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ROTEIRO PROLEGIS nº 05 – Direito das Sucessões – Parte I

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Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil Pereira – Direito Civil – Direito das Sucessões – Parte I

I.  CONCEITO

Direito das Sucessões  é o ramo do Direito Civil cujas normas regulam a transferência do patrimônio do morto ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento. A palavra sucessão significa substituir uma pessoa por outra, que vai assumir suas obrigações e adquirir seus direitos.

É formado pelo complexo de normas e princípios que disciplinam a transmissão do patrimônio de alguém que morreu a seus sucessores.

Em suma, são disposições reguladoras da transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro, no qual este insere-se na titularidade de uma relação jurídica advinda do falecido, assumindo direitos e obrigações do antigo titular.

II.  PREVISÃO LEGAL

a) Texto Constitucional:  Direito à herança – art. XXXXXXIda CF/88; Direito de propriedade e a sua função social – art. XXII e XXIII, art. 170II e III da CF/88; Princípio da dignidade da pessoa humana – art. 170II e III da CF/88; Construção de uma sociedade justa, livre e fraterna – art. I, da CF. 

b) Texto Infraconstitucional 

b.1)-  Código Civil:

O Direito das Sucessões está previsto nos artigos 1.784 a 2.027, do Livro V, da Parte Especial do Código Civil (Lei nº 10.406, de 10-01-2002), portanto, em sua última parte.

  • Arts. 1.784 a 1.828CC (Título I – Da Sucessão em geral, Capítulo I – Disposições gerais);
  • Arts. 1.829 a 1.844CC (Título II – Sucessão legítima, Capítulo I – Da Ordem da vocação hereditária);
  • Arts. 1.845 a 1.856CC (Capítulo II – Dos Herdeiros necessários).
  • Arts. 1.857 a 1.990CC (Título III – Da Sucessão Testamentária).
  • Arts. 1.991 a 2.027CC (Título IV – Do Inventário e da Partilha). 

b.2)-  Código de Processo Civil 

  • Inventário e Partilha– Os procedimentos normativos encontram-se nos artigos 610 a 667, do Código de Processo Civil. 
  • Testamento e Codicilo– art. 735 a 737CPC. 
  • Da Herança Jacente– art. 738 a 745CPC. 
  • Dos bens do ausente– art. 744/745CPC. 

III. Objeto do Direito das Sucessões

  • O Direito das Sucessões se ocupa da transmissão mortis causa.
  • No entanto, nem tudo é transmitido, com a morte. As relações personalíssimas se extinguem no ato da morte da pessoa, transmitindo-se, apenas, as relações jurídicas patrimoniais. Nesse passo, o conjunto de relações jurídicas transmitidas recebe o nome de herança.
  • O direito à sucessão aberta, nos termos do art. 80 do Código Civil, é bem imóvel para efeitos legais, sendo indivisível, ainda que composta, exclusivamente, de bens móveis e divisíveis. O legislador optou por atribuir natureza de imóveis ao direito à sucessão aberta, sobretudo, para criar maiores formalidades para a sua circulação, concedendo segurança jurídica às partes.
  • Aberta a sucessão, portanto, aplica-se o princípio de saisine, transmitindo-se, imediatamente, os bens do de cujusaos herdeiros e legatários, formando-se, assim, um condomínio forçado ou necessário, que será dissolvido por meio da sentença de partilha.
  • Contudo, nada impede que os herdeiros mantenham o condomínio após a sentença de partilha, passando a ser voluntário e não legal.
  • Deve ser levado em conta, a possibilidade de cessão de direitos hereditários, antes da partilha, mas, nesse caso, o herdeiro que deseja alienar a sua cota parte, deve, necessariamente, respeitar o direito de preferência dos demais.
  • Exceção à regra da transmissão de direitos personalíssimos é o direito autoral. Trata-se do único direito da personalidade que se transmite, pois se perfaz de uma dualidade de direitos morais e patrimoniais. Os direitos morais não se transmitem, todavia, a porção patrimonial é transmitida através de um sistema sucessório próprio, que não segue a regra do Código Civil
  • Assim, aberta a sucessão, transmite-se aos herdeiros os direitos autorais  patrimoniais pelo prazo de 70, a partir do primeiro dia do ano subsequente ao da morte do autor.   Findo esse prazo, a obra cai em domínio público.

IV. Glosário das Terminologias fundamentais para o Direito das Sucessões

É Importante conhecer o significado das expressões utilizadas no Direito das Sucessões, para entendimento do conteúdo estudado nesse ramo do Direito, das quais destacam-se:

  • Ab Intestato:alguém falece sem deixar testamento.
  • Adjudicação:ato pelo qual os herdeiros (ou legatários) incorporam ao seu patrimônio os bens que representam seu quinhão na herança. Decorre da partilha e se dá quando há mais de um herdeiro; havendo herdeiro único, basta o auto de adjudicação.
  • Alvará:autorização para se fazer ou praticar algum ato. Em inventário, pode-se requerer alvará nos próprios autos, em apenso, ou em procedimento autônomo.
  • Aquestos:bens adquiridos na constância do casamento, podendo ou não comunicar-se ao cônjuge, conforme o regime patrimonial adotado e a natureza dos bens.
  • Arrolamento Sumário: é a forma simplificada de bens inventários, abreviada de inventário-partilha, nos casos de concordância de todos os herdeiros, desde que maiores e capazes, não importando o valor dos bens. Independe do consenso entre os herdeiros.
  • Arrolamento: é a forma simplificada de inventário de bens de pequeno valor, ou seja, até o limite de 1000 (hum mil) salários-mínimos, art. 664, CPC.
  • Ascendente: pessoa de quem outra procede, em linha reta;  os ancestrais: pais, avós, bisavós; são chamados à sucessão na falta de descendentes do autor da herança.
  • Autor da herança:É o falecido. De quem a sucessão se trata.
  • Colação: ato de restituir à massa da herança os bens recebidos pelos herdeiros com antecipação em vida do de cujus, para que se obtenha igualdade nas partilhas.
  • Comoriência: é o caso de mortes simultâneas, em que não se pode verificar a ordem cronológica dos falecimentos A comoriência representa o falecimento de duas ou mais pessoas herdeiras entre si, ao mesmo tempo, sem se poder identificar quem morreu primeiro.
  • Direito de Saisine ou Princípio de Saisine: A existência da pessoa natural extingue-se com a morte, dando-se a sucessão hereditária com o falecimento do titular dos homens. Abertura a sucessão, transmitem-se, desde logo, a herança aos herdeiros legítimos e testamentários, nos termos do artigo 1.784, do CC.
  • De cujusé abreviatura da frase “de cujus sucessione”, que significa aquele de cuja sucessão (ou herança) se trata.
  • Disponível: porção livre do patrimônio de uma pessoa, que pode ser objeto de testamento.
  • Espólio: é a representação patrimonial da herança, representado pelo inventariante ou administrador provisório; patrimônio deixado por uma pessoa falecida, acervo hereditário, massa de bens por inventariar.
  • Falecidoé o autor da herança ou de cujus.
  • Herança: também conhecida como Espólio, Monte Mor, Acervo Hereditário,  Massa, Patrimônio Inventariado.  É a universalidade das relações jurídicas deixadas pelo falecido enquanto não promovida a partilha aos sucessores (ou adjudicação ao herdeiro único).  Os bens que se transferem ao sucessor em virtude da morte de alguém dá-se o nome de herança, isto é, patrimônio que se herda, acervo hereditário ou espólio.
  • Herança Jacente: Ocorre quando não há herdeiro certo e determinado, ou não se sabe da existência dele, ou quando a herança é repudiada. É um estado provisório do patrimônio inventariado, quando ignorado herdeiro que a reclame, no qual se promove a preservação dos bens acompanhada da investigação sobre a existência de outros sucessores para, na falta destes, promover-se a destinação do acervo patrimonial ao Poder Público.
  • Herança Vacante: é aquela que não foi disputada, com êxito, por qualquer herdeiro e que, juridicamente, foi proclamada de ninguém.” O pronunciamento judicial da vacância é uma sentença que encerra a herança jacente e transfere a titularidade do patrimônio do falecido ao Poder Público.
  • Herdeiro legítimo:Contemplado na ordem de vocação hereditária. Podem ser necessários ou facultativos.
  • Herdeiro testamentário:Contemplado em testamento.
  • Inventário:Processo judicial tendente a promover a divisão do patrimônio dividido entre os sucessores. Pode ser substituído por arrolamento.
  • Legado: bem, ou conjunto de bens individuados que integram a herança, e que o testador deixa em benefício de alguém; uma pessoa pode instituir em testamento herdeiros (deixando coisa indeterminada, ex.: 1/3 do patrimônio disponível) ou legatários (deixando coisa determinada; ex.: carro marca tal, placa tal etc.).
  • Legatário: aquele em cujo favor o testador dispõe de valores ou de objetos determinados, ou de certa parte deles; quem recebe, por força do testamento, valores ou objetos determinados, ou certa parte deles; aquele a quem o testador deixa uma coisa ou quantia, certa, determinada, individuada, a título de legado.
  • Legítima: parte do patrimônio de uma pessoa reservada para os descendentes, cônjuge e ascendentes, ou seja, metade que cabe aos herdeiros necessários.
  • Meação: propriedade do cônjuge, do patrimônio da sociedade conjugal (sempre condomínio); metade dos bens deixados pelo autor da herança, devida ao cônjuge supérstite (casamento no regime da comunhão) ou a companheiro, sobre os bens havidos onerosamente durante a convivência.
  • Monte Partível ou Partilhável:é o monte-mor menos a meação do cônjuge sobrevivente e as dívidas e passivos deixados pelo de cujus, ou seja, é o líquido partilhável.
  • Ordem de Vocação Hereditária:é a seqüência de pessoas ligadas ao falecido, por laços de parentesco ou familiar que, uns na falta dos outros, com exclusividade ou em conjunto quando da mesma classe, são indicados como herdeiros – art. 1.829 do CC.
  • Partilha: A partilha se constitui em complemento necessário e lógico do inventário, especialmente se há sucessores incapazes ou ausentes. É o inventário o procedimento judicial que tem por fim, em regra geral, chegar-se à partilha dos bens do falecido, com exceções, ex: arrolamento. Consiste em relacionar os bens do de cujus e descrevê-los. A partilha se constitui na complementação do inventário, quando os bens são distribuídos entre os sucessores do falecido, adjudicando-se a cada um sua cota na herança.
  • Petição de Herança: é o requerimento judicial formulado pelo interessado objetivando o reconhecimento de sua qualidade de herdeiro e a defesa dos seus direitos sucessórios.
  • Premoriência: ocorre quando há precedência da morte.
  • Quinhão hereditário ou quota-parte:  é a parcela destinada a cada um dos sucessores legítimos ou testamentários.
  • Renúncia Abdicativa: Trata-se a renúncia abdicativa do efetivo abandono de um direito em favor do monte ou dos demais herdeiros, feita de forma unilateral, o que vem a caracterizar a renúncia propriamente disposta no Código Civil.
  • Renúncia Translativa: é figura de alienação, alheia, portanto, ao campo da renúncia – Reveste-se ela dos mesmos requisitos que se exige para uma transmissão a título gratuito ou oneroso.   É aquela em que o herdeiro recebe a herança e promove a sua transferência à pessoa certa.
  • Sucessores:Aqueles que são chamados para continuar as relações jurídicas do falecido. Podem ser a título universal (herdeiro), que concorrem no todo, ou a título singular (legatário), que recebe bem certo e determinado.

V.  Conteúdo do Direito das Sucessões

O Direito das Sucessões compreende:

  • Sucessão em geral:Regras aplicáveis a todas as espécies de sucessões.
  • Legítima:Sucessão de acordo com a ordem legal de vocação hereditária.
  • Testamentária:Sucessão de acordo com a vontade do autor da herança.
  • Inventário e partilha.

 

O reflexo da violência doméstica no Estado Democrático de Direito

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*Luciana Maria de Freitas

Resumo

O objetivo deste artigo é apontar alguns aspectos em relação ao Reflexo da Violência Doméstica no Estado Democrático de Direito, com base na Lei 11.340/06, bem como as principais inovações para o enfrentamento da violência doméstica nos dias atuais.

Palavras chaves: Lei Maria da Penha. Violência contra a mulher. Inovações. Enfrentamentos.


Introdução 

Importante conhecer o motivo pelo qual a Lei n. 11.340/2006 ganhou o nome de Lei Maria da Penha, bem como a história que motivou o legislador a tomar a iniciativa de elaborar tal diploma legal.

Maria da Penha Fernandes foi vítima de violência doméstica em Fortaleza – Ceará. Durante anos sofreu com a violência praticada pelo marido, chegando a ficar paraplégica em razão das agressões. Mesmo após condutas de enorme gravidade praticadas pelo autor, que envolveram até mesmo afogamento e tentativas de eletrocutar Maria. Como o Judiciário brasileiro demorava em tomar providências para responsabilizar o autor da violência, quinze anos depois, em 1998, com a ajuda do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), ela conseguiu que seu caso fosse analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Em 2002, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro por omissão e negligência fazendo as seguintes recomendações:

  • Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável pela agressão;
  • Realizar uma investigação séria, imparcial e exaustiva para apurar as irregularidades e atrasos injustificados que não permitiram o processamento rápido e efetivo do responsável;
  • Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o agressor, medidas necessárias para que o Brasil assegure à vítima uma reparação simbólica e material pelas violações;
  • Prosseguir e intensificar o processo de reforma para evitar a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica;
  • Medidas de capacitação/sensibilização dos funcionários judiciais/policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica;
  • Simplificar os procedimentos judiciais penais;
  • O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares;
  • Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários, bem como prestar apoio ao MP na preparação de seus informes judiciais;
  • Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará;
  • Apresentar à Comissão, dentro do prazo de 60 dias – contados da transmissão do documento ao Estado, um relatório sobre o cumprimento destas recomendações para os efeitos previstos no artigo 51(1) da Convenção Americana;
  • Atendendo a recomendação nº 3, em 2006, o Estado brasileiro fez a reparação simbólica, nominando a Lei 11.340/06, que cria dispositivos para “coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres”, como “Lei Maria da Penha”, e em 2008, fez a reparação material pagando o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para Maria da Penha Maia Fernandes. Na época, Maria da Penha afirmou: “dinheiro nenhum pode pagar a dor e a humilhação das últimas duas décadas de luta por justiça”.

A Lei 11.340/06, que recebeu o nome de “Lei Maria da Penha”, foi fruto da organização do movimento feminista no Brasil que desde os anos 1970 denunciava as violências cometidas contra as mulheres (violência contra prisioneiras políticas, violência contra mulheres negras, violência doméstica, etc.) e nos anos 1980 aumentou a mobilização frente à absolvição de homens que haviam assassinado as esposas alegando “legítima defesa da honra”.

