Walter Vechiato Júnior
Código de Processo Civil
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.
§ 2º Incumbe à parte promover a citação do réu nos dez (10) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário.
§ 3º Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias.
§ 4º Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição.
§ 5º Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.
§ 6º Passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento.
Código Civil
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual; ….
1. Processo de conhecimento. O processo de conhecimento tem o objetivo de absorver os fatos constitutivos do autor e os fatos extintivos, impeditivos e modificativos do réu, visando a extinção normal do processo consistente na prestação jurisdicional mediante sentença de mérito em que o pedido inicial é julgado procedente ou improcedente (CPC, art. 269, I). Entre a petição inicial e a sentença, o processo de conhecimento apresenta diversos atos processuais, que respeitam os procedimentos adequados (comum – ordinário e sumário; especial – jurisdição graciosa e contenciosa). O procedimento ordinário, por exemplo, destaca a seguinte seqüência: a) fase postulatória – petição inicial, despacho inicial, citação, atitudes do réu (que abrange a contestação) e réplica; b) fase saneadora – audiência preliminar e saneamento; c) fase instrutória – audiência de instrução e julgamento; e, d) fase decisória – sentença. Entre os atos praticados no processo, o estudo em tela destaca o despacho inicial.
2. Despacho inicial. O despacho inicial corresponde ao primeiro momento processual em que o juiz tem contato físico com os autos do processo, após a entrada no cartório distribuidor (mais de um juízo competente na mesma comarca) ou de protocolo (único juízo na comarca) (CPC, art. 263). Proposta a ação, o despacho inicial do juiz pode ser positivo, negativo e correcional.
3. Despacho inicial positivo. O despacho inicial positivo indica o recebimento da petição inicial e a ordem para a citação do réu (cite-se). Esta é a regra para todos os processos e procedimentos do CPC. É o momento em que o magistrado avalia o preenchimento das condições genéricas da ação (existência) e dos pressupostos processuais (validade). O recebimento (aptidão) da petição inicial indica que o juiz entendeu que as condições e os pressupostos estão devidamente preenchidos, neste momento, o que não lhe retira a possibilidade, no curso dos autos, de constatar a ausência e extinguir o processo sem julgamento do mérito, pois tais matérias são de ordem pública (CPC, art. 267, IV e VI). Na prática forense, o juiz não declara expressamente o preenchimento das condições genéricas da ação e dos pressupostos processuais, apenas ordena a citação do réu, com as cautelas legais (CPC, art. 285).
Há quem sustente que o despacho inicial positivo tem natureza de decisão interlocutória, pois as condições e os pressupostos foram observados positivamente pelo juiz, desafiando o agravo de instrumento. Discordo. Primeiro, a teoria abstrata foi adotada pelo ordenamento processual civil vigente, que sustenta a permanente preocupação do juiz com as condições e os pressupostos – existência, podendo o juiz rever a admissibilidade, de ofício ou a requerimento do réu, a qualquer tempo, no primeiro grau de jurisdição – sentença processual. Considerar decisão interlocutória traz a idéia de adoção da teoria da asserção, na qual as condições genéricas da ação são entendidas como exercício do direito de ação, razão pela qual o recebimento da inicial indica que o juiz considerou verdadeiras as assertivas (afirmações) do autor, tornando eventual reexame das condições, em que constatar a ausência, autêntico julgamento de mérito – sentença de mérito. Segundo, não há interesse ao réu recorrer do despacho inicial positivo, pois eventuais questões processuais ou de mérito podem ser sustentadas em contestação, no exercício do contraditório.
4. Despacho inicial correcional. O despacho inicial correcional manda o autor emendar a inicial naquilo que verificou ausente, em relação aos requisitos genéricos e específicos e à documentação, no prazo de dez (10) dias (CPC, arts. 282, 283 e 284). Este prazo pode ser prorrogado, por igual período e mais de uma vez, desde que o requerimento da prorrogação seja apresentado pela parte dentro do prazo em andamento.
