Home Blog Page 35

Hotel deve restituir valor integral de reservas canceladas devido à pandemia

0

A 3ª Vara Cível Central da Capital julgou procedente ação impetrada contra empresa hoteleira por não devolução de valores pagos por hospedagem cancelada devido à pandemia da Covid-19. O hotel foi condenado à restituir integralmente o montante de R$ 17.412, pago pelas reservas canceladas, com correção monetária desde a propositura da ação, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, contados da citação.

Consta dos autos que, em fevereiro de 2020, os autores fizeram reservas de hospedagem marcada para os dias 22 a 24 de maio. Em razão da pandemia do novo coronavírus, a festa de casamento que motivou a reserva foi cancelada, razão pela qual foi solicitado também o cancelamento da reserva e o reembolso dos valores pagos. O hotel não aceitou realizar cancelamento e substituiu o valor por um voucher para uso futuro. 

Em sua decisão, o juiz Christopher Alexander Roisin considerou, em relação à motivação da ação proposta pelos autores, que “não se trata de cancelamento, no sentido de denúncia ou resilição unilateral motivada do contrato, mas de impossibilidade da obrigação, rectius, da prestação de uma das partes”. Além disso, pontuou ainda o magistrado, “como a impossibilidade se deu por força maior, sem que nenhuma das partes tenha concorrido para o evento com culpa, as partes devem retornar ao estado anterior, não prestando o serviço a ré e recuperando o que pagaram os autores”. Cabe recurso da decisão.  Processo nº 1030893-50.2020.8.26.0100 

FONTE:  TJSP, 15 de agosto de 2020.

EM BUSCA DA ISONOMIA: Disparidade nos regimes de custas dificulta acesso à Justiça para os mais pobres, diz o ministro Villas Bôas Cueva

0

​”A grande disparidade nos regimes de custas, taxas e despesas processuais tem efeitos regressivos, que oneram desproporcionalmente os mais vulneráveis, dificultando o acesso à Justiça.”

A afirmação foi feita pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Villas Bôas Cueva ao falar sobre o anteprojeto de lei complementar apresentado no último dia 3 pelo Grupo de Trabalho Custas (GT), instituído pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em maio de 2019, com o objetivo de sugerir políticas judiciárias e propostas de melhoria para os regimes de custas, taxas e despesas judiciais.

Segundo o magistrado, que atuou como coordenador do GT Custas, “o anteprojeto busca estabelecer balizas gerais mais claras para a cobrança das custas, em adequado equilíbrio entre a necessidade de se preservar o acesso à Justiça e o uso racional do aparato judicial”.

No mesmo sentido, ao receber a proposta, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, ressaltou que a falta de padrões para a cobrança nas unidades federativas, com a adoção de diversos regimes – como ocorre atualmente –, gera “distorções de valores e políticas regressivas que terminam por onerar as classes mais baixas”.

Preservação da auto​​nomia

Na solenidade por videoconferência em que o anteprojeto foi apresentado, membros do GT demonstraram que é possível estabelecer uma legislação nacional sobre o tema e concomitantemente preservar a autonomia dos entes federativos, centrando-se a proposta em uniformizar os momentos e os critérios para a cobrança das custas e ficando a fixação dos valores para as leis específicas, de acordo com os parâmetros da lei geral.

“A divisão das custas em diversas etapas, por sua vez, visa proporcionar momentos de reflexão para que as partes possam avaliar se desejam prosseguir com o processo, evitando a falácia dos custos afundados ou irrecuperáveis (chamados de sunk costs, em inglês)”, salientou Villas Bôas Cueva.

Pe​​​culiaridades

Outro fator considerado pelo grupo ao elaborar a proposta foi o respeito às peculiaridades dos diversos ramos da Justiça. O anteprojeto separa em diferentes artigos o regime aplicável de acordo com a natureza do processo, além de estabelecer regras gerais para o custeio e o incentivo à conciliação e à mediação.

O conselheiro do CNJ e integrante do GT Henrique Ávila ponderou que o modelo de cobrança de custas estabelecido na proposta – ao levar em consideração as peculiaridades existentes nas relações em cada ramo da Justiça e definir os momentos e destinatários do pagamento das custas – evita que o Estado seja financiador de toda e qualquer causa, e também que, em um processo criminal, o réu pague as custas apenas ao final do processo, se for condenado.

“Não dá para tratar um processo cível, em que se discute um contrato, por exemplo, como uma causa criminal, em que a pessoa é acusada de um crime. Do mesmo jeito é a Justiça do Trabalho, que lida com questões eminentemente sociais”, declarou.

Compos​​ição

Em relação aos institutos da conciliação e mediação, o conselheiro destacou a possibilidade de descontos nas custas para aqueles que tentam conciliar antes de ajuizar a demanda. Ao se estabelecer uma divisão mais adequada das custas – acrescentou –, é possível promover “momentos de reflexão” para que as partes possam pensar se efetivamente vão seguir no litígio ou se um acordo não seria o mais apropriado.

O ministro Villas Bôas Cueva também salientou o esforço da proposta em evitar a judicialização excessiva e recordou que “o artigo 10 do anteprojeto autoriza a criação de políticas especiais de incentivo ao uso dos métodos autocompositivos de resolução de conflitos, por meio do estabelecimento de custas adicionais ou diferenciadas, sem prejuízo da possibilidade de concessão da gratuidade da Justiça”.

Audiência p​ública

O GT contou com subsídios de um diagnóstico feito pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ e de audiência pública realizada em dezembro de 2019, com o objetivo de ouvir representantes de tribunais, associações de magistrados e de advogados, da Defensoria Pública, do Ministério Público e da academia.

O diagnóstico do Departamento de Pesquisas Judiciárias apontou discrepância na sistemática e falta de clareza nos critérios para as custas entre as unidades da federação.

A respeito da audiência pública, Villas Bôas Cueva afirmou que “foi uma excelente oportunidade para compreender os anseios e as percepções dos diversos segmentos do Judiciário e dos operadores do direito em geral quanto aos melhores caminhos para a prestação jurisdicional no país, bem como para colher críticas e sugestões, que muito contribuíram para o aperfeiçoamento do anteprojeto”.

Outro membro do GT que falou sobre o encontro foi o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Cláudio Mascarenhas Brandão, o qual salientou que a audiência foi muito importante para a construção da proposta final apresentada ao presidente do CNJ, pois “qualificou o debate e trouxe para a discussão diferentes perspectivas de verificação do mesmo fenômeno. As contribuições e os diferentes pontos de vistas enriqueceram o processo”.   

GT C​ustas

A composição do grupo de trabalho foi determinada na Portaria CNJ 71/2019 e levou em consideração a diversidade de agentes públicos e privados que lidam com o tema no dia a dia dos tribunais. Por isso, fizeram parte do GT Custas representantes tanto do setor público –magistratura estadual e federal, tribunais superiores e Defensoria Pública – quanto do setor privado – advogados e demais especialistas.

FONTE:  STJ, 14 de agosto de 2020.

Para Terceira Turma, bem alienado fiduciariamente pode ser penhorado pelo próprio credor na execução

0

​Na hipótese de dívida originada de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária, caso o credor opte pelo processo de execução, é possível indicar para penhora o próprio bem alienado.

O entendimento foi reafirmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que, em execução promovida por uma cooperativa de crédito, negou o pedido de penhora de uma moto, sob o argumento de que o bem, objeto de contrato de financiamento com alienação fiduciária, já faria parte do patrimônio do credor.

De acordo com o TJSC, exatamente por se tratar de alienação fiduciária, já existe uma restrição de venda em favor da própria cooperativa, tornando-se ineficaz a penhora da moto.

No recurso especial, a cooperativa alegou que buscava a penhora do bem que serve de garantia fiduciária ao instrumento de crédito – ou seja, o próprio veículo que um dos executados entregou espontaneamente a ela como garantia do crédito que lhe foi concedido.

Garantia

Com base em precedentes do STJ, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino lembrou que a intenção do devedor, ao apresentar o bem no contrato de alienação fiduciária, não é transferir para o credor a sua propriedade plena – como nos casos de compra e venda tradicionais –, mas sim garantir o pagamento do contrato de financiamento a que ele se vincula.

Também segundo a jurisprudência do STJ – destacou o relator –, a penhora pode atingir o próprio bem dado em garantia fiduciária se o credor optar pelo processo de execução – que objetiva o cumprimento das obrigações contratuais –, em vez de ajuizar ação de busca e apreensão – cujo propósito é a resolução do contrato.

Além disso, Sanseverino ressaltou que a hipótese dos autos não envolve bem alienado fiduciariamente a terceiro, hipótese que justificaria o afastamento da penhora.

“Há posicionamento jurisprudencial no âmbito deste STJ no sentido de que, nas hipóteses de alienação fiduciária, sendo a propriedade do bem do credor fiduciário, não se pode admitir que a penhora em decorrência de crédito de terceiro recaia sobre ele, mas podem ser constritos os direitos do devedor decorrentes do contrato de alienação fiduciária”, concluiu o ministro ao reformar o acórdão do TJSC.  REsp 1766182

FONTE:  STJ, 14 de agosto de 2020.

OPORTUNIDADES PERDIDAS, REPARAÇÕES POSSÍVEIS: a teoria da perda de uma chance no STJ

0

​​Um paciente que, em vez de permanecer internado, recebe alta indevidamente e acaba morrendo. Um participante de reality show que, por erro do programa, é eliminado e deixa de concorrer ao prêmio final. Um investidor que tem suas ações vendidas antecipadamente, sem autorização, e perde a oportunidade de fazer um negócio melhor.

Em comum, essas situações envolvem a possibilidade de indenização com base na teoria da perda de uma chance. Adotada no âmbito da responsabilidade civil, essa teoria considera que quem, de forma intencional ou não, retira de outra pessoa a oportunidade de um dado benefício deve responder pelo fato.

De aplicação normalmente complexa, a teoria da perda de uma chance é continuamente analisada em diversos contextos e tem tido ampla aceitação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Probab​​​ilidade

No julgamento do REsp 1.291.247, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou que a teoria foi desenvolvida na França (la perte d’une chance) e tem aplicação quando um evento danoso acarreta para alguém a frustração da chance de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.

Segundo o ministro, o precedente mais antigo no direito francês foi um caso apreciado em 17 de julho de 1889 pela Corte de Cassação, que reconheceu o direito de uma parte a ser indenizada pela conduta negligente de um funcionário, o qual impediu que certo procedimento prosseguisse e, assim, tirou da parte a possibilidade de ganhar o processo.

A Justiça francesa entendeu que a perda da chance para a parte demandante não foi apenas um prejuízo hipotético – embora não houvesse certeza acerca da decisão que seria tomada pelo tribunal no julgamento daquele caso.

“Em função disso, a jurisprudência francesa passou a reconhecer a existência de um dano certo e específico pela perda de uma chance, determinando o arbitramento da indenização em conformidade com a maior ou menor probabilidade de sucesso”, afirmou.

De acordo com o ministro, a característica essencial da perda de uma chance é a certeza da probabilidade. “A chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível”, destacou.

Dano intermediá​​rio

Para o ministro Luis Felipe Salomão, a perda de uma chance é técnica decisória criada para superar as insuficiências da responsabilidade civil diante de lesões a interesses aleatórios.

No julgamento doREsp 1.540.153o ministro observou que a teoria não se aplica na reparação de “danos fantasiosos”, e não serve para acolher “meras expectativas”. No entender do ministro, o objetivo é reparar a chance que a vítima teria de obter uma vantagem.

“Na configuração da responsabilidade pela perda de uma chance não se vislumbrará o dano efetivo mencionado, sequer se responsabilizará o agente causador por um dano emergente, ou por eventuais lucros cessantes, mas por algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado”, explicou Salomão.

Responsabilida​​de do Estado

De acordo com o ministro Mauro Campbell Marques, a perda de uma chance implica um novo critério de mensuração do dano causado, já que o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo necessário fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo (REsp 1.308.719).

“A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização”, observou.

Segundo ele, a teoria da perda de uma chance tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também na responsabilidade civil do Estado.

“Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar determinado benefício”, explicou.

Células-tr​​onco

Para a Terceira Turma do STJ, tem direito a ser indenizada – com base na teoria da perda de uma chance – a criança que, em razão da ausência do preposto da empresa contratada por seus pais, não teve coletadas células-tronco embrionárias do seu cordão umbilical no único momento em que isso seria possível: a hora do parto.

No julgamento que tratou da possibilidade de reconhecimento de danos morais para o recém-nascido prejudicado (REsp 1.291.247), os ministros entenderam ter ficado configurada a responsabilidade civil pela perda de uma chance – o que dispensa a comprovação do dano final.

“É possível que o dano final nunca venha a se implementar, bastando que a pessoa recém-nascida seja plenamente saudável, nunca desenvolvendo qualquer doença tratável com a utilização de células-tronco retiradas do cordão umbilical. O certo, porém, é que perdeu definitivamente a chance de prevenir o tratamento dessas patologias, sendo essa chance perdida o objeto da indenização”, explicou o relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Açõe​​s

Em 2018, a Quarta Turma aplicou a teoria da perda de uma chance (REsp 1.540.153)para estabelecer a responsabilidade de um banco pelo prejuízo que um investidor teve ao ser privado de negociar suas ações por valor maior, após elas serem vendidas sem sua autorização.

Segundo o processo, o investidor contratou o banco para intermediar seus pedidos de compra e venda de ações na bolsa de valores. Porém, sem consultá-lo, o banco vendeu as ações, o que lhe trouxe prejuízo, pois o impediu de negociar os papéis em condições melhores.

O relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, explicou que o investidor, tendo em vista a venda de suas ações sem autorização, perdeu a oportunidade de negociá-las em outro momento mais vantajoso.

“É plenamente possível reconhecer, sem muito esforço, que o ilícito praticado pelo recorrente impediu a chance de obtenção de vantagem esperada pelo investidor-autor, qual seja, a venda das ações por melhor preço – chance, inclusive, referendada pelo fato próximo e concreto da valorização das ações (um dia após a venda ilícita)”, afirmou.

Para a aplicação da teoria da perda de uma chance e o consequente reconhecimento do dever de indenizar, segundo Salomão, é preciso haver nexo de causalidade entre o ato ilícito – a venda antecipada das ações – e o dano – a perda da chance de venda valorizada dos papéis.

O relator destacou que o vínculo fundamental para caracterizar a responsabilidade do banco não está entre a sua conduta e a valorização das ações. “Interessa ver a relação entre a conduta e a própria oportunidade perdida, o que independe, em absoluto, de qualquer elasticidade do conceito de nexo de causalidade”, destacou.

O ministro frisou que, na linha do que definem a doutrina e a jurisprudência do STJ, para a aplicação da teoria é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável, ou se não passaria de mera possibilidade aleatória.

Reality sh​​ow

No REsp 1.757.936, a Terceira Turma manteve decisão que condenou as empresas organizadoras do programa Amazônia – reality show, exibido pela TV Record em 2012, ao pagamento de R$ 125 mil a um participante que foi eliminado por erro na contagem de pontos na semifinal da competição.

“O tribunal de origem demonstrou que ficaram configurados os requisitos para reparação por perda de uma chance, tendo em vista a comprovação de erro na contagem de pontos na rodada semifinal da competição, o que tornou a eliminação do autor indevida, e a violação das regras da competição que asseguravam a oportunidade de disputar rodada de desempate”, afirmou o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva.

De acordo com o processo, o participante do programa terminou a fase de perguntas e respostas da semifinal em situação de empate com outro competidor, mas foi eliminado por um erro na contagem dos pontos.

Villas Bôas Cueva disse que a teoria da perda de uma chance tem por objetivo reparar o dano decorrente da lesão de uma legítima expectativa que não se concretizou porque determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos e impediu a realização do resultado final esperado pelo indivíduo.

O ministro apontou que a reparação das chances perdidas tem fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002, que estabelecem, respectivamente, uma cláusula geral de responsabilidade civil, utilizando um conceito amplo de dano, e o dever de reparar como consequência da prática de ato ilícito.

“Isso significa dizer que deve ficar demonstrado que a chance perdida é séria e real – não sendo suficiente a mera esperança ou expectativa da ocorrência do resultado, elementos inerentes à esfera de subjetividade do indivíduo – para que o dano seja indenizado”, declarou.

Lucros cessa​​ntes

Para a Terceira Turma, se uma atividade empresarial nem teve início, não é possível aferir a probabilidade de que os lucros reclamados de fato ocorreriam. Com base nesse entendimento, os ministros negaram provimento ao REsp 1.750.233, interposto poruma empresa que pedia indenização por lucros cessantes alegando que o shopping no qual alugaria uma loja não foi entregue.

Segundo os autos, a empresa pediu a rescisão contratual e lucros cessantes pelo descumprimento do contrato de locação com a sociedade responsável pela construção de um shopping em São Paulo, alegando que fez os pagamentos combinados, mas o prédio não foi inaugurado.

De acordo com a relatora, ministra Nancy Andrighi, para resolver a questão é necessário distinguir os conceitos de lucros cessantes e da perda de uma chance. Para ela, o primeiro, de acordo com o Código Civil, representa aquilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar, por efeito direto e imediato da inexecução da obrigação pelo devedor.

Já a perda de uma chance, explicou a ministra, traz em si a ideia de que deve ser indenizado o ato ilícito que priva a pessoa da oportunidade de obter uma situação futura melhor.

Em seu voto, a relatora citou precedente da Quarta Turma (REsp 1.190.180) que considerou a perda de uma chance “algo intermediário entre o dano emergente e os lucros cessantes”.

“Infere-se, pois, que nos lucros cessantes há a certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há a certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem”, esclareceu.

Erro méd​​ico

Ao verificar a aplicabilidade da teoria da perda de uma chance nos casos de erro médico, no julgamento do REsp 1.662.338, a Terceira Turma consignou, com base nos precedentes do tribunal: “A teoria da perda de uma chance pode ser utilizada como critério para a apuração de responsabilidade civil ocasionada por erro médico, na hipótese em que o erro tenha reduzido possibilidades concretas de cura do paciente”.

Todavia, ao analisar o caso da morte de uma pessoa de 21 anos, os ministros entenderam que a perda de uma chance remota ou improvável de recuperação da paciente que recebeu alta hospitalar – em vez de ficar internada – não constitui erro médico passível de compensação, sobretudo quando reconhecido pelo tribunal de segunda instância que a paciente era saudável, a conduta do médico não foi causa suficiente para sua morte, e a natureza do óbito é um dado raro e extraordinário na medicina.

No caso julgado, a jovem foi atendida no pronto-socorro em razão de um mal súbito e apresentou melhora após ser medicada. Recebeu alta e voltou para casa, mas faleceu em razão de um acidente vascular cerebral.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a apreciação do erro de diagnóstico por parte do juiz deve ser cautelosa, especialmente quando os métodos científicos são sujeitos a dúvidas, pois nesses casos não se pode falar em imperícia, imprudência ou negligência.

A partir dos fatos reconhecidos pela segunda instância, a ministra afirmou que “não é possível concluir que houve erro crasso passível de caracterizar uma frustração de chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de sobrevida da vítima”.

Acumulação d​​​e cargos

Em outro caso (REsp 1.308.719), o STJ decidiu que não se deve aplicar o critério referente à teoria da perda da chance, e sim o da efetiva extensão do dano causado (artigo 944 do Código Civil), na hipótese em que o Estado tenha sido condenado por impedir um servidor público, em razão de interpretação equivocada, de continuar a exercer de forma cumulativa dois cargos públicos regularmente acumuláveis.

O relator, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou que a teoria da perda de uma chance tem sido admitida no ordenamento jurídico brasileiro como uma das modalidades possíveis de mensuração do dano na responsabilidade civil.

Segundo o ministro, no caso analisado, foi equivocada a aplicação da teoria sob o argumento de que o recorrente perdeu a chance de continuar exercendo um cargo público em razão da interpretação errada por parte da administração pública quanto à impossibilidade de acumulação.

Para o relator, o dano material sofrido pelo recorrente não decorre da perda de uma chance, pois ele já exercia regularmente ambos os cargos de profissional de saúde. “Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal implicou efetivamente prejuízo de ordem certa e determinada”, observou.

O caso – entendeu o ministro – deveria ter sido analisado sob a perspectiva da responsabilidade objetiva do Estado, devendo ser redimensionados o dano causado e a extensão da sua reparação.  REsp 1291247, REsp,1540153REsp,  1308719, REsp,  1757936REsp 1750233REsp 1190180, REsp 1662338.

FONTE:  STJ, 09 de agosto de 2020.