Um dos méritos da Lei Maria da Penha é a proposta do trabalho articulado entre as esferas de governo e a sociedade civil. Somente este trabalho articulado em Rede, com ampla participação cidadã, poderá propiciar não só a assistência adequada para as vítimas, como também uma reflexão por parte da sociedade sobre que tipo de relações entre homens e mulheres deseja consolidar.   A Lei Maria da Penha é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres.

E assim nasceu a Lei n. 11.340/06, a Lei Maria da Penha trouxe um olhar inovador, principalmente para a situação peculiar da vítima. O art. 1º prevê que esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Direitos Assegurados à Mulher

A Lei Maria da Penha estabelece que toda mulher tenha direito à proteção social e do Estado inclusive contra atos de violência doméstica e familiar.

Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas às oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 3° Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

  • 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
  • 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

Art. 4º Na interpretação desta Lei serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Conceito de Violência Doméstica

O artigo 5° da Lei Maria da Penha, considera violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; Note que basta a existência da chamada unidade doméstica. Independentemente de vínculo familiar, ou da pessoa estar apenas esporadicamente agregada àquela unidade doméstica, se for perpetrada ação ou omissão contra a mulher em razão de seu gênero, estará configurada uma das hipóteses de aplicação da lei em estudo.

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; É importante destacar que, ao tratar do âmbito familiar, o legislador incluiu até mesmo os indivíduos que se consideram aparentados, de modo que tanto os laços sanguíneos quanto de consideração ou afinidade também são suficientes para ensejar a aplicação da Lei n. 11.340/2006.

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único: As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Conforme o art. 6º da Lei Maria da Penha, “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”, a lei atende a inúmeros tratados assinados pelo Estado brasileiro, tais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW); a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará); e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), entre outros.

Tipos de violência doméstica

A violência doméstica não é apenas física, conheça os tipos de violência previstos no art.7° nos incisos I, II, III, IV e V da Lei n° 11.340/06.

Violência Física

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

Como por exemplo: sacudir e apertar os braços, atirar objetos, espancamento, estrangulamento ou sufocamento, lesões com objetos cortantes ou perfurantes, ferimentos causados por queimaduras ou armas de fogo e tortura.

Violência Psicológica

II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Violência Sexual

III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

Violência Patrimonial

IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Violência Moral

V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Como por exemplo: acusar a mulher de traição, emitir juízos morais sobre a conduta, fazer críticas mentirosas, expor a vida intima, rebaixar a mulher por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole, desvalorizar a mulher pelo modo de se vestir.

A Lei Maria da Penha é aplicada independentemente da orientação sexual e da identidade de gênero da mulher que sofre violência. Por isso, a Lei também protege as mulheres lésbicas, bissexuais e mulheres transexuais. Recentemente o juiz Alexandre Machado de Oliveira, do Juizado de Violência Doméstica Contra a Mulher de Arapiraca (AL), decidiu que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada em casos de agressão contra pessoas trans.   Processo n° 0700654-37. 2020.8.02.0058.

Da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar

A nova Lei 13.871/19 acrescentou outros três parágrafos ao art. 9° da Lei Maria da Penha, estabelecendo que o agressor que, ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial à mulher será obrigado a ressarcir todos os custos do SUS envolvidos com os serviços de saúde prestados para o total tratamento das vítimas em situação de violência doméstica. O dinheiro deverá ir para o fundo de saúde do ente federado responsável pelas unidades de saúde que prestarem os serviços. O agressor também será obrigado a ressarcir os gastos com dispositivos de segurança usados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar. Na tentativa de evitar que os bens da vítima sejam usados para esse pagamento, à lei especifica que o ressarcimento não poderá diminuir o patrimônio da mulher ou de seus dependentes e tampouco significa atenuar a pena.

Todavia, a Lei 13.894/19 incluiu ao §2° da Lei Maria da Penha o inciso III, que passa a estabelecer uma espécie de assistência jurídica que possibilite à vítima de violência doméstica e familiar adotar imediatamente as providências para se separar, dissolver ou anular o vínculo matrimonial ou dissolver a união estável, perante o Juízo competente.

Do atendimento pela autoridade policial:

  • A lei prevê um capítulo específico para o atendimento pela autoridade policial para os casos de violência doméstica contra a mulher.
  • À autoridade policial compete registrar o boletim de ocorrência e instaurar o inquérito policial (composto pelos depoimentos da vítima, do agressor, das testemunhas e de provas documentais e periciais) bem como remeter o inquérito policial ao Ministério Público.
  • Permite prender o agressor em flagrante sempre que houver qualquer das formas de violência doméstica contra a mulher.
  • Informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta lei e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para eventual ajuizamento perante o juízo competente de ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável.
  • Pode requerer ao juiz, em quarenta e oito horas, que sejam concedidas diversas medidas protetivas de urgência para a mulher em situação de violência.
  • Informar sobre a condição de ofendida ser pessoa com deficiência e se da violência sofrida resultou deficiência ou agravamento de deficiência preexistente.
  • Solicita ao juiz a decretação da prisão preventiva.

Em novembro de 2017, foi publicada a lei 13.505/17, que acrescentou dispositivos à lei Maria da Penha, que as vítimas de violência doméstica e familiar devem ser atendidas, preferencialmente, por policiais e peritos do sexo feminino.

A Lei 13.880/19, trouxe novas missões para o Delegado de Polícia e para o Juiz. Conforme o art.12, caput e VI-A, realizado o registro de boletim de ocorrência, o Delegado de Polícia deverá verificar se o agressor possui registro de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável em geral, é a Policia Federal, órgão responsável pelo registro de arma de fogo e pela autorização para o porte. Nos termos do Estatuto do Desarmamento

O processo judicial:

  • Outra novidade trazida pela lei em seu art. 18, IV da Lei Maria da Penha que caberá ao juiz, no prazo de 48 horas, conceder as medidas protetivas de urgência (suspensão do porte de armas do agressor, afastamento do agressor do lar, distanciamento da vítima, dentre outras), dependendo da situação.
  • O juiz do juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher terá competência para apreciar o crime e os casos que envolverem questões de família (pensão, separação, guarda de filhos etc.).
  • O Ministério Público apresentará denúncia ao juiz

O art. 16 da Lei Maria da Penha, estabeleceu forma mais rigorosa para a renúncia ao direito de representação da vítima, nos casos de crimes de Ação Pública Condicionada, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvida o Ministério Público. O STJ editou a Súmula 542: “A ação Penal relativo ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é Pública Incondicionada”.

Medidas Protetivas

  • Trata-se de uma determinação do juiz para proteger a mulher em situação de violência doméstica e familiar de serem agredidas novamente. As medidas protetivas podem ser demandadas já no atendimento policial, na delegacia, e ordenadas pelo juiz em até 48 horas, devendo ser emitidas com urgência em casos em que a mulher correr risco de morte. Assim, conforme o art. 22 da Lei Maria da Penha, o juiz poderá determinar:
  • A proibição ou restrição do uso de arma por parte do agressor.
  • O afastamento do agressor da casa.
  • A proibição do agressor de se aproximar da mulher agredida.
  • A restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores.
  • A obrigatoriedade da prestação de alimentos provisórios.
  • A restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor.
  • A proibição de venda ou aluguel de imóvel da família sem autorização judicial.
  • O depósito de valores correspondentes aos danos causados pelo agressor etc.

Por sua vez, a Lei 13.882/19 incluiu o inciso V ao art. 23 da Lei Maria da Penha, determina que a mulher em situação de violência doméstica e familiar tenha prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para essa instituição, independentemente da existência da vaga, mediante a apresentação dos documentos comprobatórios do registro da ocorrência policial (B.O) ou do processo de violência doméstica e familiar em curso.

