecida a existência de causa que faculte diminuição de pena, em quantidade fixa ou dentro de determinados limites, ao juiz ficará reservado o uso dessa faculdade. Aí, ao nosso ver, não há o que se discutir. A CF/88 revogou por total este parágrafo do art. 492 do CPP, vez que não há que se falar em faculdade conferida ao juiz, e sim obrigatoriedade em seguir as respostas aos quesitos formulados aos jurados e por estes respondidos. E assim é o que pensa o STJ:
Dosimetria da pena. Negativa de vigência ao art. 492, I, do CPP. Caracterização. Acórdão que, em caso de tentativa de homicídio simples, sem que o Júri tenha reconhecido qualquer circunstância agravante ou causa de aumento, fixa a pena final da tentativa em oito anos de reclusão, montante superior ao mínimo legal do homicídio consumado. Dosimetria que se afasta das respostas aos quesitos e se apresenta injustificadamente exarcebada. Recurso especial conhecido e provido para cassar o acórdão e restabelecer a sentença (RSTJ 71/247-8).
CONCLUSÃO
Após uma breve exposição dos institutos sob comento passemos agora a uma conclusão que apenas se justifica pelo objetivo do presente trabalho que é uma comparação entre as sentenças de pronúncia e de condenação no âmbito do Tribunal do Júri.
Quanto à natureza conceitual, é a sentença de pronúncia instituto pelo qual o juiz submete o acusado ao julgamento popular, devendo tal pronunciamento ser fundamentado pelas razões que levaram o julgador a tal convencimento, até mesmo para que o pronunciado saiba por que crimes, e em que circunstâncias, será levado ao Tribunal do Júri. Já a sentença condenatória, como o próprio nome nos informa, refere-se ao resultado de todo o Procedimento no Júri, ou seja, ocorre no final do processo, de maneira a declarar culpado o réu, o que é feito pelos jurados, devendo o juiz apenas, e de maneira fundamentada, aplicar a dosimetria penal, conforme acima verificamos mais detalhadamente.
Quanto ao momento em que são proferidas as sentenças de pronúncia e de condenação, ocorre a primeira na fase denominada "sumário de culpa", que vai do recebimento da denúncia até a sentença pronunciativa. Seria a "porta de entrada" do procedimento no júri popular. Já quanto à segunda (sentença de condenação), ocorre na 2ª fase que transcorre do libelo até o julgamento em plenário, onde ocorre o julgamento de mérito. Seria, ao contrário da fase "sumário de culpa", onde aí encaixa-se a pronúncia, a "porta de saída" do procedimento do júri.
Em relação à natureza jurídica da sentença de pronúncia, apesar de haver discussão doutrinária acerca do assunto (sé é sentença propriamente dita ou decisão interlocutória), somos favoráveis à idéia, com a devida venia dos que pensam em contrário, de que trata-se a pronúncia, não obstante levar o prenome de "sentença", de decisão interlocutória, por tratar-se de mero juízo de admissibilidade e não entrar no mérito da questão, conforme acima já discorremos, mais detalhadamente. Em contraponto, pacífica e mansa é a doutrina quanto à natureza jurídica da sentença condenatória, sendo esta sentença propriamente dita, na acepção da palavra, vez que, aí sim, analisa-se o mérito da questão, de forma que cabível é o recurso de apelação contra a mesma.
Os pressupostos para a pronúncia são a existência do delito e o convencimento de que o réu seja o autor, apenas pelo juiz. Já para a prolatação da sentença condenatória é necessário que seja o réu condenado pelas respostas apresentadas pelos jurados nos quesitos que lhes são apresentados e que o juiz-presidente apresente o quantum da pena a ser cumprida pelo condenado.
Assim, encerramos, com esta comparação didática entre SENTENÇA DE PRONÚNCIA E DE CONDENAÇÃO, no âmbito do Tribunal do Júri, o presente trabalho, de forma que esperamos que de algo sirvam estas poucas e humildes palavras, tanto para o nosso aprendizado, como para o de quem conosco o queira compartilhar.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA
Felipe Luiz Machado Barros: Assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte