Autores:
Heitor Miranda
Noemia Aurea de Moraes
Paulo Roberto Alves Souza
Valquiria Bragato
Coordenação:
Clóvis Brasil Pereira
Reinaldo Monteiro
Apoio:
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SUMÁRIO
- HISTÓRICO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1. Histórico geral
1.2. histórico brasileiro
- CONCEITO, TERMINOLOGIAS E AS ESPÉCIES DE EMPRESÁRIOS NO BRASIL FRENTE AO TEMA
2.1. CONCEITO E TERMINOLOGIAS EMPREGADAS
2.1.1. DESPERSONALIZAÇÃO E DESCONSIDERAÇÃO
2.2. As espécies de empresários no Brasil frente ao tema
2.2.1. Empresário Individual
2.2.2. microempreendedor Individual – MEI
2.2.3. o antigo “empresário individual de responsabilidade limitada – eireli” e a atual sociedade limitada unipessoal
- PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO E A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
3.1. DOS SÓCIOS E DA PESSOA JURÍDICA.
3.2. TEORIA MAIOR
3.3. TEORIA MENOR
- APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
4.1. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL, MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI), EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) E SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL.
4.2. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
4.3. MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI)
4.4. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) E SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL
- DIREITO PROCESSUAL
5.1. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
5.2. PROVOCAÇÕES
5.3. INCIDENTE OU NOVA AÇÃO
5.4. GRUPO ECONÔMICO
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
- HISTÓRICO DA DESCONSIDERAÇAO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
1.1. Histórico geral
Não há dúvidas que foi durante o século XIX, que começaram a surgir preocupações pela má utilização da pessoa jurídica, impedindo o exercício dos direitos dos credores. A doutrina se inclinou e começou a olhar para o interior da personalidade jurídica constituída, observando o comportamento irregular do sócio e considerando-o para efeitos de obrigações patrimoniais decorrentes de sua atitude na condução ou utilização da personalidade jurídica da empresa. O palco destas primeiras discussões foram os Estados Unidos e a Inglaterra.
TOMAZETTE (2014)[1] aponta que fruto da má utilização da pessoa jurídica fez surgir a teoria da soberania de Haussman e Mossa, que imputava responsabilidade ao controlador da sociedade de capitais por obrigações não cumpridas. Entretanto, a teoria não se desenvolveu satisfatoriamente.
TOMAZETTE (2014)[2] citando SUZI KHOURI (1997), SILVA (1999), WORMSER (2000), comenta a existência de um caso ocorrido nos Estados Unidos em 1809 envolvendo Bank of United States x Deveaux. Neste caso, o Juiz conheceu a ação proposta e “levantou o véu da pessoa jurídica”, considerando a característica dos sócios individualmente. Adverte TOMAZETTE que se trata de uma primeira manifestação de alguém que olhou para o interior da pessoa jurídica atingindo os sócios e não propriamente a desconsideração da personalidade jurídica.
TOMAZETTE (2014), aponta como nascimento da “disregrad doctrine” o caso Salomon x Salomon Co. ocorrido em 1897 na Inglaterra. Aaron Salomon constituiu uma sociedade similar a sociedade anônima de capital fechado. Transferiu o fundo de comércio para a sociedade. A sociedade foi constituída com o capital de vinte mil e seis ações, das quais, vinte mil era de propriedade de Salomon (99,97%) e seis, pertenciam a seis sócios (uma para cada um), membros da sua família. Em um ano a sociedade se mostrou inviável. O juízo de primeiro grau e a Corte de Apelação desconsideraram a personalidade jurídica da companhia, atribuindo a Salomon responsabilidade pelo déficit da sociedade. Todavia, a Casa dos Lordes reformou a decisão, por entender que deveria prestigiar a autonomia patrimonial da sociedade. É o caso mais famoso e considerado por muitos autores, o nascedouro da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Inobstante tal decisão histórica e inovadora, a House of Lords, que adotava uma postura mais conservadora, não acolheu a decisão de primeiro grau e a reformou, pois entendeu que a Companhia foi validamente constituída, sem qualquer espécie de vício que pudesse ignorar a existência da pessoa jurídica[3].
Independente da reforma, que retardou o desenvolvimento de teorias neste tocante, importantíssima a adoção em primeira instância da tese renovadora da relatividade da pessoa jurídica, dando origem à doutrina da disregard of legal Entity (teoria desenvolvida nos Estados Unidos da América), acolhida no Brasil, pelas mãos de Rubens Requião, com o nome de teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Após esses casos famosos, outros vários se sucederam, eis que cada vez mais havia casos envolvendo a pessoa jurídica, por seus sócios, administradores e, consequentemente, cada vez mais aos tribunais foram exigidas soluções. Neste sentido Fran Martins[4]:
“A admissão, pelas sociedades, do princípio da personalidade jurídica, deu lugar a indivíduos desonestos que, utilizando-se da mesma, praticassem, em proveito próprio, atos fraudulentos ou com abuso de direito, fazendo com que as pessoas jurídicas respondessem pelos mesmos.
Números desses fatos ocorreram […], sendo freqüentemente levados aos tribunais.
Estes passaram, então, quando assim ocorria, a desconhecer a personalidade jurídica das sociedades para responsabilizar os culpados.”
A teoria da desconsideração não foi fruto do direito positivado, mas sim nasceu sua aplicabilidade através da jurisprudência. Portanto, a origem se deu através da atividade judiciária de aplicação a caso concreto.
Como visto, inúmeros casos fáticos ocorreram para o desenvolvimento da disregard doctrine, para somente após surgirem as primeiras teses sobre este assunto.
Foi o jurista alemão Rolf Serick, em 1955, quem publicou a primeira e mais importante tese de doutorado a respeito da desconsideração, apresentada na Faculdade de Direito e Economia da Universidade de Tubingen, na Alemanha[5].
1.2. Histórico Brasileiro
A Teoria foi se tornando cada vez mais difundida, chegando à doutrina brasileira pelas mãos do Emérito jurista Rubens Requião, em 1969, com a obra Desregard Doctrine[6].
O fato de o Brasil adotar o sistema civil law[7] em princípio dificultou muito a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois, prevalece a codificação do direito já positivado, ao contrário do sistema common law[8], adotado pelos Estados Unidos, por exemplo, pois nestes ordenamentos prevalece mais a análise dos casos concretos e, conforme a situação, aplica-se determinada doutrina.
Até 1990, no Brasil, a aplicação da teoria da desconsideração dependeu basicamente dos juízes e tribunais, pois ficou a seu encargo a análise das circunstâncias ensejadoras e com isso o seu desenvolvimento foi bastante lento, mas, no entanto, foi pela jurisprudência que a teoria da desconsideração se aperfeiçoou.
Após esse marco inicial, vários outros doutrinadores passaram escrever sobre o tema, como já mencionado.
Somente após duas décadas é que, na elaboração do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi efetivamente positivada no direito brasileiro pela primeira vez[9]. O consumidor foi, assim, premiado com a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que lhe dá todo o amparo necessário em qualquer relação de consumo em que sofre algum dano.
A lei consumerista refere-se ao abuso de direito, ou seja, vislumbra atacar os atos que façam da empresa insolvente e, dos sócios, fraudulentos.
Em análise do parágrafo 5º do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, fica clara a intenção da desconsideração ser reconhecida sempre que a personalidade jurídica for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pelo consumidor, deixando bem claro o viés protetivo adotado pelo código:
- 5º: “Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao consumidor.
Ainda, o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor garante ao consumidor o direito da reparação dos danos sofridos, ou seja, não devendo somente garantir a qualidade do produto, mas sim a reparação decorrente da relação de consumo.
Assim, a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica surge no meio doutrinário e foi ganhando cada vez mais espaço no ordenamento jurídico brasileiro, até ser efetivamente positivada no Código de Defesa do Consumidor de 1990 e no Código Civil de 2002.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, foi posteriormente incorporada no Código Civil de 2002[10].
O dispositivo legal inova trazendo para o ordenamento jurídico brasileiro um pouco das duas correntes, a subjetiva e a objetiva, no que diz respeito aos pressupostos ensejadores da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, não somente pela fraude ou abuso de direito, mas também pela confusão patrimonial é possível que se atinja os sócios de uma empresa, e bem assim, seu patrimônio para que este responda pelas obrigações da pessoa jurídica.