Descumprimento de medidas protetivas

Em abril de 2018, foi sancionada a lei 13.641/18, acrescentou o art. 24-A e seus parágrafos, que tipifica o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência.

Art. 24-A Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgências previstas

Pena – detenção, 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

  • 1° A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que defere medidas
  • 2° Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder a fiança.
  • 3° O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis

Outra inovação da lei é que os agressores de mulheres serão obrigados a frequentar centros de reeducação, além de receber acompanhamento psicossocial de acordo com a Lei 13.984/2020, de modo que o juiz já poderá obrigar eventuais agressores a frequentarem esses cursos a partir da fase investigatória de cada caso verificado de violência contra a mulher. Muitos desses homens têm um histórico de violência familiar, crescer, por exemplo, vendo a violência dentro de casa, do próprio pai contra a mãe. Atitudes machistas estão impregnadas na nossa cultura. A readaptação procura atuar dentro da consciência desses homens, porque muitos têm dificuldades em lidar com suas falhas. A nova lei deixa claro que a reeducação não livrará o cumprimento da eventual pena ao final do processo, decidida contra o agressor no âmbito do processo judicial pela agressão.

Entre os diversos mecanismos que a Lei Maria da Penha trouxe para a proteção das mulheres, a tecnologia tem sido aliada na inibição dos agressores.  Em março de 2019 o Governo de São Paulo lançou o aplicativo SOS Mulheres, esta ferramenta foi desenvolvida pela Policia Militar. O aplicativo de emergência é para quem tem uma Medida Protetiva expedida pelo Poder Judiciário. As mulheres poderão apertar o botão de emergência que aparece no aplicativo para acionar a polícia militar sempre que sentirem ameaçadas. Ao apertar o botão no celular à viatura da Policia Militar mais próxima é enviada ao local de onde o sinal foi emitido. O SOS Mulheres é um APP gratuito e, para a sua utilização é preciso se cadastrar com endereço e telefone além de concordar com os termos de uso. Lembrando que, os homens podem se cadastrar desde que tenha uma Medida Protetiva estabelecida pelo judiciário.

No período de isolamento social aumentou o número de casos de violência doméstica e familiar. Pensando nisso, surgiu a Lei 14.022/2020 que trouxe medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres e de enfrentamento à violência contra a criança, adolescente, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública decorrente do COVID-19.  A nova lei inova trazendo a possibilidade da denúncia e pedidos de medidas protetiva poderão ser feitos on-line ou por telefone, e ao mesmo tempo estabelece que os órgãos de proteção devam ir até a vítima de esteja sofrendo a violência doméstica e familiar, ou seja, qualquer telefonema à Central de Atendimento à Mulher 180 ou o disque 100 que devem ser repassadas imediatamente à autoridade policial local, para que vá até onde a vítima esteja para socorrê-la. Assim o agressor é afastado imediatamente da vítima e terá esse tempo ampliado até o fim da pandemia. Também serão disponibilizadas equipes móveis para exames de corpo de delito e a possibilidade de intimar o agressor e informa-lo das medidas protetivas por meio eletrônico.

Por conta do isolamento surgiu a Campanha Sinal Vermelho foi lançada em junho de 2020. É uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça e da Associação dos Magistrados Brasileiros para combater a violência contra a mulher em todas as formas. Durante a pandemia, a violência doméstica aumentou. Se você está sofrendo agressões físicas, psicológicas, sexuais, morais ou patrimoniais e não sabe como denunciar. Após a violência, a denúncia é um dos passos mais importante. Faça um X com o batom vermelho na palma da mão, vá até uma farmácia e mostre para um atendente. A Polícia Militar será acionada imediatamente.

Considerações Finais

O presente artigo trouxe os reflexos da violência doméstica no Estado Democrático de Direito, bem como o enfrentamento da violência doméstica nos dias atuais.

Em agosto de 2020 a Lei Maria da Penha completa 14 anos é um marco histórico que deve ser lembrado pela sua importância, não só para as mulheres que sofrem violência doméstica e familiar, mas para todas as pessoas que lutam por justiça. Por isso, que o enfrentamento à violência doméstica contra a mulher deve ser combatido todos os dias e a sociedade tem um papel muito importante, pois algumas atitudes podem salvar vidas e não podemos mais tolerar aquela famosa frase que: “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

A lei em questão ainda deve seguir o seu curso evolutivo, cabendo ao Estado intensificar cada vez mais as Medidas Protetivas, para coibir a violência doméstica e familiar.

Diante de tudo que foi exposto, o fator principal é a vítima não se calar diante da violência, quando a vítima se cala, o agressor não se sente responsabilizado pelos seus atos.  Importante lembrar que a vítima não está só, pois quem sofre violência doméstica e familiar precisa conhecer seus direitos legais e obter informações sobre os locais onde pode ser atendida, as mulheres terão uma possibilidade real de romperem o ciclo de violência a que está submetida, antes que acabe em feminicídio.

Não se cale. Denuncie!

Referencias

Brasil. Lei 11.340/06, de 7 agosto de 2006.  Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso: 20 de jul. de 2020

http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Violencia_Domestica/Lei_Maria_da_Penha/vd-lmp-mais/Historia_da_lei

https://www.cnj.jus.br/lei-maria-da-penha/

https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/lei-maria-da-penha-na-integra-e-comentada.html


BIOGRAFIA

LUCIANA MARIA DE FREITAS:  Pós-graduada em Direito Penal e Processo penal, no Complexo Educacional Damásio de Jesus.

Cidadania e Meio Ambiente, à luz da Constituição Federal: uma reflexão necessária – Parte I

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*Clovis Brasil Pereira 

A proteção do meio ambiente, quer natural, quer artificial, é de fundamental importância  à sobrevivência da humanidade, e tem recebido atenção especial  nas legislações mais modernas, na maioria dos países do mundo.

No Brasil essa preocupação não é diferente e, a partir da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente ganhou  notoriedade, ao ser guindado à condição de um direito assegurado na  própria carta magna.

Prevê a Constituição em seu artigo 225 que: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.

Tal dispositivo constitucional atribui particularmente “à coletividade o direito de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Para o pleno exercício da proteção ambiental, o legislador  constituinte  criou um instrumento processual hábil para que os cidadãos brasileiros  possam  defender o meio ambiente de todas as  agressões que se repetem e se perpetuam em nosso país, deteriorando a fauna, a floresta, a água, o solo, o ar, dentre outros bens ambientais, inclusive  o meio ambiente artificial, essencial à vida humana,  notadamente nos grandes aglomerados urbanos.

Assim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inc. LXXIII,  que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, criou a ação popular ambiental, ao prescrever in verbis que:

“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”

A partir de então, se tornou indispensável repensar o conceito de cidadania,  já que, pela Constituição então vigente,  cidadão era apenas aquele que estava habilitado para o exercício do voto, na época, o maior de 18 anos e alfabetizado.

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, apenas  essas pessoas, qualificadas como cidadãos,  é que detinham a legitimidade ativa para proposição de  Ação Popular, disciplinada pela Lei nº 4.717/65.

O conceito de  cidadania no novo texto constitucional (art. 1º, inc. III), ganhou  uma nova dimensão,  mais elástico, mais abrangente, aparentemente  sem barreiras, notadamente  por ter sido colocado ao lado da dignidade da pessoa humana, e como  fundamentos   validados pelo Poder Constituinte, a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no País.