ROTEIRO PROLEGIS nº 12: Ação de Exigir Contas

0

Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil Pereira – Processo Civil

1. Previsão legal:  arts. 550/553, CPC

2. Cabimento

  • A ação cabe a quem teve seus bens ou negócios administrados ou geridos por terceiros, e pretende que ele preste as contas de sua gestão.
  • A Prestação de Contas consiste na apresentação de forma detalhada de todos os itens de crédito e débito que resultam da administração de negócios alheios, apurando-se se há ou não saldo devedor ou credor.

Exemplos práticos: Tem obrigação de prestar contas:

  • Tutor ou Curador em face do Tutelado ou Curatelado (CC, arts.1.755 e 1774);
  • Inventariante e Testamenteiro em ralação aos herdeiros do Espólio (CC, arts. 2020 e 1.980).
  • Mandatário em relação ao Mandante (CC, art. 668);
  • A Sociedade Comercial em face dos sócios que não participam da administração;
  • As Instituições Financeiras em face dos correntistas, pela movimentação das contas. Súmula 259, STJ: “A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular da conta corrente bancária”.
  • Administração do Condomínio em face do Síndico;
  • Síndico em face dos Condôminos;
  • Administrador de Imóveis em face do locador;
  • Advogado em face dos clientes, quando houver recebimento de valores.

3. Legitimidade Ativa

  • Cabe  quem tem interesse para exigir contas;

4. Legitimidade Passiva

  • Deve responder ação a parte que tem obrigação de prestar contas.
  •  A Prestação de Contas por quem tem a obrigação de prestá-las, pelo CPC vigente deve ser feita através de ação de procedimento comum.
  •  No CPC de 1973 (revogado) era possível pelo rito especial uma vez que previa a ação para quem tinha o direito de recebê-las ou de prestá-las.

5. Prova cabível

  • Preponderantemente a prova documental (livros  contábeis, notas fiscais, recibos e demais que comprovem pagamentos e recebimentos de valores.

6. Procedimento da ação

  • Pedido inicial: o autor requererá a citação do réu, para no prazo de 15 dias, prestar as contas ou contestar a ação (art. 550, CPC);
  • Se o réu apresentar as contas quando citado, a ação terá apenas uma fase; se o réu contestar a obrigação de prestar contas, a ação terá duas fases, sendo a primeira decidida por decisão interlocutória, e a segunda, por sentença.

7. Hipóteses após a citação do réu

  • 1ª) RÉU presta as contas: o AUTOR terá 15 dias para se manifestar,  aceitando ou impugnando as mesmas – Sentença de imediato ou após a produção de provas – Art. 550, § 2º.
  • 2ª) RÉU não apresenta as contas e não contesta: será REVEL. Juiz pode proceder o julgamento antecipado da lide (art. 355, CPC). Nesse caso, sendo procedente a ação, o réu terá que apresentá-las em 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnaras que o autor apresentar – Art. 550, § 5º.
  • 3ª) Se o RÉU apresentar as contas no prazo de 15 dias seguir-se-á o procedimento do § 2º.
  • 4º) Se o RÉU não apresentar as contas no prazo de 15 dias: caberá ao autor apresentá-las no igual prazo (15 dias), podendo o juiz determinar a realização de pericia, se necessário – Art. 550, § 6º.

8. Apresentação das Contas

  • Na forma adequada especificando as receitas, as despesas, os investimentos se houver, bem como o respectivo saldo – Art. 551, CPC.

9. Cumprimento da Sentença

  • Sendo apurado saldo CREDOR ou DEVEDOR em favor do autor ou do réu, este se constituirá em TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL (Art. 552), podendo se iniciar a fase do CUMPRIMENTO DE SENTENÇA– Art. 523 e segs. do CPC.

ROTEIRO PROLEGIS nº 11: Embargos à Execução

0

 

Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil Pereira – Processo Civil

1.  A defesa do executado (art. 914, CPC):

  • pode ser feita através de EMBARGOS À EXECUÇÃO (art. 914, CPC), que podem ser opostos independentemente de penhora, depósito ou caução.

2.  Procedimento dos Embargos

  • Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais relevantes, que poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal (art. 914, § 1º).
  • Na execução por carta, os embargos serão oferecidos no juízo deprecante ou no juízo deprecado, mas a competência para julgá-los é do juízo deprecante, salvo se versarem unicamente sobre vícios ou defeitos da penhora, da avaliação ou da alienação dos bens efetuadas no juízo deprecado (§ 2º).

3. Prazo para oferecimento de embargos – art. 915

  • Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias  – Vide forma da contagem do prazo no art. 231, CPC.
  • Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada do respectivo comprovante da citação, salvo no caso de cônjuges ou de companheiros, quando será contado a partir da juntada do último (§ 1º).

4. Possibilidade de pagamento parcelado do débito – art. 916

  • No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.
  • O não pagamento de qualquer das prestações acarretará cumulativamente:
  • I – o vencimento das prestações subsequentes e o prosseguimento do processo, com o imediato reinício dos atos executivos;
  • II – a imposição ao executado de multa de dez por cento sobre o valor das prestações não pagas.
  • A opção pelo parcelamento de que trata este artigo importa renúncia ao direito de opor embargos (§ 6º, art. 916)
  • O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença (§ 7º, art. 916).

5. Matéria de defesa do executado

  • Nos embargos à execução, o executado poderá alegar (art. 917):
  • I – inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
  • II – penhora incorreta ou avaliação errônea;
  • III – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;
  • IV – retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de execução para entrega de coisa certa;
  • V – incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução;
  • ·         VI – qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.

A incorreção da penhora ou da avaliação poderá ser impugnada por simples petição, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da ciência do ato (§ 1º).

6. Rejeição liminar dos embargos – art. 918:

  • O juiz rejeitará liminarmente os embargos:
  • I – quando intempestivos;
  • II – nos casos de indeferimento da petição inicial e de improcedência liminar do pedido;
  • III – manifestamente protelatórios.
  • Considera-se conduta atentatória à dignidade da justiça o oferecimento de embargos manifestamente protelatórios – (parágrafo único).

7. Efeito atribuído aos embargos – (art. 919)

  • Os embargos à execução não terão efeito suspensivo.
  • ·         Exceção – O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes (§ 1º).

8. Recebimento dos Embargos – art. 920

  • Recebidos os embargos:
  • ü  I – o exequente será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias;
  • ü  II – a seguir, o juiz julgará imediatamente o pedido ou designará audiência;
  • ü  III – encerrada a instrução, o juiz proferirá sentença.

9. Julgamento dos Embargos

Encerrada e instrução processual, ou mesmo com o julgamento antecipado dos embargos, o Juiz procede ao julgamento dos embargos do devedor, dando procedência total, e consequentemente, extinguindo a execução;  dando procedência parcial, quando a sentença acolhe um dos pleitos do devedor/embargante, como exemplo, o excesso de execução; ou julgando improcedente os embargos, quando as alegações do devedor não  são acolhidas.

Proferida a sentença, as partes sucumbentes podem interpor recurso de apelação – arts. 1.009/1.014, CPC).


ROTEIRO PROLEGIS nº 10: Os Princípios do Direito Ambiental

0

Anotações de aula do Prof. Clovis Brasil Pereira – Direito Ambiental

1.  Os princípios ambientais e sua importância

Como um ramo autônomo do direito, o Direito Ambiental se constitui em espécie de direito coletivo em sentido amplo e em espécie de direito difuso, sendo, portanto, alicerçado em princípios que o diferenciam dos demais ramos do direito.

Na lição  de Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.”[1]

Os princípios que visam à proteção ambiental podem ser vistos em dois patamares: os que visam, de forma genérica, à proteção ambiental de forma  global, e os que visam à proteção ambiental, ao nível  nacional, adaptados à nossa realidade.   

Na proteção global do meio ambiente, princípios genéricos  foram formulados na Conferência de Estocolmo de 1972 e, posteriormente, foram reexaminados por ocasião da ECO-92. 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, muitos dos princípios de política global do meio ambiente foram incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, considerando a nossa realidade social, cultural e econômica.

É de se observar que a Lei 6.938/81 já estava fundamentada em vários princípios do Direito Ambiental, por influência da Conferência de Estocolmo, tendo sido  todos, ao final, recepcionados pelo novo texto constitucional.

Serão abordados a seguir, alguns dos princípios do Direito Ambiental, reputados como importantes,  encontrados na Constituição Federal de 1988, no direito internacional e na legislação ambiental, de uma forma geral.

2.  Princípio do Direito Humano Fundamental

Constitui-se este num dos mais importantes princípios do Direito Ambiental, visto que estabelece  ser  o direito ao meio ambiente  um direito humano fundamental, sem o qual não há que se falar em garantia da dignidade humana.

Tal princípio encontra fundamentação no artigo 225, caput, da Constituição Federal:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para  as presentes e futuras gerações.”   

Esse direito humano fundamental, reconhecido pela Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente humano, de 1972, em seu primeiro princípio reza:

ireito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de  proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação social, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.” 

Tal princípio foi reafirmado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, como primeiro princípio:

“Os seres humanos devem estar no centro das preocupações, no que diz respeito ao desenvolvimento sustentado. Todos têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza.”  

Para Antonio A. Cançado:

“[…] O caráter fundamental do direito à vida torna inadequados enfoques restritos do mesmo em nossos dias; sob o direito à vida, em seu sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas além disso encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e a todos os povos. Neste propósito, têm os Estados a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida.”[2]

3. Princípio da supremacia do interesse público na proteção do Meio Ambiente 

Este princípio decorre da norma legal que considera indispensável a proteção do meio ambiente para o uso de todos (art. 225, caput, CF), ou, nas palavras de José Afonso da Silva, para “fruição humana coletiva”.[3] 

Trata-se de um princípio geral do direito moderno, que estabelece ser o interesse na proteção do meio ambiente de natureza pública,  uma vez que os interesses da coletividade são superiores aos interesses particulares, e sobre eles devem prevalecer.

A Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, considera o meio ambiente como patrimônio público, conforme o artigo 2º, inciso I: “[…] considerando o meio ambiente como patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo…”.

Da mesma forma, a Constituição Federal, em seu artigo 225, se refere ao meio ambiente como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, atribuindo ao Poder Público e à coletividade a responsabilidade pela sua proteção.

4.  Princípio da Indisponibilidade do Meio Ambiente

Da redação do artigo 225, da Constituição Federal, infere-se que, sendo o meio ambiente um bem de uso comum do povo, este pertence à sociedade, não podendo ser qualificado com um bem que integra o patrimônio do Estado, sendo este responsável apenas pela sua guarda e preservação. Para o Poder Público, e também para os particulares, o meio ambiente é sempre indisponível.