Com a desconsideração positivada no ordenamento jurídico, o Conselho da Justiça Federal, em enunciado nº 51, deixou claro e determinou que a implementação da desconsideração no Código Civil de 2002 não iria modificar o que já havia sido tratado em legislações micro, e nem as jurisprudências sobre o tema, de modo que apenas afirmou o que já havia estava em andamento, senão vejamos:
“Enunciado 51 do CJF – Art. 50: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.[11]”
O artigo 34 da Lei de Defesa da Ordem Econômica assim traz ao ordenamento jurídico:
Art. 34: “A personalidade jurídica responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único: A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.
De acordo com o art. 4º da Lei que disciplina as infrações administrativas e criminais relativas à proteção do meio ambiente:
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
Não se pode deixar de mencionar, o período anterior à efetiva positivação, em que o Decreto-Lei 5.452/1943, ou seja, a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT e a Lei 5.172/1966, qual seja o Código Tributário Nacional – CTN já haviam trabalhado, embora não de forma explicita, com a teoria da Desconsideração da personalidade jurídica.
CLT. Dispõe o § 2º do artigo 2º:
“Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”
O dispositivo supratranscrito e trazido na Consolidação das leis trabalhistas visa uma maior proteção ao trabalhador, vez que persegue o cumprimento da obrigação do pagamento de verbas de natureza alimentar.
CTN. Já no Código Tributário Nacional, dispõem os artigos 134 e 135:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
(…)
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
(…)
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
Em 2013, o instituto também foi trazido na Lei anticorrupção, no artigo 14:
Art. 14: A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.”
Nessa linha de evolução, as mudanças no Código de Processo Civil, em 2015 também trouxeram significativas inovações à aplicação do instituto:
Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. §1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
- 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
- 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
- 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2o.
- 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
E as alterações continuaram ao longo do tempo, com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), restou evidente a aplicação do instituto previsto no Código de Processo Civil ao processo do trabalho com algumas peculiaridades, vejamos:
Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.
- 1o Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o incidente: I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na forma do § 1o do art. 893 desta Consolidação; II – na fase de execução, cabe agravo de petição, independentemente de garantia do juízo; III – cabe agravo interno se proferida pelo relator em incidente instaurado originariamente no tribunal.
- 2o A instauração do incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o art. 301 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
Assim, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica teve sua aplicabilidade expressamente reconhecida ao processo do trabalho.
O incidente suspenderá o processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trato o artigo 301 do Código de Processo Civil, ou seja, a medida cautelar que poderá ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito.
Desta forma, doutrinadores e juristas começaram a desenvolver teses aptas a determinar um procedimento eficaz para coibir fraudes, utilizando-se de pessoas jurídicas para colimar esse fim.
- CONCEITO, TERMINOLOGIAS E AS ESPÉCIES DE EMPRESÁRIOS NO BRASIL FRENTE AO TEMA
2.1. CONCEITO E TERMINOLOGIAS EMPREGADAS
Trata-se de uma doutrina/instituto que defende a possibilidade de superação episódica da personalidade jurídica de uma sociedade, nas hipóteses envolvendo fraude, abuso ou desvio de função, com o objetivo de satisfazer terceiro que foi lesado, por meio do patrimônio dos próprios sócios, que passam a ter responsabilidade pessoal diante do ilícito ocorrido.
Atribui-se a Rubens Requião[12] o pioneirismo em trazer para a comunidade jurídica brasileira a teoria do Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. A questão foi apresentada na Conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, por ocasião das comemorações do primeiro centenário de nascimento do Des. Vieira Cavalcanti Filho, fundador da Faculdade e seu primeiro catedrático de Direito Comercial (Revista dos Tribunais RT 410/12 dez./1969).
A finalidade da teoria foi introduzir mecanismo técnico jurídico capaz de orientar os julgadores a enfrentar as manobras fraudentas perpetradas pelos titulares da pessoa jurídica em prejuízo explicito aos direitos dos credores. Em momento algum se pretende ou se pretendeu afastar os sócios da sociedade empresária. Ao contrário é um mecanismo capaz de proporcionar aos credores meios para reprimir o mau uso ou desvirtuamento da personalidade jurídica, preservando o direito de crédito.
“A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. O seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam” (COELHO, 2013, p. 60/61).
Salienta Coelho “(…) a superação para o conflito entre as soluções éticas, que questionam a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar sempre os sócios, e as técnicas, que se apegam inflexivelmente ao primado da separação subjetiva das sociedades” [13]
Elementos essenciais. Para Requião (2003)[14], a fraude e o abuso de direto continuam sendo os elementos essenciais que autorizam o Poder Judiciário a atingir o patrimônio particular dos sócios componentes da sociedade, dotada de personalidade jurídica, aniquilando assim o princípio da autonomia patrimonial.
Termos (direito comparado). A desconsideração da personalidade jurídica é tratada em outros países por meio dos seguintes termos[15]:
- Utiliza o termo “desestimação” (desestimacíon) da personalidade jurídica.
- A jurisprudência utiliza o termo “penetração” (durchgriff) da personalidade jurídica.
- Itália. “Superação” da Personalidade jurídica.
- França. “Afastamento” (mise a l’écart) da personalidade jurídica
2.1.1. DESPERSONALIZAÇÃO E DESCONSIDERAÇÃO.
Há quem faz confusão empregando o termo despersonalização no lugar de desconsideração.
São terminologias diferentes, pois, a despersonalização traduz a extinção da própria personalidade jurídica, nos termos do Art. 51 do CC, ao passo que a desconsideração consiste em uma superação pontual, em razão da fraude, abuso ou desvio de finalidade, tendo assim a pessoa jurídica existência distinta de seus membros.
GAGLIANO. Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Indicam, com propriedade, que é possível a coexistência e aplicação dos dois institutos.
“Entretanto, reconhecemos que, em situações de excepcional gravidade, poderá justificar-se a despersonalização, em caráter definitivo, da pessoa jurídica, entendido tal fenômeno como a extinção compulsória, pela via judicial, da personalidade jurídica. Apontam-se os casos de algumas torcidas organizadas que, pela violência de seus integrantes, justificariam o desaparecimento da própria entidade de existência ideal.”.[16]
Corresponsabilidade e solidariedade. São eventos diferentes da desconsideração pois, na hipótese em que os sócios são solidariamente responsáveis pelas dívidas sociais, esta regra vem por força de lei (exemplo: instituição de uma sociedade em nome coletivo) ou por vontade dos sócios, mediante cláusula contratual.
Decretação e declaração. Por fim, tanto a despersonalização quanto à desconsideração, por terem natureza jurídica de sanção, são fatos que ocorrem por meio de decretação, ao contrário da responsabilidade solidária dos sócios em relação às dívidas sociais que é reconhecida (declarada) por força de lei ou por vontade das partes.
2.2. As espécies de empresários no Brasil frente ao tema
Proposta do instituto jurídico. Conforme dito anteriormente, a desconsideração da personalidade jurídica tem como pressuposto o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Nesse sentido, a intenção do legislador foi a de proteger a personalidade jurídica, pois é esta que sofre os golpes aplicados pelos seus titulares ou administradores, com os ataques oriundos do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
Questão importante. Além da aplicabilidade do instituto em relação às sociedades personificadas, é preciso esclarecer se empresário individual, microempresário individual e a sociedade limitada unipessoal possuem personalidade jurídica própria, distinta dos seus titulares. O instituto da desconsideração tem por finalidade afastar a personalidade jurídica para penetrar nos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Sociedades despersonificadas. Em algumas situações previstas na legislação, como é caso das sociedades despersonalizadas – sociedade em comum e sociedade em conta de participação – tratada pelos artigos 986 ao 996 do código civil, a ausência da personalidade jurídica, afasta, por completo, à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
- Sociedade em comum. A previsão está inserida no Art. 990, que estabelece que “Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade”.
- Sociedade em conta de participação. A regra está prevista no Art. 991 “Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.”.
Nestes dois casos, não há dúvida que é impossível desconsiderar personalidade jurídica, simplesmente, pela ausência da personalidade jurídica. Quem pratica o ato fraudulento é a pessoa natural e em seu nome próprio e não a pessoa jurídica de direito privado, que não existe no mundo jurídico.