O novo cidadão idealizado  pelo Constituinte é muito diferente do conceito de cidadão trazido na Constituição de 1967, e na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, promulgadas em pleno regime de exceção, onde  a tônica era o desrespeito aos mais comezinhos direitos civis e políticos.

Para o exame da legitimidade ativa, para a nova ação popular ambiental, e para a discussão do novo conceito de cidadão encampado pela Constituição vigente,  é importante um sumário retrospecto  do conceito de cidadania ao longo da História do Brasil, desde a Proclamação da Independência Política  do Brasil, até nossos dias,  notadamente, quanto  ao tratamento  que cada Constituição deu  para o desenvolvimento da cidadania, ora assegurando, ora negando,  o exercício dos diretos civis, direitos políticos e direitos sociais aos brasileiros.

É válido supor que  o texto constitucional de 1988 reproduziu o avanço da participação popular que,  por sua vez,  acabou redundando numa melhor organização da sociedade ou, pelo menos, criou as condições favoráveis para que tal organização possa ocorrer,  como resultado da maior  consciência da importância da participação política de cada brasileiro. 


Texto extraído da Dissertação de Mestrado do Autor , “A LEGITIMIDADE ATIVA NA AÇÃO POPULAR  AMBIENTAL”, defendida em agosto de 2006, na UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos, perante a Banca Examinadora presidida pelo Professor Doutor  Celso Antonio Pacheco Fiorillo.

Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – 30 de Julho

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Clarice Maria de Jesus D´Urso  e Umberto Luiz Borges D´Urso

O artigo 14 da lei 13.344 de 2016 instituiu a data de30 de Julho como o “Dia Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas”. Trata-se de um crime que tem crescido em nosso país, mas sua investigação é difícil, uma vez que as vítimas sentem medo de denunciar seu algoz.

O tráfico de pessoas é uma forma de violação dos direitos humanos, sendo um “negócio” ilícito altamente rentável, atrás apenas das drogas e armamentos ilegais. Esse fator de risco é associado a outro: as crises econômicas, como a criada pela pandemia de COVID-19.

Entre as diversas nações que dividem responsabilidade quanto ao combate ao tráfico de seres humanos, o Brasil guarda uma triste posição como país de origem e trânsito de milhares de homens, mulheres e crianças que são traficados todos os anos. Se levarmos em conta o tráfico de pessoas em âmbito nacional, verificamos ainda a existência de um “mercado” local.

Pelo Protocolo de Palermo (2003), a ONU define tráfico de pessoas como“recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recebimento de pessoas, por meio de ameaça ou uso da força ou outras formas de coerção, de rapto, de fraude, de engano, do abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade ou de dar ou receber pagamentos ou benefícios para obter o consentimento para uma pessoa ter controle sobre outra pessoa, para o propósito de exploração”.

Em 2003, os dados das Nações Unidas sobre esse tipo de crime já eram assustadores, registravam 20 mil casos de pessoas vítimas de tráfico humano, número que subiu para 25 mil em 2016. Nos anos de 2018 e 2019, 184 brasileiros foram vítimas detráfico humano.

Somente no início do século XX foram criados dispositivos legais para combate ao tráfico humano, que era definido comocaptura de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo por bens. A Convenção de Genebra ampliou os delitos e, em 1998, o Tribunal Penal Internacional passou a incluir escravidão sexual e prostituição forçada como crimes internacionais de guerracontra humanidade.

Com a promulgação dos artigos 13 e 16 da Lei 13.344/2016,o Código Penal Brasileiro foi acrescidopelo artigo 149-A, que estabeleceu a tipificação docrime de tráfico de pessoas.A condutailícitafoi definida por oito verbos, elencados no artigo.O bem jurídico tutelado passou a ser a liberdade individual e a dignidade da pessoa humana. O sujeito ativo pode ser qualquer indivíduo, bem como o passivo, não existe nenhuma condição especial, ou pre-existente ou estabelecida.Configura-se o crime pelo dolo genérico e específico.

Vejamos como ficou a redação do artigo 149-A:

“Tráfico de Pessoas

Art. 149-A.  Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:

I – remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;

II – submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;

III – submetê-la a qualquer tipo de servidão;

IV – adoção ilegal; ou

V – exploração sexual.

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa”.

Trata-se de crime de ação penal pública incondicionada.Não é possível a aplicação da Lei 9.099/95,uma vez que não é infração de menor potencial ofensivo, nem é caso de suspensão condicional do processo. Em regra, a competência é daJustiça Estadual e o rito é o procedimento comum ordinário. Excepcionalmente, em certos crimes, como tráfico internacional de pessoas,a competência será da Justiça Federal, conforme previsto na nossa Carta Magna.

Nas situações elencadas no § 1º do artigo 149-Ado Código Penal, prevê-se aumentos de pena da ordem de um terço até a metade, se o autor for funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, se o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência, se o agente se prevalece de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função e se a vítima for retirada do território nacional, nesta situação configura tráfico internacional de pessoas ou transnacional.

A título de esclarecimento, quando o artigo fala em criança refere-se à pessoa com idade inferior a doze anos, e adolescente é a pessoa com idade entre doze e dezoito anos, conforme artigo 2º da Lei nº 8.069/90 doECA; já pessoa idosa é aquela com idade igual ou superior a 60 anos, artigo 1º da Lei nº 10.741/03 doEstatuto do Idoso, e a pessoa com deficiência é aquela que apresenta qualquer forma de limitação, podendo ser física ou mental.

O § 2º da lei prevê a possibilidade da diminuição de pena quando o agente é primário e não integra organização criminosa; a redução poderá serde um a dois terços. Nesse caso,para o agente ter sua pena reduzida, deverá preencherambas as situações.

Um dos motivos da impunidadeque cerca esse tipo de crime é que poucos países coletam e disseminam os dados. São menos de 100 países, principalmente na Ásia e África, o que dificultacondenar os traficantes.  O Brasil hoje tem uma consistentePolítica Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que prevê o uso de bancos de dados existentes na luta contra o tráfico de pessoas. O que pouca gente sabe é que esse tipo de crime pode ocorrer na casa do suspeito (20,2%), na casa da vítima (5,0%) e no local de trabalho (3,0%).

Além de ações da ONU e dos países, o combate ao tráfico de pessoas vem de todos os lados e a melhor arma é a prevenção. No Brasil, tramita o Projeto de Lei 521/20, que aumenta a pena para tráfico de pessoas em direçãoao estrangeiro. A pena atual, segundo o Código Penal, é de 4 a 8 anos de reclusão e multa. Pelo novo projeto, a pena será aumentada de um terço até a metade, no caso de o tráfico ser cometido por estrangeiro que ingresse no país, com a finalidade de praticar esse crime.

Os principais alvos desse tipo de crimecontinuam a sermulheres e meninas para exploração sexual ou trabalho forçado. Nas Américas, Europa, Leste da Ásia e Pacífico a exploração sexual prevalece, sendo elasforçadas a casamentos, criminalidade, prostituição, escravidão, produção de material pornográfico e remoção de órgãos, que são traficados no mercado do crime.

Também é necessário empreender esforços para conhecer melhor o inimigo: o último levantamento mostra,baseado em casos concretos de vítimas resgatadas,que o Brasil é uma das rotas de tráfico de pessoas, quer seja para o exterior, ou utilizando nosso país como passagem para outros ou internamente.

Destacamos também a exploração interna por grupos que cooptam jovens garotos do Pará, que terminam por prostituir-se como travestis em outros Estados, como Goiás e Tocantins. Trata-se de um submundo que não pode ter a sua realidade negligenciada.