Cumprida a correção, o juiz manda citar o réu, tal como o despacho inicial positivo (CPC, art. 285). O desatendimento da ordem para correção no prazo legal de dez (10) dias (ou no prazo prorrogado judicialmente, mediante requerimento), implica o indeferimento da inicial e a extinção do processo sem julgamento do mérito (CPC, arts. 267, I, 284, parágrafo único, e 295, VI). É sentença processual da qual cabe, em tese, apelação prevista no art. 296 do CPC – provavelmente será desprovida, se o juízo de admissibilidade for positivo (ausência de interesse em recorrer – necessidade e adequação); descabe ao autor emendar a inicial na interposição do recurso.
O despacho inicial positivo e o correcional são irrecorríveis. A fundamentação de ambos os pronunciamentos jurisdicionais não precisa ser extensa. Quanto ao despacho inicial positivo, a prática forense tem admitido a singela expressão “Cite-se, com as cautelas legais”. As discussões sobre eventual recurso estão no tópico acima. Já o despacho inicial correcional deve ser claro, sem erros materiais ou omissões, notadamente em relação a tornar explícitos os pontos a serem corrigidos ou emendados pelo autor. Tal providência evita omissão e nulidade (prejuízo ao autor), as quais podem ser, se verificadas no caso concreto, combatidas com embargos de declaração (para sanar a omissão ou erro material) ou agravo de instrumento (para invalidar o despacho por ausência de fundamentação).
“Embora não exista dispositivo legal impondo a indicação, quando intimada a parte autora para emendar a petição inicial, do requisito ausente na exordial, deve o magistrado, com os olhos nos modernos princípios da instrumentalidade das formas e da economia e celeridade processuais, especificar as falhas contidas na peça, sob pena de, por rigorismo processual, entravar o prosseguimento do feito e impedir a célere composição do litígio” (RT 804/183).
Nas demandas em que o advogado ou a parte atuar em causa própria – inexistência, recusa ou impedimento de advogado no foro, a ausência de indicação do endereço na petição inicial resulta no despacho inicial correcional, que determina ao advogado-autor ou à parte autora a emenda no prazo de quarenta e oito (48) horas, pena de indeferimento liminar (CPC, arts. 36 e 39, I e parágrafo único, 267, I, e 295, VI).
5. Despacho inicial negativo. O despacho inicial negativo significa a negativa de seguimento (não-recebimento, indeferimento) à petição inicial (CPC, art. 295); é, na verdade, uma sentença que desafia a apelação prevista no art. 296 do CPC, viabilizando o juízo de retratação em quarenta e oito (48) horas; é possível sustentar o cabimento de embargos de declaração, visando a retratação do magistrado, em decorrência de erro material ou equívoco manifesto.
Este despacho, que tem natureza de sentença, só é proferido diante de manifesta (evidente) situação demonstrada nos autos que exige a extinção do processo, pelo contrário, deve o juiz emitir o despacho inicial correcional, viabilizando ao autor emendar a petição inicial; persistindo o vício ou a causa extintiva, bem como no caso do autor desrespeitar tal despacho, aí, sim, o juiz profere a referida sentença. “Encerrar o processo, sem dar ao autor a oportunidade para emendar a inicial é ofender o art. 284 do CPC” (DJU 23-10-2000-121). Esta sentença (proferida sem a citação do réu) pode ser: a) processual e resultar na extinção do processo sem julgamento do mérito (ex.: carência inicial – falta de uma ou mais das condições genéricas da ação; procedimento inadequado); e, b) de mérito, para extinguir o processo com julgamento do mérito, no caso em que o magistrado reconhece, de ofício, a decadência do direito material do autor.
A natureza do despacho inicial negativo pode também ensejar decisão interlocutória, quando o juiz nega seguimento à petição inicial de terceiro que pretende intervir espontaneamente no processo, mediante assistência e ação de oposição (CPC, arts. 50 e 56), bem como à peça de reconvenção, proposta pelo réu no procedimento ordinário do processo cognitivo (CPC, arts. 299 e 315) e a de ação declaratória incidental, pelo autor ou pelo réu (CPC, art. 325). Cabe agravo de instrumento (CPC, art. 524).
