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O Estatuto das Cidades – Lei 10.257/01

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* Clovis Brasil Pereira –

INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA  VINCULADOS  AO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL 
 

1.    GENERALIDADES 
 

O Estatuto da Cidade, originado da Lei 10.257/2001, tem como pontos importantes:

–  O ordenamento  das cidades em proveito da dignidade humana, princípio que vem consagrado no artigo 1º, inciso III,  da Constituição Federal.

–  Criar condições adequadas para satisfazer os preceitos constitucionais mínimos garantidos no artigo 5º, tais como direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o artigo 6º, ao garantir o chamado piso vital mínimo, representado pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados.

–  Incrementar as disposições constitucionais de tutela mediata, conforme artigo 225 da Constituição Federal, de proteção geral ao meio ambiente, e de tutela imediata, com a regulamentação dos artigos 182 e 183, possibilitando através no novo instrumento jurídico, a execução de uma política urbana voltada para o aprimoramento do meio ambiente artificial.

–  Preocupação bem definida em criar condições favoráveis à busca do bem coletivo, a segurança e o bem estar, bem como o equilíbrio ambiental (art. 1º, § único, Lei 10.257/01).

–  Organização do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, com objetivo de garantir o direito a cidades sustentáveis, mediante rígido planejamento, oferta de equipamentos urbanos, transporte coletivo e serviços públicos em geral.

–  Estimulo à gestão democrática, com o envolvimento efetivo da população, através de suas associações e organizações, na formulação e execução da política urbana, em prol do meio ambiente artificial.

Para assegurar a plena execução da política urbana e atingir os princípios perseguidos na Constituição Federal e os objetivos determinados no estatuto da Cidade, notadamente em seus artigos 1º e 2º, foram disciplinados vários instrumentos, relacionados no artigo 4º, a saber:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal;

IV – institutos tributários e financeiros

V – institutos jurídicos e políticos

VI – estudo prévio de impacto (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

 
2.     OS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA VINCULADOS AO MEIO AMBIENTE ARTIFICIAL 
 

Pelo artigo 4º,  do Estatuto da Cidade,  o legislador ordinário dotou os administradores públicos dos instrumentos adequados ao cumprimento da política urbana, prevista pelo artigo 182, da CF, mas que ainda estava à mingua de meios para a sua execução.

A viabilização dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, logicamente, exigirá uma perfeita integração e sintonia entre as ações de política urbana implantadas pelos municípios, com  planejamento e formulação de política urbana incrementada pelos Estados, notadamente para a harmonização do desenvolvimento metropolitana e regional.

O planejamento urbano é implementado mediante a elaboração de normas legais que o normatizam e, sobretudo, mecanismos de inclusão para a participação e intervenção da comunidade e entidades no processo de reflexão sobre a cidade em si.

Na visão de Eliane D’arrigo Grenn,  [1] “o planejamento urbano do Município deve ser capaz de pensar a cidade estrategicamente, garantindo um processo permanente de discussão e análise das questões urbanas e suas contradições inerentes, de forma a permitir o envolvimento de seus cidadãos.”

Por sua vez, o transporte urbano intermunicipal, o saneamento básico, o tratamento de água, o meio ambiente natural, dentre outros, exigem ações que extrapolam o âmbito territorial de cada  município, e se mostram indispensáveis ao meio ambiente artificial. 

Dessa forma, exigem uma planificação harmonizada, através de planejamento que direcione os objetivos comuns a serem perseguidos, para a efetiva qualificação de vida da população das cidades, em cumprimento ao que dispõe os incisos I e II, do referido artigo 4º.

Observe-se que o planejamento previsto no Estatuto da Cidade, por disposição do artigo 174 da Constituição Federal, já era obrigatório para o setor público, não sendo portanto uma novidade trazida no novo instrumento legal, que apenas o consolidou, ao lado de outros instrumentos de organização essenciais, denominados planos nacionais, regionais e   estaduais visando a ordenação do território e o desenvolvimento econômico e social.

A organização  do planejamento municipal, que  deve ser executado pelo município, destaca o inciso III, as seguintes ações:

a)   o plano diretor

b)  disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo

c)  zoneamento ambiental

d)  plano plurianual

e)  diretrizes orçamentárias e orçamento anual

f)  gestão orçamentária participativa

g)  planos, programas e projetos setoriais

h)  planos de desenvolvimento econômico e social

Analisando referidos instrumentos, o plano diretor se mostra de vital importância, sendo exigido para todas as cidades com mais de  20.000 habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, dentre outras previsões, com disciplina no Capítulo III,  artigos 39 a 42.

Segundo o diploma legal, é pelo plano diretor que devem ser reguladas as exigências fundamentais de ordenação da cidade, fazendo com que a propriedade urbana cumpra sua função social, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, desde que respeitadas as diretrizes previstas no artigo 2º da Lei.

O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo, devendo ser revisto pelo menos, a cada dez anos, para  adequá-lo às mudanças decorrentes da dinâmica das cidades.

Dentro de uma visão democrática e participativa, na sua elaboração, deverão ser promovidas pelo poder público, através dos Poderes Legislativo e Executivo,  audiências publicas e debates com a participação da população e de associações representativas da comunidade; deverá haver a garantia da  publicidade quanto aos documentos e informações produzidos, bem como garantido o acesso de qualquer interessado a tais documentos e informações.

Por fim, para garantir sua aplicação e plena execução, o plano diretor deve prever em seu bojo, dentre outras exigências, um sistema de acompanhamento e controle, possibilitando à população em geral uma eficaz fiscalização.

Quanto ao plano plurianual e diretrizes orçamentárias e orçamento anual (alíneas “d” e “e”), e os planos, programas e projetos setoriais e planos de desenvolvimento econômico e social (alíneas “g” e “h”), devem ser elaborados pelo gestor das cidades, com aprovação do poder legislativo, submetendo tais instrumento à gestão orçamentária participativa, onde a população deverá ser previamente consultada e chamada a opinar, e sua importância está diretamente relacionada com a Lei de Responsabilidade Fiscal, através da delimitação do que pode ser efetivamente comprometido e realizado pelo poder público.

Os demais instrumentos, passam a ser analisados de forma  mais pormenorizada, uma vez que nos parecem mais importantes, na efetiva busca da melhoria do meio ambiente artificial.

3.     PARCELAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO 
 

O Estatuto da Cidade, ao disciplinar o parcelamento, uso e ocupação do solo, visa, como ponto básico, atribuir efetividade ao texto constitucional, de função social da propriedade urbana. Assim, quando se verificam casos em que esse desiderato não é alcançando ou atribuído, pode o poder público, por comando do Plano Diretor previamente aprovado, [2]“poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado” mediante a fixação de condições e prazos para implementação de tal obrigação.

A não destinação adequada da propriedade, aos fins sociais a que se destina, nas condições impostas no plano diretor previamente aprovado,  pode acarretar ao proprietário sanção pecuniária, via tributo (IPTU) progressivo, segundo a previsão do artigo 7º do aludido Estatuto.

Com essa nova concepção da propriedade, e face a importância do meio ambiente artificial, como protagonista da dignificação da pessoa humana,  embora reconhecida e garantida na Constituição, acabou perdendo seu caráter absoluto, passando a ser exigida, para seu reconhecimento pleno, que atenda de forma concreta, sua função social[3].

Têm-se assim, que a Lei 10.257/01, veda a utilização da propriedade com o fim meramente especulativo, ao consagrar instrumentos que visem  diminuir as desigualdades sociais e a marginalização, atendendo aos preceitos constitucionais que asseguram às populações a promoção do bem comum, através de ações efetivas para a melhoria do meio ambiente artificial.

ZONEAMENTO AMBIENTAL
 

É um dos instrumentos essenciais colocados no estatuto da Cidade, para assegurar aos moradores urbanos, o meio ambiente artificial.

Deve ter por objetivo, segundo o professor Dr. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, [4] “disciplinar de que forma deve ser compatibilizado o desenvolvimento industrial, as zonas de conservação da vida silvestre e a própria habitação do homem, tendo em vistas sempre a manutenção de uma vida com qualidade às presentes e futuras gerações (art. 225 da CF)”.

Está assim vinculado ao propósito de garantir bem-estar aos habitantes de determinado município. Se faz necessário estabelecer a reserva de espaços determinados, para a preservação e proteção do meio ambiente.

A política de zoneamento ambiental, possibilita a regulamentação a respeito da repartição do solo urbano e a atribuição de seu uso.

Conforme destaca o professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo[5], a limitação  do uso do solo já vinha contemplado na Lei 6938/81, “como importante instrumento da política nacional do meio ambiente”, onde prevê áreas para pesquisas ecológicas,  parques públicos,  áreas de proteção ambiental,  costeira e industrial.

GESTÃO ORÇAMENTÁRIA PARTICIPATIVA
                                   

Uma inovação  de importância fundamental, para a democratização da gestão da política urbana, e do meio ambiente artificial, é a chamada gestão orçamentária participativa, disciplina no artigo 44, Capítulo IV, que trata da gestão democrática da cidade.

Referido instrumento se efetiva pela realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento an8ual, como condição obrigatória para sua aprovação na Câmara Municipal.

A participação direta da população na gestão participativa, parece-nos a normatização mais importante, para alcançar os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, e a efetividade da tutela do meio ambiente artificial.

Outra forma de atuação da população, contemplada no mesmo capítulo, é a previsão de projeto de lei, por iniciativa popular (art. 43, IV).

Alguns dos instrumentos contemplados a partir do inciso  IV, do artigo 4º da Lei 10.257/01,  têm como característica principal a finalidade sancionatória, como é o caso do IPTU progressivo no tempo, como estudaremos mais adiante, porém, tais sanções só foram efetivamente aplicadas após o advento do Estatuto da Cidade, uma vez que a norma constitucional do art. 182, clamava por regulamentação.

 
Nesse passo temos:
 
Os Institutos Tributários e Financeiros, assim compreendidos: 
 

a)       imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana-IPTU;

b)       contribuição de melhoria;

c)       incentivos e benefícios fiscais e financeiros.

Os Institutos jurídicos e políticos,  conforme segue: 
 

a)       desapropriação;

b)       servidão administrativa;

c)       limitações administrativas;

d)       tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

e)       instituição de unidades de conservação;

f)        instituição de zonas especiais de interesse social;

g)       concessão de direito real de uso;

h)       concessão de uso especial para fins de moradia;

i)        parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

j)        usucapião especial de imóvel urbano;

k)       direito à superfície;

l)        direito de preempção;

m)      outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;

n)       transferência do direito de construir;

o)       operações urbanas consorciadas;

p)       regularização fundiária;

q)       assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;

r)        referendo popular e plebiscito.

Cuidaremos de estudar os institutos tributários e financeiros, e os jurídicos e políticos, sendo mais  pormenorizadamente  os contidos nos incisos I, II e III do art. 182 da CF, pois tem mais influência na formação do meio ambiente artificial, e de forma geral os demais instrumentos citados anteriormente.

O PARCELAMENTO, EDIFICAÇÃO OU UTILIZAÇÃO COMPULSÓRIOS (art. 5º e 6º)
 

Esse instrumento é utilizado pelo Poder Público Municipal, como forma de condicionar (daí a expressão compulsório), o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, em utilizar socialmente e adequadamente a área urbana em conjunto com o Plano Diretor e por prazo razoável de implementação, estabelecido em lei municipal específica.

O IPTU  PROGRESSIVO NO TEMPO( art. 7º)
 

A cobrança deste imposto de forma progressiva no tempo, será utilizado quando o proprietário descumprir os prazos previstos para o parcelamento, utilização ou edificação estudados anteriormente, e, não será objeto de isenção e nem de anistia, eis que tem natureza sancionatória; sua alíquota será majorada pelo prazo de 5 anos consecutivos até chegar á alíquota máxima de 15% (quinze por cento), até que seja cumprida a obrigação.

DESAPROPRIAÇÃO PARA REFORMA URBANA (art. 8º)
 

Também chamada de desapropriação-sanção ou extraordinária, é exceção da regra da desapropriação indenizável em dinheiro (art. 5º inciso XXIV), e, é utilizada quando, após decorrido o prazo de 5 anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário viesse a atender à função social da área, o Poder Público Municipal se vê com poderes para proceder então a desapropriação, fundamentada em interesse social para reforma urbana, com pagamento em títulos da dívida pública com aprovação prévia do Senado Federal, resgatáveis pelo prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas.

USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO INDIVIDUAL E COLETIVO (art. 9º e 10) 
 

O artigo 9º do Estatuto reproduz o artigo 183 parágrafo 1º da Constituição Federal, que preceitua que “aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptos e sem oposição, utilizando-a para usa moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”; deste modo, o Estatuto da Cidade, garante àquele homem ou mulher em adquirir pelo usucapião à propriedade, desde que atendidas as exigência legais.

Já o art. 10 do Estatuto, inovou criando a possibilidade de se adquirir a propriedade de forma coletiva, quando para “áreas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suceptíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”.

CONCESSÃO DE USO ESPECIAL PARA FINS DE MORADIA (art. 15)  

A concessão de uso especial para fins de moradia, visa a conceder ao particular o uso de um bem público, sem lhe transmitir a propriedade, a fim dê a destinar social e adequadamente o bem, sob pena de extinção.

DIREITO DE SUPERFÍCIE (art. 21 a 24) 

É a possibilidade do proprietário de área urbana, conceder a outrem, o direito de superfície do seu solo, subsolo ou espaço aéreo relativo ao terreno, por tempo determinado ou indeterminado, de forma onerosa ou gratuita, para que o superficiário, realize a função social da propriedade de outrem.

DIREITO DE PREEMPÇÃO (art. 25 a 27) 

Trata-se do chamado direito de preferência conferido ao Poder Público Municipal, para adquirir imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares, que está incluído no Plano Diretor e desde que observadas as necessidades do Poder Público em adquirir áreas para atender:

–  regularização fundiária;

–  execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;

–  constituição de reserva fundiária;

–  ordenamento e direcionamento da expansão urbana;

–  implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

–  criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;

–  criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; e

–  proteção de áreas de interesse histórico, cultural e paisagístico.

OUTORGA ONEROSA DO DIREITO DE CONSTRUIR E DE ALTERAÇÃO DE USO  (art. 28 a 31)
 

O Poder Público poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico, mediante contrapartida do beneficiário, essa contrapartida, que será o dinheiro, será aplicado nas finalidades do artigo 26, como por exemplo na regularização fundiária, na constituição de programas e projetos habitacionais e etc.

OPERAÇÕES URBANAS CONSORCIADAS (art.32 a 34)     

É  o conjunto de especial de intervenções urbanísticas e medidas ordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação de proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar uma transformação estrutural de um setor da cidade, uma melhoria social e a valorização ambiental.

TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR (art. 35 ) 

Ocorre quando o imóvel for considerado necessário para fins de implantação de equipamentos urbanos e comunitários, de preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social e cultural e quando servir a programas de regularização fundiárias, pode o Poder Público autorizar que o proprietário construa ou venda o direito de construir em outro local a fim de preservar as características do bem e da política urbana.

ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA – EIV  (art. 36) 

Denominado pelos doutrinadores, como o mais importante instrumento de atuação no meio ambiente para assegurar o princípio da dignidade humana (art. 1º, III da CF), o EIV, tem como objetivo compatibilizar o trinômio capitalista, como ensina Celso Antonio Pacheco Fiorillo, vida-trabalho-consumo.

Para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento é preciso obter o EIV, que contempla os efeitos positivos e negativos do empreendimento de formas preventiva, em relação ao bem estar da população que mora nas proximidades da área. Resta esclarecer, que o EIV não substitui o EIA (estudo de impacto ambiental).

CONCLUSÃO

O estudo do Estatuto da Cidade, que foi traçado em linhas gerais neste trabalho, teve o objetivo de cuidar principalmente dos aspectos de Ordenação dos Instrumentos de Política Urbana Vinculados ao Meio Ambiente Artificial, por acreditar, que tais instrumentos devem ser aplicados efetivamente na gerência das Cidades, buscando a finalidade da lei, que é proporcionar e garantir o chamado Piso Vital Mínimo de existência do ser humano, tendo como base o Direito à Habitação.

Deste modo, este trabalho fez uma reflexão positiva, mencionando quais os possíveis instrumentos que o Chefe do Poder Executivo Municipal, têm em mãos para executar efetivamente o planejamento de sua cidade, visando efetivamente a melhoria do meio ambiente artificial, tendo como fundamento  básico, dar efetividade  ao princípio constitucional da dignidade humana, princípio este  preconizado na Constituição Federal de 1988, respeitando sempre a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei da Improbidade Administrativa, que são consideradas leis de balizamento da gestão da res pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS  

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de direito ambiental brasileiro, 4ª ed. – São Paulo; Saraiva, 2003.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Estatuto da Cidade Comentado, Editora RT, 2002.

SILVA, José Afonso da, Direito ambiental constitucional, 3ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2000.

MUKAI, Toshio, O Estatuto da Cidade, 1ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001.

NUNES, Rizzatto, O Principio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, São Paulo, Saraiva, 2002.

NOTAS  

[1] Sistema Municipal de Gestão do Planejamento,  www.portoalegre.rs.gov.br/planeja 

[2] Lei 10.257/2001, artigo 5º

[3] Constituição Federal, art. 5º, XXII e XXIII

[4] Estatuto da Cidade Comentado, p. 36, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002

[5] Obra citada, p. 37

 


Referência  Biográfica

Clovis Brasil Pereira  –  Advogado, Especialista em Processo Civil, Mestre em Direito, Professor Universitário.

prof.clovis@terra.com.br

Desafios à Bioética

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* Juliana Frozel de Camargo

Nunca se falou tanto sobre ética no comportamento humano com o objetivo de buscar um modelo de vida inspirado no respeito ao homem, como nos últimos anos.  Essa preocupação saiu do âmbito filosófico-acadêmico e está fazendo com que as pessoas comuns reflitam: O que é certo ou errado? Como pensar e agir? Até onde a ciência pode avançar? Dignidade humana?

A chave para responder a estas perguntas está na utilização do conhecimento para a melhoria da qualidade de vida humana, já que o saber e a ciência devem ser vistos como patrimônio da humanidade.

O avanço da biotecnologia tem trazido muitas conquistas à humanidade, mas também, muitos riscos, assim, a aplicabilidade dos procedimentos na investigação científica, precisa ser revista e repensada, pois embora possa ser científico nem sempre é ético. Afinal de contas, até que ponto a ciência "age" em benefício da humanidade?

Daí a necessidade de se compreender a bioética.

Bioética: “bíos” (vida) “éthos” (costume, comportamento, ética) – de vida e ética – é um neologismo que, significa ética da vida, adequação da realidade da vida com a da ética.[1]

Por tratar de vida, percebe-se a enorme abrangência da matéria e, embora tenha-se tentado delimitar seu conteúdo, a bioética não tem fronteiras, não se definindo como as demais disciplinas. Eis, aqui, um primeiro desafio!

O termo "bioética" foi criado em 1971 pelo oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter,  em seu livro “Bioética: Ponte para o Futuro”, estabelecendo uma ligação entre os valores éticos e os fatos biológicos.[2]

Segundo Potter:

Necessitamos de biólogos que nos digam o que podemos e devemos fazer para sobreviver e o que não devemos fazer, se esperamos manter e melhorar a qualidade de vida nas próximas décadas. O destino do mundo depende da interação, preservação e extensão do conhecimento que possui um reduzido número de homens que, somente agora, começam a se dar conta do poder desproporcionado que possuem e quão enorme é a tarefa de a realizar.[3]

A princípio, a bioética resumia-se ao Juramento Hipocrático: "Usarei meu poder para ajudar os doentes com o melhor de minha habilidade e julgamento; abster-me-ei de causar danos ou de enganar a qualquer homem com ele", ou seja, tinha a função de orientar as obrigações da classe médica baseando-se no bem-estar do paciente.

Com o passar do tempo, verificou-se uma evolução na história humana, com novas descobertas mudando a vida das pessoas. Esta evolução teve seus aspectos positivos mas também trouxe estagnação e retrocessos.

O mais perigoso desses regressos à barbárie foi visto com Hitler e seus seguidores, inspirados no desprezo à pessoa, criando uma ciência completamente equivocada em que se utilizava seres humanos como cobaias. Ressalte-se que essas experiências absurdas não permitiram um único progresso científico válido. Foram simplesmente grotescas e desumanas.

As experimentações levadas a cabo pelo regime nazista da Alemanha e a subseqüente condenação pelo Tribunal de Nuremberg em 1947, de médicos considerados culpados de conduta contrária aos valores do humanitarismo, assentaram uma nova fase da bioética.

Os avanços do conhecimento científico indicavam que estávamos vivendo um mundo novo, caracterizado pela explosão da ciência e da inovação tecnológica, que evidenciavam as vulnerabilidades da natureza e do corpo humano.

Assim, a bioética impôs-se como uma reação à realidade que a pesquisa científica no campo da vida apresentou, desde a barbárie nazista, até os recentes experimentos em manipulação genética. Ela surgiu da indignação com relação aos novos acontecimentos, ou seja, quando foi possível imaginar conseqüências desastrosas  advindas dos avanços da biotecnologia.[4]

Portanto, surgindo a partir da ética nas ciências biológicas, a bioética é hoje, também, uma disciplina voltada para o biodireito e para a legislação com a finalidade de garantir mais humanismo nas ações e relações médico-científicas. A bioética apresenta-se, ao mesmo tempo, como reflexão e ação. Reflexão porque tem o diferencial de realmente parar para refletir sobre as conseqüências psicossociais, econômicas, políticas e éticas advindas dos avanços da ciência e Ação, porque, após a reflexão, é capaz de posicionar-se de forma a assegurar o sucesso desse tipo de relação, impondo limites e ditando regras que estabeleçam um novo contrato social entre povo, médicos, governos etc.[5]

Esse novo ramo da ética apresentou, desde o princípio, uma nítida vocação reguladora, mas não dogmática, do comportamento humano. Deste modo, a bioética procurou formular princípios gerais, que pudessem servir como "mandatos de otimização", na criação de princípios aplicáveis às pesquisas e tecnologias genéticas.[6]

Os últimos anos vêem a bioética ocupar um espaço importante da reflexão humana. Pode-se dizer que a bioética tem um grande futuro pela frente.

Surge a bioética oferecendo uma contribuição decisiva na construção de uma vida mais digna para todos, na discussão de questões e problemas concretos.

A bioética não se utiliza simplesmente dos conhecimentos de outras ciências, mas cria um espaço de diálogo interdisciplinar, começam a sentar à mesa de discussão advogados, teólogos, filósofos, antropólogos, sociólogos, médicos e muitas pessoas sensibilizadas com essa temática.

O movimento dialético, inerente à interdisciplinaridade, permite rever o tradicional para torná-lo contemporâneo, já que em todo conhecimento novo existe algo de antigo. Busca-se o equilíbrio, novidade com responsabilidade.

Outra observação fundamental e indispensável ao Brasil é a necessidade de criação da própria visão de bioética,  não podendo simplesmente aceitar passiva e acriticamente as propostas e marcos conceituais provenientes de países do Primeiro Mundo. Precisa-se adaptar a bioética de acordo com a realidade nacional, levando-se em conta a fome, o abandono, a exclusão social, o racismo etc.

O fator tempo também deve ser visto como um valor ético, porque cada minuto perdido ou discussão protelada significa mortes e evolução para a irreversibilidade da deterioração da questão ecológica.[7]

Sobram desafios sim, mas não falta o idealismo ético aliado a um compromisso com a vida. Neste sentido, a bioética começa a dar uma contribuição significativa na sensibilização e compromisso pelo resgate do sentido da dignidade humana e qualidade de vida.

O desenvolvimento da biotecnologia é, sem dúvida, um fenômeno cultural que representa não só um grande acúmulo de conhecimento pelo homem, mas também e, principalmente, um novo entendimento sobre a situação do ser humano no mundo. A bioética é uma ciência da qual o homem é sujeito e não somente objeto.