2.2.1. Empresário Individual
Empresário individual ou firma individual, como alguns preferem denominar, é toda pessoa física que exerce atividade empresarial, conforme se observa da regra estabelecida no art. 986 do código civil.
“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Veja que neste caso a própria pessoa natural (física) é quem exerce a atividade empresarial e o faz em seu nome próprio. Não há que falar em divisão patrimonial, separação dos bens sociais e dos bens pessoais, pois, o conjunto de bens, que está sob o domínio do empresário pertence ao próprio empresário (pessoa natural).
O desenvolvimento da atividade na condição de empresário individual não exige a criação da pessoa jurídica, carecendo, portanto, de personalidade jurídica.
Toda atividade é exercida em nome da pessoa natural.
Os bens utilizados para a consecução da atividade laborativa é irrelevante destacá-los dos bens comuns pessoais. Todos pertencem ao mesmo conjunto patrimonial administrado pela pessoa natural.
A ausência da personalidade jurídica, por si só, elimina a possibilidade da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
É ledo engano pensar que a existência de CNPJ é indicativo da existência de pessoa jurídica.
Conforme dispõe o Art. 44. Do código civil:
São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
Estas são as pessoas jurídicas que adquirem personalidade jurídica própria e distinta dos seus integrantes. A existência legal inicia-se com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (Art. 45 do CC). Adquirindo personalidade jurídica passa a ser titular de direito e responde pelas obrigações independentemente dos direitos e deveres das pessoas que a criou. Não adquirindo personalidade jurídica própria, o enquadramento é de sociedade em comum.[17]
O critério para a concessão do CNPJ pela Receita Federal tem natureza tributária e fiscal e só, não repercutindo na personalidade jurídica.
A guisa de esclarecimentos. Entes despersonalizados como o condomínio, por exemplo, entre outros, estão sujeitos a inscrição perante a Receita Federal e a obtenção do CNPJ, mas não são pessoas jurídicas de direito privado[18].
No âmbito judicial destaca-se:
Ementa: Agravo de Instrumento – Execução – Empresário individual – Ausência de personalidade jurídica própria – Inexistência de separação entre o patrimônio pessoal da titular e o patrimônio da empresa – Execução realizada no interesse do exequente – Possibilidade de constrição de ativos financeiros do empresário individual executado – Descabimento da pretensão de desbloqueio da quantia penhorada – Além de não ser possível extrair dos autos a assertiva de que a conta corrente objeto da constrição é destinada, exclusivamente, ao pagamento de salário dos funcionários, há que ressaltar que, à mingua da apresentação de balancete contábil, tampouco se vislumbra efetivo comprometimento das atividades da atividade empresarial – Regra do artigo 833, IV, do Novo Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade, se destina, tão-somente, a quem recebe os valores a título de verba alimentar, e não àquele responsável pelo seu pagamento – (…) (TJSP, AI nº 2019454-63.2022.8.26.0000, Relator(a): Mauro Conti Machado; Órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 09/05/2022; Data de publicação: 16/05/2022)
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Tratando-se a agravante de empresa sob firma individual, seu patrimônio se confunde com o do sócio, pois o mesmo é o único responsável pelo adimplemento das obrigações mercantis, não podendo se distinguir entre a empresa e a pessoa física – Desnecessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para a sua inclusão no polo passivo da execução – Negado provimento (TJSP, AI nº 2056757-14.2022.8.26.0000, Relator(a): Hugo Crepaldi; Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 11/05/2022; Data de publicação: 11/05/2022)
2.2.2. microempreendedor Individual – MEI
É um empreendedor individual, amplamente conhecido como profissional autônomo. Aquele que desenvolve atividade autônoma, tal como ocorre com o empresário individual.
O MEI é um empresário individual que se enquadra na definição do art. 966 do código civil.[19]
O objetivo traçado pelo governo federal foi criar um mecanismo simples, visando estimular o enquadramento de profissionais autônomos exercentes de atividades profissionais na informalidade, possibilitando o acesso a benefícios previdenciários (salário maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão por morte, aposentadoria por invalidez e aposentadoria por idade).
Tem como fundamento a lei complementar nº 128/2008, com diversas modificações que foram introduzidas, em especial, pela lei complementar nº 147/2014.
Da mesma forma que foi abordado em empresário individual, o MEI, também não está sujeito ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
A outorga do CNPJ pela Receita Federal, como já esclarecido anteriormente, tem natureza tributária e fiscal, não repercutindo na personalidade jurídica.
Nesse sentido:
Ementa: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Indeferimento do pedido de pesquisas de bens em nome de suposta pessoa jurídica – Insurgência – Descabimento – Ausência de pessoa jurídica no caso – Microempreendedor individual (MEI) que, apesar de possuir CNPJ próprio, não é pessoa jurídica, mas a própria pessoa física do devedor – Impossibilidade de confusão patrimonial, tendo em vista tratar-se de uma só pessoa – Recurso desprovido (TJSP, AI nº 2049212-24.2021.8.26.0000, Relator(a): Luiz Antonio de Godoy, Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 08/10/2021, Data de publicação: 08/10/2021)
Ementa: APELAÇÃO. Embargos à Execução. Impugnação à execução procedida contra “sócio” da “empresa” sem ter havido incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou comprovação dos requisitos do art. 50 do CC. Sentença de procedência. Recurso do embargado. Alegação de que a “empresa” trata-se, na verdade, de MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI) sendo desnecessária a desconsideração por corresponder a empresário individual. Possibilidade. Firma individual é ficção jurídica, cuja função é a de habilitar a pessoa física a exercer a atividade empresária, concedendo-lhe tratamento especial de natureza fiscal. Não há, portanto, diante destas circunstâncias, dicotomia entre a pessoa natural e a firma por ela constituída, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica. Patrimônios que se confundem. Sentença reformada. Sucumbência revista. Recurso provido (TJSP, Apelação cível nº 1003143-73.2021.8.26.0024, Relator(a): Achile Alesina, Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Privado, Data do julgamento: 24/08/2021, Data de publicação: 24/08/2021)
Podemos então afirmar que o MEI e o Empresário Individual, possuem o mesmo tratamento jurídico. Ambos são responsáveis pelo adimplemento das obrigações empresariais, incluindo as tributárias e fiscais, não havendo, portanto, possibilidade de distinguir pessoa jurídica de direito privado de pessoa natural. O patrimônio é único. Não há separação patrimonial, que é exigido das pessoas jurídicas de direito privado.
2.2.3. o antigo “empresário individual de responsabilidade limitada – eireli” e a atual sociedade limitada unipessoal
Embora o legislador tenha utilizado a expressão “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, sob o ponto de vista acadêmico, tomou como base a “Teoria da Empresa”, por se tratar de uma pessoa, a terminologia correta era “Empresário Individual de Responsabilidade Limitada”.
Esta espécie de empresário foi introduzida no direito brasileiro pela lei nº 12.441/2011, que acrescentou o Art. 980-A no código civil. Trata-se de um novo modelo de empreendimento, constituído com um único titular, vez que a legislação da época não acolhia a possibilidade de sociedade unipessoal. O rol das pessoas jurídicas de direito privado, descrito no Art. 44 do código civil, também, sofreu alteração pela Lei nº 12.441/2011, introduzindo na alínea VI as empresas individuais de responsabilidade limitada. Por se tratar de pessoa jurídica de direito privado, a norma a ser seguida está descrita no Art. 45 do código civil.
Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
A EIRELI possuía personalidade jurídica própria distinta do seu titular, havendo, portanto, dois patrimônios a serem considerados – o da pessoa jurídica e o da pessoa natural, que detém a titularidade do capital social.
Posteriormente, a legislação brasileira passou a admitir a sociedade unipessoal. O Art. 41 da Lei 14.195 de 26.08.2021 extinguiu as empresas individuais de responsabilidade limitada, transformando as existentes, automaticamente, em sociedades limitadas unipessoais.
“As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo”.
Cabível a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica na hipótese envolvendo sociedades limitadas unipessoais.
- PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO E A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
3.1. DOS SÓCIOS E DA PESSOA JURÍDICA.
O exercício da atividade econômica [20] deve sempre valorizar o trabalho humano e a livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da propriedade privada e a função social da propriedade.