6. Interrupção da prescrição – Efeito material do despacho inicial positivo. Prescrição é a perda do direito de ação, dada a inércia do autor em ajuizar a ação para reconhecer o seu pretendido direito. O despacho inicial positivo interrompe a prescrição e cancela o prazo corrido.
A interzupção da prescrição é efeito material do despacho inicial positivo, que admite a petição inicial (constatação da presença das condições genéricas da ação e dos pressupostos processuais) e determina a citação, mesmo que tenha sido proferido por juiz incompetente. Ocorre uma única vez (CC, art. 202, caput). Na prática forense, é difícil o magistrado tornar explícita, no despacho inicial positivo, a existência (condições) e a validade (pressupostos) da ação e do processo; apenas determina cite-se, com as cautelas legais. Este despacho pressupõe o recebimento (aptidão) petição inicial, para fins de interrupção da prescrição.
O despacho inicial correcional significa a ordem judicial destinada ao autor emendar a petição inicial, pena de indeferimento (CPC, arts. 39 e 284). Este despacho não indica a aptidão da petição ificial, tanto qum o magistrado constatou alguma falha e viabiliza a retificação ou complementação pelo autor. Com a emenda satisfatória, o magistrado, aí sim, recebe a petição inicial e determina a citação, interrompendo a prescrição.
O despacho inicial negativo tem natureza de sentença, que extingue o processo sem julgamento do mérito ou, excepcionalmente, com julgamento do mérito (decadência) (CPC, arts. 267 e 269, IV). Não há falar em interrupção da prescrição, pois esta sentença não admitiu a petição inicial. A apelação é cabível no prazo de quinze (15) dias e permite o juízo de retratação, em quarenta e oito (48) horas; sendo este positivo (juiz se retrata e recebe a inicial), a prescrição é interrompida (CPC, art. 296).
Esta é a regra para o processo cognitivo, cautelar e executivo. O processo de execução do CPC e da LEF já continha esta regra, desde a vigência dos respectivos ordenamentos jurídicos (CPC, art. 617; LEF, art. 8º, § 2º). O processo cognitivo (com regras aplicáveis ao processo cautelar) previa a interrupção da prescrição como um dos efeitos materiais da citação (CPC, art. 219, caput); somente após a efetiva citação (mandado, correio, edital ou hora certa), a prescrição estaria interrompida. O art. 202, I, ab initio, do CC derrogou o art. 219, caput, do CPC, para determinar, no processo cognitivo e cautelar, a interrupção da prescrição no despacho inicial positivo, equiparando-se ao processo executivo. No processo cautelar, a prescrição só se interrompe com o despacho inicial positivo, quando o procedimento for preparatório, pois a cautelar incidental indica a existência de ação principal, na qual o despacho já foi devidamente realizado.
A interrupção da prescrição, determinada no despacho inicial positivo, retroage ao ajuizamento da ação – data em que a petição inicial foi distribuída ou despachada, pois no instante em que a petição é entregue ao órgão jurisdicional a demanda considera-se proposta e o processo, existente (CPC, arts. 219, § 1º, e 263). Na existência de única vara na comarca, o processo inicia-se com o despacho do juiz na petição inicial (CPC, art. 263, primeira parte); a coincidência entre este despacho (inicial positivo) e a interrupção da prescrição, dispensa o efeito retroativo. Havendo mais de um juízo (ou vara) na comarca, o processo inicia-se através da distribuição (CPC, art. 263, segunda parte), caso em que a interrupção da prescrição no despacho de aptidão da petição inicial retroage à data da propositura.
As demais regras do art. 219, §§ 2º a 5º, continuam em vigor; o autor deve observar os prazos legais para a citação e suportar as conseqüências de sua negligência (CC, art. 202, I, in fine).