Sendo assim,  cabe ao Poder Público o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, ou seja, deve transmitir o chamado patrimônio ambiental às próximas gerações, o que assegura a impossibilidade de dispor dele.

5. Princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do Meio Ambiente

Este princípio está fundado no Princípio 17, da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, que tem a seguinte redação:

“Deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente.”

Está contido também no artigo 225, caput, da CF: “[…] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Segundo Álvaro Luiz Valery Mirra trata-se de expresso

“[…] dever do Poder Público de atuar na defesa do meio ambiente, no âmbito administrativo, legislativo e jurisdicional, cabendo ao Estado adotar as políticas e os programas de ação necessários para cumprir este dever imposto.”[4]

A ação dos órgãos públicos se viabiliza através do exercício do seu poder de polícia, que lhe assegura a possibilidade de limitar o exercício dos direitos individuais, em benefício do bem-estar da sociedade, assim como da autorização para estabelecer ajustamentos de conduta que visem interromper as atividades nocívas ao meio ambiente tutelado, conforme se deflui do artigo 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85:

“Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.” 

A Carta Magna, artigo 225, § 1º, inciso V, estabelece, a respeito de dever do Estado,  atribuições para: 

“Controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,  métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.”

Sendo um dever do Estado, a defesa do meio ambiente, para suprir as necessidades vitais da sociedade, sua omissão possibilita que se exija, pela via judicial, que o Poder Público exerça de forma efetiva as competências que lhe foram outorgadas pela Constituição Federal. 

Para José Cretella Júnior:

“[…] os órgãos das pessoas jurídicas públicas em determinadas condições têm o poder-dever de tomar providências, editando atos, sempre que estejam em jogo interesses públicos ou direitos subjetivos públicos dos  administrados.”[5]

Observa-se que, mesmo sendo obrigatória a intervenção do Estado, esta não é exclusiva, pois não cabe ao Estado o monopólio na manutenção e preservação da qualidade ambiental.  Esta pode ser fiscalizada também pela sociedade, a quem cabe a preservação do patrimônio ambiental. 

6.  Princípio da participação 

Este princípio está  previsto no 10º princípio da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, e estabelece que:

“As questões ambientais são tratadas de forma mais adequada quando envolvem a participação de todos os cidadãos interessados no nível adequado. No âmbito nacional, cada habitante deve ter acesso às informações que digam respeito ao meio ambiente e  exigir que sejam de conhecimento das autoridades públicas, inclusive as que digam respeito a material tóxico e perigoso, e atividades relacionadas a serem realizadas em suas comunidades, e a oportunidade de participar da população através da mais ampla divulgação de informação.”

No Brasil, este princípio fundamenta-se na Constituição Federal,  artigo 1º, § único, que  diz: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

O artigo 5º, XXIII da Carta Magna, que garante o direito à informação e à participação popular, estabelece:

“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja indispensável à segurança da sociedade e do estado.”

Por este princípio, é garantido ao cidadão o direito de participação na elaboração das políticas públicas ambientais, podendo ocorrer de diversas maneiras, tais como: pelo dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente para as futuras gerações (art. 225, caput, CF), ou pela participação em audiências públicas, órgãos colegiados e plebiscitos, onde os cidadãos possam opinar sobre essas políticas públicas. 

Outra participação da sociedade pode ser alcançada  por meio do Poder judiciário, através de mecanismos judiciais ou administrativos, com destaque para a ação popular ambiental e ação civil pública. 

Por fim, como afirmação da participação popular, podem ser promovidas iniciativas legislativas, com fundamento no artigo 61, § 2º,  da Constituição Federal, que assim prescreve: 

“Art. 61.  A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, […] e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

[…]

§ 2º.  A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.”

Para  Paulo da  Bessa Antunes:

“A concretização deste princípio se dá através de diversos instrumentos processuais e procedimentos que são: as iniciativas legislativas, as medidas judiciais e as medidas  administrativas.”[6]

Dentre as medidas judiciais, além da Ação Civil Pública (artigo 129, inciso III, CF; Lei 7.347/85, artigo 5º), tem-se a Ação Popular Ambiental, que é o objeto do presente trabalho, e amparada no artigo 5º, inciso LXXIII, na Constituição Federal, que estabelece: 

“Qualquer cidadão  é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”

Os recursos administrativos, colocados ao alcance dos cidadãos, propiciam a conciliação e a correção do ato administrativo ambiental, evitando o ajuizamento de ação judicial. Como exemplos de recursos administrativos, destacam-se o estudo prévio de impacto ambiental (artigo 225, § 1º, inc. IV, CF), o direito de petição (artigo 5º, inc. XXXIV, alínea “a”, CF) e o direito à informação (artigo 5º, inc. XXIII, CF).

A informação ambiental é um dos principais instrumentos de educação e de conscientização da população para a importância do meio ambiente. O Poder Público tem  expressa autorização para propiciar essa educação, conforme preceito Constitucional contido no art. 225, § 1º, inc. VI: “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.”

No mesmo sentido, é a previsão infraconstitucional, contida no artigo 2º, inc. X, da Lei 6.938/81:

“[…] educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.” 

Antonio Silveira Ribeiro dos Santos, define a educação ambiental  como:

“[…] o processo educacional de estudos e aprendizagem dos problemas ambientais e suas interligações com o homem, na busca de soluções que visem a preservação do meio ambiente como um todo.”[7]

A Lei nº 9.795/99, dezoito anos depois, dispôs especificamente sobre a educação ambiental e instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, estabelecendo em seu  artigo 1º:

“Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente,  bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e sua  sustentabilidade.”

O princípio da informação e participação popular é, assim,   de suma importância para a formação e o exercício da cidadania, pois propicia a formação de opinião e conscientização da sociedade, e de sua responsabilidade, ao lado do Estado, para  construção e preservação de um meio ambiente sadio para as presentes e as futuras gerações.

7.   Princípio do desenvolvimento sustentável 

Este princípio reflete a orientação consagrada na Declaração da Conferência Mundial do Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, e reeditada nas demais conferências sobre o meio ambiente, em especial na ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, a qual repetiu a expressão  em onze de seus vinte e sete princípios. 

Tal princípio está contido no artigo 225, da Constituição de 1988:

 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, […] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

 Também tem previsão na Lei 6.938/81, que dispõe sobre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente:

“Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

I – à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;

(…)

VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida.” 

Os recursos naturais não são inesgotáveis e, por essa razão, deve haver uma política de proteção e equacionamento da utilização desses recursos, notadamente para as futuras gerações poderem também  utilizá-los, já que são essenciais para a preservação da própria vida. 

Na lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo,deve haver a“coexistência harmônica entre a economia e o meio ambiente” [8]. 

José Afonso da Silvavisualiza nesse princípio“a correlação de dois direitos fundamentais do homem: o direito do desenvolvimento e o direito a uma vida saudável” [9].

Segundo expõem Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Adriana Diaféria: 

“[…] o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição.”[10] 

Os cuidados para que o crescimento sustentável se efetive, sem prejuízo da atividade econômica e da qualidade de vida da população, passou a ser uma preocupação do legislador, com o fim de  harmonizar o crescimento da atividade econômica, com a preservação dos bens ambientais.

No Brasil, esse conceito, introduzido pela Lei nº 6.803/80,  dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e  estabelece em seu primeiro artigo que:

“[…] nas áreas críticas de poluição […], as zonas destinadas à instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano, aprovado por lei, que compatibilize as atividades industriais  com a proteção ambiental.”

A  Lei nº 6.938/81, estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, e em seu artigo 2º dispõe sobre seus objetivos, quais sejam:

“a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento  sócio-econômico.”    

Com o advento da Carta Constitucional de 1988, a proteção do meio ambiente ganhou uma nova dimensão, já que sua degradação trazia como conseqüência um declínio na capacidade econômica do país, com a decorrência da  diminuição da qualidade de vida das pessoas. 

Assim dispõe o artigo 170, da Carta Magna, ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

Em razão da nova visão constitucional, a livre iniciativa passou a ser entendida de forma mais restrita, pois referida liberdade econômica deve estar voltada para a busca de um equilíbrio entre a capacidade econômica e a preservação do bem ambiental, ensejando o desenvolvimento sustentável, harmonizando-se a interpretação de tais princípios, em prol da melhor qualidade de vida das pessoas.

Na visão de Celso Antonio Pacheco Fiorillo: 

“[…] a idéia principal é assegurar existência digna, através de uma vida com qualidade. Com isso, o princípio não objetiva impedir o desenvolvimento econômico. Sabemos que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar de forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto. O correto é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes adequados para a menor degradação possível.”[11]

8.   Princípio do Poluidor-Pagador

Este princípio está contido no artigo 225, § 3º da Constituição Federal, que estabelece:

“§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de obrigação de reparar os danos causados.”

Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo:  

“[…] este princípio reclama atenção. Não traz como indicativo ‘pagar para poder poluir’, ‘poluir mediante pagamento’ ou ‘pagar para evitar a contaminação.”[12]

O princípio encerra duas órbitas de atuação: uma, de caráter preventivo, ao impor ao poluidor o dever de custear as despesas oriundas da prevenção dos danos ao meio ambiente que a atividade possa ocasionar, utilizando os meios adequados à prevenção dos danos; outra, de caráter repressivo, ao obrigar o poluidor a reparar os danos produzidos ao meio ambiente.

Este princípio, definido pela Comunidade Econômica Européia,  preceitua: 

“As pessoas naturais ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou pelo direito privado, devem pagar os custos das medidas que sejam necessárias para eliminar a contaminação ou para reduzi-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas equivalentes que asseguram a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo Poder Público competente.”[13] 

Tem igual apoio na ECO-92, no princípio 16, que prescreve: 

“As autoridades nacionais devem se esforçar para garantir a internacionalização dos custos da proteção ambiental e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta que o poluidor deve, em princípio, arcar com os custos da poluição provocada, e com observância dos interesses públicos, sem perturbar o comércio e os investimentos internacionais.”  

Para  Edis Milaré,  o princípio do poluidor pagador:

“Se inspira na  teoria econômica de que os custos sociais e externos que acompanham o processo produtivo devem ser internacionalizados, vale dizer que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos da produção e, conseqüentemente assumi-los.”[14]

Na ótica de Paulo da Bessa Antunes:

“[…] não se pode admitir que a sociedade, em conjunto, sustente o ônus financeiro e ambiental de atividades que, fundamentalmente, irão significar um retorno econômico individualizado.”[15] 

Na prática, a ação de caráter preventivo é muito branda, não existindo por parte do Poder Público, de uma forma geral,  a necessária vigilância para obstar as ações que venham redundar em dano ambiental.  

