Cooperativas de Prestação de Serviços. Aspectos tributários relevantes

* Iran José de Chaves

A Receita Federal vem, sistematicamente, autuando as cooperativas médicas sob o argumento de estarem elas praticando atos definidos, equivocadamente, como não cooperativos, descaracterizando-as desta condição para fazer valer a arbitrariedade na exação fiscal. O procedimento vergastado não é tão simples como pode parecer ao fisco, tal qual será explicitado ao longo deste trabalho, cuja pretensão e provocar uma reflexão jurídica e fustigar um profícuo debate sobre o assunto.

Prima facie, é preciso compreender que não se fortalece o Estado enfraquecendo o direito, de modo que a Constituição Federal há de ser cumprida (arts. 5º, XVIII; 146, III, “c”; e 174, § 2º) tendo-se em vista o Estado Democrático de Direito e todo o ordenamento jurídico pátrio concernente à matéria articulada neste material.

Como disse Geraldo Ataliba: “Pior do que violar a Constituição, é ignorá-la”.

Dessa maneira, falece razão à autoridade fiscal ao tencionar sejam-lhe pagos tributos pelas cooperativas médicas, referentes a atos tidos por não cooperativos – como se as mesmas fossem sociedades mercantis na feição peculiar desses atos – não levando em conta todas as suas particularidades as quais, por sua vez, fazem-nas incorrer em privilégios e prerrogativas, por força de norma constitucional.

Destaca-se, portanto, que, nesse improfícuo terreno de alegações fiscais infundadas – desmerecedoras de qualquer relevância jurídica – o que se observa é a ignorância expressa da genuína e autêntica natureza jurídica dessas entidades, cuja modificação da definição jurídica protegida pela Carta Política é incontestável.

A doutrina especializada não discrepa da lei e da jurisprudência sendo unânime ao afirmar – corroborada pelas previsões constitucionais e infraconstitucionais1 – a necessidade de se impor à Receita Federal a observância do tratamento diferenciado que é dispensado às sociedades cooperativas em face da autêntica natureza não mercantil de suas operações com seus associados e afins, traduzidos estes nos serviços estranhos à relação cooperativista indispensáveis ao exercício da atividade médica (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.), para alcance da finalidade social cooperativa de prestação de serviços aos médicos cooperados2.

Tendo em vista que as previsões constitucionais devem ser particularizadas pela legislação ordinária, nela é que se encontra a definição de Cooperativas.

Desse modo, a lei de regência (Lei n. 5764/71) regra que:

Art. 3º – Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro”. (gn)

Art. 4º – As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características”. (gn)

Várias são as peculiaridades levantadas pelo dispositivo retro mencionado, contudo, para este estudo, o enfoque persistirá no aspecto do inciso VII, referente ao retorno das sobras:

VII – retorno das sobras líquidas do exercício, proporcionalmente às operações realizadas pelo associado, salvo deliberação em contrário da Assembléia Geral”. (gn)

Insta observar – e nesse particular é que reside grande parte da discussão sobre o enfoque tributário incidente nas cooperativas – que esse aspecto das sobras é constantemente confundido com lucro – objeto do equívoco perpetrado pela Receita Federal – o que não autoriza a assemelheação de ambos os institutos.

Em que pese as expressões serem parecidas e induzirem mesmo à aplicação paradigma, o que ocorre com as cooperativas é que, visando a continuidade de sua existência, as mesmas fazem inserir, no custo de seus serviços, uma margem de segurança, a qual, pode ser, ao final de seu período de apuração, um resultado positivo ou negativo. O positivo refere-se à sobra. O negativo, ao prejuízo.

Entretanto, é preciso ressaltar que a sobra, ao anverso do que ocorre com o lucro nas sociedades mercantis criadas justamente visando este fim, sempre na busca do acréscimo patrimonial dos proprietários, não é o objetivo da cooperativa, mas uma conseqüência necessária do intrincado ato de levantar um valor no qual se resgate os custos operacionais da entidade, como: luz, água, seguros, acidentes, etc, e cuja inserção em cada produto (cooperativas de consumos) ou serviço (cooperativas de prestação de serviços, como soe ser o caso das cooperativas médicas objeto deste estudo) é difícil.

Portanto, as sobras não dizem respeito ao lucro, tendo-se em vista que as mesmas são direcionadas aos cooperados, na medida de seus trabalhos. Permite a legislação própria, que as cooperativas façam uma previsão de suas despesas de operacionalização, ajustando sua contabilidade e retornando aos cooperados a diferença na mesma proporção de seus negócios com a entidade.