Sob tal perspectiva, a Constituição Federal impõe que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado o seguinte conjunto de princípios gerais que norteiam a atividade econômica.
É necessário diferenciar a autonomia patrimonial do sócio e a pessoa jurídica. A legislação brasileira permite a criação da pessoa jurídica. Ente dotado de personalidade jurídica própria e distinta daquele que a criou ou administra. É certo que a pessoa jurídica de direito privado nasce da vontade de uma ou mais pessoas naturais. Mas, uma vez criada, adquire existência legal com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro [21].
Uma vez criada a pessoa jurídica, observa-se que ela passa a ter autonomia patrimonial, distinta dos seus criadores e dirigentes, quer seja, na condição de sócio, acionista, associado, instituidor ou administrador [22].
Portanto, estamos diante de dois conjuntos que requerem proteção patrimonial – os bens dos sócios e os bens sociais da pessoa jurídica. Proteger o patrimônio dos sócios, tem por finalidade assegurar que estes não sejam atingidos por dívidas assumidas pela pessoa jurídica. Da mesma forma que a proteção do patrimônio da pessoa jurídica não devem ser atingidos por dívidas pessoais, assumidas pelo sócio.
A proteção patrimonial depende da adoção de alguns comportamentos:
- i) Saber escolher o modelo ou estrutura da pessoa jurídica, para que se possa traçar os critérios da proteção patrimonial. Na sociedade em nome coletivo, por exemplo, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais. Na sociedade limitada, por exemplo, a responsabilidade dos sócios está limitada à sua participação societária. Entretanto, enquanto não integralizado o capital social, todos respondem solidariamente pela complementação. De forma suscinta. É saudável que pense na organização empresarial e repense, sempre que for necessário.
- ii) Elaborar o contrato social de forma criteriosa contendo além das cláusulas exigidas pela legislação e aplicáveis ao tipo societário, o estabelecimento de critérios para solução de eventuais impasses ou controvérsias ou mesmo a movimentação societária, quer por iniciativa do sócio quer por fatores exógenos. Para a elaboração do contrato social é preciso muita dedicação, deixando de lado os fatores pessoais e focando na pessoa jurídica. As facilidades trazidas pela vida moderna, notadamente no âmbito do direito de família, podem influenciar na organização societária.
iii) Definir capital social de acordo com as necessidades iniciais da sociedade previne risco quanto a confusão patrimonial. Sabemos que no direito brasileiro que acompanha a tendência das legislações de outros países, não estabelece regras para a adequar o capital social à atividade empresarial. Entretanto, o valor do capital social deve ser adequado à atividade explorada pela sociedade. Afinal para o inicio da atividade econômica a empresa irá necessitar de máquinas, tecnologia, mão de obra, matéria prima, … Coelho (2013) menciona que as sociedades possuem dois meios para obter recursos financeiros – capitalizar ou buscar financiamento no mercado financeiro[23] .
- iv) criar e manter fundos para contingências, para devedores duvidosos, entre outros, que auxiliam a empresa para suportar eventuais surpresas com possíveis demandas judiciais.
A adoção das cautelas com a construção de um contrato social sólido e adequado à realidade do negócio empresarial, mantém a empresa nos trilhos. Penetrar no patrimônio dos sócios para satisfação do direito de credores é medida extrema, extraordinária e é aplicada por exceção, quando presente o abuso da personalidade jurídica[24].
3.2. TEORIA MAIOR
No que se refere à Teoria Maior, são considerados os seguintes critérios para a sua adoção: o desvio da finalidade e a confusão patrimonial (TARTUCE, Flávio, 2020, p. 162)[25]. Aquele refere-se à Teoria Maior Subjetiva, no qual é necessário que se prove o uso abusivo ou fraudulento da personalidade jurídica, o que caracteriza um desvio de funcionalidade; e este, diz respeito à Teoria Maior Objetiva, na qual inexiste uma separação de patrimônio da pessoa jurídica e da pessoa física.[26]
A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica possui duas formulações, a objetiva e a subjetiva, e é considerada pela doutrina e jurisprudência como a regra geral da desconsideração da personalidade jurídica no sistema jurídico brasileiro. A primeira delas trata da confusão patrimonial, situação que possui maior facilidade de ser comprovada. Já a formulação subjetiva pressupõe a fraude e o abuso de direito, elementos estes com maior dificuldade de serem comprovados, pois a intenção que o sócio possui em frustrar os interesses do credor deve ser demonstrada, não se pode aplicá-la com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Para esta teoria, o simples inadimplemento de obrigações para com os credores não configura a desconsideração. O credor necessita, para se valer da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora, não apenas provar sua insolvência, mas também demonstrar que houve desvio de finalidade da sociedade ou confusão patrimonial entre seus bens e o de seus sócios, essa teoria é exceção e aplicada com bastante cautela pelos Tribunais brasileiros.
Desconsiderar a personalidade jurídica pela simples insolvência do devedor vai de encontro com os preceitos básicos do direito empresarial, que preza pela total separação dos bens da pessoa jurídica e da pessoa física de seus sócios.
Tal entendimento se vislumbra facilmente no posicionamento do Judiciário:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CÓDIGO CIVIL DE 2002 (ART. 50). TEORIA MAIOR. RELAÇÃO DE NATUREZA CIVIL-EMPRESARIAL. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO ARESTO RECORRIDO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Esta Corte adotou orientação no sentido de que, nas relações jurídicas de natureza civil-empresarial, o legislador pátrio adotou a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, segundo a qual é exigida a demonstração da ocorrência de algum dos elementos objetivos caracterizadores de abuso da personalidade jurídica, tais como o desvio de finalidade (caracterizado pelo ato intencional dos sócios em fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica) ou a confusão patrimonial (configurada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e os bens particulares dos sócios ou, ainda, dos haveres de diversas pessoas jurídicas). 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, não há como afastar as premissas fático-probatórias estabelecidas pelas instâncias ordinárias, soberanas em sua análise, pois, na via estreita do recurso especial, a incursão em tais elementos esbarraria no óbice do enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo interno improvido.
(STJ – AgInt no AgInt no AREsp: 1580544 RJ 2019/0269127-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 16/08/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/08/2021) [27]
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ART. 50 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.
- Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3 do STJ).
- O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a desconsideração da personalidade jurídica a partir da Teoria Maior (art. 50 do Código Civil) exige a comprovação de abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pelo que a mera inexistência de bens penhoráveis ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa não justifica o deferimento de tal medida excepcional.
- A falta de integralização do capital da sociedade limitada também não pode ser considerada como fundamento suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica.
- Não há falar em incidência da Súmula nº 7/STJ porque a solução da controvérsia cinge-se a discutir a qualificação jurídica dos fatos delineados no acórdão recorrido.
- Agravo interno não provido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1593637/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 17/06/2021) [28]
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. REQUISITOS AUSENTES. DISSOLUÇÃO IRREGULAR E AUSÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS. INSUFICIÊNCIA. 1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a existência de indícios de encerramento irregular da sociedade aliada à falta de bens capazes de satisfazer o crédito exequendo não constituem motivos suficientes para a desconsideração da personalidade jurídica, eis que se trata de medida excepcional e está subordinada à efetiva comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. 2. Agravo interno não provido.
(STJ – AgInt no AREsp: 2021508 RS 2021/0354278-6, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 11/04/2022, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/04/2022)[29]
3.3. TEORIA MENOR
A Teoria Menor, por sua vez, não exige a prova de fraude ou de prática abusiva, muito menos requer a prova de confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e física, basta apenas uma mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações.
Tal teoria foi adotada pela Lei de Crimes Ambientais[30] e pelo Código de Defesa do Consumidor (parágrafo 5º)[31].
Tal se dá em virtude do protecionismo norteador das normas de consumo, que tem como objetivo final sempre reparar o consumidor, que é a parte mais hipossuficiente da lide.
A teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica é muito menos elaborada do que a teoria maior, pois a sua aplicação pressupõe o simples inadimplemento para com os credores, sem ao menos analisar os reais motivos que levaram a sociedade empresarial deixar de se obrigar perante terceiros.
É suficiente que se prove a insolvência da pessoa jurídica, bem assim, a impossibilidade de efetuar o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.