Por fim, a ONU aponta que a diminuição da pobreza reflete na queda de vítimas potenciais dos traficantes, mas referenda que o devido aparato jurídico e estrutura investigativa e coercitiva completam o tripé que pode representar a derrocada do tráfico de seres humanos.

Os conflitos armados em várias regiões o mundo, onde não há o Estado de Direito, aumentam sensivelmente o risco do tráfico humano, especialmente na África, Oriente Médio, e Sudeste Asiático, com o fim de exploração e escravidão sexual. Crianças também são usadas no combate, em conflitos armados eno tráfico de drogas. Igualmente em áreas de deslocamento de pessoas (refugiados), os riscos de tráfico humano aumentam.

Queremos finalizar este artigo afirmando que a lei que criminaliza o tráfico de pessoas chegou em boa hora, com o objetivo de proteger a dignidade do indivíduo. Vale dizer que é inaceitável, em pleno século XXI,um ser humano ainda submeter o outro a talbarbaria.


BIOGRAFIA

Clarice Maria de Jesus D’Urso, Bacharel em Direito com Especialização “Lato Sensu” em Direito Penal e Processo Penal pela UniFMU, Mestre pela UniFMU na Sociedade da Informação, Conciliadora na área da família pela Escola Paulista da Magistratura do Estado de São Paulo, Membro da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas – ABMCJ e Conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina da Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Membro Titular do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfego de Pessoas e Irradicação ao Trabalho Escravo da Secretária de Justiça e Cidadania do Estado de São  Paulo, Coordenadora de Ação Social da OAB/SP por 2 gestões, Diretora do São Paulo Woman’s Club – Clube Paulistano de Senhoras, Membro do Comitê Estadual de Vigilância a Morte  Materna, Infantil e Fetal da Secretaria da Saúde do Estado e autora de várias Cartilhas e vários artigos. 

Umberto Luiz Borges D’Urso, Advogado Criminal, Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie, Pós Graduação “Lato Sensu” em Direito Penal pela UNI-FMU, Pós Graduação “Lato Sensu” em Processo Penal pela UNI-FMU, Pós-graduação em Direito pela Universidade de Castilla–La Mancha-Espanha, Conselheiro Efetivo Seccional e Diretor de Cultura e Eventos da OAB/SP nas gestões de 2004/2018, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo por quatro gestões, Membro do Conselho Estadual de Política Criminal e Penitenciáriada Secretária da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e autor de vários artigos.

 

 

 

 

 

EFEITOS DA PANDEMIA: Juíza suspende protestos e garante parcelamento de dívida de empresa

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Magistrada reconheceu que pandemia desencadeou redução no faturamento da empresa, prejudicando sua capacidade de honrar os compromissos.

Uma empresa do ramo de venda de combustíveis conseguiu liminar para suspender os protestos e parcelar dívidas com uma empresa fornecedora de combustíveis. A juíza Rossana Teresa Curioni Mergulhão, da 1ª vara Cível de Bauru/SP, aceitou os argumentos da empresa de que a redução de seu faturamento, em decorrência de reflexos econômicos da pandemia, prejudicou sua capacidade de honrar os compromissos com a empresa fornecedora.

A empresa alegou que a relação comercial entre ambas é antiga e que reconhece a existência da dívida. A empresa sustentou que, nos últimos anos, vinha pagando os débitos parceladamente. No entanto, recentemente, houve um entrave na relação estabelecida entre as partes.

Em razão da inadimplência, a empresa fornecedora de combustíveis encaminhou para protesto, de uma só vez, todos os títulos em aberto, provocando grande preocupação na parte devedora por causa do alto risco de quebra da empresa.

As notificações estipulavam prazo até o dia 16 de julho para a empresa efetuar o pagamento de R$ 247.964 sob pena de protesto.

A autora da ação alegou preocupação com a reputação do nome da empresa sendo que, segundo ela, não possui qualquer outro tipo de restrição em seu nome, possuindo, inclusive, elevado score empresarial.

Suspensão

Considerando a situação econômica e social excepcional e imprevisível em decorrência da pandemia do novo coronavírus, que ocasionou a suspensão de grande parte das atividades econômicas no país, notadamente a mobilidade das pessoas, o que gerou a redução do consumo de combustível, a magistrada entendeu que a atividade comercial que o autor desenvolve foi diretamente afetada.

A juíza argumentou, ainda, que os documentos presentes nos autos comprovam que o autor iniciou tratativa com o réu visando renegociar os débitos, mas não houve acordo.

Na avaliação da magistrada, ficou demonstrado que a devedora pretende quitar os débitos, mas, diante das atuais circunstâncias, não tem possibilidade de realizar o pagamento integral, se propondo a pagar parceladamente, garantindo a funcionalidade de sua empresa, com manutenção de empregos.

Diante disso, a juíza determinou, por meio da tutela de urgência, a suspensão dos protestos e deu prazo de 24 horas para a empresa devedora depositar 30% do valor devido, sob pena de revogação da liminar.

A magistrada estipulou, ainda, que o saldo remanescente deverá ser pago em até seis parcelas, se antes disso não for julgado o mérito, sendo que o primeiro depósito tem de ser feito em 30 dias.

O escritório Maia Sociedade de Advogados atua em favor da empresa autora da ação revisional.  Processo: 1014268-28.2020.8.26.0071


FONTE:  Migalhas, 23 de julho de 2020.

REVISIONAL DE ALUGUEL: Lojas conseguem redução de aluguel proporcional às fases de reabertura do comércio em shoppings paulistas

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Processos são contra shoppings da capital, São Paulo, e de Campinas.

Três lojas estabelecidas em shoppings centers do Estado de São Paulo conseguiram, por meio de liminares, a redução dos aluguéis, em razão da pandemia do coronavírus, de forma proporcional às fases de reabertura do comércio no Estado.

As lojas ingressaram com ações de revisão de aluguel contra os shoppings nos quais estão locadas destacando, em síntese, que sua atividade econômica foi profundamente prejudicada com o fechamento do comércio para enfrentamento da pandemia do coronavírus.

Pátio Higienópolis

Em São Paulo/SP, uma loja do comércio de lingeries e vestuários buscou a Justiça contra o shopping Pátio Higienópolis pleiteando a redução do aluguel e revisão do condomínio sob o argumento de que houve desequilíbrio contratual, visto que as condições de uso do imóvel durante a pandemia são diversas daquelas pactuadas. Agora, com a reabertura gradual dos estabelecimentos, a loja pleiteia o reajuste da locação de acordo com cada fase de reabertura do comércio.

O juiz de Direito Mario Chiuvite Júnior, da 22ª vara Cível do foro central de SP, concedeu a tutela requerida, determinando a suspensão da exigibilidade do aluguel mínimo para o pagamento de 6,66% do aluguel a partir de 11 de junho e demais meses, contados os trinta dias da mesma proporção. O reajuste deverá ser feito quando alcançada a fase 3 da reabertura, na proporção de 20%, e na proporção de 60% na fase 4.

Quanto aos encargos comuns, o juiz determinou o abatimento em 30% do valor atual, com a total isenção do pagamento referente ao fundo de promoção e propaganda pelo período que perdurar o fechamento do centro comercial.

“Evidente que, quando da celebração da avença contratual mencionada na exordial, a autora não tinha como prever o advento de uma pandemia dessa envergadura, a qual iria atingir em cheio sua atividade econômica, praticamente paralisando-a; é neste momento que o Estado deve atuar para fins de equilibrar as relações jurídicas em geral”, destacou o juiz.  Processo1057285-27.2020.8.26.0100

Iguatemi Campinas

Em processo semelhante, uma boutique ingressou com ação revisional de aluguel contra o shopping Iguatemi Campinas.