Desse modo, as cooperativas atuam sem objetivo de lucro, de modo que o patrimônio adquirido é dos cooperados (nesse caso, os médicos cooperados), e os prejuízos ou sobras são acobertados e distribuídos pelos e entre os mesmos3.

Pois bem.

É de sabença que a Constituição Federal prevê, em seu art. 153, III, que a União institua imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Por sua vez, o Código Tributário Nacional, como lei complementar – para os termos do art. 146, III, “a”, da CF – estabelece que:

Art. 43 – O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Art. 44 – A base de cálculo do imposto é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”.

Ora, renda é produto do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, de maneira que, sendo esse resultado (produto) positivo, tem-se o lucro.

Assim, tendo-se em vista que as entidades cooperativas são, pela previsão da lei de regência, sociedades sem fins lucrativos, e considerando que a base de cálculo do imposto de renda leva em conta a obtenção de lucro (e as cooperativas não obtêm lucro), logo elas não estão sujeitas ao recolhimento desse imposto incidente sobre a renda, bem como de seus reflexos, traduzidos estes nas tributações pertinentes à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, COFINS e PIS4.

Questão relevante reside em saber, independentemente de se considerar como faturamento ou receita bruta a base de cálculo dessas contribuições, há destacar que as cooperativas, em virtude das características que lhe são pertinentes, não possuem receita bruta, e tampouco faturamento, no sentido técnico que a palavra apresenta e no sentido técnico utilizado pelo constituinte para permitir a incidência de tributos, tais como os ora mencionados.

Sabe-se assim, e quanto a isto não se tem dúvidas, que as sociedades cooperativas não têm objetivo de lucro, uma vez que são criadas única e exclusivamente para prestarem serviços aos seus associados.

Considerando que as cooperativas não visam lucro – como já analisado, e partindo-se do pressuposto que praticam exclusivamente atos cooperados, há que se reconhecer que o objetivo delas não é mercantil, mas sim, social, a não autorizar a tributação dessas contribuições, especialmente a CSLL.

Por outro vértice, a justificar a não incidência tributária na forma da COFINS, tem-se o parágrafo único do art. 79 da Lei n. 5764/71 dispondo que o ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.

De igual sorte, qualquer que seja a perspectiva de análise – sob a ótica da Lei n. 9.718/98 ou da Lei n. 5.764/71, a conclusão será a mesma: as sociedades cooperativas, relativamente aos atos cooperativos, não estão sujeitas à incidência do PIS.

A sociedade cooperativa, quando pratica atos que lhe são próprios não aufere lucro. As despesas são rateadas entre os associados, assim como o resultado positivo do exercício é partilhado, proporcionalmente, entre aqueles que fazem parte da cooperativa. O ato cooperativo não gera faturamento ou receita para a sociedade. O resultado positivo decorrente desses atos pertence, proporcionalmente, a cada um dos cooperados. Inexiste, portanto, faturamento ou receita decorrente de atos cooperativos que possa ser titularizado pela sociedade. Dessarte, não há base imponível para o PIS. Cuida-se de uma NÃO-INCIDÊNCIA PURA E SIMPLES e não de uma norma de isenção.

Ora, considerando que não há negócio mercantil, como podem os resultados auferidos com a prática de atos cooperados serem considerados como base de cálculo da CSLL, do PIS e da COFINS? A resposta segue na direção única da inexistência de base imponível dessas exações, justamente porque o direito tributário e bem assim o direito comercial privado impõem, para que se tenha receita bruta, a existência inafastável de atos de comércio, fato inocorrente na espécie.

Não obstante os aspectos supra, tem-se que a celeuma posta a lume refere-se ao fato de que o fisco tem insistentemente se conduzido no sentido da arbitrária descaracterização dessas entidades, para, amparando-se em atos tidos por não cooperativos, fazer incidir sobre elas a indevida tributação de IRPF, CSLL, COFINS e PIS. Nada mais absurdo.

De acordo com a previsão do art. 79, da Lei n. 5764/71, atos cooperativos seriam aqueles que se estabelecem entre cooperados e cooperativa, cooperativa e cooperados, e aquelas entre si, sempre visando aos objetivos sociais da entidade, estampados pela prestação de serviços aos cooperados (no caso das cooperativas de prestação de serviços, como é o caso das médicas), na forma de captação de clientes para os mesmos, de maneira que, não se dessome ser esta a finalidade dos atos cooperativos balizadora da hipótese da não incidência tributária5.

