Compromisso histórico da magistratura

Elias Mattar Assad

Quem advogou antes do advento da atual Constituição Federal (1988), pode recordar que os magistrados brasileiros tinham como regra o cumprimento rigoroso das leis processuais penais. Basta consultar a jurisprudência entre os anos de 1978/1988, mormente em decisões concessivas de "habeas corpus" para a constatação de que eram efetivamente assegurados, no processo penal brasileiro, os "direitos e garantias individuais" da CF anterior. Por paradoxal que possa parecer, após o advento da atual constituição ("cidadã"), a jurisprudência começou a retrogradar com o norte de sua "bússola" apontando mais para o odioso "AI n.º5" que para assegurar os novos "direitos funtamentais".

Como advogado e vivendo desde 1980 exclusivamente da minha ante-sala, posso lembrar aos mais novos que quando alguém era preso em flagrante delito ou mesmo preventivamente, da primeira análise do processo e com a constatação de que o acusado reunia os pressupostos objetivos e subjetivos para responder em liberdade, a fé no Judiciário como guardião da legalidade era tanta que quase dava para garantir para familiares do aprisionado que o "habeas corpus", ou "pedido de liberdade" seria atendido. Imperava a técnica sobre as vontades pessoais. Prisão, só com legalidade! Não tínhamos esse elenco maravilhoso de "direitos fundamentais" da atual CF, mas juízes com a noção exata de seu papel e de seus deveres para com a nação (norma violada = "expeça-se alvará de soltura").

Lamentavelmente para a cidadania, foi a partir desta CF que começamos ouvir algumas conversas e raciocínios estranhos nos corredores dos juízos e tribunais: "reunir o acusado os pressupostos objetivos e subjetivos, não impede prisão…"; "a prisão deve ser mantida como resposta para a sociedade abalada…"; "clamor público"; "receio de fuga"; "garantia de ordem pública ou social"; "superação de excesso de prazo"; "conjunto probatório recomenda…" entre outras expressões sistemáticamente enganadoras, apenas para tentar justificar imposições de vontades pessoais sobre o princípio da legalidade (determinações de pessoas e não da lei). "Devido processo legal" e "devido processo judicial" são coisas diversas. Neste, ter o réu seis filhos pode ser agravante se o juiz for favorável ao controle de natalidade! Lembremo-nos que as regras processuais e penais nasceram para limitar o poder. Abandonar o jurisdicionado à própria sorte faz o direito recuar ao tempo de Pilatos.

Em análise de rábula creio que o judiciário foi aceitando, sem questionar, a desculpa que os políticos brasileiros, no sucateamento da segurança pública e sistema penitenicário (nos últimos 30 anos), começaram a passar para a imprensa e opinião pública: "nós fazemos prisões! Quem liberta bandidos é o judiciário…" Ou seja, um jogo de cena apenas para eclipsar a criminosa omissão e transferir, no inconsciente coletivo, o compromisso de manter a segurança pública para os juízes. Assim, o povo continua votando neles…

Felizmente a magistratura nacional está retornado para a sua autêntica missão de guardiã do direito posto. O desembargador Miguel Kfouri Neto, Presidente da Associação dos Magistados do Paraná, acaba de devolver este "manto de chumbo" ao chefe do Executivo Estadual com um sonoro: "Porque non te Callas!"

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

Elias Mattar Assad: é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.- eliasmattarassad@yahoo.com.br

 

 

Redação Prolegis
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ISSN 1982-386X – Editor Responsável: Prof. Ms. Clovis Brasil Pereira.

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