O juiz de Direito Guilherme Fernandes Cruz Humberto, da 9ª vara Cível de Campinas/SP, considerou que a situação em razão da grave crise epidemiológica por conta da rápida disseminação da covid-19 culminou com “evidentes e indiscutíveis reflexos na esfera financeira e econômica da sociedade como um todo”; assim, concluiu tratar-se de hipótese de caso fortuito e força maior, cuja situação se mostra imprevisível, atingindo o correto cumprimento da obrigação pela loja.

O magistrado deferiu parcialmente a tutela pleiteada para autorizar o abatimento do valor do aluguel, devendo a loja consignar em juízo o valor referente a 6,6% do aluguel, a contar de 11 de junho e demais meses, contados os 30 dias na mesma proporção, com base nos dias em que efetivamente tenha funcionado.

O juiz ainda determinou que o reajuste deverá ser feito quando alcançada a fase 3 de reabertura do comércio, quando a loja poderá permanecer aberta por mais tempo, quando então a proporção será de 20% do valor do aluguel mínimo mensal. Já na fase 4, o valor será de 60% do montante do aluguel.

Quanto ao fundo de promoção, o magistrado determinou que seja calculado sobre o valor do aluguel percentual, enquanto perdurar a suspensão das atividades comerciais, ficando mantidos os pagamentos dos valores referentes ao aluguel percentual sobre o faturamento, ao condomínio, e às demais obrigações acessórias, como contas de consumo. Processo1022069-60.2020.8.26.0114

Iguatemi São Paulo

Quanto ao processo contra o shopping Iguatemi em São Paulo, uma loja de comércio de eletrônicos e eletrodomésticos pleiteou tutela de urgência para redução de aluguéis, taxas condominiais e fundo de promoção e propaganda exigidos pelo estabelecimento, em razão da pandemia.

Ao analisar o pedido, a juíza de Direito Tamara Hochgreb Matos, da 24ª vara Cível do foro central de SP, a magistrada atendeu ao pedido da varejista. Ela observou que, no caso, o shopping informou que deu desconto aos locatários no mês de março, e isenção de aluguel nos meses de abril e maio, sendo que, em junho, ainda por liberalidade, houve redução dos alugueis e condomínio, mas, quanto à autora, não esclareceu qual teria sido exatamente o desconto aplicado.

Ao deferir a tutela, a magistrada considerou que, como a loja pode hoje funcionar por 4 horas ao dia (fase 2), ou seja, 1/3 do tempo normal, a redução de aluguel deve ser proporcional, sendo reduzido para 1/3 do valor mínimo estabelecido em contrato; quando iniciada a fase 3, o valor será de 50%, quando a loja poderá funcionar 6 horas por dia. Quanto à taxa condominial e fundo de promoção, deverão ser reduzidos em 25% do valor regular.  Processo1062148-26.2020.8.26.0100


FONTE:  Migalhas, 23 de julho de 2020.

COVID-19: Durante a pandemia, condomínio pede que a Justiça determine a saída imediata de um morador do local

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Decisão do TJPR ressalta a existência de risco de dano grave em caso de desocupação no atual cenário
Um condomínio pediu que a Justiça estadual determinasse a imediata saída de um morador que reside em um apartamento arrematado em leilão por um terceiro. Segundo informações do processo, em junho, o atual morador (parte em uma ação de cobrança de prestações condominiais atrasadas, mas já assumidas pelo arrematante da propriedade) teria ameaçado o síndico e danificado o elevador do edifício. Além disso, de acordo com o condomínio, o morador em questão não utiliza máscara de proteção ao transitar pelas áreas comuns, colocando em risco a saúde de seus vizinhos neste período de pandemia.

No dia 15 de julho, ao apreciar o pedido do condomínio, o 1º Grau de Jurisdição determinou a imediata desocupação do imóvel e a expedição do mandado de imissão na posse. A magistrada destacou a ausência de motivos para manter o prazo de saída voluntária, definido no final de junho.

Risco de dano grave

Diante da decisão, o morador recorreu ao Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e pediu a suspensão dos efeitos da determinação judicial. Entre outras alegações, ele argumentou que o condomínio não possui interesse direto no imóvel leiloado e que, portanto, não teria legitimidade para pedir sua saída compulsória.

Ao analisar o caso, o Desembargador relator (integrante da 9ª Câmara Cível do TJPR), considerando o contexto da pandemia causada pelo novo coronavírus, suspendeu os efeitos da decisão questionada até que a situação seja analisada de forma definitiva“Não parece razoável, neste momento, quando ainda transcorre o tempo previsto para desocupação voluntária, a revogação do prazo anteriormente estipulado. (…) O requisito do risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação (…) está configurado no fato de que a desocupação do imóvel teria que ser feita imediatamente, mesmo no atual cenário de pandemia em que vivemos”, ponderou o magistrado na decisão liminar.


FONTE:  TJPR,  22 de julho de 2020.

Empresa pagará salários a empregado considerado inapto após alta previdenciária

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Não foi comprovada a recusa do empregado de voltar ao trabalho.

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso da Geraldo Unimar Transportes Ltda., de Vitória (ES), contra decisão que a condenou ao pagamento dos salários de um motorista que, após receber alta da Previdência Social, foi considerado inapto para retornar a suas funções e não foi reintegrado. Segundo a Turma, a decisão está de acordo com a jurisprudência do TST sobre a matéria.

Inaptidão

O motorista narrou, na reclamação trabalhista, que ficara afastado por auxílio previdenciário por cerca de cinco anos, em razão de problemas de saúde. Após receber alta do INSS e se apresentar para trabalhar, a empresa impediu seu retorno, com a alegação de que o exame médico realizado teria atestado sua inaptidão para o trabalho. Ainda de acordo com seu relato, após várias tentativas de voltar a trabalhar, foi dispensado. Ele pedia o reconhecimento da rescisão indireta do contrato (por falta grave da empregadora) e o pagamento dos salários desde a alta previdenciária até seu afastamento, além de indenização por dano moral.

A empresa, em sua defesa, sustentou que não era responsável pela situação em que se encontrava o trabalhador. Afirmou que, após a alta, ofereceu a função de porteiro, mas ele teria alegado que, por ainda estar em tratamento e em uso de medicação controlada, estaria incapacitado para exercer qualquer função.

Comprovação

O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) condenou a empresa ao pagamento dos salários referentes ao período de afastamento até a data da rescisão indireta do contrato de trabalho e fixou a reparação por danos morais em R$ 3 mil. Segundo o TRT, a transportadora não havia comprovado a sua versão sobre a recusa do motorista de voltar ao trabalho. Com isso, presumiu que teria negado o retorno e incorrido em falta grave, devendo ser reconhecida, portanto, a rescisão indireta.

Limbo

O relator do recurso de revista da empresa, ministro Walmir Oliveira da Costa, destacou que, de acordo com a jurisprudência do TST, é do empregador a responsabilidade pelo pagamento dos salários do empregado a partir da alta previdenciária, ainda que ele seja considerado inapto pela junta médica da empresa, pois, com a cessação do benefício previdenciário, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos. Assim, o TRT, ao concluir que a empresa não poderia ter deixado o empregado em um “limbo jurídico-trabalhista-previdenciário”, decidiu em consonância com o entendimento do TST.

A decisão foi unânime.   Processo: RR-502-88.2015.5.17.0009


FONTE:  TST, 21 de julho de 2020.