Desse modo, tem-se que, se a cooperativa pratica atos, sem visar ao lucro e na busca de seu objetivo social, independentemente de estar-se diante de uma relação efetivada entre cooperativa e cooperados ou entre estas e terceiros, a toda evidência estar-se-á diante de um ato tipicamente cooperativo abrigado de qualquer pretensão fiscal, especialmente no que diz respeito ao Imposto de Renda e seus reflexos6.

Não se olvide ser este justamente o procedimento que se dá nas transações entre as cooperativas de prestação de serviços médicos e terceiros “estranhos” aos médicos cooperativados7.

Na cooperativa médica o cooperado é o profissional de medicina, ao qual em tese, é prestado o serviço – finalidade – que, no campo da realidade, se faz ao paciente – objeto social, de modo que serviços de laboratórios, hospitais, e clínicas, ínsitos que estão no ato cooperativo, não podem dele ser apartados para incidência tributária.

Nesse aspecto, portanto, é evidente a proteção da lei contra a exação fiscal sobre os atos acima tipificados.

Contudo, a questão não tem sido bem resolvida pelo fisco que persiste na autuação dessas entidades sob o fundamento de que, resultante dessas transações, ter-se-ia um ato, na verdade, não cooperativo, por consubstanciar-se em atividade “estranha” à finalidade da cooperativa. Um arrematado despropósito.

Ora, em uma cooperativa de prestação de serviços – que angaria clientes e disponibiliza atividades para os cooperados, sendo este, como dito, seu fim socialtodos os atos praticados por ela para a conquista de uma clientela para os associados são atos cooperativos8, já que, em verdade, constituem a própria essência da atividade das cooperativas assim organizadas a oferta de clientes, sem a pretensão de lucro como ocorrente nas sociedades mercantis.

Assim, é preciso enfocar para o fato de que, no caso dessas cooperativas de prestação de serviços – como soe ser o caso das médicas – a captação de clientes para os médicos cooperados (finalidade cooperativista) já cria o próprio ato cooperativo, incluídos aí aqueles resultantes de suas relações com terceiros – por exemplo, o ato de uma cooperativa médica encaminhar o cliente para um hospital onde um médico cooperado atenda (objeto cooperativista = prestação de serviços médicos, hospitalares, clínicos, etc., aos usuários particulares ou empresas) – estabelecidas justamente para o cumprimento de sua finalidade precípua, qual seja, a prestação de serviços aos profissionais associados.

É de sabença que o médico necessita de um aparato traduzido na utilização de serviços, recursos laboratoriais, clínicos, hospitalares, entre outros, indispensáveis, por sua vez, na modalidade de serviços acessórios, complementares ou mesmo auxiliares, para o pleno desenvolvimento de seu ofício.

Referidos recursos são contratados pelas cooperativas médicas para o alcance do objeto social próprio dessas entidades – prestação de serviços médicos a usuários particulares e empresariais – em cumprimento à sua finalidade essencial, qual seja, a prestação de serviços aos próprios médicos cooperativados.

Desta forma, é evidente que a relação com esses terceiros é inerente ao ato cooperativo, entendido este como resultado da relação contratual instituída entre a cooperativa médica e os serviços auxiliares da prestação da atividade médica, integrante do conceito disposto no art. 79 da lei regente e que não gera, de per se, a hipótese de incidência dos tributos em comento.

É em razão dessa perticularidade – ao contrário do que tem aduzido o fisco brasileiro – que, pela própria lei de regência, o ato cooperativo médico (principal) – traduzido no atendimento aos pacientes – pressupõe relação com terceiros – consubstanciados estes em atos cooperativos instrumentais ao fim colimado pelo ato principal – de modo que sua característica acessória não o descaracteriza como tal.

É inquestionável, portanto, o fato de que estes atos (instrumentais/meios/acessórios), resultantes das relações entre as cooperativas de prestação de serviços médicos e os serviços credenciados – definidos pela Receita Federal como não cooperativos (o fazendo amparada unicamente no aspecto de que os atos cooperativos seriam tão somente aqueles situados no campo das transações ocorridas na forma exposta do art. 79, da lei de regência) – não se distanciam do fim proposto por essas entidades, de modo que incorrem por isso mesmo no conceito e nas prerrogativas dos atos cooperativos (ditos principais).

