Causa interruptiva da prescrição, pela publicação da sentença ou acórdão recorríveis, na redação dada pela lei 11.596, de 29 de novembro de 2007

*Tassus Dinamarco 

Foi publicada e já entrou em vigor[1] a Lei 11.596, de 29 de novembro de 2007, que derrogou o inciso IV do art. 117 do Código Penal. 

Dispunha o texto anterior que o curso da prescrição[2] interrompia-se pela sentença condenatória recorrível[3]. 

A doutrina e os tribunais, diante do laconismo do Código, passaram a interpretar o significado e o alcance desta causa interruptiva. 

Guilherme de Souza Nucci, anteriormente à edição da Lei 11.596, fez os seguintes comentários a respeito do inciso IV do art. 117 do Código Penal: “computa-se a partir da publicação nas mãos do escrivão, segundo art. 389 do CPP e posição consolidada no STF (RTJ 58/781). Acórdão pode ser considerado ‘sentença recorrível’, se for a primeira decisão condenatória ocorrida no processo, aliás, porque é ela que fixa o quantum para o cálculo da prescrição in concreto. Aceitando o acórdão como marco interruptivo, vale a data da sessão de julgamento. Assim: ‘A condenação em 2º grau, por força de recurso da acusação, interrompe a prescrição na data do julgamento. O legislador, como proclamado pelo STF, utiliza-se da expressão ‘sentença condenatória’ (art. 117, IV, do CP), no sentido de ‘decisão’, não havendo, portanto, diferença ontológica entre ‘acórdão condenatório’ e ‘sentença condenatória’, porque ambos estereotipam uma ‘decisão’’ (RE 117.081, SP, 6ª T., rel. Fernando Gonçalves, 24.06.1997, v.u.). Deveria, também, ter sido colocado como marco interruptivo da prescrição, tendo em vista que os recursos levam muito tempo para serem julgados atualmente, a decisão do tribunal que confirma ou impõe condenação. É causa interruptiva da prescrição da pretensão punitiva”[4]. 

No mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt: “A prescrição interrompe-se na data da publicação da sentença condenatória recorrível, nas mãos do escrivão, isto é, a partir da lavratura do respectivo termo (art. 389 do CPP). Antes da sua publicação, a sentença não existe juridicamente, constituindo simples trabalho intelectual do juiz”[5]. 

De fato, segundo o art. 389 do Código de Processo Penal, a sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim[6]. 

O termo publicação em mão do escrivão, para Nucci, “é a transformação do ato individual do juiz, sem valor jurídico, em ato processual, pois passa a ser do conhecimento geral o veredicto dado. Nos autos, será lavrado um termo, bem como há, em todo ofício, um livro específico para seu registro. Normalmente, é composto pelas cópias das decisões proferidas pelos juízes em exercício na Vara, com termo de abertura e encerramento feito pelo magistrado encarregado da corregedoria do cartório”[7]. 

Paulo José da Costa Jr., detidamente sobre as interpretações que foram dadas sobre o inciso IV do derrogado art. 117 do Código Penal, afirma que “A sentença condenatória constitui obstáculo intransponível ao fluir do prazo prescricional. Será ele interrompido, ainda que a defesa interponha recurso. No tocante ao momento da interrupção, há várias interpretações jurisprudenciais. Acórdãos concluíram que o momento é o da data da prolação da sentença condenatória. Outros arestos, ao contrário, entenderam que o marco interruptivo do lapso prescricional é o da publicação da sentença, em mãos do escrivão. Outros ainda interpretam como momento interruptivo o da entrega em cartório da sentença condenatória. Existem finalmente decisões que estabelecem o termo prescritivo, quando não constar dos autos certidão da publicação da sentença dos atos complementares, que denotem ter sido a decisão publicada. A sentença absolutória não interrompe o prazo prescricional. A sentença anulada, conforme parte da jurisprudência pátria, interrompe o lapso prescritivo. Segundo corrente contrária, a sentença anulada é como se não existisse, não interrompendo a prescrição penal. Nova dúvida jurisprudencial apresenta-se, no tocante à interrupção do prazo prescricional, por acórdão embargável, confirmatório da sentença condenatória. Algumas decisões concluem pela interrupção. Outras, em sentido oposto, pela não-interrupção do prazo prescritivo”[8] 