Também é aplicada, se o sócio utilizou fraudulentamente o instituto, se houve abuso de direito, tampouco se foi configurada a confusão patrimonial; a preocupação maior é não frustrar o credor da sociedade empresarial.
A teoria menor da desconsideração, por sua vez, parte de premissas distintas da teoria maior: para a incidência da desconsideração com base na teoria menor, basta a prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações.
Para esta teoria, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a sociedade empresarial, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da sociedade empresarial.
Os nossos Tribunais adotam a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR. APLICAÇÃO. PESSOA JURÍDICA COMO ENTRAVE AO RESSARCIMENTO. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO PELOS PREJUÍZOS CAUSADOS À CONSUMIDORA. INCLUSÃO NO POLO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO. ART. 28, § 5º DO CDC. 1. Sendo a relação jurídica originariamente estabelecida entre as partes de natureza consumerista, aplica-se a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, por meio da qual se admite a responsabilização dos sócios quando a personalidade da sociedade empresária configurar impeditivo ao ressarcimento dos prejuízos causados ao consumidor, nos termos do art. 28, § 5º do CDC. 2. Conseguintemente, patenteado que a personalidade jurídica da empresa constitui em manifesto entrave ao ressarcimento dos prejuízos já experimentados pela agravada, reconhecidamente desde 18.4.2017, força convir pela possibilidade de ser alcançado o patrimônio de seu sócio, com o escopo de efetivar o cumprimento da sentença condenatória proferida em sede de ação de rescisão contratual c/c restituição de importâncias pagas e indenização. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-GO – AI: 00762428820208090000, Relator: Des(a). SANDRA REGINA TEODORO REIS, Data de Julgamento: 11/05/2020, Assessoria para Assunto de Recursos Constitucionais, Data de Publicação: DJ de 11/05/2020) [32]
Há previsão legal no ordenamento jurídico trabalhista – Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), quanto a aplicação da teoria da desconsideração[33]. A aplicação já era possível por analogia visando a proteção dos direitos do empregado. Melhor explicando. Pelo princípio da igualdade substancial, presente tanto no código de defesa do consumidor como na consolidação das leis do trabalho, deve-se aplicar a norma jurídica protetiva em função da hipossuficiência (consumidor em relação do fornecedor e empregado em relação ao empregador). Ainda, assim, é preciso considerar que no direito do trabalho prevalece a teoria do risco da atividade econômica, que está assentada no Art. 2º da CLT[34]. Se é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica, significa que não pode transferir para o empregado o ônus da sua incumbência.
Marcelo Terra Reis (2011, p. 125) diz que alguns magistrados do âmbito trabalhista fundamentam que a sociedade, no momento da sua constituição, assumiu os riscos da atividade para adotar a teoria menor, porém “toda atividade econômica possui o risco. A verba pleiteada pelo reclamante é de natureza alimentar, caracterizando-se fraude a tentativa de obstar e impedir a sobrevivência do trabalhador se respaldando de legislação para aplicação da teoria menor”.[35]
Esta corrente está alicerçada em dois elementos subjetivos, ou seja, a fraude, fraude é um meio malicioso utilizado para prejudicar, burlar terceiro, adquirindo vantagens sobre ele, e o abuso de direito, uso anormal e até inadequado de um instituto jurídico que possa vir a prejudicar a terceiros.
Para a fraude basta que haja a consciência de que determinado ato ou atitude pode produzir um dano a terceiro credor, dispensada a intenção de causar este prejuízo por parte do devedor.
Eis a tendência do judiciário trabalhista.
AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. APLICAÇÃO DA TEORIA MENOR. POSSIBILIDADE. No âmbito da Justiça do Trabalho é aplicável a previsão do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, denominada pela doutrina como Teoria Menor ou Objetiva da despersonalização da pessoa jurídica, segundo a qual basta que a sociedade revele-se incapaz de saldar o débito, bastando a “mera inadimplência”, para que se possa desconsiderar a respectiva personalidade jurídica, redirecionando a execução em face dos bens dos respectivos sócios. No caso, infrutíferas as tentativas de localização de bens livres e desembaraçados empreendidas em face das empresas executadas, resta configurado obstáculo ao ressarcimento dos créditos do trabalhador e, por conseguinte, atendido o requisito para a desconsideração da personalidade jurídica, segundo a Teoria Menor.
(TRT-23 – AP: 00009040220185230106 MT, Relator: AGUIMAR MARTINS PEIXOTO, 2ª Turma, Data de Publicação: 31/03/2022)[36]
Diante do exposto, se ocorrer a insolvência ou a falência da sociedade, pode ocorrer a quebra do princípio da autonomia patrimonial, com o objetivo de atingir o patrimônio particular do sócio, denota-se que, ou seja teoria possui uma visão objetivista.
Essa corrente visa beneficiar os credores, que geralmente são hipossuficientes em relação aos devedores, quando a pessoa jurídica não mais possui condições, sequer patrimônio para honrar as dívidas assumidas, mas seus sócios não estão insolventes.
AGRAVO DE PETIÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO. A Justiça do Trabalho adota a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, de modo que a ausência de pagamento, por parte da Empregadora, já caracteriza abuso de personalidade jurídica da Empresa que se utilizou do trabalho do Empregado, como forma de implementar seus objetivos sociais, sem a contraprestação dos direitos previstos na legislação trabalhista. Correta, assim, a Decisão agravada. Agravo de Petição improvido. (Processo: AP – 0000380-51.2015.5.06.0019, Redator: Eneida Melo Correia de Araujo, Data de julgamento: 06/04/2022, Segunda Turma, Data da assinatura: 06/04/2022)
(TRT-6 – AP: 00003805120155060019, Data de Julgamento: 06/04/2022, Segunda Turma, Data de Publicação: 06/04/2022)[37]
- APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
4.1. Empresário individual, microempreendedor individual (MEI), empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) e sociedade limitada unipessoal.
A desconsideração da personalidade jurídica é tratada pelo código civil em seu artigo 50 e tem como pressuposto o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
A intenção do legislador foi a de proteger a personalidade jurídica, pois é esta que é atacada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.
É preciso estabelecer se empresário individual, microempresário individual, empresária individual de responsabilidade limitada e a sociedade limitada unipessoal, possuem personalidade jurídica própria, distinta dos seus titulares. O instituto da desconsideração tem por finalidade afastar a personalidade jurídica para penetrar nos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Em algumas situações previstas na legislação, como é caso das sociedades despersonalizadas – sociedade em comum e sociedade em conta de participação – tratada pelos artigos 986 ao 996 do código civil, a ausência da personalidade jurídica, afasta, por completo, à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Na sociedade em comum, a previsão está inserida no Art. 990, que estabelece que “Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade”. E, na sociedade em conta de participação a regra do Art. 991 “Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.”. Nestes dois casos, não há dúvidas que é impossível a desconsideração da personalidade jurídica, simplesmente, pela existência dela.
4.2. EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
Empresário individual ou firma individual, como alguns preferem denominar, é toda pessoa física que exerce atividade empresarial, conforme se observa da regra estabelecida no art. 986 do código civil.
“Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Veja que neste caso a própria pessoa natural (física) é quem exerce a atividade empresarial e o faz em seu nome próprio. Não há que falar em divisão patrimonial, separação dos bens sociais e dos bens pessoais, pois, o conjunto de bens, que está sob o domínio do empresário pertence ao próprio empresário (pessoa natural).
E a personalidade jurídica?
O desenvolvimento da atividade na condição de empresário individual não exige a criação da pessoa jurídica, carecendo, portanto, de personalidade jurídica. Toda atividade é exercida em nome da pessoa natural, confundindo, eventuais bens utilizados para a consecução da atividade com os pessoais. Os bens fazem parte do mesmo conjunto, administrado pela pessoa natural, que explora a atividade econômica empresarial.