A verdade, portanto, é uma só: atos cooperativos não são somente os que se dão entre os cooperados e as cooperativas; entre as cooperativas e os cooperados e entre aquelas entre si, de modo que, dizer o contrário, seria o mesmo que estabelecer que as cooperativas médicas só realizam atendimentos a outros médicos cooperados. Nada mais ilógico, descabido, longe de qualquer senso comum.

Insista-se, portanto, que não descaracteriza a definição de ato cooperativo, nem impede a sua proteção contra a exação fiscal, sob pena da ocorrência do aspecto da bitributação, a relação que se estabelece entre a cooperativa e os hospitais, clínicas, laboratórios que a mesma contrata, indispensáveis aos cooperados para execução de seu ofício, os quais, como pessoas físicas (e o hospitais, a exemplo, como pessoas jurídicas), já sofrem a tributação de uma prestação de serviço remunerada9.

De igual sorte, não se referem ditas relações a atos não cooperativos – como quer, erroneamente, fazer crer a Receita Federal – já que, muito embora a relação se estabeleça entre a cooperativa médica e o terceiro credenciado estranho à relação cooperativista (hospitais, laboratórios, clínicas, etc.), é sabido que a mesma atua em nome dos cooperados (como soe ser, por exemplo, o caso do pagamento dos custos de sua estrutura administrativa, com recursos dos cooperados e em nome destes, e não dela como pessoa jurídica), como se a relação se desse entre esses e aqueles, de modo que a atuação do fisco hodiernamente só levaria à ocorrência da bitributação.

Assim, a Receita Federal ao pretender tributar as cooperativas médicas nos absurdos moldes como tem feito, faz com que, neste sistema, a incidência se dê tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física, ao contrário – pásmen! – do próprio sistema comercial e lucrativo!!!

Ocorre que, muito embora pareça evidente a situação mencionada, é pouco crível que o fisco tencione sua observância, em razão dos mesmos motivos que ensejaram este estudo e pela vontade incomensurável que possui em onerar a sociedade com a arrecadação tributária cada vez mais avassaladora, fazendo tabula rasa dos preceitos constitucionais expressos na vigente carta Política.

Por outro lado, quanto à oferta de planos de saúde, incorrendo a cooperativa médica na busca da sua finalidade principal – prestação de serviços aos médicos cooperados através da captação de clientes – sem objetivar lucros, igualmente estará executando ato tipicamente cooperativo e repelente da exação fiscal.

Ora, é sabido que para a operacionalização de seus trabalhos, as cooperativas médicas operam, no mais das vezes, planos de saúde visando, prefacialmente, a oferta de trabalho aos médicos associados, já que o atendimento aos clientes desses planos é feito por eles próprios.

Não é por outra razão que, nas cooperativas médicas, os planos de saúde impõem a utilização, pelo cliente, exclusivamente de médicos cooperativados, sendo, portanto, tipicamente um ato cooperativo em prol dos associados.

À nitidez, portanto, como já ventilado, sendo a utilização de serviços hospitalares decorrência natural dos serviços médicos – quando não-condição essencial de sua prestação – lembrando-se que são os cooperados que escolhem os hospitais onde atenderão seus pacientes, ostentam os planos de saúde, justamente por esse aspecto, perfil fundamentalmente diverso de atividades de caráter lucrativo, prestadas por outras organizações que as exploram comercialmente.

Ao contrário do que tem entendido a Receita Federal, os planos de saúde são exclusivamente voltados para os cooperados que são os beneficiários do ato cooperativo consistente em obter clientes, sendo a utilização da rede hospitalar, elemento muitas vezes indispensável ao exercício da atividade pelos médicos cooperados, com cobertura obrigatória por parte da cooperativa.

É um ato, portanto, instrumental e decorrencial e, sempre que necessária, a prática do ato médico tem característica de ato cooperativo, em face de sua oferta ser inerente à captação de clientela para os cooperados10.

O plano de saúde é, assim, uma forma acrescida para conseguir clientes para os cooperados, em típica ação pertinente às cooperativas de prestação de serviços médicos, não mais que isso.

Ao arremate, cumpre ressaltar um aspecto processual relevante, consubstanciado na forma como a Receita Federal tem desconsiderado, na própria Autuação Fiscal, o aspecto cooperativista dos atos emergentes das relações firmadas pelas cooperativas médicas, para impor seu entendimento “pessoal” e aplicar a exação fiscal.

