* Alexandre Nery de Oliveira –
No ensejo de provocar o debate, arrisco-me a algumas opiniões sobre o contrato temporário de trabalho e sobre a jornada de trabalho flexível, conforme instituídos pela Lei 9.601, de 21.01.98.
Procedo à minha análise artigo por artigo, tanto mais porque apenas contém a lei dez artigos, sendo que três são fórmulas de vigência, evitando adentrar em questões de fiscalização dos preceitos da lei e do próprio sucesso de seus objetivos, dada a experiência estrangeira que conduz a igual conclusão de que caminharemos para época em que analisaremos mais contratos temporários do que indeterminados no tempo.
– Artigo 1º:
O art. 1º estabelece, em síntese, a possibilidade da instituição de contratos temporários especiais (distintos daqueles previstos nos parágrafos do art. 443 e ss. da CLT), por meio de convenções e acordos coletivos de trabalho, sem as garantias ou exigências fixadas nos art. 443, § 2º, 451, 479 e 480 da CLT.
De início cabe lembrar que o art. 617/CLT foi esquecido pelo legislador, mas, em se tratando de novas admissões e não em alteração dos contratos vigentes, não me parece possível que os acordos coletivos autorizativos possam ser instituídos pelos empregados da própria empresa, por falta de interesse material na admissão de terceiros, havendo, assim, que considerar-se a restrição a haver, em tais casos, convenções e acordos coletivos válidos apenas quando firmados com sindicatos obreiros.
Embora o caput do artigo 1º, a meu ver, não contenha inconstitucionalidade direta, as convenções e acordos nele baseados podem inserir norma involuntariamente inconstitucional se não fixarem qualquer cláusula distintiva dos contratos temporários, ou seja, se permitirem que os contratos temporários tenham como única distinção com os demais contratos em certas empresas ou categorias o fator tempo de duração, sem justificativas para tais limitações que conduzem à retirada de direitos gerais. Com isto, embora afastado o parágrafo 2º do artigo 443, entendo que as convenções e acordos coletivos que permitirem o contrato temporário devem indicar precisamente as situações em que possível sua adoção, sob pena de permitindo a vigência de contratos de trabalho distintos para situações laborais idênticas acarretar a nulidade dos ajustes temporários por quebra da regra da isonomia contida nos arts. 5º, I, e 7º, XXXI, da CF/88. Por isso, embora a norma do art. 1º, caput, não contenha inconstitucionalidade, conduz à celebração de ajustes que podem ferir a Carta Magna, em não sendo dispostas cláusulas distintivas dos contratos indeterminados e os contratos temporários, havendo que se notar que a justificativa de mero acréscimo no número de trabalhadores não é suficiente a impedir a mácula de inconstitucionalidade porque não insere elemento distintor entre o trabalhador admitido sob uma ou outra modalidade, como ocorre em contratos determinados firmados com apoio no parágrafo 2º do art. 443/CLT. Outra inconstitucionalide pode decorrer da indevida permissão ou ocorrência de dois tipos de contrato determinado na mesma empresa (embora, logicamente, muito dificilmente os empresários irão esquecer contratos firmados com base no art. 443/CLT se firmados os compromissos para contratos temporários da Lei 9.601/98), sendo assim análise que resultaria no exame de direito individual, caso a caso, para eventual decreto de nulidade com base também nos preceitos do art. 5º, I, e 7º, XXXI, da Constituição Federal.
Não vislumbro afronta direta à Constituição por parte do parágrafo 1º do art. 1º, eis que apenas se exige a adoção de cláusulas fixadoras de indenização por rescisão antecipada e multa pelo descumprimento, sendo igualmente a inconstitucionalidade eventual decorrente do exame de casos concretos por afronta à isonomia, no concernente à indenização prevista. No entanto, há que se ter em conta que a lei, inclusive pela impossibilidade decorrente da hierarquia das normas, não afeta a aplicação da indenização compensatória prevista no art. 10, I, do ADCT/CF/88, em regulamentação transitória da indenização prevista no art. 7º, I, da CF/88, sempre que a rescisão antecipada do contrato de trabalho temporário decorrer de dispensa arbitrária ou sem justa causa do trabalhador, dado que a previsão de termo certo para a ruptura, se afasta tal incidência, não impede que ruptura anômala não esteja protegida pela norma constitucional invocada, ainda que haja sido retirada pela Lei 9.601/98 a incidência de indenização similar (mas não idêntica) prevista nos arts. 479 e 480 da CLT, que, em face à indenização compensatória de índole constitucional deve ser considerada como indenização adicional e não mais regular para os contratos por prazo certo rompidos antes do termo estipulado.