Existe, por outro lado, a possibilidade de responsabilizar os causadores de danos ambientais, em três esferas de responsabilidade, tais como a civil, a administrativa e a penal, pois são autônomas e independentes  entre si. 

O artigo 14, § 1º, da lei 6.938/81, prevê a independência entre a responsabilidade civil e a administrativa, com a possibilidade de ambas, ao prescrever que:

“[…] sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade […]”.

A independência da responsabilidade criminal,  está prevista no texto constitucional, artigo 225, § 3º,  que diz:

“§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” 

No mesmo passo, é a previsão contida no artigo 935 do Código Civil Brasileiro: 

“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” 

No âmbito civil, a responsabilidade do agente poluidor se sujeita a duas regras de grande importância, e que mostram a amplitude da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e o rigor  na sua reparação.

Assim, a responsabilidade do poluidor pelos prejuízos causados é a responsabilidade objetiva, bastando, para se configurar a responsabilidade do poluidor, o estabelecimento do nexo  de causalidade entre a sua conduta e o dano ambiental ocorrido, dispensando qualquer investigação a respeito de sua intenção em provocar o dano (dolo), ou de ter agido movido por imprudência, negligência ou imperícia (culpa).

A responsabilidade objetiva deflui da previsão contida no artigo 14, § 1, da Lei n 6.938/81, cuja norma foi integralmente recepcionada pela Constituição Federal de 1988. 

A segunda regra trata da reparação integral do prejuízo causado e tem por objetivo a recomposição do meio ambiente no estado em que se encontrava antes da ocorrência do dano, podendo tal reparação se dar de duas maneiras: a reparação natural, quando possível, com o retorno ao statu quo anterior; quando isso não for possível, a reparação poderá ser exigida em dinheiro.

Destaque-se a possibilidade da responsabilização, no âmbito penal, da pessoa jurídica causadora do dano ambiental, consoante a regra constitucional contida no artigo 225, § 3º. 

Ressalte-se, ainda, que tanto o Poder Público quanto a coletividade são solidários na reparação do dano, sendo portanto legitimados passivos, a teor do que dispõe o artigo 225 da Constituição Federal.

Tal responsabilidade passiva é solidária, com amparo também no Código Civil, artigo 1.518, caput, segunda parte. Da mesma forma, disciplina a Lei nº 6.938/81, ao atribuir a obrigação de indenizar o ano ambiental  àqueles que, com a sua atividade, causaram dano. 

9.  Princípio da Prevenção 

A Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Esse dever de conservação, imposto constitucionalmente, decorre do princípio da prevenção.

Observe-se que os danos causados ao meio ambiente  são muito difíceis de serem reparados e esta reparação, quando possível, é feita a um custo muito elevado, ganhando importância a atuação preventiva para evitar  o dano aos bens ambientais.

A ECO-92 adotou o princípio da prevenção, em seu princípio nº 15, que diz: 

“A fim de proteger o meio ambiente, a abordagem preventiva deve ser amplamente aplicada pelos estados, na medida de suas capacidades. Onde houver ameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de conhecimento científico não serve para retardar medidas adequadas para evitar a degradação ambiental.”

Para Álvaro Luiz Valery Mirra: 

“[…] De acordo com este princípio sempre que houver perigo de ocorrência de um dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente, sobretudo em função dos custos dessas medidas.”[16] 

Assim, fiel a esse princípio, se existirem dúvidas no meio científico sobre a extensão e a qualidade dos  danos que determinada atividade possa causar ao meio ambiente, esta, em caráter preventivo, deve ser evitada ou controlada de forma rigorosa, pois os danos poderão ser de tal vulto, no presente ou futuro, que se tornem irreversíveis e irreparáveis ao meio ambiente, colocando em risco, inclusive, a qualidade de vida das pessoas. 

Destacando a importância da consciência ecológica, como meio de prevenção do dano ambiental, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, enumera alguns instrumentos  próprios para aplicação do princípio da prevenção, a saber: “[…] o estudo prévio de impacto ambiental (EIA/RIMA), o manejo ecológico, o tombamento, as liminares, as sanções administrativas, etc.”[17] 

Paulo Affonso Leme Machado, por sua vez, divide em cinco itens a aplicação desse princípio: 

“1º – identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle de poluição;  2º – identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 3º – planejamentos ambientais e econômicos integrados; 4º – ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com sua aptidão; e 5º –  Estudo de Impacto Ambiental.”[18]

Esse  princípio não visa inviabilizar a atividade econômica, essencial à promoção do bem-estar das pessoas, com a geração de riquezas, mas, sim, excluir do mercado o poluidor que não possui consciência dos malefícios que a atividade poluidora causa ao meio ambiente,  comprometendo a qualidade  de vida das gerações presentes e futuras.  

Um exemplo prático da aplicação do princípio da prevenção, no direito pátrio, se verifica com o estabelecimento do rodízio de veículos, na cidade de São Paulo. Sua adoção, em que pese os transtornos causados às pessoas que se vêm privadas de um direito individual – circularem com seus veículos, em determinado dia da semana – constitui-se em medida de natureza preventiva, com objetivo de  amenizar os efeitos da poluição ambiental, e os danos causados coletivamente à saúde das pessoas.   

10.  Princípio da ubiqüidade 

O objeto da proteção do meio ambiente se coloca onipresente em todos os assuntos que envolvem a proteção e a preservação da qualidade do bem ambiental.

O princípio da ubiqüidade corresponde a essa onipresença, que deve ser levada em consideração quando da elaboração de normas, adoção de políticas públicas, legislação sobre temas que envolvam a qualidade de vida e a dignidade humana, e que devem, preliminarmente, passar por uma averiguação, para se investigar se tais atuações podem ou não comprometer o meio ambiente. 

Esse princípio coloca os direitos humanos no epicentro de todo o sistema normativo, e quaisquer disposições devem ser analisadas à luz do direito ambiental, pois sem meio ambiente equilibrado, em tese, não há vida, não há dignidade humana.

Celso Antonio Fiorillo Pacheco e Marcelo Abelha Rodrigues assim elucidam a respeito do princípio da ubiqüidade:

“Este princípio vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração sempre que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra, etc., tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a vida e qualidade de vida, tudo que se pretende fazer, criar ou desenvolver, deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para se saber se há ou não possibilidade de que o meio ambiente seja degradado. Tomemos como exemplo uma publicidade, exercício do direito de informar, previsto no artigo 220, caput da CF. Este direito encontra sérias limitações, previstas no seu parágrafo primeiro, que, como já foi mencionado, são de índole  e raiz ambiental, porque os elementos limitadores são vinculados a aspectos de qualidade de vida, etc.  Pense agora no consumo. Toda atividade de consumo deve direcionar-se à utilização de tecnologias limpas, para que não haja incidência cada vez maior da produção de resíduos, aplicando-se, portanto o princípio da prevenção dos danos ambientais. Pense na atividade econômica: segundo o artigo 170, VI da CF, esta deverá sempre se pautar em princípios de proteção do meio ambiente; pense no princípio fundamental da República (art. 1º, III da CF) onde se preserva a ‘dignidade humana’ e faça o preenchimento dessa expressão. Veja se não é preenchido com a qualidade de vida e o exercício pleno de todos os valores sociais, que são, repetindo, o substrato do direito a um meio ambiente sadio e equilibrado. Pense no direito de propriedade e lembre-se que este deve atender a sua função social. Pense na função social das cidades e perceba que, também aqui, o que prevalece é a proteção de valores ambientais. […] Por tudo isso, é que poderíamos, grosso modo, dizer que o princípio da ubiqüidade do meio ambiente nasce da umbilical ligação que esse direito e seus valores possuem com todas as áreas de atuação e desenvolvimento dos seres.”[19] 

O princípio da ubiqüidade trata da perfeita interação e inter-relacionamento do direito ambiental com  todas as demais áreas de atuação e desenvolvimento das pessoas. Conseqüentemente, tudo o que diz respeito à qualidade de vida e à dignidade humana está ligado ao meio ambiente, em toda a sua extensão, seja ele natural, artificial, cultural ou do trabalho. 



NOTAS

[1] Apud Rui Carvalho Piva, Bem Ambiental,  p. 49.

[2] Apud Edis Milaré, Direito Ambiental, p. 96.

[3] Apud Edis Milaré, op. cit., p. 96.

[4] Princípios fundamentais do direito ambiental, Revista de Direito Ambiental, São Paulo, nº 2, p. 56, abr./jun. 1996.

[5] Apud Paulo da Bessa Antunes, p. 27.

[6] Direito Ambiental, p. 26.

[7] Apud Luis Roberto Gomes, Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente,  pp. 187-188.

[8] Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 25.

[9] Direito Ambiental Constitucional, p. 41.

[10] Apud Celso Antonio Pacheco Fiorillo, op. cit.,  p. 25.

[11] Op. cit., p. 27.

[12] Op. cit., p. 27.

[13] Diretivas da União Européia, apud Celso Antonio Pacheco Fiorillo, op. cit.,  p. 28.

[14] Op. cit., p. 100

[15] Op. cit., p. 32.

[16] Princípios fundamentais do direito ambiental, Revista de direito ambiental, São Paulo, nº 2, pp. 61-62.

[17] Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 37.

[18] Direito ambiental brasileiro, p. 36.

[19] Manual de direito ambiental e legislação aplicável, pp. 148-149.

BIBLIOGRAFIA

ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Elementos de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

ANTUNES, Paula da Bessa. Direito Ambiental. Rio de janeiro: Lumis Júris, 2000.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. 

______. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

__. Princípios do Processo Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004.

_. O Direito de Antena em face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997.

GOMES, Luis Roberto. Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. São Paulo: RDA n 16, Revista dos Tribunais, 1999.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. São Paulo: [s.e.], [s.d.].

MARTINS, Ives Gandra das Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990.

MILARÉ, Edis. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. São Paulo: RDA nº 2, Revista dos Tribunais, [s.d.].

OLIVEIRA, Flávia de Paiva M. de; GUIMARÃES, Flávio Romero. Direito, Meio Ambiente e Cidadania. São Paulo:  Madras, 2004.

PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997.

__. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:  Malheiros, 1995.

Os Princípios que preponderam no Direito Ambiental

0

*Clovis Brasil Pereira

1.  Os princípios ambientais e sua importância

Como um ramo autônomo do direito, o Direito Ambiental se constitui em espécie de direito coletivo em sentido amplo e em espécie de direito difuso, sendo, portanto, alicerçado em princípios que o diferenciam dos demais ramos do direito.

Na lição  de Celso Antonio Bandeira de Mello:

“Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.”[1]

Os princípios que visam à proteção ambiental podem ser vistos em dois patamares: os que visam, de forma genérica, à proteção ambiental de forma  global, e os que visam à proteção ambiental, ao nível  nacional, adaptados à nossa realidade.   

Na proteção global do meio ambiente, princípios genéricos  foram formulados na Conferência de Estocolmo de 1972 e, posteriormente, foram reexaminados por ocasião da ECO-92. 

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, muitos dos princípios de política global do meio ambiente foram incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, considerando a nossa realidade social, cultural e econômica.

É de se observar que a Lei 6.938/81 já estava fundamentada em vários princípios do Direito Ambiental, por influência da Conferência de Estocolmo, tendo sido  todos, ao final, recepcionados pelo novo texto constitucional.

Serão abordados a seguir, alguns dos princípios do Direito Ambiental, reputados como importantes,  encontrados na Constituição Federal de 1988, no direito internacional e na legislação ambiental, de uma forma geral.

2.  Princípio do Direito Humano Fundamental

Constitui-se este num dos mais importantes princípios do Direito Ambiental, visto que estabelece  ser  o direito ao meio ambiente  um direito humano fundamental, sem o qual não há que se falar em garantia da dignidade humana.

Tal princípio encontra fundamentação no artigo 225, caput, da Constituição Federal:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para  as presentes e futuras gerações.”   

Esse direito humano fundamental, reconhecido pela Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente humano, de 1972, em seu primeiro princípio reza:

ireito fundamental à liberdade, à igualdade, e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de  proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação social, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.” 

Tal princípio foi reafirmado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, como primeiro princípio:

“Os seres humanos devem estar no centro das preocupações, no que diz respeito ao desenvolvimento sustentado. Todos têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza.”  

Para Antonio A. Cançado:

 “[…] O caráter fundamental do direito à vida torna inadequados enfoques restritos do mesmo em nossos dias; sob o direito à vida, em seu sentido próprio e moderno, não só se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas além disso encontram-se os Estados no dever de buscar diretrizes destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência a todos os indivíduos e a todos os povos. Neste propósito, têm os Estados a obrigação de evitar riscos ambientais sérios à vida.”[2] 

3. Princípio da supremacia do interesse público na proteção do Meio Ambiente 

Este princípio decorre da norma legal que considera indispensável a proteção do meio ambiente para o uso de todos (art. 225, caput, CF), ou, nas palavras de José Afonso da Silva, para “fruição humana coletiva”.[3] 

Trata-se de um princípio geral do direito moderno, que estabelece ser o interesse na proteção do meio ambiente de natureza pública,  uma vez que os interesses da coletividade são superiores aos interesses particulares, e sobre eles devem prevalecer.

A Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, considera o meio ambiente como patrimônio público, conforme o artigo 2º, inciso I: “[…] considerando o meio ambiente como patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo…”.

Da mesma forma, a Constituição Federal, em seu artigo 225, se refere ao meio ambiente como “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, atribuindo ao Poder Público e à coletividade a responsabilidade pela sua proteção.

4.  Princípio da Indisponibilidade do Meio Ambiente

Da redação do artigo 225, da Constituição Federal, infere-se que, sendo o meio ambiente um bem de uso comum do povo, este pertence à sociedade, não podendo ser qualificado com um bem que integra o patrimônio do Estado, sendo este responsável apenas pela sua guarda e preservação. Para o Poder Público, e também para os particulares, o meio ambiente é sempre indisponível.

Sendo assim,  cabe ao Poder Público o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, ou seja, deve transmitir o chamado patrimônio ambiental às próximas gerações, o que assegura a impossibilidade de dispor dele.

5. Princípio da intervenção estatal obrigatória na defesa do Meio Ambiente

Este princípio está fundado no Princípio 17, da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano de 1972, que tem a seguinte redação:

“Deve-se confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planejar, administrar ou controlar a utilização dos recursos ambientais dos estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente.”

Está contido também no artigo 225, caput, da CF: “[…] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Segundo Álvaro Luiz Valery Mirra trata-se de expresso

“[…] dever do Poder Público de atuar na defesa do meio ambiente, no âmbito administrativo, legislativo e jurisdicional, cabendo ao Estado adotar as políticas e os programas de ação necessários para cumprir este dever imposto.”[4]

A ação dos órgãos públicos se viabiliza através do exercício do seu poder de polícia, que lhe assegura a possibilidade de limitar o exercício dos direitos individuais, em benefício do bem-estar da sociedade, assim como da autorização para estabelecer ajustamentos de conduta que visem interromper as atividades nocívas ao meio ambiente tutelado, conforme se deflui do artigo 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/85:

“Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.”  

A Carta Magna, artigo 225, § 1º, inciso V, estabelece, a respeito de dever do Estado,  atribuições para: 

“Controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,  métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.”

Sendo um dever do Estado, a defesa do meio ambiente, para suprir as necessidades vitais da sociedade, sua omissão possibilita que se exija, pela via judicial, que o Poder Público exerça de forma efetiva as competências que lhe foram outorgadas pela Constituição Federal. 

Para José Cretella Júnior:

“[…] os órgãos das pessoas jurídicas públicas em determinadas condições têm o poder-dever de tomar providências, editando atos, sempre que estejam em jogo interesses públicos ou direitos subjetivos públicos dos  administrados.”[5]

Observa-se que, mesmo sendo obrigatória a intervenção do Estado, esta não é exclusiva, pois não cabe ao Estado o monopólio na manutenção e preservação da qualidade ambiental.  Esta pode ser fiscalizada também pela sociedade, a quem cabe a preservação do patrimônio ambiental. 

6.  Princípio da participação 

Este princípio está  previsto no 10º princípio da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, e estabelece que:

“As questões ambientais são tratadas de forma mais adequada quando envolvem a participação de todos os cidadãos interessados no nível adequado. No âmbito nacional, cada habitante deve ter acesso às informações que digam respeito ao meio ambiente e  exigir que sejam de conhecimento das autoridades públicas, inclusive as que digam respeito a material tóxico e perigoso, e atividades relacionadas a serem realizadas em suas comunidades, e a oportunidade de participar da população através da mais ampla divulgação de informação.”

No Brasil, este princípio fundamenta-se na Constituição Federal,  artigo 1º, § único, que  diz: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

O artigo 5º, XXIII da Carta Magna, que garante o direito à informação e à participação popular, estabelece:

“Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja indispensável à segurança da sociedade e do estado.”

Por este princípio, é garantido ao cidadão o direito de participação na elaboração das políticas públicas ambientais, podendo ocorrer de diversas maneiras, tais como: pelo dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente para as futuras gerações (art. 225, caput, CF), ou pela participação em audiências públicas, órgãos colegiados e plebiscitos, onde os cidadãos possam opinar sobre essas políticas públicas. 

Outra participação da sociedade pode ser alcançada  por meio do Poder judiciário, através de mecanismos judiciais ou administrativos, com destaque para a ação popular ambiental e ação civil pública. 

Por fim, como afirmação da participação popular, podem ser promovidas iniciativas legislativas, com fundamento no artigo 61, § 2º,  da Constituição Federal, que assim prescreve: 

“Art. 61.  A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, […] e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

[…]

§ 2º.  A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.”

Para  Paulo da  Bessa Antunes:

“A concretização deste princípio se dá através de diversos instrumentos processuais e procedimentos que são: as iniciativas legislativas, as medidas judiciais e as medidas  administrativas.”[6]

Dentre as medidas judiciais, além da Ação Civil Pública (artigo 129, inciso III, CF; Lei 7.347/85, artigo 5º), tem-se a Ação Popular Ambiental, que é o objeto do presente trabalho, e amparada no artigo 5º, inciso LXXIII, na Constituição Federal, que estabelece: 

“Qualquer cidadão  é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”

Os recursos administrativos, colocados ao alcance dos cidadãos, propiciam a conciliação e a correção do ato administrativo ambiental, evitando o ajuizamento de ação judicial. Como exemplos de recursos administrativos, destacam-se o estudo prévio de impacto ambiental (artigo 225, § 1º, inc. IV, CF), o direito de petição (artigo 5º, inc. XXXIV, alínea “a”, CF) e o direito à informação (artigo 5º, inc. XXIII, CF).

A informação ambiental é um dos principais instrumentos de educação e de conscientização da população para a importância do meio ambiente. O Poder Público tem  expressa autorização para propiciar essa educação, conforme preceito Constitucional contido no art. 225, § 1º, inc. VI: “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.”

No mesmo sentido, é a previsão infraconstitucional, contida no artigo 2º, inc. X, da Lei 6.938/81:

“[…] educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente.”  

Antonio Silveira Ribeiro dos Santos, define a educação ambiental  como:

“[…] o processo educacional de estudos e aprendizagem dos problemas ambientais e suas interligações com o homem, na busca de soluções que visem a preservação do meio ambiente como um todo.”[7] 

A Lei nº 9.795/99, dezoito anos depois, dispôs especificamente sobre a educação ambiental e instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, estabelecendo em seu  artigo 1º:

 “Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente,  bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida e sua  sustentabilidade.” 

O princípio da informação e participação popular é, assim,   de suma importância para a formação e o exercício da cidadania, pois propicia a formação de opinião e conscientização da sociedade, e de sua responsabilidade, ao lado do Estado, para  construção e preservação de um meio ambiente sadio para as presentes e as futuras gerações.

7.   Princípio do desenvolvimento sustentável 

Este princípio reflete a orientação consagrada na Declaração da Conferência Mundial do Meio Ambiente, realizada em 1972, em Estocolmo, e reeditada nas demais conferências sobre o meio ambiente, em especial na ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, a qual repetiu a expressão  em onze de seus vinte e sete princípios. 

Tal princípio está contido no artigo 225, da Constituição de 1988:

 “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, […] impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

 Também tem previsão na Lei 6.938/81, que dispõe sobre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente:

 “Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará:

I – à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;

(…)

VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida.” 