Baseia-se a bioética em três princípios: da beneficência, da autonomia e da justiça – é a chamada “trindade bioética”, cujos protagonistas são: médico, paciente e sociedade.[8]

O Princípio da Beneficência ou não-maleficência é aquele baseado na obrigatoriedade do profissional da saúde (médico) de promover, em primeiro lugar, o bem-estar do paciente, tem a função de "fazer o bem", passar confiança e evitar danos, tratamentos inúteis e desnecessários.[9]

Segundo Sgreccia[10], o princípio da beneficência representa algo mais que o hipocrático primum non nocere, ou seja, o princípio do não-malefício, pois não comporta somente o abster-se de prejudicar, mas implica, sobretudo, o imperativo de promover o benefício.

Com o Princípio da Autonomia o ser humano (paciente) tem o direito de ser responsável por seus atos, de exercer seu direito de escolha (autodeterminação) respeitando-se sua vontade, valores e crenças, reconhecendo seu domínio pela própria vida e o respeito à sua intimidade.

Pelo Princípio da Justiça está a sociedade, que deve exigir eqüidade na distribuição de bens e benefícios. Este princípio impõe que, inobstante suas diferenças, as pessoas sejam tratadas de forma igualitária no exercício da medicina e nos resultados das pesquisas científicas.

A bioética, pela sua abrangência, está caracterizada pela interdisciplinaridade, interculturalidade e metodologia do diálogo, e é, por excelência, disciplina da alteridade.

A alteridade é critério fundamental da bioética, o que se quer dizer que a pessoa é o fundamento de toda reflexão e de toda prática bioética. Portanto, a alteridade significa o respeito pelo outro, trata-se de aprender a conviver com as diferenças, buscando equilíbrio entre os diversos pontos de vista.

É assim que se dá a alteridade e, por isso, ela permite não só a fundamentação, mas, também, a estruturação e a articulação dos conteúdos da bioética.

A relação da bioética com o Direito (Biodireito) surge da necessidade do jurista obter instrumentos eficientes para propor soluções para os problemas que a sociedade tecnológica cria, em especial no atual estágio de desenvolvimento no qual a biotecnologia desponta como a atividade empresarial que vem atraindo mais investimentos.

É necessário promover a valorização da dignidade da pessoa humana, em respeito à Constituição Federal, esta é a tarefa do jurista, sendo a bioética um fundamental instrumento para que se atinja este objetivo.

A bioética analisa os problemas éticos dos pacientes, de médicos e de todos os envolvidos na assistência médica e pesquisas científicas relacionados com o início, a continuação e o fim da vida, como as técnicas de reprodução humana assistida, a engenharia genética, os transplantes de órgãos, as técnicas para alteração do sexo, prolongamento artificial da vida, os direitos dos pacientes terminais, a morte encefálica, a eutanásia, dentre outros fenômenos. Enfim, visa a analisar as implicações morais e sociais das técnicas resultantes dos avanços nas ciências, nos quais o ser humano é simultaneamente ator e espectador.[11]

O grande objetivo da vida, para Aristóteles, seria a felicidade, e esta seria possível graças à qualidade especificamente humana, que diferencia o homem dos outros seres, sua capacidade de raciocínio, a qual lhe permitiria ultrapassar e governar todas as outras formas de vida. Presumia o filósofo que a evolução dessa faculdade traria realização pessoal e felicidade. Mas o filósofo não previu que essa mesma peculiaridade faria o homem conquistar campos inimagináveis, que o colocariam no limiar da sua própria natureza. [12]

Talvez nunca se tenha pensado que esse domínio do homem pudesse ameaçar a qualidade e a sobrevivência da vida em si mesma. Mas isso já aconteceu. Toda comunidade científica está em alerta já que as descobertas da biotecnologia se sobrepõem com uma rapidez inigualável. É preciso fazer com que a ética consiga ao menos se aproximar desses avanços e trazer perspectivas melhores à humanidade.

A grande questão que se impõe é: face aos avanços da engenharia genética e da biotecnologia, qual o comportamento a ser adotado pelos profissionais das diversas áreas ao enfrentarem os desafios decorrentes dessa evolução? Talvez a resposta fosse mais simples se a própria sociedade já tivesse traçado suas diretrizes para o assunto, mas também ela está perplexa.

Diante do que foi visto, é possível perceber que o homem pode muito mais do que deve. E ainda: não há que se falar em princípios éticos absolutos, já que a ética muda conforme a história da sociedade.

Chegar a um consenso é praticamente impossível, então, deve-se buscar a tolerância junto com a responsabilidade.

Parafraseando Aldous Huxley, estamos diante de um “Admirável Mundo Novo”, em que o saber científico produz uma sociedade totalitária e desumanizada.

Portanto, a bioética deve pronunciar-se entre a manipulação e a humanização.[13] A bioética não pretende calar a ciência, proibir as pesquisas, mas sim, caminhar com elas, tentando verificar os problemas antes que eles ocorram, avaliar o que realmente vale a pena, no sentido de prevenção.

Como se vê, é de extrema importância transferir essa temática também para as pessoas não especialistas, para que todos possam compreendê-la e decidir com segurança qual o melhor caminho a seguir. É essencial que a sociedade mude sua postura com relação à ciência e busque controlar de forma eficaz mecanismos de controle social e ético para que os "Homens-Deus" parem de brincar com a vida alheia.

O poder do homem sobre a vida mostra-se como uma realidade esperançosa, mas ao mesmo tempo, perigosa demais. É importante que o homem seja capaz de assumir decisões éticas que possibilitem um futuro plenamente humano.[14]

O progresso científico, aos poucos, deve ceder aos limites éticos e legais.

A bioética, sem dúvida, é questionamento em busca da conveniência e da oportunidade. Está voltada para o futuro com sucesso já no presente.

É claro que a bioética não significa estagnação e, portanto, estará sempre em transformação, guiada pela evolução da ciência e transformação da sociedade. Deverá acompanhar estes avanços tendo como principal objetivo a garantia da integridade do ser humano, tendo como linha mestra o princípio básico da defesa da dignidade humana.

Deve chegar o momento da ciência com consciência, rumo à priorização da função social das biociências.  Surge um "tempo novo" e nova mentalidade deve acompanhá-lo. O desafio é a construção de uma ética nova, baseada na solidariedade em que o pensamento do "eu" passe a ser o pensamento do "nós"!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETTO, Vicente de Paulo (Orgs.). Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

BERNARD, Jean. Da biologia à ética – Bioética. Paris: Editorial PSY, 1994.

BOLZAN, Alejandro. Reprodução Assistida e Dignidade Humana. São Paulo: Paulina, 1998.

DENNY, Ercílio A.. Ética e Sociedade. Capivari: Opinião, 2001.

GASSEN, Hans Gunter. Biotecnologia em discussão. São Paulo: Konrad-Adenauer, 2000.

GOLDIM, José Roberto. Introdução à Bioética. Disponível em: <http://www.hcpa.ufrgs.br/bioeticaf.htm>.  Acesso em: 24 mar. 2001.

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. 24. ed. São Paulo: Globo, 1998.

LADUSÃNS, Stanislavs (Coord.). Questões Atuais de Bioética. São Paulo: Loyola, 1990.

OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997.

PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.). Fundamentos da Bioética. São Paulo: Paulus, 1996.

RIBEIRO, Antônio de Pádua. Biodiversidade e Direito. Revista Consulex. Ano IV, nº39. Março, 2000.

SANTOS, Maria Celeste C. Leite. O Equilíbrio do Pêndulo a Bioética e a Lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998.

SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. São Paulo: Loyola, 1996. I v.

NOTAS:

[1] PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.). Fundamentos da Bioética. São Paulo: Paulus, 1996,  p. 30.

[2] SANTOS, Maria Celeste C. Leite. O Equilíbrio do Pêndulo a Bioética e a Lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998,  p. 38.

[3] POTTER, Van Rensselaer apud  PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.), op. cit.,  p. 33.

[4] GOLDIM, José Roberto. Introdução à Bioética. Disponível em: <http://www.hcpa.ufrgs.br/bioeticaf.htm>.  Acesso em: 24 mar. 2001.

