*Alberto Nogueira Júnior –
Um dos significados atribuídos ao princípio do contraditório é o de assegurar às partes a igualdade de oportunidades de expor argumentos e produzir provas a fim de poderem vir a influenciar a formação do convencimento do órgão julgador.
Assim, na jurisprudência do Eg. STF, e apenas com propósito meramente exemplificativo, vejam-se as decisões proferidas quando do julgamento do RE no. 252.245-7-PR, 2a. Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, dec. un. pub. DJU 06.9.2001, e do HC no. 83.255-SP, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, dec. p. maioria pub. DJU 12.3.2004, p. 38, no primeiro caso, tendo se entendido haver sido ferido o princípio do contraditório porque decidiu-se agravo de instrumento sem prévia concessão de oportunidade para que os agravados se manifestassem, a pretexto de urgência; no segundo, tendo-se por intimado o órgão do Ministério Público Federal a partir do dia em que recebidos os autos do respectivo recurso no setor de protocolo do órgão, com isto evitando-se que o Parquet dê ao procedimento o ritmo que lhe aprouver, e, assim, que as partes adversárias sejam postas em situação de desvantagem processual injustificada. (1)
Dentro desta perspectiva, não há como deixar de se reconhecer a inconstitucionalidade patente da norma contida no art. 285 – A do CPC, com a redação dada pela Lei no. 11.277, de 07.02.2006. (2)
Buscou-se, sem dúvida, estender à primeira instância a norma estabelecida no art. 557, "caput" e § 1o. – A do CPC; mas tal extensão não era possível, tendo em vista que, no procedimento recursal ali estatuído, já existe a figura do réu, o que não se dá na hipótese prevista no novo art. 285 – A do CPC; e isto faz toda a diferença do mundo.
Perceba-se que será sobre o mérito propriamente dito, o "fundo do direito" que a decisão de primeira instância poderá rejeitar a inicial, declarando sua total improcedência.
Apelando o autor, e sendo mantida a sentença, apenas então o réu será citado para impugnar a apelação, e, então, o recurso subirá ao Tribunal.
Ora, ao julgar a apelação, o Tribunal poderá entender que não havia a total improcedência apontada pelo juízo de primeira instância, mas sim, parcial improcedência.
Sem que o apelado – que apenas tornou-se réu depois de sentenciada a causa e intimado da respectiva apelação – tenha podido exercer qualquer atividade processual, no sentido de poder vir a influenciar na formação do convencimento do órgão jurisdicional de primeira instância.
E o reconhecimento da parcial improcedência já será apto a adquirir eficácia de coisa julgada material, especialmente quando estiver em vigor o disposto no art.162, § 1o. do CPC, com a redação dada pela Lei no. 11.232, de 22.12.2005.
Mas poderá se dar, também, que o Tribunal entenda que a ausência, total ou parcial, de improcedência, dependa de dilação probatória – que, naturalmente, ainda não pôde ser realizada.
E nesta hipótese, não poderá o Tribunal instaurar e presidir essa atividade instrutória, ali mesmo, em segundo grau, em que pese o disposto no art. 560, parágrafo único do CPC, sendo evidente que o contrário implicaria em supressão de instância.
Os autos deverão retornar, assim, à Vara de origem, podendo até limitar-se ao Juízo de primeiro grau que proceda à atividade instrutória, na forma de diligência.
E o réu se veria na mais completa impossibilidade de exercer plenamente seu direito ao contraditório e à ampla defesa, visto que não poderia contra-atacar, reconvindo; tampouco, diante daquele âmbito restrito de cognição objetiva a ser exercida, teria oportunidade para opor quaisquer exceções ou objeções.
Voltando os autos ao Tribunal – agora, com a atividade probatória desenvolvida, a título de diligência, pelo Juízo monocrático, o Tribunal poderá concluir, então, que realmente o caso era de total improcedência; ou que era de parcial procedência, ou de parcial improcedência, daria no mesmo; ou de total procedência.
Em todas essas hipóteses, o réu – apelado será afetado, em sua situação jurídica, sem que tenha podido exercer plenamente sua defesa, seja ampliando a matéria objeto da decisão, reconvindo, oferecendo pedido contraposto, ou alegando alguma das hipóteses previstas no art. 269, IV do CPC; seja ampliando a profundidade da cognição exercida, através de sua atividade probatória, delimitada segundo as margens fixadas em sua defesa, e não de acordo com aquelas traçadas pelo Tribunal; no limite, nem mesmo poderá o réu excepcionar o Juízo – absurdo dos absurdos.
Mas os autos poderão também baixar para que o Juízo de primeira instância proceda com o regular desenvolvimento do processo.
Poderá se ter por contestada a ação, tendo-se em foco as contra – razões de apelação oferecidas pelo réu – apelado, tomando-se a resposta do réu, dada sob a forma daquelas contra – razões, como se contestação fora ?
Acredito que não, e não só porque há várias formas de o réu responder ao pedido do autor, mas, principalmente, porque quando daquela espécie de resposta que foram as contra – razões de apelado, o réu não poderia ter se manifestado sobre coisa alguma além daquilo que consistiu no objeto da apelação, o mérito, tal como circunscrito pelo autor e pela sentença.
Uma última observação, a reforçar a série de prejuízos impostos ao réu.
Disse que o Tribunal, se entender que ainda não haveria a total ou parcial improcedência, por falta de dilação probatória suficiente, não poderia proceder a essa dilação, sob pena de supressão de instância.
Com isto, o réu, que teve contra si julgado o mérito, acabará em situação mais danosa do que o réu que, tendo sido citado e tendo participado, ou não, do processo, teve proferida sentença terminativa.
Isto porque, quanto às sentenças terminativas, o Tribunal poderá passar ao julgamento do mérito propriamente dito, se a causa encontrar-se "madura", na forma do que dispõe o art. 557, § 1o. do CPC.
Como justificar, então, que quando o juízo de primeiro grau haja prolatado sentença terminativa, possa o Tribunal adentrar o mérito, contudo, se o juízo monocrático houver proferido sentença de mérito, então o Tribunal não poderia faze-lo, por supressão de instância ???
Que lógica há nisso ?
Creio que, a esta altura, haja motivos bastantes para se ter o art. 285 – A do CPC, com a redação dada pela Lei no. 11.277, de 07.02.2006, como inconstitucional, dada a absurda situação de desvantagem processual a que é o réu jogado.
E penso que também restou demonstrado o prejuízo que a sociedade inteira acaba por sofrer, quando se procede a reformas pontuais e casuísticas, olvidando-se de pensar-se o sistema jurídico como um todo.
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NOTAS DE REFERÊNCIA
1. RE no. 252.245-7-PR, 2a. Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 06.9.2001: "(…) DEVIDO PROCESSO LEGAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NORMAS LEGAIS. CABIMENTO. A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta Política da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal apreciar a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora se torne necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos
(2) "Art. 285 – A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada. § 1o. – Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação. § 2o. – Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso."
Alberto Nogueira Júnior – Juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Sociedade Educacional São Paulo Apóstolo – SESPA (UniverCidade)