A inexistência da personalidade jurídica elimina a possibilidade da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A concessão do CNPJ pela Receita Federal tem natureza tributária e fiscal e só, não repercutindo na personalidade jurídica. | |||||||
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Relator(a): Mauro Conti Machado Comarca: São Paulo Órgão julgador: 16ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 09/05/2022 Data de publicação: 16/05/2022 Ementa: Agravo de Instrumento – Execução – Empresário individual – Ausência de personalidade jurídica própria – Inexistência de separação entre o patrimônio pessoal da titular e o patrimônio da empresa – Execução realizada no interesse do exequente – Possibilidade de constrição de ativos financeiros do empresário individual executado – Descabimento da pretensão de desbloqueio da quantia penhorada – Além de não ser possível extrair dos autos a assertiva de que a conta corrente objeto da constrição é destinada, exclusivamente, ao pagamento de salário dos funcionários, há que ressaltar que, à mingua da apresentação de balancete contábil, tampouco se vislumbra efetivo comprometimento das atividades da atividade empresarial – Regra do artigo 833, IV, do Novo Código de Processo Civil, que trata da impenhorabilidade, se destina, tão-somente, a quem recebe os valores a título de verba alimentar, e não àquele responsável pelo seu pagamento – Descabimento, igualmente, da pretensão de liberação da penhora, sob a alegação de que o valor constrito se apresenta ínfimo – Além de a execução, conforme anteriormente salientado, ser realizada no interesse do exequente, é certo que o montante constrito, ainda que inferior àquele almejado, será utilizado para amortizar o débito – Dever, outrossim, do executado de apresentar os meios menos onerosos, por ventura existentes, para a satisfação da dívida – Artigo 805, parágrafo único, da lei de ritos – Recurso a que se nega provimento. | |||||||
2056757-14.2022.8.26.0000
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Estabelecimentos de Ensino Relator(a): Hugo Crepaldi Comarca: São Paulo Órgão julgador: 25ª Câmara de Direito Privado Data do julgamento: 11/05/2022 Data de publicação: 11/05/2022 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Tratando-se a agravante de empresa sob firma individual, seu patrimônio se confunde com o do sócio, pois o mesmo é o único responsável pelo adimplemento das obrigações mercantis, não podendo se distinguir entre a empresa e a pessoa física – Desnecessidade de instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica para a sua inclusão no polo passivo da execução – Negado provimento. | |||||||
Classe/Assunto: Apelação Cível / Prestação de Serviços | |||||||
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4.3. MICROEMPREENDEDOS INDIVIDUAL (MEI)
É um empreendedor individual, amplamente conhecido como profissional autônomo. Aquele que desenvolve atividade autônoma, tal como ocorre com o empresário individual. O MEI é um empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 do código civil. O objetivo traçado pelo governo federal foi criar um mecanismo simples, visando estimular o enquadramento de profissionais autônomos exercentes de atividades profissionais na informalidade, possibilitando o acesso a benefícios previdenciários (salário maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão, pensão por morte, aposentadoria por invalidez e aposentadoria por idade). Tem como fundamento a lei complementar nº 128/2008, com diversas modificações que foram introduzidas, em especial, pela lei complementar nº 147/2014. | |||||||
O Art. 18-A e parágrafos, define o Microempreendedor individual – MEI como aquele que aufere receita bruta no ano-calendário anterior, de até R$ 81.000,00 (oitenta e um mil reais), que seja optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista neste artigo, e seja empresário individual que se enquadre na definição do art. 966 do Código Civil e o empresário individual exercente de atividade de comercialização e processamento de produtos de natureza extrativista.
Podemos então afirmar que o MEI e o empresário individual, possuem o mesmo tratamento. Ambos são os responsáveis pelo adimplemento das obrigações empresariais, incluindo as tributárias e fiscais, não havendo, portanto, possibilidade de distinguir empresa de pessoa natural. O patrimônio é único.
Da mesma forma que foi abordado em empresário individual, o MEI, também não está sujeito ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A outorga do CNPJ pela Receita Federal, tem natureza tributária e fiscal, não repercutindo na personalidade jurídica. | |||||||
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Compra e Venda | |||||||
Relator(a): Luiz Antonio de Godoy | |||||||
Comarca: São Paulo | |||||||
Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado | |||||||
Data do julgamento: 08/10/2021 | |||||||
Data de publicação: 08/10/2021 | |||||||
Ementa: CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Indeferimento do pedido de pesquisas de bens em nome de suposta pessoa jurídica – Insurgência – Descabimento – Ausência de pessoa jurídica no caso – Microempreendedor individual (MEI) que, apesar de possuir CNPJ próprio, não é pessoa jurídica, mas a própria pessoa física do devedor – Impossibilidade de confusão patrimonial, tendo em vista tratar-se de uma só pessoa – Recurso desprovido. |
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Classe/Assunto: Apelação Cível / Duplicata | |
Relator(a): Achile Alesina | |
Comarca: Andradina | |
Órgão julgador: 15ª Câmara de Direito Privado | |
Data do julgamento: 24/08/2021 | |
Data de publicação: 24/08/2021 | |
Ementa: APELAÇÃO. Embargos à Execução. Impugnação à execução procedida contra “sócio” da “empresa” sem ter havido incidente de desconsideração da personalidade jurídica ou comprovação dos requisitos do art. 50 do CC. Sentença de procedência. Recurso do embargado. Alegação de que a “empresa” trata-se, na verdade, de MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI) sendo desnecessária a desconsideração por corresponder a empresário individual. Possibilidade. Firma individual é ficção jurídica, cuja função é a de habilitar a pessoa física a exercer a atividade empresária, concedendo-lhe tratamento especial de natureza fiscal. Não há, portanto, diante destas circunstâncias, dicotomia entre a pessoa natural e a firma por ela constituída, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica. Patrimônios que se confundem. Sentença reformada. Sucumbência revista. Recurso provido. |
2005088-53.2021.8.26.0000 (Segredo de Justiça) |
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Alimentos |
Relator(a): José Joaquim dos Santos |
Comarca: São Paulo |
Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado |
Data do julgamento: 30/06/2021 |
Data de publicação: 30/06/2021 |
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALIMENTOS. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Indeferimento. Confusão patrimonial entre microempresário e pessoa física. Ausência de distinção entre o patrimônio da empresa e da pessoa física do executado. Entendimento deste Tribunal. R. decisão reformada. Recurso provido. |
4.4. EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI) E SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL
Introduzida no direito brasileiro pela lei nº 12.441/2011 que acrescentou o Art. 980-A no código civil. Trata-se de um novo modelo de empreendimento, constituído com um único titular, vez que a legislação da época não acolhia a possibilidade de sociedade unipessoal.
É importante destacar, que o Art. 41 da Lei 14.195 de 26.08.2021 ao extinguiu as empresas individuais de responsabilidade limitada, transformando, automaticamente, as existentes, em sociedades limitadas unipessoais.
“As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo”.
Todavia, para o fim que se propôs este trabalho continuaremos a analisar a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica
O rol das pessoas jurídicas de direito privado, descrito no Art. 44 do código civil, também, sofreu alteração pela Lei nº 12.441/2011, introduzindo na alínea VI as empresas individuais de responsabilidade limitada.
Por se tratar de pessoa jurídica de direito privado, a norma a ser seguida está descrita no Art. 45 do código civil.
Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
A EIRELI possui personalidade jurídica própria distinta do seu titular, havendo, portanto, dois patrimônios a serem considerados – o da pessoa jurídica e o da pessoa natural, que detém a titularidade do capital social.
- DIREITO PROCESSUAL
5.1. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
O novo Código de Processo Civil de 2015 trouxe a figura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica estabelecendo os procedimentos necessários para sua aplicação, bem como a definição quanto ao seu cabimento no caso concreto.
A questão do momento adequado rendeu muita discussão e podia ser reconhecida em três grandes correntes doutrinárias. Senão vejamos:
– a que considerava a desconsideração apenas em processo de conhecimento, devendo ser objeto do devido processo legal;
– a que já considerava a desconsideração via incidente processual em conhecimento, execução e cumprimento de sentença; e,
– a que considerada a desconsideração via incidentes, em procedimentos cautelares.
Não obstante as diferentes linhas de pensamento, claro sempre foi que o momento oportuno se daria, sempre e invariavelmente, após o esgotamento de todas as tentativas de satisfação do crédito através do patrimônio da sociedade.