Os recursos naturais não são inesgotáveis e, por essa razão, deve haver uma política de proteção e equacionamento da utilização desses recursos, notadamente para as futuras gerações poderem também  utilizá-los, já que são essenciais para a preservação da própria vida. 

Na lição de Celso Antonio Pacheco Fiorillo,deve haver a“coexistência harmônica entre a economia e o meio ambiente” [8]. 

José Afonso da Silvavisualiza nesse princípio“a correlação de dois direitos fundamentais do homem: o direito do desenvolvimento e o direito a uma vida saudável” [9].

Segundo expõem Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Adriana Diaféria: 

“[…] o princípio do desenvolvimento sustentável tem por conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente, para que as futuras gerações também tenham oportunidade de desfrutar os mesmos recursos que temos hoje à nossa disposição.”[10] 

Os cuidados para que o crescimento sustentável se efetive, sem prejuízo da atividade econômica e da qualidade de vida da população, passou a ser uma preocupação do legislador, com o fim de  harmonizar o crescimento da atividade econômica, com a preservação dos bens ambientais.

No Brasil, esse conceito, introduzido pela Lei nº 6.803/80,  dispõe sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, e  estabelece em seu primeiro artigo que:

“[…] nas áreas críticas de poluição […], as zonas destinadas à instalação de indústrias serão definidas em esquema de zoneamento urbano, aprovado por lei, que compatibilize as atividades industriais  com a proteção ambiental.”

A  Lei nº 6.938/81, estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, e em seu artigo 2º dispõe sobre seus objetivos, quais sejam:

“a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento  sócio-econômico.”    

Com o advento da Carta Constitucional de 1988, a proteção do meio ambiente ganhou uma nova dimensão, já que sua degradação trazia como conseqüência um declínio na capacidade econômica do país, com a decorrência da  diminuição da qualidade de vida das pessoas. 

Assim dispõe o artigo 170, da Carta Magna, ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

Em razão da nova visão constitucional, a livre iniciativa passou a ser entendida de forma mais restrita, pois referida liberdade econômica deve estar voltada para a busca de um equilíbrio entre a capacidade econômica e a preservação do bem ambiental, ensejando o desenvolvimento sustentável, harmonizando-se a interpretação de tais princípios, em prol da melhor qualidade de vida das pessoas.

Na visão de Celso Antonio Pacheco Fiorillo: 

“[…] a idéia principal é assegurar existência digna, através de uma vida com qualidade. Com isso, o princípio não objetiva impedir o desenvolvimento econômico. Sabemos que a atividade econômica, na maioria das vezes, representa alguma degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois pensar de forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria que venha a deteriorar o meio ambiente poderá ser instalada, e não é essa a concepção apreendida do texto. O correto é que as atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos existentes adequados para a menor degradação possível.”[11]

8.   Princípio do Poluidor-Pagador

Este princípio está contido no artigo 225, § 3º da Constituição Federal, que estabelece:

“§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de obrigação de reparar os danos causados.” 

Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo:  

“[…] este princípio reclama atenção. Não traz como indicativo ‘pagar para poder poluir’, ‘poluir mediante pagamento’ ou ‘pagar para evitar a contaminação.”[12]

O princípio encerra duas órbitas de atuação: uma, de caráter preventivo, ao impor ao poluidor o dever de custear as despesas oriundas da prevenção dos danos ao meio ambiente que a atividade possa ocasionar, utilizando os meios adequados à prevenção dos danos; outra, de caráter repressivo, ao obrigar o poluidor a reparar os danos produzidos ao meio ambiente.

Este princípio, definido pela Comunidade Econômica Européia,  preceitua: 

“As pessoas naturais ou jurídicas, sejam regidas pelo direito público ou pelo direito privado, devem pagar os custos das medidas que sejam necessárias para eliminar a contaminação ou para reduzi-la ao limite fixado pelos padrões ou medidas equivalentes que asseguram a qualidade de vida, inclusive os fixados pelo Poder Público competente.”[13] 

Tem igual apoio na ECO-92, no princípio 16, que prescreve: 

“As autoridades nacionais devem se esforçar para garantir a internacionalização dos custos da proteção ambiental e o uso de instrumentos econômicos, levando em conta que o poluidor deve, em princípio, arcar com os custos da poluição provocada, e com observância dos interesses públicos, sem perturbar o comércio e os investimentos internacionais.”   

Para  Edis Milaré,  o princípio do poluidor pagador:

“Se inspira na  teoria econômica de que os custos sociais e externos que acompanham o processo produtivo devem ser internacionalizados, vale dizer que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos da produção e, conseqüentemente assumi-los.”[14]

Na ótica de Paulo da Bessa Antunes:

“[…] não se pode admitir que a sociedade, em conjunto, sustente o ônus financeiro e ambiental de atividades que, fundamentalmente, irão significar um retorno econômico individualizado.”[15] 

Na prática, a ação de caráter preventivo é muito branda, não existindo por parte do Poder Público, de uma forma geral,  a necessária vigilância para obstar as ações que venham redundar em dano ambiental.  

Existe, por outro lado, a possibilidade de responsabilizar os causadores de danos ambientais, em três esferas de responsabilidade, tais como a civil, a administrativa e a penal, pois são autônomas e independentes  entre si. 

O artigo 14, § 1º, da lei 6.938/81, prevê a independência entre a responsabilidade civil e a administrativa, com a possibilidade de ambas, ao prescrever que:

“[…] sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade […]”.

A independência da responsabilidade criminal,  está prevista no texto constitucional, artigo 225, § 3º,  que diz:

“§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” 

No mesmo passo, é a previsão contida no artigo 935 do Código Civil Brasileiro: 

“A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” 

No âmbito civil, a responsabilidade do agente poluidor se sujeita a duas regras de grande importância, e que mostram a amplitude da responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e o rigor  na sua reparação.

Assim, a responsabilidade do poluidor pelos prejuízos causados é a responsabilidade objetiva, bastando, para se configurar a responsabilidade do poluidor, o estabelecimento do nexo  de causalidade entre a sua conduta e o dano ambiental ocorrido, dispensando qualquer investigação a respeito de sua intenção em provocar o dano (dolo), ou de ter agido movido por imprudência, negligência ou imperícia (culpa).

A responsabilidade objetiva deflui da previsão contida no artigo 14, § 1, da Lei n 6.938/81, cuja norma foi integralmente recepcionada pela Constituição Federal de 1988. 

A segunda regra trata da reparação integral do prejuízo causado e tem por objetivo a recomposição do meio ambiente no estado em que se encontrava antes da ocorrência do dano, podendo tal reparação se dar de duas maneiras: a reparação natural, quando possível, com o retorno ao statu quo anterior; quando isso não for possível, a reparação poderá ser exigida em dinheiro.

Destaque-se a possibilidade da responsabilização, no âmbito penal, da pessoa jurídica causadora do dano ambiental, consoante a regra constitucional contida no artigo 225, § 3º. 

Ressalte-se, ainda, que tanto o Poder Público quanto a coletividade são solidários na reparação do dano, sendo portanto legitimados passivos, a teor do que dispõe o artigo 225 da Constituição Federal.

Tal responsabilidade passiva é solidária, com amparo também no Código Civil, artigo 1.518, caput, segunda parte. Da mesma forma, disciplina a Lei nº 6.938/81, ao atribuir a obrigação de indenizar o ano ambiental  àqueles que, com a sua atividade, causaram dano. 

9.  Princípio da Prevenção 

A Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Esse dever de conservação, imposto constitucionalmente, decorre do princípio da prevenção.

Observe-se que os danos causados ao meio ambiente  são muito difíceis de serem reparados e esta reparação, quando possível, é feita a um custo muito elevado, ganhando importância a atuação preventiva para evitar  o dano aos bens ambientais.

A ECO-92 adotou o princípio da prevenção, em seu princípio nº 15, que diz: 

“A fim de proteger o meio ambiente, a abordagem preventiva deve ser amplamente aplicada pelos estados, na medida de suas capacidades. Onde houver ameaças de danos sérios e irreversíveis, a falta de conhecimento científico não serve para retardar medidas adequadas para evitar a degradação ambiental.” 

Para Álvaro Luiz Valery Mirra: 

“[…] De acordo com este princípio sempre que houver perigo de ocorrência de um dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes para impedir a degradação do meio ambiente, sobretudo em função dos custos dessas medidas.”[16] 

Assim, fiel a esse princípio, se existirem dúvidas no meio científico sobre a extensão e a qualidade dos  danos que determinada atividade possa causar ao meio ambiente, esta, em caráter preventivo, deve ser evitada ou controlada de forma rigorosa, pois os danos poderão ser de tal vulto, no presente ou futuro, que se tornem irreversíveis e irreparáveis ao meio ambiente, colocando em risco, inclusive, a qualidade de vida das pessoas. 

Destacando a importância da consciência ecológica, como meio de prevenção do dano ambiental, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, enumera alguns instrumentos  próprios para aplicação do princípio da prevenção, a saber: “[…] o estudo prévio de impacto ambiental (EIA/RIMA), o manejo ecológico, o tombamento, as liminares, as sanções administrativas, etc.”[17] 

Paulo Affonso Leme Machado, por sua vez, divide em cinco itens a aplicação desse princípio: 

“1º – identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação das fontes contaminantes das águas e do mar, quanto ao controle de poluição;  2º – identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 3º – planejamentos ambientais e econômicos integrados; 4º – ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com sua aptidão; e 5º –  Estudo de Impacto Ambiental.”[18]

Esse  princípio não visa inviabilizar a atividade econômica, essencial à promoção do bem-estar das pessoas, com a geração de riquezas, mas, sim, excluir do mercado o poluidor que não possui consciência dos malefícios que a atividade poluidora causa ao meio ambiente,  comprometendo a qualidade  de vida das gerações presentes e futuras.  

Um exemplo prático da aplicação do princípio da prevenção, no direito pátrio, se verifica com o estabelecimento do rodízio de veículos, na cidade de São Paulo. Sua adoção, em que pese os transtornos causados às pessoas que se vêm privadas de um direito individual – circularem com seus veículos, em determinado dia da semana – constitui-se em medida de natureza preventiva, com objetivo de  amenizar os efeitos da poluição ambiental, e os danos causados coletivamente à saúde das pessoas.   

10.  Princípio da ubiqüidade 

O objeto da proteção do meio ambiente se coloca onipresente em todos os assuntos que envolvem a proteção e a preservação da qualidade do bem ambiental.