[5] OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997,  pp. 47-48.

[6] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993,

pp. 86-87.

[7] PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.), op. cit.,  pp. 27-28.

[8] SANTOS, Maria Celeste C. Leite, op. cit., pp. 42-45.

[9] OLIVEIRA, Fátima, op. cit.,  pp. 55-56.

[10] SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. São Paulo: Loyola, 1996,  p. 167.

[11] BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETTO, Vicente de Paulo (Orgs.). Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,  p. 2.

[12] GOLDIM, José Roberto, op. cit.,  pp. 5-10.

[13] DENNY, Ercílio A.. Ética e Sociedade. Capivari: Opinião E., 2001, p. 50.

[14] SANTOS, Maria Celeste C. Leite,  op. cit. p. 37.

 


Referência  Biográfica

Juliana Frozel de Camargo  –  Advogada. Mestre em Direito Civil. Membro do Núcleo de Estudos de Direito Ambiental, Empresarial e Propriedade Intelectual – NEDAEPI. Membro da Comissão Organizadora e Revisora da Revista "Cadernos de Direito" – UNIMEP. 2004

camafroju@hotmail.com

Rito Sumaríssimo no Processo do Trabalho

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* José Mechango Antunes

CONCEITO

Para iniciar o trabalho sobre o tema proposto, vejamos primeiramente o conceito de De Plácido e Silva,(1)  do que seja rito e, também, sumaríssimo.

“RITO. Do latim ritus (modo, forma, maneira), no sentido jurídico entende-se o conjunto de formalidades ou de regras instituídas para que sirvam de forma ou de modelo à execução de um ato ou de uma diligência.

O rito, portanto, prescreve as regras formais ou as solenidades indispensáveis à validade jurídica do ato.

Na linguagem forense, rito e processo trazem o mesmo sentido: consignam as regras para que se promovam as ações ou se executem os atos necessários a seu andamento.”

“SUMARÍSSIMO. Superlativo de sumário” – do latim summarium – (resumo, compêndio) – “é a expressão usada para designar o processo, em que tudo se faz com brevidade, ou em que tudo se resolve de plano, isto é, sem a satisfação de formalidades usualmente dispostas para os processos comuns.”

“Assim, é o sumaríssimo indicativo do processo que deve ser tratado com uma brevidade superlativa, para que de igual modo seja pronunciada a decisão da questão, ou do assunto, que nela se debate.”

IDÉIA DE BREVIDADE  

Em alentado comentário ao tema, o Professor Amador Paes de Almeida,(2) inicia dizendo que a expressão sumaríssimo designa “um procedimento despido de maiores formalidades, sucinto, breve, simples, rápido”. Observa o autor que a expressão pode a princípio parecer inadequada, como ocorreu com idêntico instituto no processo civil ao prever a modalidade ritual, sem que existisse um procedimento sumário, ensejando a que o legislador alterasse para sumário a anterior denominação, por via da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994.

Diz ainda o mestre, que tal equívoco “não ocorre no processo do trabalho, em que, desde 1970, existe o procedimento sumário, instituído pela Lei nº 5.584/70”.

Conclui-se, pois, que o rito sumaríssimo é caracterizado pela brevidade, pela redução das formalidades processuais, em benefício das partes, que vêem de imediato a solução da pendência apresentada ao Juízo.

Diz célebre frase, que deve merecer permanente reflexão dos julgadores, que “justiça tardia é injustiça”.

Entretanto, não é nova a proposta de brevidade nos julgamentos de dissídios trabalhistas; ao contrário, a idéia é de que sejam unas as audiências.

A Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 849, prevê que será contínua a audiência de julgamento e concluída no mesmo dia, salvo na hipótese de força maior, em que o Juiz Presidente da Junta (hoje, Vara) marcará a sua continuação, “para a primeira desimpedida”. Quer-se dizer, não é nova a idéia de brevidade dos julgamentos na Justiça do Trabalho. Nesse sentido, o artigo 845 dispõe que as partes comparecerão à audiência acompanhadas das suas testemunhas, bem como naquela apresentarão as demais provas. Cuida-se aqui do princípio da concentração, a exigir que todas as provas sejam ofertadas naquela audiência, ressalvando-se, por óbvio, as que demandam tempo maior à sua produção, tais como perícia, oitiva de testemunhas por precatória, ou não-comparecimento de testemunha a que se pode requerer condução coercitiva, etc.                        

Ponto que merece destaque, e não de todos conhecido, é o que dispõe o parágrafo único do artigo 850 da CLT, no sentido de que o Presidente da Junta (hoje, Vara), após propor a solução do dissídio, tomará os votos dos juízes classistas e, em caso de empate “poderá desempatar ou proferir decisão que melhor atenda ao cumprimento da lei e ao justo equilíbrio entre os votos divergentes e ao interesse social”.

Tal observação se faz necessária, eis que os juízes classistas, peças importantes na solução dos conflitos, foram aos poucos perdendo o sentido, na medida em que deixaram de exercer corretamente os misteres conciliatórios, ou por despreparo dos que eram nomeados, ou por atropelamento dos juízes presidentes, cujos motivos determinantes da atitude refogem a este tratado. Daí a inevitável extinção da representação classista.

Também merece consideração o fato de que, na audiência de julgamento (artigo 843 da CLT) é facultado ao empregador fazer-se substituir por gerente ou qualquer outro preposto – cujas declarações obrigarão o proponente (§ 1º), bem como, em caso de doença ou motivo ponderoso (e não “poderoso”, como equivocadamente vêm grafando algumas obras), devidamente comprovado, o empregado poderá fazer-se substituir por outro, da mesma profissão, ou pelo sindicato (§ 2º). 

Bem de ver que, no caso de representação do empregador, a interpretação jurisprudencial tem se direcionado a que seja o representante sócio, diretor ou empregado da empresa representada, portanto pessoa jurídica. Não é, contudo, o que diz o artigo consolidado, por isso mesmo mais abrangente, porquanto alude no caput, a que o representante “tenha conhecimento do fato”.

A REALIDADE 

O que tem se verificado, entretanto, é que a Justiça do Trabalho, malgrado as disposições supra citadas, não tem acompanhado a demanda das ações, com sérios prejuízos principalmente aos empregados, partes hipossuficientes nas relações de emprego. Impotente, ante o elevado número de ações e as absurdas possibilidades recursais, máxime na fase de execução (que beneficiam apenas o empregador), tem deixado esta Justiça especializada rolarem-se os processos por anos seguidos, em detrimento da eficaz prestação jurisdicional, sendo comum o reclamante receber seus haveres após a morte, através do espólio, ou simplesmente não recebê-los. Outra ocorrência é quando o empregado, ante a demora da solução, acaba por fazer acordo aviltante, muitas vezes instigado pelo seu patrono, ávido por receber seus honorários.

Tudo isso ensejou o advento do Rito Sumaríssimo, acolhido com insólito entusiasmo por grande segmento do mundo jurídico, vislumbrando a possibilidade de que o novel instrumento venha a ser o ponto de partida para a aceleração das pendengas trabalhistas.

Os mais céticos, entretanto, propalam inevitável desengano dos que se revelam exageradamente entusiasmados com a novidade, isto com respaldo na tradicional morosidade da justiça brasileira, e, sem sombra de dúvida da do trabalho.

Ainda no entender de Amador Paes de Almeida,(3) o procedimento sumaríssimo, embora inquestionavelmente melhor estruturado,

            “não colherá resultados tão promissores. E isso porque o problema maior na prestação jurisdicional no Brasil, nas três esferas, estadual, federal e trabalhista, reside, sobretudo, no campo estritamente processual, ou seja, na pletora de recursos”.

            “O número e as espécies de recursos (e o mal está presente na Lei nº 9.957/2000) existentes no processo do trabalho tornam impraticável a prestação jurisdicional trabalhista.”

LEGEM HABEMUS  

Veio a lume, aos 13 de janeiro de 2000, sancionada que fora na data antecedente, a Lei nº 9.957, a qual “acrescenta dispositivos à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, instituindo o procedimento sumaríssimo no processo trabalhista”.