Não é dado ao fisco, visando, única e exclusivamente, à imposição fiscal, proceder à descaracterização da natureza jurídica das entidades cooperativas utilizando-se do próprio documento de autuação – até porque seu objeto é legalmente definido pelo art. 142, do CTN – sem, para tanto, instaurar o devido processo legal administrativo.

É sabido, por força constitucional (art. 5º, LV), que, mesmo administrativamente, faz-se necessário oportunizar ao interessado a pratica do seu direito de defesa. O contraditório às cooperativas se nos afigura de rigor, justamente para oportunizar lhe o direito de opor resistência a exação fiscal e evitar a descaracterização de atos por ela praticados, que nada tem “estranhos à sua finalidade”.

Extrai-se, assim, da Carta Política, a necessidade veemente de previa instauração de processo administrativo que respeite e incorra nos princípios norteadores do devido processo legal por Ela elencados (ampla defesa e contraditório pleno), ao tencionar-se desconstituir a entidade como cooperativa, para fins de tributação.

Portanto, deve-se entender que, não obstante seja possível a desconsideração da entidade como cooperativa,essa conduta não terá eficácia sem que ao menos exista um processo administrativo prévio, cognitivo, no qual será oportunizada a ampla defesa do ente cooperado.

Em nenhuma hipótese se justificaria um simples despacho da autoridade administrativa para se desconsiderar a pessoa jurídica, como se esta medida fosse comum ou então sob a desculpa de preservar a ordem e interesses públicos.

Não se pode ouvidar que as cooperativas, notadamente as prestadoras de serviços médicos, estabelecem variadas relações jurídicas ao longo de sua existência, de modo que, nada mais justo e legal que lhe seja oportunizada a ampla defesa e o contraditório, assegurando lhe o devido processo legal e administrativo, cuja procedimento encontra ressonância direta e frontal em preceito constituição, que afasta qualquer ato tendente a desviar da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou ameaça a direito.

Um simples despacho da autoridade administrativa, ao analisar e autuar a pessoa jurídica, poderá corresponder a uma conclusão desprovida de certeza, comprometendo o próprio livre convencimento.

Não se concebe, assim, à luz de tudo o que foi exposto, que, decida-se primeiro destruir a entidade – compelindo-a ao recolhimento de tributo sabidamente indevido – para depois ver se era necessário fazê-lo – o que quase nunca o é. Verdadeiro contra-senso, como primeiro demolir uma casa, para depois verificar se suas estruturas eram fortes, se o encanamento estava em boas condições…11

Esta análise, portanto, teve o fito de suscitar questionamento processual – ao contrário do aspecto material amplamente articulado neste estudo – referente ao procedimento que o fisco tem, diga-se costumeira e absurdamente, aplicado no sentido da desconsideração das entidades cooperativistas, utilizando-se, para tanto, da pura e simples Autuação Fiscal.

Revelado está, desse modo, não ser permitido ao fisco desconsiderar arbitrariamente atos constitutivos de uma pessoa jurídica como imprestáveis, nem lhe atribuir status diverso do emergente de seus atos estatutários, para fins simplesmente de imposição fiscal, sem que para isso observe, acate e promova o devido processo administrativo, de modo que, pressupor ou decretar, ao seu alvitre, a perda da condição de cooperativa só traduz a invalidade na qual incorrerá o procedimento inadequadamente utilizado para o fim visado.

Concluí-se, assim, não haver nada mais desregrado do que referida conduta, tendo em vista toda a manifestação constitucional (art. 5º, LV) no sentido da necessidade de instauração de um devido processo administrativo que promova, com todas as suas diretrizes, a oportunidade de defesa do ente cooperativista, notadamente quanto à determinação legal do conteúdo que deve conter uma autuação, por força do estabelecido no art. 142, do CTN.

Conclusão:

O presente trabalho tratou da questão sob a ótica constitucional e, também, sob a perspectiva da legislação infraconstitucional que rege o cooperativismo.

Por todo o exposto, não se concebe que, revelando-se as cooperativas médicas como entidades sem fins lucrativos e por prestarem serviços exclusivamente na captação de clientes e no suporte administrativo aos médicos-cooperados, sejam compelidas ao recolhimento de Imposto de Renda e seus reflexos, por meio da lavratura desmedida de autos de infração sem a mínima consistência jurídica, amparados em pareceres ilógicos sobre a atuação dos atos por ela desenvolvidos, ao pálio de que se trata de atos “estranhos à sua finalidade”.