7. Efeitos da citação. Analisando o art. 219 do CPC, a doutrina ensina que a citação válida gera efeitos processual e material. O efeito processual ou técnico da citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa e o efeito material ou substancial, constitui o réu em mora e interrompe a prescrição.
Sendo válida a citação, o efeito material aparece diante do juízo competente ou incompetente (absoluta e relativamente), abrangendo todas as tutelas, inclusive as de urgência em que se defere ordem liminar (tutela antecipada e cautelar). Já a citação inválida não produz nenhum efeito no juízo competente ou incompetente.
Com a vigência do art. 202 do CC, o art. 219 do CPC está derrogado, quanto ao efeito material da interrupção da prescrição, o qual ocorre com o despacho inicial positivo (LICC, art. 2º, § 1º). A situação é equiparada ao processo de execução (CPC, art. 617; LEF, art. 8º, § 2º).
Assim, o art. 219 do CPC (citação válida) apresenta somente o efeito material da constituição do réu em mora e os efeitos processuais da prevenção, litispendência e litigiosidade da coisa.
8. Citação e interrupção da prescrição. O art. 202, I, do CC derrogou o art. 219, caput, do CPC, quanto ao efeito material da interrupção da prescrição, o qual ocorre com o despacho inicial positivo (LICC, art. 2º, § 1º). Preserva-se a retroatividade da interrupção da prescrição à data da propositura da ação, quando existente mais de uma vara da comarca (distribuição) (CPC, arts. 219, § 1º, e 263, segunda parte); diante de única vara, o despacho inicial corresponde à data da propositura, dispensando a retroatividade (CPC, art. 263, primeira parte).
O efeito interruptivo da prescrição, decretado no despacho inicial positivo, é condicionado à efetivação da citação, na forma e no prazo legal (CC, art. 202, I, in fine). A forma indica a citação real (mandado e correio) e ficta (edital e hora certa), já estudada acima.
A citação deve ser realizada no prazo máximo de cem (100) dias. Tal preceito decorre da interpretação dos §§ 2º, ab initio, e 3º do art. 219, pois deve o autor providenciar a citação do réu no prazo de dez (10) dias subseqüentes ao despacho inicial positivo (cite-se), prorrogável até noventa (90) dias. Vencido o prazo máximo – cem (100) dias, o efeito retroativo da prescrição à data da propositura da ação só se aperfeiçoa se o atraso não ocorreu por culpa do autor (CPC, art. 219, § 4º). Embora a interrupção ocorra com o despacho inicial positivo, segundo o art. 202, I, do CC, a regra do § 4º do art. 219 deve ser preservada, para punir a conduta culposa do autor. Considera-se culpa do autor, v.g., a ausência ou a demora injustificada de recolhimento de despesas processuais atinentes às diligências do oficial de justiça (citação real por mandado, citação ficta por hora certa), do edital (citação por edital), quando não há o requerimento ou a concessão dos benefícios da justiça gratuita.
O efeito retroativo da prescrição é preservado (não há prejuízo ao autor), independentemente da citação realizada em tempo superior a cem (100) dias, quando existir: a) demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário, no cumprimento do ato citatório (CPC, art. 219, § 1º, in fine) (exs.: remessa de carta ou correio; expedição de mandado; expedição e cumprimento de carta precatória para citação por mandado; formalização do edital); e, b) omissão, desvio ou dificuldade imposta pelo réu para receber o ato citatório. Descabe ao réu sustentar, após a citação ou o comparecimento espontâneo nos autos do processo, o excesso de tempo para o cumprimento do ato e requerer a extinção do processo sem julgamento do mérito por abandono de causa ou ausência de pressuposto processual de validade (CPC, art. 267, II, III e IV), ou, ainda, a extinção do processo com julgamento do mérito em razão da prescrição (CPC, art. 269, IV).