Ao juiz cabe o papel de indagar, examinar, perquirir as atividades empresariais. Esmiuçar a forma e o modo pelo qual a empresa está atuando na busca de elementos que demonstrem, de forma cabal, se atua de forma a cumprir o seu objetivo social ou, ao contrário, se se utiliza da figura da personalidade jurídica para a prática de atos contrários à Lei. Nas palavras de Osmane Antônio dos SANTOS, em A Desconsideração da personalidade jurídica (Disregard doctrine), publicada pela Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Brasília, v. 11, n. 1, p. 37-63, jan. 1999 (https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/21927) , acessado em 30/06/2022:
“… A disregard doctrine não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas ou bens que atrás delas se escondem.”…
Outro ponto importante é que por não ser sujeita aos efeitos do prazo prescricional, o incidente de desconsideração pode ser arguido em qualquer fase do processo, inclusive, S.M.J., com a inicial, com vistas a preservar direitos dos envolvidos no caso concreto. O artigo 134 do CPC é bastante claro em relação a isso:
“Artigo 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.”
Digno de nota ainda, que há doutrinadores que defendem, inclusive, que o próprio juiz poderia dar início, de ofício, ao referido incidente. Por certo, sempre que outro não for o procedimento exigido pelo direito material (MARIONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo código de processo civil comentado., 1ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.).
5.2. PROVOCAÇÕES
O art. 133 do CPC traz a obrigação da manifestação da parte ou do Ministério Público. Note, não a intimação, mas sim a citação (art. 135), privilegiando assim os Princípios do Contraditório e Ampla Defesa.
No que se refere a necessidade de manifestação do Ministério Público em incidente de desconsideração, conforme preceitua o art. 178 do CPC, ele se faz necessário desde que haja obrigatoriedade da sua intervenção. Ou seja, nos casos de: i) interesse público ou social; ii) interesse de incapaz; ou, iii) litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.
Nesse sentido, também, dispõe o Enunciado 123 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC):
- (art. 133) É desnecessária a intervenção do Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, salvo nos casos em que deva intervir obrigatoriamente, previstos no art. 178. (Grupo: Litisconsórcio e Intervenção de Terceiros).
XI Fórum Permanente de Processualistas – Brasília, 2022[38]
Vamos além: o mesmo Fórum acima mencionado, já se pronunciou no sentido de que:
- (arts. 15 e 133, CPC; 855-A, CLT) A desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho deve ser processada na forma dos arts. 133 a 137. (Grupo: Impacto do CPC no Processo do Trabalho; redação revista no IX FPPC- Recife)72
- (art. 133) Aplica-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no processo falimentar. (Grupo: Impactos do CPC nos Juizados e nos procedimentos especiais de legislação extravagante) [39]
Por certo que não estamos tratando aqui de texto legal. No entanto, trata-se de compilação trazida por renomados processualistas, com o intuito de servir de orientativo nas decisões do Judiciário como um todo.
5.3. INCIDENTE OU NOVA AÇÃO
No passado havia um entendimento de que um simples despacho ou decisão interlocutória não teria o condão de determinar a desconsideração, ainda que presentes alguns de seus requisitos. O pedido deveria ser objeto de uma nova ação de conhecimento que seria submetida ao devido processo legal, sem “queimar etapas”.
Ora, em que pese o respeito ao entendimento acima exarado, fato é que o legislador, no novo CPC adotou o modelo do “incidente” com vistas a dar celeridade processual aos procedimentos que visem a satisfação dos direitos de credores, em âmbito geral.
O Superior Tribunal de Justiça também já tem jurisprudência sobre o tema, e dispôs, assim, em Recurso Especial:
[…] 4. A teoria da “disregard doctrine” surgiu como mecanismo para coibir o uso abusivo da autonomia da pessoa jurídica para a prática de atos ilícitos em detrimento dos direitos daqueles que com ela se relacionam.
- A comprovação de que a personalidade jurídica da empresa está servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios, deve ser severamente reprimida. […]. STJ, 3ª Turma, REsp 1721239/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 27/11/2018, publicado em 06/12/2018)
Fato é que atualmente a tese do incidente é a que prevalece, até por força de determinação legal, mesmo sendo-lhe permitido o requerimento já na petição inicial, quando se vislumbrar fundado receio de que os requisitos para se requerer a desconsideração se façam presentes (art. 134 parágrafo 2º CPC).
Superada a questão, vale ressaltar que, uma vez instaurado o incidente, o curso do processo principal será suspenso até que se resolva a questão. E, mais, nesse momento, somente serão discutidos os elementos/requisitos para reconhecimento ou não da desconsideração. Não será possível, tampouco cabível, qualquer discussão que se relacione ao mérito do caso.
Em havendo a decisão sobre o requerimento da desconsideração, a depender da forma que for prolatada: despacho interlocutório ou sentença, caberá o recurso adequado, quais sejam: agravo de instrumento ou apelação, respectivamente.
No curso do incidente, há ainda vertentes diferentes sobre o que pode ou não ser discutido:
– há os que entendem que após a inclusão no polo passivo, em decorrência da desconsideração, não se pode discutir, por exemplo, a validade do título que está sendo cobrado. O momento para essa discussão já se encerrou e, o “ingressante”, tem apenas a obrigação de saldar a dívida;
– enquanto outros entendem que, uma vez que ingressou no processo somente em razão da desconsideração, nesse momento é que surge a oportunidade de discutir os fundamentos da execução, como por exemplo, a prescrição do título executado. Essa teoria nos parece a mais razoável, vez que se deve primar pelos ditames dos princípios do Contraditório e Ampla Defesa.
5.4. GRUPO ECONÔMICO
É cediço na doutrina e jurisprudência que o legislador conferiu, à pessoa jurídica, personalidade jurídica própria e independente das de seus sócios, com o intuito de viabilizar a prática de atividades autônomas no campo negocial.
Esses entes jurídicos independentes podem, por diversas razões que aqui não serão abordadas, ao se agruparem, dar lugar ao que se denomina Grupo Econômico, ou seja, quando duas ou mais empresas atuam de forma coordenada, com objetivos comuns, ou desde que exista uma relação de subordinação entre elas (quando uma empresa tem controle sobre as demais).
Podemos dizer que essa é a regra geral sobre o que se entende por Grupo Econômico. No entanto, para sua aplicabilidade em casos concretos, há que se socorrer da legislação em vigor que, com as recentes “atualizações”, dão o tom do que deverá ser analisado para sua efetiva caracterização.
Vamos abordar nesse trabalho as mudanças mais recentes e que elegemos como as mais relevantes:
- a reforma trabalhista que estabeleceu que para a caracterização do grupo econômico de empresas não há mais necessidade de que haja a existência de uma empresa mãe. Isto é, uma empresa exclusiva para controle das demais. Basta a existência de influência recíproca entre elas, ao demonstrar que todas visam o mesmo objetivo. Há que se analisar a relação de fato entre as empresas.
Ou seja, podemos concluir que houve a ampliação do antigo conceito, considerando a existência de grupos horizontais, embora também continue considerado o grupo verticalizado, que é o tradicional, anterior à reforma.
- a edição da Lei nº 13.874/2019, conhecida como a Lei de Liberdade Econômica, que trouxe mudanças significativas no instituto da desconsideração da personalidade jurídica e, em especial, em relação ao tratamento do grupo econômico, pois definiu legalmente os conceitos de “confusão patrimonial” e “desvio de finalidade”, alterando a redação do artigo 50, do Código Civil que não trazia tais definições:
- confusão patrimonial que deve ser entendida como a ausência de separação de fato entre os patrimônios dos sócios e o da sociedade, podendo ser caracterizada pelo adimplemento sistemático das obrigações particulares do sócio ou do administrador por parte da sociedade, ou o contrário, o pagamento de obrigações da sociedade pelo sócio ou pelo administrador, com recursos pessoais; e,
- desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores, bem como com o intuito de dar vazão à prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
É possível depreender dessa alteração que a simples existência do grupo econômico não é elemento suficiente para uma possível desconsideração da personalidade jurídica. Há que se analisar um conjunto de elementos e, em havendo a comprovação de que tais ilícitos foram praticados, aí sim o referido instituto pode ser aplicado ao caso concreto. Vamos além, a novel legislação também fez importante referência a “bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”, de forma a esclarecer que a desconsideração da personalidade jurídica não deve atingir a todos os sócios necessária e indistintamente.