O parágrafo 2º do art. 1º, por sua vez, ao retirar a aplicabilidade do art. 451/CLT parece instituir repudiável contrato temporário permanente, eis que permite a renovação indeterminada dos contratos temporários, sem qualquer conversão em contratos indeterminados; no entanto, persistiu intocado o art. 452/CLT que define como contrato por prazo indeterminado aquele que decorre da sucessão de contratos temporários num período determinado de seis meses, acarretando, assim, por aplicação do indicado dispositivo consolidado, a lógica de que nenhum contrato temporário poderá vigir sob as condições da Lei 9.601/98 por mais de seis meses, eis que automaticamente, verificada tal vigência, convertido em contrato por prazo indeterminado. Não há no parágrafo 2º do art. 1º inconstitucionalidades, eis que apenas permitiu mais de uma prorrogação dos contratos temporários, cabendo, repita-se, observar-se o limite temporal máximo de seis meses fixado no art. 452/CLT, ainda aplicável para os mesmos.
O parágrafo 3º do art. 1º foi vetado pelo Presidente da República, não merecendo por ora análise.
O parágrafo 4º do art. 1º, embora constitucional, cria parâmetro de interpretação que deverá ser considerado pela jurisprudência. Se era certo para os Tribunais do Trabalho que as estabilidades provisórias não se estendiam aos contratos por prazo certo, agora cria o legislador a regra de aplicabilidade das estabilidades no tempo certo da duração de tais temporários contratos, ainda que não regidos pela Lei 9.601/98, por inaceitável que os institutos estabilitários passem a ter interpretação diversa apenas porque certos contratos por prazo certo foram firmados com base na CLT enquanto outros o foram com base no novo diploma legal, dado não haver motivo justificador, agora, para aplicações distintas. A jurisprudência trabalhista, pois, decerto caminhará no sentido de estender a regra do parágrafo 4º do art. 1º da Lei 9.601/98 aos demais contratos temporários, para garantir a estabilidade provisória de certos trabalhadores no curso certo de duração de tais contratos de trabalho por prazo determinado.
– Artigo 2º:
O art. 2º reduz por dezoito meses, a partir de 22.01.98, data da publicação da lei, as alíquotas de contribuições sociais e do FGTS.
Não vislumbro inconstitucionalidade no inciso I do art. 2º, eis que ao reduzir as alíquotas das contribuições destinadas ao SESI, SESC, SEST, SENAI, SENAC, SENAT, SEBRAE, INCRA, salário-educação e seguro acidentário de trabalho não feriu a norma do art. 149 c/c arts. 146 e 150 da CF/88, que exigiria lei complementar apenas se houvesse nova exigência tributária ou majoração das alíquotas de tais contribuições sociais, e tanto mais porque o art. 149 apenas determina a observância dos arts. 146, III, 150, I e III, e 195, § 6º, da CF/88, permitindo, assim, anomalamente, a instituição de tratamento desigual entre contribuintes, eis que prevista apenas no art. 150, II, da Constituição, logicamente como elemento incentivador de certas políticas governamentais, como pretende ser no campo de implemento de postos de trabalho a Lei 9.601/98, sob pena em ser distinção que afronta aos princípios de administração pública inseridos no art. 37 da CF.
Com relação ao FGTS, a análise passa pela conceituação do FGTS como direito do trabalhador ou como contribuição social. Se é certo que a jurisprudência trabalhista ainda tem entendido o FGTS como contribuição social, a tanto inclusive aplicando os institutos prescricionais trintenários, há campo para a análise sob o enfoque de direito laboral por força do art. 7º da Constituição Federal, corrente a que me filio. Havendo a consideração do FGTS como contribuição social não haverá inconstitucionalidade alguma na redução da alíquota pela mesma interpretação concernente às demais contribuições sociais elencadas no inc. I do art. 2º da Lei 9.601/98, eis que, em sendo contribuição social, e assim possuindo natureza tributária ou parafiscal, o salário do trabalhador seria apenas o indicativo da base de cálculo da alíquota fixada. Contudo, como vislumbro no FGTS verdadeiro direito do trabalhador por conta do art. 7º, III, da CF/88, sob o conceito de verba alimentar futura, apenas tornada indisponível ao trabalhador, em regras gerais, para o fim de preservar a destinação de garantia do tempo de serviço em caso de ruptura do pacto laboral (apesar de todas as deturpações verificadas na gestão dos recursos fundiários), a presente análise deriva para tal campo interpretativo. Se é certo que a garantia a contratos determinados e indeterminados permitem consagrar variação nas alíquotas, e assim logicamente do fundo constituído em conta-vinculada particularmente considerada, tal decorreria então não haver inconstitucionalidade na existência de alíquotas diferenciadas, se não quando invocada a análise de afronta a direito individual concreto por quebra de isonomia entre contratos por prazo certo na mesma empresa ou categoria profissional. Contudo, nesta análise do FGTS como direito individual indisponibilizado sob certas condições, há que se considerar que a legislação fundiária generalizou a alíquota de 8% (oito por cento) tanto para contratos indeterminados como para contratos por prazo determinado, passando a existir discriminativo indevido na Lei 9.601/98 com aqueles regidos pela Lei 8.036/90, que persiste válida e intocada na questão da alíquota de contratos determinados, gerando-se indevida quebra da isonomia decorrente das normas gerais legais e, assim, acarretando, por tal fundamento, a inconstitucionalidade do inc. II do art. 2º da Lei 9.601/98, ante afronta ao art. 5º, I, da Constituição. Ou seja, a inconstitucionalidade do inc. II do art. 2º da Lei 9.601/98 decorre da conceituação do FGTS como direito do trabalhador, caso em que positiva, ou como mera contribuição social parafiscal, caso em que inexistente afronta à norma constitucional.