“As férias forenses não interrompem a prescrição (CC, art. 202), havendo expressa previsão legal de que as citações destinadas a evitar o perecimento do direito devem ser feitas nesse período (CPC, art. 173, II)” (RCLD 25/10; BAASPE 2.179/312-e).
Antes da vigência do art. 202, I, do CC, o efeito interruptivo se perdia diante:
– do reconhecimento da nulidade da citação do processo cognitivo nos embargos à execução (CPC, art. 741, I) – hipótese em que o direito de ação do autor poderia não mais existir, tendo em vista que o vício derrubaria o efeito material da interrupção da prescrição (CPC, art. 219, caput). Agora, a interrupção da prescrição ocorre no despacho inicial positivo; a nulidade da citação decretada nos embargos pode anular todos os atos subseqüentes, mas a interrupção da prescrição, no processo cognitivo, está preservada no despacho inicial positivo; a nova citação deve observar as regras dos §§ 2º e 3º do art. 219;
– da sentença terminativa (CPC, art. 267, II a X) – a negligência e o abandono (II e III) da causa, a ausência de pressupostos processuais e de condições genéricas (IV e VI), a perempção, a coisa julgada e a litispendência (V), a convenção de arbitragem (VII), a desistência (VIII), a intransmissibilidade do direito (IX) e a confusão entre as partes (X) implicam a extinção do processo sem julgamento do mérito, motivo pelo qual os efeitos da citação já realizada deixam de existir. A negligência, o abandono, a perempção, a convenção de arbitragem ou a desistência do autor esclarecem, por si só, a desnecessidade de manter-se a interrupção da prescrição; o próprio autor atuou contrário ao exercício do seu direito de ação. A falta de pressuposto processual implica a invalidade do processo e de condição genérica da ação, inexistência do direito de ação. A litispendência e a coisa julgada formal e material indicam a existência de ação anterior, naquela, em andamento (com o mencionado efeito em vigor), e nesta, encerrada; o autor bem conhece suas atitudes que impedem a repropositura da ação. A intransmissibilidade do direito material e a confusão entre autor e réu impedem o exercício do direito de ação.
Nos moldes do art. 202, caput e I, do CC, a interrupção da prescrição só ocorre uma única vez – no despacho inicial positivo. Sendo o processo iniciado, com a aptidão da petição inicial, e posteriormente extinto sem julgamento do mérito, nos moldes do arts. 267, II a X, e 329 do CPC, a coisa julgada formal não impede a repropositura de nova ação e o reinício do prazo prescricional (na data do trânsito em julgado formal), mas não existe outra interrupção da prescrição no novo despacho inicial positivo. Destacam-se três situações: a) se o processo for extinto por abandono ou negligência do autor, que não providencia a citação do réu, no prazo e na forma legal, o efeito interruptivo não ocorre no despacho inicial e a repropositura da ação corre o risco de ser constada a prescrição do direito de ação (CPC, art. 267, II e III; CC, art. 202, I, in fine); b) se o autor, para salvaguardar um pretendido direito, que sabe não ser seu, ou dele tem dúvidas sobre o titular, ajuizar a ação, simplesmente para interromper a prescrição, a sentença terminativa pode reconhecer a carência superveniente e o exercício mal intencionado do direito de ação, para extinguir o processo sem julgamento do mérito (CPC, arts. 16 a 18, 267, VI, 295, 329). A repropositura da ação é inibida pela inexistência de nova interrupção da prescrição, como único objetivo pleiteado pelo autor, desde a primeira ação; e, c) o magistrado, excessivamente apegado à forma, extingue o processo sem julgamento do mérito, por carência superveniente à citação (falta de condição genérica ou de pressuposto processual); da sentença não existe apelação, formando-se a coisa julgada formal. A repropositura da ação exige a demonstração de que a causa extintiva da primeira não mais existe; a sua aptidão (despacho inicial positivo) não