Morte do inventariante não é motivo para extinguir ação de prestação de contas sem resolução de mérito

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​​​​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a morte do inventariante no curso da ação de prestação de contas de inventário não é motivo para a extinção do processo sem resolução de mérito.

O colegiado deu provimento ao recurso de dois herdeiros que ajuizaram ação de prestação de contas contra o pai de um deles – inventariante do patrimônio deixado pela mãe – alegando que deveriam ter recebido de herança o valor correspondente a R$ 196.680,12.

Em primeiro grau, o pedido foi julgado procedente. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, decretou de ofício a extinção do processo, sem resolução de mérito, devido à morte do inventariante. Para o tribunal, a ação de prestar contas é personalíssima, somente podendo prestar esclarecimentos aquele que assumiu a administração do patrimônio.

Procedimento bifási​co

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, explicou que a ação foi desnecessária e inadequada, pois, em se tratando de prestação de contas de inventário, deveria ter sido aplicada a regra do artigo 919, primeira parte, do Código de Processo Civil de 1973 (atual artigo 553caput, do CPC de 2015), segundo a qual “as contas do inventariante, do tutor, do curador, do depositário e de outro qualquer administrador serão prestadas em apenso aos autos do processo em que tiver sido nomeado”.

Para a ministra, a prestação de contas em decorrência de relação jurídica de inventariança não deve obedecer ao procedimento especial bifásico exigível para as ações autônomas de prestação de contas, nas quais a primeira fase discute a existência ou não do direito de exigir ou de prestar contas; e a segunda fase busca a efetiva prestação das contas, levando-se em consideração as receitas, as despesas e o saldo.

“Na prestação de contas decorrente da inventariança, todavia, é absolutamente despicienda a definição, que ocorre na primeira fase da ação autônoma, acerca da existência ou não do dever de prestar contas, que, na hipótese do inventário, é previamente definido pela lei”, disse.

Segundo a relatora, a atividade realizada na ação de prestação de contas antes do falecimento do inventariante não tratou de acertar a legitimidade das partes, mas sim da própria prestação de contas, mediante extensa produção de prova documental a partir da qual se concluiu que o inventariante devia aos herdeiros, na época, o valor de R$ 196.680,12.

Aspecto patrim​​onial

“Essas considerações iniciais são relevantes para afastar o fundamento do acórdão recorrido, no sentido de ser intransmissível a ação e de ser necessária a extinção do processo sem resolução de mérito, na medida em que a ratio desse entendimento está no fato de que os sucessores do falecido eventualmente poderiam não ter ciência dos atos praticados por ele na qualidade de gestor de bens e de direitos alheios”, afirmou a ministra.

De acordo com Nancy Andrighi, em situações análogas, o STJ já admitiu a possibilidade de sucessão dos herdeiros na ação autônoma de prestação de contas quando o falecimento do gestor de negócios alheios ocorre após o encerramento da atividade instrutória, momento em que a ação assume aspecto essencialmente patrimonial e não mais personalíssimo.

“Assim, há que se distinguir a relação jurídica de direito material consubstanciada na inventariança, que evidentemente se extinguiu com o falecimento do recorrido, da relação jurídica de direito processual em que se pleiteia aferir se o inventariante exerceu adequadamente seu encargo, passível de sucessão processual pelos herdeiros”, observou.

A ministra ainda destacou que o fato de a filha, recorrente, ter sido nomeada inventariante dos bens deixados pelo pai, não acarreta confusão processual entre autor e réu – como entendeu o TJSP –, na medida em que existe autonomia entre a parte recorrente e a inventariante – representante processual e administradora – do espólio do pai.  REsp 1776035


FONTE:  STJ, 20 de julho de 2020.

Plano de saúde terá de cobrir criopreservação de óvulos de paciente até o fim da quimioterapia

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​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação de uma operadora de plano de saúde a pagar procedimento de congelamento (criopreservação) dos óvulos de uma paciente fértil, até o fim de seu tratamento quimioterápico contra câncer de mama. Para o colegiado, a criopreservação, nesse caso, é parte do tratamento, pois visa preservar a capacidade reprodutiva da paciente, tendo em vista a possibilidade de falência dos ovários após a quimioterapia.

A operadora se recusou a pagar o congelamento dos óvulos sob a justificativa de que esse procedimento não seria de cobertura obrigatória, segundo a Resolução Normativa 387/2016 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nas instâncias ordinárias, o plano foi condenado a prestar integralmente a cobertura, ao argumento de que o procedimento solicitado pela paciente tem como objetivo minimizar as sequelas da quimioterapia sobre o seu sistema reprodutivo, não se confundindo com a inseminação artificial, para a qual a legislação não prevê cobertura obrigatória.

Procedimento excl​​uído

Em seu voto, o ministro relator do recurso especial, Paulo de Tarso Sanseverino, lembrou que, de fato, a inseminação artificial é procedimento excluído do rol de coberturas obrigatórias, conforme o artigo 10, inciso III, da Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde).

Ao disciplinar a abrangência das hipóteses de exclusão da cobertura obrigatória, a Resolução Normativa 387/2016 da ANS inseriu no conceito de inseminação artificial a manipulação de oócitos, o que incluiria os óvulos (oócitos em fase final de maturação). Logo, a exclusão alcançaria a criopreservação, que é o congelamento dos oócitos para manipulação e fertilização futura.

Sanseverino salientou que, aparentemente, a exclusão entraria em conflito com a norma da LPS que determina a cobertura obrigatória de procedimentos relativos ao planejamento familiar, porém rememorou que, ao enfrentar tal questão, o STJ entendeu que a norma geral sobre planejamento familiar não revogou a norma específica que excluiu de cobertura a inseminação artificial.

Efeitos colat​​erais

O relator destacou que, como anotado pelo tribunal de origem, o pedido de criopreservação contido nos autos é peculiar, pois o mais comum é que o procedimento seja pleiteado por paciente já acometida por infertilidade – hipótese que, seguramente, não está abrangida pela cobertura obrigatória.

Para o relator – também em concordância com a segunda instância –, o fato de a criopreservação ter sido pedida com a finalidade de evitar um dos efeitos adversos da quimioterapia (a falência ovariana) faz com que ele possa ser englobado no próprio tratamento, por força do artigo 35-F da Lei 9.656/1998. “O objetivo de todo tratamento médico, além de curar a doença, é não causar mal – primum, non nocere (primeiro, não prejudicar) –, conforme enuncia um dos princípios milenares da medicina”, afirmou.

À luz desse princípio e diante das particularidades do caso, disse o ministro, o artigo 35-F da Lei dos Planos de Saúde deve ser interpretado no sentido de que a obrigatoriedade de cobertura do tratamento quimioterápico abrange também a prevenção de seus efeitos colaterais.

Alinha​​mento de voto

Sanseverino declarou que estava inclinado a votar para que a operadora fosse obrigada a cobrir apenas a punção dos oócitos, deixando para a beneficiária do plano arcar com os procedimentos a partir daí, os quais – segundo seu entendimento inicial – estariam inseridos em um contexto de reprodução assistida e, portanto, fora da cobertura.

Porém, aderiu ao voto-vista da ministra Nancy Andrighi, em que a magistrada ponderou que a retirada dos oócitos do corpo da paciente seria procedimento inútil se não fosse seguido imediatamente do congelamento, sendo mais prudente condenar a operadora a custear a criopreservação dos óvulos até a alta do tratamento de quimioterapia. REsp 1.815.796-RJ


FONTE:  STJ, 22 de julho de 2020.