Ainda, entendemos que essa alteração legislativa tem reflexo direto na esfera do direito tributário, pois o fisco busca atribuir responsabilidade por dívidas tributárias a pessoas jurídicas distintas pelo simples fato de integrarem o mesmo grupo econômico. Essa regra não deve mais ser aceita, já que a atribuição de responsabilidade tributária a outras empresas que integram o grupo econômico depende da efetiva comprovação do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, na forma do artigo 50 do Código Civil.
Contudo, na execução fiscal contra Grupo Econômico, o STJ já manifestou entendimento que há incompatibilidade entre o incidente de desconsideração de personalidade jurídica estabelecido no Código de Processo Civil e a Lei 6.830/1980, quando presentes os requisitos dos artigos 124, 133 e 135 do Código Tributário Nacional, bastando que as empresas do grupo econômico figurem na Certidão de Dívida ativa e, consequentemente, no pólo passivo da ação:
“REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO DE EMPRESAS. GRUPO ECONÔMICO DE FATO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022, DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA.
I – Impõe-se o afastamento de alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, caracterizando o intuito revisional dos embargos de declaração.
II – Na origem, foi interposto agravo de instrumento contra decisão que, em via de execução fiscal, deferiu a inclusão da ora recorrente no polo passivo do feito executivo, em razão da configuração de sucessão empresarial por aquisição do fundo de comércio da empresa sucedida.
III – Verificado, com base no conteúdo probatório dos autos, a existência de grupo econômico e confusão patrimonial, apresenta-se inviável o reexame de tais elementos no âmbito do recurso especial, atraindo o óbice da Súmula n. 7/STJ.
IV – A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a incidência do incidente na execução fiscal regida pela Lei n. 6.830/1980, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme a previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015. Na execução fiscal “a aplicação do CPC é subsidiária, ou seja, fica reservada para as situações em que as referidas leis são silentes e no que com elas compatível” (REsp n. 1.431.155/PB, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 27/5/2014).
V – Evidenciadas as situações previstas nos arts. 124, 133 e 135, todos do CTN, não se apresenta impositiva a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, podendo o julgador determinar diretamente o redirecionamento da execução fiscal para responsabilizar a sociedade na sucessão empresarial. Seria contraditório afastar a instauração do incidente para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para mirar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos para blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, em descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito.
VI – Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.
(REsp 1786311/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 14/05/2019)”
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO A PESSOA JURÍDICA. GRUPO ECONÔMICO “DE FATO”. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CASO CONCRETO.
NECESSIDADE.
- O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art.
133 do CPC/2015) não se instaura no processo executivo fiscal nos casos em que a Fazenda exequente pretende alcançar pessoa jurídica distinta daquela contra a qual, originalmente, foi ajuizada a execução, mas cujo nome consta na Certidão de Dívida Ativa, após regular procedimento administrativo, ou, mesmo o nome não estando no título executivo, o fisco demonstre a responsabilidade, na qualidade de terceiro, em consonância com os artigos 134 e 135 do CTN.
- Às exceções da prévia previsão em lei sobre a responsabilidade de terceiros e do abuso de personalidade jurídica, o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos pelas outras.
- O redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade empresária originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (nome na CDA) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN, depende da comprovação do abuso de personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, tal como consta do art. 50 do Código Civil, daí porque, nesse caso, é necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora.
- Hipótese em que o TRF4, na vigência do CPC/2015, preocupou-se em aferir os elementos que entendeu necessários à caracterização, de fato, do grupo econômico e, entendendo presentes, concluiu pela solidariedade das pessoas jurídicas, fazendo menção à legislação trabalhista e à Lei n. 8.212/1991, dispensando a instauração do incidente, por compreendê-lo incabível nas execuções fiscais, decisão que merece ser cassada.
- Recurso especial da sociedade empresária provido.
(REsp 1775269/PR, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019)”
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho não esgota o tema, nem tem o propósito de substituir a forte doutrina que se desenvolve desde o final da década de 1800.
É um trabalho de resumo voltado aos estudantes de direito e aqueles que querem iniciar os estudos da desconsideração da personalidade jurídica.
O grupo deixou de abordar desconsideração inversa, tendo em vista que estava fora do escopo proposto, mas em uma outra oportunidade tecerá os comentários acerca desta evolução.
[1] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. Teoria Geral e Direito Societário, 6ª ed. V.1. São Paulo. 2014. Atlas.
[2] TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial. Teoria Geral e Direito Societário, 6ª ed. V.1. São Paulo. 2014. Atlas.
[3] GAGLIANNO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de Direito Civil, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018.
[4] MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
[5] BRASIL, Deilton Ribeiro Brasil. RESGATE DOUTRINÁRIO DA TEORIA TRADICIONAL DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1525, 20 de Junho de 2021. Disponível em: https://www.paginasdedireito.com.br/component/zoo/resgate-doutrinario-da-teoria-tradicional-da-desconsideracao-da-personalidade-da-pessoa-juridica.html
[6] Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5575535/mod_resource/content/0/05%20-%20Requi%C3%A3o%2C%20Abuso%20de%20direito%20e%20fraude%20da%20personalidade%20jur%C3%ADdica.pdf
[7] Trata-se de uma estrutura jurídica cuja fundamentação do Direito está no texto da lei. Aplica-se no Brasil desde a época colonial, herdado de Portugal.
[8] Fundamentada na jurisprudência e nos costumes.
[9] Artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, e detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
[10] Art. 50 do código civil brasileiro – Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
[11] Conselho da Justiça Federal. Jornadas de direito civil I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Brasília: Centro de Estudos Judiciários, 2012.
[12] REQUIÃO, Rubens. Professor Catedrático de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.
[13] COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa: volume 2. São Paulo: Saraiva, 2014.
[14] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. . v. 1. São Paulo, Saraiva, 2003.
[15] TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007..
[16] GAGLIANO. Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Rodolfo. Novo curso de direito civil. Parte Geral I. 14ª edição. Editora Saraiva.
[17] Artigos 986 a 990 do código civil.
[18] Instrução Normativa RFB Nº 1863, de 27 de dezembro de 2018
[19] Art. 966 do cc. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
[20] Constituição Federal, Art. 170
[21] Art. 45 do código civil brasileiro. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
[22] Art. 49-A do código civil brasileiro. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
[23] COELHO, FÁBIO ULHOA. Curso de direito comercial, 17ª ed. São Paulo, v.2. Editora Saraiva, 2013
[24] Art. 50 do código civil e Art. 28 do código de defesa do consumidor.
[25] TARTUCE, Flávio, 2020, apud …….Braga Netto?????
[26] BRAGA NETTO; Felipe Peixoto, 2015.
[27] https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1273360330/agravo-interno-no-agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-agint-no-aresp-1580544-rj-2019-0269127-5
[28] https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1273360330/agravo-interno-no-agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-agint-no-aresp-1580544-rj-2019-0269127-5/inteiro-teor-1273360340
[29] https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1466793579/agravo-interno-no-agravo-em-recurso-especial-agint-no-aresp-2021508-rs-2021-0354278-6/inteiro-teor-1466793589
[30] Lei 9.605/1998 – Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
[31] Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
- 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.
[32] https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/931832568/agravo-de-instrumento-cpc-ai-762428820208090000
[33] Art. 855-A da CLT. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil.
[34] Art. 2º da CLT – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[35] Desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária: fundamentos da Justiça do Trabalho – Reis, Marcelo Terra, Julho de 2011, Editora, síntese, citação em Revista Síntese Direito Empresarial, Porto Alegre, v. 3, n. 21, p. 114-132, jul./ago. 2011. https://bd.tjdft.jus.br/jspui/handle/tjdft/8801 – Coleção : Revista Síntese Direito Empresarial (continuação da Revista Jurídica Empresarial)
[36] https://trt-23.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1444078580/agravo-de-peticao-ap-9040220185230106-mt
[37] https://trt-6.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1462990312/agravo-de-peticao-ap-3805120155060019
[38] https://diarioprocessual.com/2022/03/23/enunciados-fppc-2022/
Acesso em 10/05/2022 às 11:11
[39] XI Fórum Permanente de Processualistas – Brasília, 2022 https://diarioprocessual.com/2022/03/23/enunciados-fppc-2022/
Acesso em 10/05/2022 às 11:11