Admitindo a corrente majoritária, entretanto, o atual inciso IV do art. 117 do Código Penal, nada mais fez do que positivar a interpretação que foi dada à redação anterior desta causa interruptiva da prescrição: dispunha o texto derrogado que o curso da prescrição interrompia-se pela sentença condenatória recorrível; o atual inciso IV dispõe que o curso da prescrição interrompe-se pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis[9], incluindo expressamente, destarte, a referência à “publicação” e aos “acórdãos condenatórios recorríveis”, conceitos que já vinham sendo interpretados pelos tribunais.    

De todo modo, e segundo a interpretação primária adotada pelo ordenamento jurídico, cuja fonte é a lei[10] em sentido estrito ao menos para o direito penal, guiado pela Constituição, prejuízo algum causou esta reforma operada no inciso IV do art. 117 do Código Penal. 

O legislador, entretanto, poderia afastar do Código vigente a gritante desproporcionalidade entre os delitos e suas correspondentes penas privativas de liberdade, principalmente, com nítida valorização ao direito patrimonial em detrimento de outros bens jurídicos mais importantes ao interesse público, como o direito à vida, à incolumidade física, à administração pública, à administração da justiça e às finanças públicas, aproximando, com isso, a lei infraconstitucional da Constituição Federal[11]                       


NOTAS

[1] Art. 3º da Lei 11.596, de 29 de novembro de 2007.

[2] “A inércia do Estado em fazer atuar o poder-dever de punir é de ser reconhecida a partir de momentos do processo. Se o fundamento da prescrição está no desinteresse do Estado em gerar o esquecimento do fato e a inocuidade da resposta penal, o movimentar o processo penal revela interesse e atenção para com a persecução. O crime não redunda esquecido se o processo criminal tem seu andamento e o Estado está a agir para concretizar o poder-dever de punir”, esclarece Miguel Reale Júnior, in Instituições de Direito Penal, Parte Geral, vol. II, Forense, RJ, 2004, p. 202.

[3] Art. 117. O curso da prescrição interrompe-se: IV – pela sentença condenatória recorrível.

[4] Código Penal Comentado, 5ª ed., RT, SP, 2005, p. 479.

[5] Código Penal Comentado, 3ª ed., Saraiva, SP, 2005, p. 377.

[6] Art. 389. A sentença será publicada em mão do escrivão, que lavrará nos autos o respectivo termo, registrando-a em livro especialmente destinado a esse fim.

[7] Código de Processo Penal Comentado, 5ª ed., RT, SP, 2006, p. 681.

[8] Direito Penal Objetivo, Comentários Atualizados ao Código Penal e ao Código de Propriedade Industrial, 3ª ed., Forense Universitária, RJ, 2003, p. 187.

[9] Art. 1º da Lei 11.596: “Esta Lei tem por finalidade definir como causa interruptiva da prescrição a publicação da sentença ou acórdão condenatório recorrível”; o art. 2º da mesma Lei introduziu o novo inciso IV ao art. 117 do Código Penal: “pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”.

[10] Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal, segundo o art. 1º do Código Penal; não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, prevê a Constituição Federal em seu art. 5º, XXXIX, dando status de garantia fundamental – cláusula pétrea – ao princípio da legalidade e seus desdobramentos.

[11] Sem a devida i O ensino do direito no Brasilndividualização da pena, a lei ordinária e a condenação judicial nela baseada ferem o texto constitucional em seu inciso XLVI. O ponto de partida à aplicação da pena justa necessita de previsão objetiva, abstrata e impessoal condizente com os valores atuais da sociedade brasileira, característica que o Código Penal e leis especiais, em grande parte, ainda não adotaram.

 

REFERÊNCIA BIOGRAFICA

TASSUS DINAMARCO:  Advogado.  Pós-graduando em Processo Civil pela Universidade Católica de Santos/SP

 

 


Clovis Brasil Pereira
Clovis Brasil Pereirahttp://54.70.182.189
Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG – UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”.

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