interrompe a prescrição; assim, a morosidade excessiva do Poder Judiciário, na prestação da tutela jurisdicional adequada de mérito (procedência ou improcedência do pedido) pode gerar a prescrição intercorrente e extinguir o direito de ação do autor, mediante alegação simples do réu, em qualquer grau de jurisdição (CPC, art. 303, III; CC, art. 193). Favorecendo o absolutamente incapaz, o magistrado ou o tribunal pode reconhecer, de ofício, a prescrição (CC, arts. 3º e 194). Se a morosidade decorrer de dolo ou fraude do magistrado, ou este praticar condutas tendentes à recusa, omissão ou retardamento, sem justo motivo, de ato oficial ou mediante requerimento, há responsabilidade objetiva do Estado ou da União (magistratura estadual ou federal) (CF, arts. 5º, LXXV, e 37, § 6º; CPC, art. 133; LOMAN, art. 49). A culpa não tem previsão legal e diante de norma restritiva, não deve o magistrado (e o parquet) responder pela negligência, imprudência ou imperícia. No caso de recusa, omissão ou retardamento injusto, a prova da responsabilidade necessita que a parte tenha requerido o cumprimento do ato e o juiz não respeitado o prazo legal; o abrandamento do cumprimento do prazo pelo magistrado precisa ser analisado no caso concreto a impedir prejuízo à parte que postula tempestivamente, em juízo, o seu pretendido direito (CPC, arts. 189, 198 e 199).
No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o despacho inicial é negativo, de modo que não há falar no efeito material em tela, mesmo que a natureza do pronunciamento jurisdicional seja sentença terminativa (CPC, arts. 267, I, e 295); indeferimento posterior (ao despacho inicial positivo), o efeito interruptivo não desaparece, mas é único, de sorte que o novo despac`o inicial posi|ivo na nova ação não interrompe a prescrição, cujo prazo voltou a correr naquela sentença decorrente do indeferimento posterior (CPC, art. 329; CC, art. 202, caput). O julgamento do mérito exige a relação jurídica processual completa (autor juiz réu), mas o pronunciamento ex officio da decadência pelo juiz, no despacho inicial negativo (sentença de mérito), implica a extinção do processo com julgamento do mérito sem a citação do réu e os efeitos pertinentes deste ato processual (CPC, art. 269, IV).
Nas demais hipóteses destinadas à sentença de mérito (CPC, art. 269, I a V), a prescrição resta interrompida à época do despacho inicial positivo, mas não existe retomada do curso prescricional com o trânsito em julgado, pois há formação de coisa julgada formal e material, a fim de preservar a segurança jurídica das decisões judiciais que aplicam processualmente o direito material ao caso concreto.
No caso de desaparecimento dos autos do processo em curso, cabe a qualquer das partes ajuizar ação de restauração de autos (CPC, art. 1.063); a ação de restauração não retira o efeito material de interrupção da prescrição pertinente à ação originária (cujos autos do processo estão desaparecidos).
Abreviaturas
BAASPE – Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo (Ementário)
CC – Código Civil (L 10.406, de 10-1-2002)
CF – Constituição Federal (Promulgada em 5-10-1988)
CPC – Código de Processo Civil (L 5.869, de 11-1-1973)
DJU – Diário da Justiça da União
DL – Decreto Lei
L – Lei
LC – Lei Complementar
LEF – Lei da Execução Fiscal (L 6.830, de 22-9-1980)
LICC – Lei de Introdução ao Código Civil (DL 4.657, de 4-9-1942)
LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC 35, de 14-3-1979)
RCLD – Revista Consulex (Leis e Decisões)
Referência Biográfica
WALTER VECHIATO JÚNIOR – Advogado, Professor da Universidade Braz Cubas (UBC – Mogi das Cruzes/SP) nos cursos de graduação e pós-gradução lato sensu e do Curso Preparatório Jurídico (CPJ – Mogi das Cruzes/SP), nas disciplinas de Direito Processual Civil e Direito Civil, Autor das obras Curso de Processo Civil (volumes 1 e 2), Comentários ao CPC e Tratado dos Recursos Cíveis (todas pela Editora Juarez de Oliveira).