Restou assim acrescida a lei trabalhista da “Seção II-A – Do Procedimento Sumaríssimo”, por acréscimo à “Seção A” e, por conseguinte, acrescidos os artigos de 852-A a 852-I, assim como alterados os artigos 895 e 896, adicionando-se ainda o artigo 897-A àquele diploma.

O artigo 852-A dispõe que os dissídios individuais, não excedentes ao valor de quarenta vezes o salário mínimo (hoje, R$ 9.600,00) na data do ajuizamento da reclamação, submetem-se ao novel procedimento na esfera trabalhista. Excluem-se (parágrafo único) as demandas em que for parte a Administração Pública direta, autárquica e fundacional.

Na dicção do artigo 852-B, o pedido deverá ser certo ou indeterminado, indicando o valor correspondente, bem como que não será feita citação por edital, constituindo incumbência do autor a correta indicação do nome e do endereço do reclamado (incisos I e II). Prevê o inciso III que a apreciação da reclamatória deverá ter lugar no prazo máximo de quinze dias, sendo possível, caso se revele necessário, de pauta especial.

Há que se observar que o prazo máximo de 15 dias determinado para julgamento, se necessário em pauta especial, representa certo privilégio aos autores, frente aos milhares de outros que aguardam em fila de vários anos a solução de suas causas, submetidas ao procedimento ordinário, deixando-se aqui escapar, por analogia, a equanimidade exigida para todos.

Manoel Antonio Teixeira Filho,(4) assim afirma:

            “No fundo, como se percebe, o legislador, ainda que não o desejasse, acabou por criar ato discriminatório ao separar as causas de “pequena monta” das de “grande monta”, sob a perspectiva econômica, como se esse critério fosse correto para definir a necessidade que possui o trabalhador, quando em juízo, de obter, em menor ou maior espaço de tempo, a prestação da tutela estatal. Toda discriminação é odiosa; a discriminação entre miseráveis, além disso, é perversa.”

Verifica-se portanto que, se por um lado, o sumaríssimo beneficia alguns trabalhadores, vem por certo em detrimento de muitos outros, remanejados ao fim da fila, por assim dizer, falando-se em causas de maior valor. Neste ponto, já demonstram habilidade os patronos dos reclamantes, criando, na peça exordial, direitos utópicos com o fito, nada profissional, de escapar ao novo rito.

Em contrapartida, outros patronos, ávidos de ganho imediato, reduzem o petitório, na busca de imediatos resultados financeiros, principalmente objetivando o acordo na primeira audiência, nem sempre benéfico ao reclamante.

Dispõe o artigo 852-B que as demandas pertinentes ao rito sumaríssimo serão instruídas e julgadas em audiência única – de resto o objetivo primeiro do processo trabalhista, já citado alhures, e reiteradamente descumprido, pelo que já também se disse.

Já o artigo 852-D repete prerrogativa processual (artigos 126 a 128 e 131 do CPC), no sentido das prerrogativas e da persuasão racional do julgador.

Todas as provas deverão ser produzidas em audiência, ainda que não requeridas previamente, a teor do artigo 852-H, tal como leciona o artigo 845 da CLT, igualmente se procedendo no tocante às testemunhas e com as mesmas ressalvas, por comparação.

No tocante à exclusão da Administração Pública direta, autárquica e fundacional, do procedimento sumaríssimo, soa ela como absurda, na medida em que, se todos são iguais perante a lei, sem qualquer discriminação (artigo 5º, caput da Constituição Federal), não se justificando, a princípio, tal exclusão.

Nesse sentido, ainda, a opinião de Amador Paes de Almeida:(5)

            “Lamentamos a exclusão da Fazenda Pública, responsável direta pelo acúmulo de recursos que abarrotam os tribunais brasileiros, e não encontramos qualquer justificativa plausível para a exclusão das fundações, ainda que públicas.”

Ficamos contudo com aqueles que atribuem a limitação ao fato de que os entes públicos são beneficiários do Decreto-lei nº 779/69, que lhes confere prazos elásticos para os recursos processuais, aliás, situação que está a merecer reflexão, à vista inclusive de que tais entes são detentores de estruturas jurídicas satisfatórias para responderem em tempo igual às interpelações de que são alvo.

Já sob o aspecto ético, é possível assegurar-se que não se justifica tal discriminação, sendo cediço que, conquanto maus pagadores (os piores) são os beneficiários do decreto-lei, arrastando à exaustão os recursos permitidos, mormente na fase executória, em detrimento dos que já têm a seu favor a res judicata. Haja vista a lentidão dos precatórios da Fazenda Pública, em detrimento de quem, desventuradamente, demanda contra a mesma. 

Outro ponto que merece crítica é o inciso II do artigo 852-B, na medida em que impõe ao autor injustificado ônus, no que pertine à correta indicação do nome e endereço do reclamado, exigência inexistente no rito ordinário trabalhista:

            “não se fará citação por edital, incumbindo ao autor a correta indicação do nome e endereço do reclamado;”

Com efeito, trata-se de verdadeiro grilhão imposto ao reclamante (aqui tratado autor, em contraposição à forma tradicional adotada no processo do trabalho), na medida em que não poucas vezes o reclamado desaparece sem deixar vestígios; uma cômoda inversão de atribuições, que bem poderia ser evitada, mantendo-se a prudente figura do oficial de justiça. São maiores as dificuldades e as limitações impostas a quem pretender invocar a tutela jurisdicional a bem do direito pretendido, vislumbrando-se que não serão raras as oportunidades de desistência ante a dificuldade de localização do possível devedor. Assim haverá, embora de forma caolha, uma diminuição de ações, a bem do decantado desafogamento.

Ressalte-se aqui a desídia de alguns patronos, habituados às ações fáceis, com possibilidades de acordos – ganho imediato – no sentido de que não orientam suficientemente o seu constituinte-trabalhador no sentido de buscar a localização do empregador “fugitivo”.

Assim, não serão raras as vezes em que o empregado ver-se-á na contingência de recorrer, munido de alguns artifícios talvez, ao “antigo” procedimento, à míngua de informações mais detalhadas sobre o seu ex-empregador.

De resto, o que se verifica é que pouco de novidade trouxe o novo procedimento, porquanto o rito sumário instituído pela recém promulgada norma adota, como medidas de celeridade, algo idêntico ao já existente no texto consolidado, não se falando, obviamente, da questão dos prazos, estes, certamente de impossível cumprimento, na grande maioria  dos casos, como estudado neste trabalho.    

Portanto, o legislador não criou nada de novo, uma vez que a legislação existente já previa uma forma ritual mais rápida no processo do trabalho. Além disso, o sumaríssimo da nova lei, não é assim tão sumário; na verdade, o é menos que o da Lei n 5.584/70, considerando-se a possibilidade de interposição de recurso ordinário, bem como de revista, nas hipóteses que a lei prevê.

            O que, na verdade, atravanca a possibilidade de que a prestação jurisdicional seja rápida são o número e as espécies de recursos possíveis no processo trabalhista:      

·        Da sentença de 1º grau cabem embargos declaratórios (artigo 897-A da CLT);

·        Julgados os embargos, cabe recurso ordinário ao TRT (art. 895 da CLT);

·        Se denegado seguimento ao RO, cabe agravo de instrumento (art. 897, b da CLT);

·        Julgado o RO, cabem embargos declaratórios (art. 897-A da CLT);

·        Do RO cabe recurso de revista ao TST (art. 896 da CLT);

·        Negado processamento pelo juízo de admissibilidade a quo (Presidência do TRT), cabe agravo de instrumento (art. 897, b, da CLT);

·        Denegado processamento pelo Juízo ad quem (relator da Turma do TST), cabe agravo regimental para a mesma Corte (RITST, art. 332, parágrafo único);

·        Do julgamento do RR (se houver divergência entre Turmas ou entre Turmas e a Seção Especializada em Dissídios Individuais), cabem embargos de infringência para a mesma Seção (Lei nº 7.701/88, art. 3º, inciso III, alínea b;

·        Em caso de violação à Lei Federal ou à Constituição, cabem embargos de nulidade para a Seção acima (Lei nº 7.701/88, art. 3º, inciso III, alínea b, in fine;

·        Na hipótese de a decisão contrariar disposição constitucional, cabe recurso extraordinário para o STF (CF, art. 102, III, alíneas a, b e c;

·        Negado processamento pelo Juízo de admissibilidade a quo (Presidência do TST), cabe agravo de instrumento (artigo 897, alínea b da CLT);

·        OBS  – É obrigatória, na fase recursal, a manifestação da Procuradoria do Trabalho, ainda que a questão não envolva interesse público.