Quando o Fisco desconsidera as particularidades essenciais das cooperativas médicas, traduzida na prerrogativa que a legislação lhes confere de ter tratamento diferenciado face às outras espécies societárias, acaba por colocar por terra a própria razão de sua existência, eis que tais associações terão como única conseqüência a duplicação das incidências tributárias (bitributação) – paga-se tributo na cooperativa e também na pessoa física do cooperado, tudo em face de uma mesma realidade, qual seja, a prática de atos cooperativos.

Atuando assim estará a União propiciando o falecimento de um instituto jurídico protegido pela Constituição Federal por impô-lo à incidência de imposto periféricopásmen!!! – à sua própria essência, e, no mais das vezes, tanto maior do que a das empresas que perseguem lucro. Nada mais irreal ao verdadeiro sentido de existir das cooperativas, aqui entendidas, para efeitos desse articulado, as prestadoras de serviços médicos, cujo ajuste com a justiça e avanço sociais é inquestionável, justamente em virtude do descompromisso com a obtenção de lucros, com a exploração comercial, empresarial.

Revela-se, portanto, descabida a atuação do fisco ao aplicar às escancaras exações às cooperativas médicas sob o argumento de que as mesmas estariam praticando verdadeiros atos não cooperativos, fazendo incidir– conforme toda a exposição ventilada – sobre estas atividades o Imposto de Renda e seus reflexos.

Não é dado ao poder tributante, por tudo e com tudo, sobrepor-se à Constituição Federal, nem a todo o ordenamento jurídico pátrio concernente à matéria em foco (Lei n. 5764/71), enquadrando, equivocadamente, a atuação das cooperativas médicas com serviços credenciados nas referidas justificativas fiscais para, a partir daí, obter o objetivo ilegal aqui combatido.

Não se concebe portanto, que o fisco altere a realidade dos fatos e o direito aplicado ao caso vertente, justamente para prosseguir nas atuações fiscais sem substrato jurídico, procedimento que vem causando intranqüilidade e visível desassossego ao seguimento cooperativista, notadamente quando a doutrina e a jurisprudência já sedimentaram entendimento de que as atividades alhures mencionadas nada tem a ver com ato de comércio e portanto estão a salvo da hipótese de incidência do imposto de renda das contribuições sociais em comento, nos exatos termos da lei de regência das cooperativas (Lei n. 5764/71).

NOTAS DE RODAPÉ CONVERTIDAS

1 Artigos 5º, XVIII; 21, XXV; 146, III, “c”; 174, §§ 2º, 3º e 4º; 187, VI; 192, VIII; e 199, § 1º; Lei Federal n. 5764/71

2 Cf. A. Gonçalves de Oliveira, in A Cobrança do ICM das Cooperativas de Consumo e a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, in Cadernos de Direito Tributário. Revista de Direito Público. n. 23, p. 228/229.

3 REsp 171800/RS, DJ 31.05.1999.

4 REsp 170371/RS, DJ 14.06.1999; REsp 523554/MG, DJ 25.02.2004; REsp 552782/MG, DJ 25.04.2005; REsp 616219/MG, DJ 25.09.2006; AgRg no REsp 727450, DJ 29.05.2006.

5 REsp 152546/SC, DJ 03.09.2001.

6 REsp 544.194/MG, DJ 25/02/2004; REsp 546380/MG, DJ 25/02/2004; REsp 614764/MG, DJ 23/08/2004; REsp 543828/MG, DJ 25.02.2004; REsp 546674/RS, DJ 13.10.2003.

7 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 727091/RJ, DJ 17.10.2005.

8 REsp 215311/MA, DJ 11.12.2000; REsp 16096/PR; REsp 158477/SC.

9 REsp 332148/RR, DJ 24.06.2002.

10 Cf. Ives Gandra da Silva Martins, in RDDT 86/152.

11 Cf. Thereza Alvim, in Revista de Processo, n. 22, julho/setembro de 1997, p. 215.

 

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Iran José de Chaves:  Advogado especialista em Direito Tributário e Pós-graduado a nível de especialização em Direito Empresarial. Advogado Sênior da Chaves Consultoria Jurídico-Empresarial. Presidente da Comissão de Estudos de Direito Tributário da OAB-SC.

 


Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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