O princípio da ubiqüidade corresponde a essa onipresença, que deve ser levada em consideração quando da elaboração de normas, adoção de políticas públicas, legislação sobre temas que envolvam a qualidade de vida e a dignidade humana, e que devem, preliminarmente, passar por uma averiguação, para se investigar se tais atuações podem ou não comprometer o meio ambiente. 

Esse princípio coloca os direitos humanos no epicentro de todo o sistema normativo, e quaisquer disposições devem ser analisadas à luz do direito ambiental, pois sem meio ambiente equilibrado, em tese, não há vida, não há dignidade humana.

Celso Antonio Fiorillo Pacheco e Marcelo Abelha Rodrigues assim elucidam a respeito do princípio da ubiqüidade:

“Este princípio vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração sempre que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra, etc., tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a vida e qualidade de vida, tudo que se pretende fazer, criar ou desenvolver, deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para se saber se há ou não possibilidade de que o meio ambiente seja degradado. Tomemos como exemplo uma publicidade, exercício do direito de informar, previsto no artigo 220, caput da CF. Este direito encontra sérias limitações, previstas no seu parágrafo primeiro, que, como já foi mencionado, são de índole  e raiz ambiental, porque os elementos limitadores são vinculados a aspectos de qualidade de vida, etc.  Pense agora no consumo. Toda atividade de consumo deve direcionar-se à utilização de tecnologias limpas, para que não haja incidência cada vez maior da produção de resíduos, aplicando-se, portanto o princípio da prevenção dos danos ambientais. Pense na atividade econômica: segundo o artigo 170, VI da CF, esta deverá sempre se pautar em princípios de proteção do meio ambiente; pense no princípio fundamental da República (art. 1º, III da CF) onde se preserva a ‘dignidade humana’ e faça o preenchimento dessa expressão. Veja se não é preenchido com a qualidade de vida e o exercício pleno de todos os valores sociais, que são, repetindo, o substrato do direito a um meio ambiente sadio e equilibrado. Pense no direito de propriedade e lembre-se que este deve atender a sua função social. Pense na função social das cidades e perceba que, também aqui, o que prevalece é a proteção de valores ambientais. […] Por tudo isso, é que poderíamos, grosso modo, dizer que o princípio da ubiqüidade do meio ambiente nasce da umbilical ligação que esse direito e seus valores possuem com todas as áreas de atuação e desenvolvimento dos seres.”[19] 

O princípio da ubiqüidade trata da perfeita interação e inter-relacionamento do direito ambiental com  todas as demais áreas de atuação e desenvolvimento das pessoas. Conseqüentemente, tudo o que diz respeito à qualidade de vida e à dignidade humana está ligado ao meio ambiente, em toda a sua extensão, seja ele natural, artificial, cultural ou do trabalho. 


NOTAS

[1] Apud Rui Carvalho Piva, Bem Ambiental,  p. 49.

[2] Apud Edis Milaré, Direito Ambiental, p. 96.

[3] Apud Edis Milaré, op. cit., p. 96.

[4] Princípios fundamentais do direito ambiental, Revista de Direito Ambiental, São Paulo, nº 2, p. 56, abr./jun. 1996.

[5] Apud Paulo da Bessa Antunes, p. 27.

[6] Direito Ambiental, p. 26.

[7] Apud Luis Roberto Gomes, Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente,  pp. 187-188.

[8] Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 25.

[9] Direito Ambiental Constitucional, p. 41.

[10] Apud Celso Antonio Pacheco Fiorillo, op. cit.,  p. 25.

[11] Op. cit., p. 27.

[12] Op. cit., p. 27.

[13] Diretivas da União Européia, apud Celso Antonio Pacheco Fiorillo, op. cit.,  p. 28.

[14] Op. cit., p. 100

[15] Op. cit., p. 32.

[16] Princípios fundamentais do direito ambiental, Revista de direito ambiental, São Paulo, nº 2, pp. 61-62.

[17] Curso de Direito Ambiental Brasileiro, p. 37.

[18] Direito ambiental brasileiro, p. 36.

[19] Manual de direito ambiental e legislação aplicável, pp. 148-149.

BIBLIOGRAFIA

ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Elementos de Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

ANTUNES, Paula da Bessa. Direito Ambiental. Rio de janeiro: Lumis Júris, 2000.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. 

______. Estatuto da Cidade Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

__. Princípios do Processo Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2004.

_. O Direito de Antena em face do Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Manual de direito ambiental e legislação aplicável. São Paulo: Max Limonad, 1997.

GOMES, Luis Roberto. Princípios constitucionais de proteção ao meio ambiente. São Paulo: RDA n 16, Revista dos Tribunais, 1999.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. São Paulo: [s.e.], [s.d.].

MARTINS, Ives Gandra das Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990.

MILARÉ, Edis. Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. São Paulo: RDA nº 2, Revista dos Tribunais, [s.d.].

OLIVEIRA, Flávia de Paiva M. de; GUIMARÃES, Flávio Romero. Direito, Meio Ambiente e Cidadania. São Paulo:  Madras, 2004.

PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997.

__. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo:  Malheiros, 1995.

Texto extraída da Dissertação de Mestrado do Autor , “A LEGITIMIDADE ATIVA NA AÇÃO POPULAR  AMBIENTAL”, defendida em agosto de 2006, na UNIMES – Universidade Metropolitana de Santos, perante a Banca Examinadora presidida pelo Professor Doutor  Celso Antonio Pacheco Fiorillo.

Analista de crédito de administradora de cartão consegue equiparação aos financiários

0

Entre suas atribuições estava analisar propostas de emissão de cartões e negociar débitos. 

07/07/20 – A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a condição financiária de uma analista de crédito e condenou as empresas administradoras de cartão de crédito envolvidas ao pagamento de benefícios e vantagens previstos nas normas coletivas da categoria, como a jornada de seis horas diária. A decisão segue a jurisprudência do TST de que as administradoras de cartão são consideradas empresas de crédito e financiamento, razão pela qual seus empregados devem ser enquadrados como financiários.

Sucessão

A empregada contou na reclamação trabalhista que havia sido admitida pela TCM Participacões Ltda., para exercer a função de analista de cobrança, passando, no ano seguinte, para a de analista de crédito. Na sucessão de empresa, a TCM foi incorporada pela Club Administradora de Cartões de Crédito Ltda. 

Atividades

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) entendeu que as atividades da empregada não permitiam seu enquadramento na condição de financiária e manteve a sentença que havia indeferido os pedidos. Segundo o TRT, a Club Administradora tem como objeto social a administração de cartões de crédito, atividades de teleatendimento, de intermediação e de agenciamento de serviços e negócios em geral, o que não permite o enquadrá-la como instituição financeira. 

Enquadramento

Segundo o relator do recurso de revista da analista, ministro Augusto César, contrariamente à conclusão do TRT, o TST considera que administradoras de cartão de crédito são empresas de crédito e financiamento e, portanto, seus empregados devem ser enquadrados na categoria profissional dos financiários. Assim, por exercer atividades correlatas à atividade-fim da instituição financeira, a empregada tem direito aos benefícios e às vantagens previstas nas normas coletivas aplicáveis ao financiários. 

Condenação

Por unanimidade, a Turma condenou as empresas ao pagamento, como extras, das horas excedentes à 6ª diária ou à 30ª semanal, nos termos da Súmula 55 do TST e do artigo 224 da CLT.   Processo: RR-1000464-42.2016.5.02.0203

FONTE: TST, 07 de agosto de 2020.

Mesmo sem trânsito em julgado, condenação penal pode amparar direito a indenização na esfera cível

0

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o reconhecimento da existência de um crime e do seu autor em sentença condenatória penal, ainda que não tenha havido o trânsito em julgado do processo, pode amparar a condenação em ação indenizatória na esfera cível.

Com base nesse entendimento, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para reconhecer o direito da mãe de uma vítima de homicídio de ser indenizada na esfera cível.

A autora da ação indenizatória pediu a condenação do acusado pelo homicídio ao pagamento de R$ 500 mil por danos morais, mas o juiz fixou a reparação em R$ 100 mil.

O TJSP, contudo, deu provimento à apelação do réu para julgar improcedente o pedido inicial. Para a corte paulista, é controversa a iniciativa da agressão física no episódio que resultou no homicídio, pois, além de não haver testemunhas, o réu sempre alegou legítima defesa e apontou a existência de comportamento agressivo por parte da vítima. Consta dos autos, ainda, que a vítima ameaçou e agrediu a filha do réu, que estava grávida.

Independ​ência relativa

O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso especial apresentado pela mãe da vítima, apontou que o artigo 935 do Código Civil adotou o sistema da independência entre as esferas cível e criminal, mas que tal independência é relativa, pois, uma vez reconhecida a existência do fato e da autoria no juízo criminal, essas questões não poderão mais ser analisadas pelo juízo cível.

No caso de sentença condenatória com trânsito em julgado – explicou o ministro –, o dever de indenizar é incontornável; no caso de sentença absolutória em virtude do reconhecimento de inexistência do fato ou de negativa de autoria, não há o dever de indenizar. Segundo o relator, o caso não se encaixa em nenhuma dessas hipóteses, pois a sentença condenatória não é definitiva.

“Não havendo sentença condenatória com trânsito em julgado, devem-se avaliar os elementos de prova para aferir a responsabilidade do réu pela reparação do dano”, afirmou.

Repro​​vabilidade

Villas Bôas Cueva assinalou que o réu foi condenado por homicídio privilegiado, e mesmo que tenha alegado legítima defesa na esfera cível, essa excludente de ilicitude não foi reconhecida no juízo criminal – “esfera que, em regra, analisa de forma mais aprofundada as circunstâncias que envolveram a prática do delito”. Nem mesmo o eventual reconhecimento da legítima defesa na sentença penal, de acordo com o ministro, impediria o juízo cível de avaliar a culpabilidade do réu.

Para o relator, não se podem negar a existência do dano sofrido pela mãe nem “a acentuada reprovabilidade da conduta do réu”, o qual procurou a vítima em sua casa na data do crime. Ainda que a vítima apresentasse comportamento agressivo e que tenha havido luta corporal, como alega o réu, tais fatos – disse o ministro – não afastam o dever de indenizar, “sobretudo quando todas as circunstâncias envolvendo o crime já foram objeto de apreciação no juízo criminal, tendo este concluído pela condenação”.

No entanto, considerando a agressividade da vítima – especialmente os atos praticados contra a filha e outros familiares do réu –, a Terceira Turma fixou a indenização em R$ 50 mil.  REsp 1829682

FONTE:  STJ, 07 de agosto de 2020