·        Na fase de execução, o executado dispõe do recurso de embargos à execução (art. 884 da CLT), buscando tornar sem efeito a eficácia executiva da sentença exeqüenda;

·        Das decisões proferidas pelo Juiz do Trabalho na fase executória, cabe agravo de petição (art. 897, alínea a, da CLT);

·        Na fase alienatória a parte dispões de embargos à arrematação (art. 746 do CPC e art. 769 da CLT);

·        Da decisão do recurso supra, cabe agravo de petição para o TRT (art. 897, alínea a, da CLT);

Nas sentenças contra a Fazenda Pública, há obrigatoriedade do recurso ex officio (recurso por imperativo legal), que no mais das vezes é acompanhado do recurso voluntário. 
 

RECURSO ORDINÁRIO
 
Proferida sentença definitiva nas causas sujeitas ao procedimento sumaríssimo, cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo, que permite a extração de carta de sentença e, bem assim, a execução provisória, nos termos do artigo 895, “a”, da CLT.

Assim, o recurso será imediatamente distribuído a uma das turmas (artigo 895, inciso II da CLT), tendo o relator o prazo máximo de dez dias para sua liberação, o qual deverá de imediato ser posto em pauta para julgamento, sem a figura do revisor. Terá parecer oral do representante do Ministério Público do Trabalho, presente à sessão de julgamento e o acórdão consistirá unicamente em certidão de julgamento, não sem as razões de decidir, embora de forma sucinta. Este fato é deveras preocupante, ante a possibilidade – natural – de o juiz relator deixar passar algum equívoco, que poderia ser verificado pelo revisor.

Os tribunais poderão designar turma específica para tais julgamentos, visualizando-se aqui, mais uma vez, atitude em detrimento àqueles reclamantes cujo valor da ação seja de maior monta que aquela jungida ao procedimento sumaríssimo, situação de difícil acomodação.

No que toca à ausência de revisor, cabe, concessa venia dos que entendem em contrário, uma crítica, pois exsurge clara a possibilidade de julgamentos sem o necessário acuro na apreciação, dado o grande volume de feitos, de vez que o revisor, se atento à sua responsabilidade, atua verdadeiramente como um segundo relator, o que conduz a uma melhor apreciação, mesmo em se tratando do sumaríssimo.

Qualquer que seja o feito, em grau de apelação, é imprescindível a prudente figura do revisor, havendo lamentável equívoco em sua supressão.

Cabe aqui assinalar que, neste ponto, fazemos o comentário pertinente com esteio na experiência de mais de sete anos no Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, como juiz classista, em cujas sessões são julgados, regra geral, mais de uma centena de processos, dificultando uma mais acurada apreciação de cada um. Ressalto que a distribuição média, nesse período, foi de trinta e cinco processos por juiz, como relator, e outros tantos, ou mais, como revisor, sendo que os embargos declaratórios (exigíveis, para prequestionamento da matéria perante a instância ad quem) vêm por acréscimo, ensejando a reapreciação parcial dos autos.

RECURSO DE REVISTA  

Havendo a pretensão ao Recurso de Revista, tal só será possível em caso de ferimento a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho, ou violação direta a Constituição da República (artigo 896, § 6º), em arremedo ao caput do mesmo artigo, com a redação dada pela Lei nº 9.756/98; porém, em necessária adequação em razão da lei nova.

Entretanto, salutares reputo as críticas, equivocada se revela a redação do parágrafo 6º, na sua dicção, ipsis litteris, com grifos nossos:

            “Nas causas sujeitas ao procedimento sumaríssimo, somente será admitido recurso de revista por contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho e violação direta da Constituição da República.”

Na verdade, deveria o texto ser assim grafado, na interpretação, no mínimo lógica, do legislador:

            “…súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho ou violação direta da Constituição da República.” 

Com efeito, à literal interpretação do texto (e assim se dará, indubitavelmente, máxime quando a apreciação couber aos legalistas, quer-se dizer, àqueles que, por convicção ou comodismo, atêm-se à fria letra da lei) haverá, como pressuposto para interposição do recurso “derradeiro”, a necessidade de duplo ferimento: a súmula de jurisprudência uniforme do Excelso Pretório e à Constituição da República.

Será, por certo, mais uma oportunidade para se invocar, dando asas à sanha protelatória, a interpretação do julgador, no compulsar do artigo 85 do Código Civil, aplicado subsidiariamente ao Direito do Trabalho, ex vi do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.

Cabe consignar sábia frase do insigne magistrado Dr. Francisco Antonio de Oliveira,(6) que estudaremos neste trabalho:

            “O legislador opera em sede de utopia e, lamentavelmente, demonstra desconhecer por completo a realidade trabalhista no País.”

De se lamentar, também, o desconhecimento, dos princípios e regras elementares regentes de nossa língua…

Evidentemente, o que ocorreu foi um equívoco – lamentável, diga-se – pelo que urge a adoção de providência, pelo Tribunal Superior do Trabalho, via de enunciado, a fim de que se pacifique o entendimento sobre a matéria, sob pena de se verificarem injustiças quando da denegação de seguimento do recurso de revista. 

OBJETIVO PRIMEIRO DA LEI  

Preconizando a celeridade na Justiça do Trabalho (a mais célere, no dizer da douta Juíza do Trabalho Dra. Catia Lungov)(7) – assertiva com a qual concordamos – embrionou-se a Lei em comento, vindo ela a lume sem o necessário burilamento, como soe ocorrer, quer-se dizer, sem a consulta prévia aos enumeráveis juristas que apreciariam opinar adrede sobre a matéria, resultando por certo em maior eficácia da norma.

Perquire a douta Juíza, em indagação que também é nossa, 

            “se é frutífero centrar nossa atenção na obsessão pela redução da atividade judiciária, através da criação de dificuldade à propositura de ação e ao exercício do direito de recurso, ou na extinção dos processos sem a apreciação do mérito, pelas mais variadas justificativas, como se com isso se estivesse restaurando a paz social”.

Com efeito, parece que há exacerbada decisão de, pela via inversa, resolver-se, ao revés do norte, as questões judiciais, na medida em que se depara com a dificuldade de aprimoramento da Justiça, no seu todo, atuando-se de forma canhestra na busca de uma solução para o assustador acúmulo de feitos.

Assim se manifesta a Juíza Kátia(8), abordando a questão do prazo a ser cumprido para a solução das demandas no sumaríssimo:

            “Ao se fixar um prazo, desprezou-se que a Justiça do Trabalho é campeã imbatível, numericamente, na solução de litígios e que ainda é a mais célere.”

            Mais adiante:

            “Desprezou-se que há um acúmulo já de anos nas pautas, com processos aguardando instrução, processos esses que não merecem ser preteridos porque propostos anteriormente à nova lei.”

A mesma preocupação é verificada pelo Dr. Narciso Figueirôa Júnior,(9) que assim refere:

            “Embora mereça encômios a preocupação do legislador com a agilização nos julgamentos dos processos trabalhistas, não acreditamos que os objetivos da referida lei serão alcançados, pelo menos a curto prazo, tendo em vista o acúmulo de processos existentes tanto na primeira quanto na segunda instância.”

É verdade. Necessário se faz a agilização da Justiça, a fim de que a prestação jurisdicional não se transforme, pela demora, em manifesta injustiça. Porém, inolvidável que as partes – autor ou réu – não podem se sentir mutiladas vendo que se trata dos seus direitos subjetivos de forma algo atabalhoada, a toque de caixa, sem a necessária apreciação pelo estado-juiz, como é de se esperar.