– Artigo 3º:
O art. 3º fixa o número de trabalhadores que podem ser contratados temporariamente no âmbito de cada empresa.
O art. 3º não contém inconstitucionalidades, eis que possível ao legislador limitar as contratações temporárias inclusive para prestigiar os contratos por prazo indeterminado, fruto de maior tranquilidade social e paz familiar, dado que o trabalhador passa a não ser conceituado como "ex-desempregado temporário". No entanto, a norma contém requisitos de difícil fiscalização, além de não ter exigido qualquer cláusula de segurança para os contratados permanentemente não terem contratos rescindidos para dar margem a alterações dos percentuais estipulados.
– Artigo 4º:
O art. 4º adota medidas que visam permitir à Fiscalização do Trabalho atuar, assim como estabelece normas restritivas para a adoção, vindo condições de interesse notadamente governamental no concernente à adimplência com a Previdência e com o FGTS, este grande financiador do setor habitacional e de outras atividades ditas sociais.
Não se vislumbram inconstitucionalidade na instituição de requisitos formais de âmbito administrativo para a instituição e manutenção de tais contratos temporários de trabalho, inclusive quando pretendem exatamente permitir a difícil atuação da Fiscalização do Trabalho.
– Artigo 5º:
O art. 5º estabelece incentivos sociais às empresas que aumentarem os respectivos quadros de pessoal.
Não há também inconstitucionalidade na referida norma por conter cláusula programática de implemento de políticas sociais governamentais, embora, no campo de tais prerrogativas, não tendo sido estabelecida ressalva às ampliações de quadro funcional obtidas a partir de contratos temporários, ser possível o questionamento por empresários que hajam regularmente, à margem de contratos temporários, igualmente ampliado seus quadros a preferência para si também na obtenção de recursos junto aos órgãos federais de fomento, especialmente o BNDES.
– Artigo 6º:
O art. 6º alterou em definitivo o art. 59 da CLT, modificando o parágrafo 2º e fazendo acrescido o parágrafo 3º, que estabelecem a possibilidade dos denominados "bancos de horas", em que compensações de jornada são permitidas, por via de acordo ou convenção coletivas, em período considerado de 120 dias, sem a correspondente contraprestação das horas executadas, observado o limite de dez horas diárias e, no período de 120 dias à soma das jornadas semanais de trabalho, ou seja, desde que as horas trabalhadas não ultrapassem 44 horas vezes quantas semanas haja perdurada a compensação, até o máximo de 120 dias.
O dispositivo legal pretende amparo na regra do inciso XIII do art. 7º da Constituição Federal. No entanto, tenho dúvidas se os critérios matemáticos podem ultrapassar as discussões jurídicas envolvendo a análise dos inc. XIII, XIV e XXVI do art. 7º da CF/88, eis que não vislumbro distinção entre o limite diário de jornada de oito horas e o limite semanal de 44 horas de jornada laboral, por conta da Constituição, a impedir que ajustes coletivos possam adentrar na compensação de horários com base em um ou outro parâmetro.
Com a devida vênia, a considerar-se inatingível o limite de 44 horas semanais, como se justificaria , então, não considerar também o limite de 8 horas diárias previsto no inc. XIII do art. 7º constitucional? Onde a Constituição indicou que o limite de 44 horas semanais é que deveria servir para tais cálculos compensatórios? E fez mesmo isto em caso de acordo ou CCT? Há atividades que têm peculiaridades, como a dos trabalhadores marítimos, que, chegando no limite da jornada (seja diária, seja semanal), não podem (nem devem) ser lançados ao mar pelo empregador porque estaria extrapolando os limites de oito horas diárias ou de 44 horas semanais previstos na Constituição, mesmo havendo norma coletiva regulamentadora da compensação de jornada. No trabalho em plataformas marítimas, por exemplo, o empregado não pode ficar ao final de cada dia (e às vezes nem ao final de cada semana) retornando ao continente, como se trabalhasse logo ali na esquina.
