*Claudio da Silva Leiria
A tolerância com o crime é enorme e assustadora. Os juristas ‘modernos’, totalmente alienados da realidade, a todo momento criam teses que beneficiam o delinqüente.
Dentre as muitas teorias de exculpação do criminoso está a da aplicação do princípio da bagatela ou insignificância. Segundo essa doutrina, não há crime quando o criminoso furta objetos de pequeno valor. Infelizmente, esse posicionamento vem sendo adotado por grande número de magistrados e promotores de justiça.
A corrente ‘pró-criminoso’ geralmente considera pequeno valor o que não supera 20% do salário mínimo nacional, ou seja, não haveria crime se o valor do objeto furtado não atingisse R$ 70,00. Alega-se que uma máquina cara e abarrotada como o Judiciário não pode ser movimentada por tão pouco, devendo se importar com crimes mais graves.
Esse posicionamento não pode merecer respaldo.
Mesmo que o prejuízo da vítima seja de pequeno valor, não se deve falar em insignificância, pois o que a norma penal combate é o desvalor da conduta delituosa, até mesmo para inibir a contumaz prática de pequenos delitos. A norma penal prescreve ‘não furtarás’, não importando se o bem vale muito ou pouco. Assim, o pequeno valor jamais poderá excluir a responsabilidade penal do infrator.
A teoria da bagatela (ou insignificância) vai de encontro aos anseios da comunidade por uma ‘tolerância zero’ em relação às condutas delituosas.
O Direito Penal já tem uma resposta adequada para os casos em que o bem furtado é de pequeno valor: redução de 1/3 a 2/3 da pena, substituição da reclusão por detenção ou aplicação de multa. Não se pode chancelar a impunidade, ao deixar de reconhecer que a subtração de bem de pequeno valor é criminosa.
Volney Corrêa Júnior, com acerto, diz que pretende-se com o princípio da insignificância estatuir uma carta de indenidade para o ladrão moderado, pouco ambicioso: ele pode furtar quantas vezes quiser, ainda que muito se ressintam do desfalque patrimonial as vítimas. Não haveria conseqüências penalmente relevantes se o ladrão furtar comedidamente.
Nessa equivocada visão, prossegue o autor, a velha tesoura de que se vê despojada a pobre costureira será, talvez, um objeto de pequeno valor (= conduta atípica, impunidade garantida), mas sua reposição representará um dispêndio imprevisto e doloroso para o bolso vazio da vítima; o velho alicate subtraído a um pobre borracheiro de periferia será, talvez, um objeto de pequeno valor (= conduta atípica, impunidade garantida), mas sua reposição…; a verruma, o martelo, o serrote do pobre carpinteiro, serão, talvez, objetos de pequeno valor, de modo que o gatuno, na ótica do moderno direito penal, nenhuma reprovação merecerá, conquanto a reposição das ferramentas importe num gasto que a vítima proverá a duras penas.
A teoria da bagatela (ou insignificância) não possui consistência lógica. Ora, como considerar, indaga Volney Corrêa Jr., um bem subtraído insignificante, se tal não pareceu ao ladrão, tanto que o furtou? Haverá justiça em equiparar quem trabalhou duro e honesto para ter a coisa a aquele que considerou mais fácil obtê-la à custa do suor alheio, mediante furto? Há sentido em impor à vítima um agravamento do seu prejuízo, obrigando-a a efetuar gastos com a reposição da coisa que ao gatuno não custou mais do que o desrespeito à propriedade do próximo?
A adoção do princípio da bagatela (ou insignificância) desprestigia profundamente o sistema de justiça como um todo, tornando-o co-responsável pelo fomento da impunidade.
A “regra da insignificância” relativiza, de forma subjetiva e perigosa, o direito penal, transformando-o, de um conjunto de normas de proteção e segurança jurídica, em um amontoado de regras sujeitas à subjetividade e ao arbítrio do julgador.
O fato de o Poder Judiciário estar atulhado de processos relativos a crimes graves (homicídios, estupros, etc) não é motivo idôneo para não haver persecução penal em relação a delitos de menor gravidade. Atulhamento da máquina judiciária se resolve com informatização e alterações na legislação processual penal, além de maior número de juízes e servidores, mas jamais tornando impuníveis delitos de mediana gravidade, o que estimula a prática de crimes mais graves.
REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:
Cláudio da Silva Leiria é Promotor de Justiça em Guaporé/RS
E-mail: claudioleiria@hotmail.com