Neste sentido, a atuação sindical, penso eu, deve ser respeitada para fixar os critérios especiais do trabalho, ainda que estipulando aparente condição desfavorável ao obreiro, porque tem que se acreditar que sua representação sindical atuou no sentido de contraprestação salarial para tanto. Não pensar assim e estará a Justiça do Trabalho a renegar a atuação sindical, tutelando-a ou substituindo-se à mesma…
Acredito que o legislador constituinte, quando inseriu a norma de reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho pensou exatamente na dinâmica e especificidade das relações laborais, permitindo que normas diversas das fixadas em geral para o trabalhador fossem acordadas, inclusive porque, não fosse assim, a atuação sindical, neste particular, seria nenhuma, eis que tudo o que fora fixado na CF/88 apenas ensejaria regulamentações infraconstitucionais pelo Estado, sejam leis, decretos ou meras portarias do Ministério do Trabalho… Pensemos numa norma coletiva que estipulasse o regime de trabalho fixado por semana, com semanais integrais de descanso – que limite seria adotado? Acho que é ora da Justiça do Trabalho incentivar a absoluta validade das normas coletivas, inclusive por questão de segurança das partes contratantes – um pacto coletivo vigora ao longo de décadas, sem nenhum questionamento, e de repente passa-se a declarar sua inconstitucionalidade, como se o inc. XXVI do art. 7º da CF/88 não prevalecesse? Para que o mesmo, então, senão para admitir a abertura de exceções aos regramentos gerais estipulados inclusive pela própria Constituição? Se a norma coletiva ficou caduca, não mais serve à realidade, cabe aos sindicatos modificá-la – não à Justiça. Amanhã, para evitar desemprego, um sindicato aceita, para manter os quadros ativos das empresas, a redução do percentual de horas extras de 50% para outro menor percentual – declararíamos igualmente inconstitucional a norma coletiva, embora isto pudesse então causar desemprego em massa? Porque, vejam, nem todos os incisos do art. 7º tem o famigerado "salvo" ou "mediante" acordo ou convenção coletiva de trabalho – os que não os tem, então, seriam normas vedadas à discussão sindical?
Por tais aspectos, não vislumbro inconstitucionalidade no art. 6º da Lei 9.601/98, quanto à nova redação dada ao art. 59 da CLT, por conforme ao contido no art. 7º, XIII, XIV e XXVI da CF/88, sempre, logicamente, que preservados os casos concretos de situações idênticas tratadas em disparidade, porque então a afronta seria em face do art. 5º, I, c/c art. 7º, XXXII, da Constituição.
– Artigo 7º:
O art. 7º fixa a multa por descumprimento patronal às exigências legais para adoção de contratos temporários, não havendo inconstitucionalidade na instituição da pena administrativa respectiva.
– Artigo 8º:
O art. 8º estabelece o prazo de regulamentação da Lei, pelo Poder Executivo Federal, o que já ocorreu através do Decreto 2.490, de 04.02.98 (DOU. de 05.02.98).
– Artigo 9º:
Apenas fixa a data de vigência da Lei 9.601/98 a partir da publicação.
– Artigo 10:
Revoga as disposições em contrário.
Aqui, um parêntese para o problema da Lei 6.019, de 03.01.74, que igualmente trata de trabalho temporário em empresas urbanas. Tenho, contudo, não ter sido atingida pela Lei 9601/98, eis que a Lei 6.019/74 regulamente diverso contrato temporário, para suprir necessidades emergenciais, mas tendo os empregados destinados a suprir tais ocorrências contratos de trabalho permanente com as respectivas empregadoras, na verdade as empreas de trabalho temporário e não as clientes empresas necessitadas de tal implemento de mão-de-obra em situações ocasionais. Por conta disso, entendo não ter sido afetada a vigência da Lei 6.019/74, embora dificilmente haja incentivos à contratação na forma nela prevista, ante possibilidade agora de contratos temporários diretos entre a empresa necessitada e o trabalhador, havendo prévia permissão por conta de acordo ou convenção coletiva, com cláusulas mais benéficas que aquelas previstas na Lei 6.019/74, que basicamente declarava a existência do vínculo empregatício não entre o trabalhador e a empresa cliente, mas entre aquele e a empresa intermediadora da mão-de-obra, com que mantinha vínculo permanente para prestação de labor temporário em empresas diversas.
Com isto, aguardo as críticas, para aprimoramento do estudo.
Referência Biográfica
Alexandre Nery de Oliveira – Juiz do Trabalho na 1ª Vara do Trabalho de Brasília (DF), professor de Direito do Trabalho, pós-graduado em Teoria da Constituição
E-mail: anery@solar.com.br
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