Impende sopesar se necessitamos de regras novas ou se, melhor atuando, se façam cumprir as já existentes, num redimensionamento das atividades pertinentes, visando a uma agilização por vontade política, por assim, dizer, sem necessidade de adoção de novidades, nem sempre férteis.

DIFICULDADES POSSÍVEIS  

Diversos juízes e advogados têm-se manifestado céticos no que toca à prática do rito sumaríssimo, segundo os quais, o cumprimento dos prazos previstos é a principal dificuldade, em especial nos grandes centros, sendo que no interior sua viabilidade é mais palpável. Um problema que não foi bem avaliado quando da elaboração do texto milagroso (assim parece que o querem) é a questão da notificação em tempo hábil no prazo exíguo de quinze dias, ponto em que se desavantaja o reclamado, quase impossibilitado de elaborar defesa adequada à lide proposta. O serviço de correio também não é adequado o bastante a essa situação, sendo necessário um segmento do mesmo à permanente disposição da Justiça do Trabalho, como seu apenso, dir-se-ia.

Verifica-se, por exemplo, a exigência de unicidade da audiência, regra processual já existente desde antanho, no ordenamento processual trabalhista, não se constituindo, pois, novidade. Se não tem sido observada, já o dissemos acima, é pelos mesmos motivos que também tornarão possível o emperramento dos feitos submetidos ao novo rito, o que vislumbro inevitável. Não se trata aqui, especificamente, de crítica, mas de análise da realidade.

Em feliz abordagem deste particular, o eminente Juiz Francisco Antonio de Oliveira,(10) supra citado, alude à dificuldade de sucesso do novo rito, nos grandes centros, decorrente do avassalador volume de ações, “que hoje se eleva a patamares preocupantes”, diferentemente das pequenas co-marcas, onde a novidade se revela desnecessária, com o procedimento ordinário satisfazendo a contento a demanda.

Transcrevo crítica do autor, no sentido de que:

            “A cultura legiferante do País funciona como ato de constrição que coloca o poder político (Executivo e Legislativo) numa redoma de vidro fosco a retirar-lhe qualquer visão da realidade. Para o poder político, a lei funciona como espécie de panacéia que, editada e sancionada, passa a corrigir todos os males, ungida que estaria de poderes deificantes” (di-los-ia apoteóticos), “como se ato proveniente dos deuses.”

Seria, por assim dizer, um lavar-de-mãos bíblico (tal como quando Pilatos entregou à malta ululante o inocente Jesus de Nazaré) com a edição de texto tido e havido como milagroso – já se disse alhures – deixando aos enfermos o remédio duvidoso, não suficientemente elaborado no laboratório que deveria primar pela competência.

Parida a norma, gestada que foi currente calamo, entregam-na envolta na placenta irremovível às partes e aos julgadores, partindo para outra gestação, na busca de justificar sua permanência nos postos que ocupam, por delegação popular.

Mais adiante, arremata o mestre que a Lei sob comento, apesar de bem intencionada, eiva-se de utopia, não tendo vocação para milagreiros os juízes:

            “Não existe possibilidade de exigir-se julgamento em 15 dias na primeira instância ou que o relator libere o processo em dez dias para julgamento nos tribunais. Aconselha-se que os senhores deputados e senadores conheçam o País e verifiquem a realidade de cada região (são 24 regiões trabalhistas) e as dotem de varas, turmas, funcionários e de todas as necessidades materiais para que a lei não permaneça em berço esplêndido, como quase tudo no País.”

            Manoel Antonio Teixeira Filho,(11) é enfático:

            “O legislador, como se nota, fez ouvidos moucos à sábia ponderação de Chiovenda de que, no terreno das leis processuais, devemos sempre ‘aspirar a uma reforma profunda, ou renunciar à esperança de um certo progresso’. O que nos deu o legislador foi um texto tímido, quase inexpressivo, produto de pastiches e de amálgamas de normas legais forâneas, com os quais procurou fazer crer, visionariamente, que este seria ‘o melhor dos mundos possíveis, na expressão de Pangloss, personagem de Voltaire em ‘Cândido’.”

De se observar, por oportuno e necessário, que o texto em comento se amolda perfeitamente, comparativamente e pela via inversa, fato abordado acima, com referência à extinção da representação paritária na Justiça do Trabalho, quando o entendimento era no sentido de que impossível a cura do membro enfermo, culminando-se pela amputação.

POSSIBILIDADES DA LEI 

Tentemos buscar as vantagens da nova modalidade, com certeza bem poucas.

Daqueles que consideram o Rito Sumaríssimo como grande conquista para a modernização do processo do trabalho, ousamos discordar, data venia, à vista de razões já acima expostas, quais sejam, de que o processo do trabalho já seria, por si próprio, suficientemente célere, nos moldes do Sumaríssimo (artigo 849 da CLT). Os motivos são aqueles já supra expostos, no sentido de que, por vezes, torna-se difícil a prática prevista no indigitado artigo, por impossível a produção das provas necessárias.

Com efeito, hoje, quase quatro anos após, verifica-se que pouco ou nada mudou, no sentido de agilização do processo trabalhista.

Curial observar-se que, muitas vezes, pretender-se-á, debalde, aplicar o novo rito para solução de pendência decorrente de relação empregatícia duradoura, quer-se dizer, por vários anos, cuja relação jurídica ocorreu diariamente, oito ou mais horas por dia, cuja prestação e contraprestação foi variada nas suas peculiaridades: marcação diária de ponto; atrasos; excedimento da jornada ou carga horária contratual, mesmo que em minutos diários; repouso semanal não cumprido; turnos de revezamento; labor em condições agressivas, nem sempre reconhecido pelo empregador e de demorada comprovação; desvio de função; afastamento do empregado por motivo de enfermidade, inclusive da gestante; comportamento inadequado das partes – empregado e empregador, este, inclusive por seus prepostos – ensejando a ruptura do pacto laboral por justo motivo; etc.

Para uma melhor adequação ao novo sistema, necessário que as convenções coletivas prevejam as possibilidades aqui elencadas, no sentido de viabilizar a aplicação legal sem qualquer possibilidade de perda para os trabalhadores – parte frágil da relação trabalhista, máxime nestes tempos de desemprego, com os sindicatos enfraquecidos e nem sempre representando os legítimos interesses profissionais, preferindo seus dirigentes a cômoda situação de mando e poder perante a categoria.

Não se afigura possível, a curto prazo, esta possibilidade, dada a existência de perpetuação dos dirigentes sindicais, no “poder”, quase sempre danosa ao bom exercício de seus misteres, de vez que o continuísmo é sempre pernicioso, tal como nos mandatos legislativos, onde, no meu entender, deveriam ser limitados, a bem da renovação.

Contrariamente a este entendimento, vêm os argumentos no sentido de que o dirigente sindical teria dificuldades de retornar às suas atividade produtivas na empresa, ou noutra qualquer, ficando “marcado” pelos empregadores. Entretanto, repito que a renovação é necessária.

ENTRE PARÊNTESES:

Comissões de Conciliação Prévia  

Em auxílio à nova lei, foram instituídas as Comissões de Conciliação Prévia (Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000), dispondo ainda sobre a execução de título extrajudicial na Justiça do Trabalho.

Assim, acresceu-se à Consolidação das Leis do Trabalho o “Título VI-A – das Comissões de Conciliação Prévia”.

As Comissões de Conciliação Prévia repita-se, representam uma possibilidade alentadora de solução dos conflitos à margem do Poder Judiciário. Entretanto, sempre com a possibilidade de prejuízo para os hipossuficientes, a não ser que estes estejam convenientemente assistidos por seus lídimos representantes, principalmente sindicais.

José Eduardo Haddad(12) é de opinião que,

            “o procedimento sumaríssimo, dentro de uma máquina judicial menos acionada, em vista da triagem prévia, e, por isso, mais ágil, poderia ser imposto a todas as demandas trabalhistas, até porque adota princípios que a própria CLT já prevê para o rito ordinário trabalhista. De nada adianta a instituição de um procedimento mais célere dentro de uma estrutura que sofre com a acúmulo de processos, posto que, para o cumprimento dos exíguos prazos impostos pelo procedimento sumaríssimo, os juízes serão obrigados a privilegiar os feitos regidos por este, em detrimento das ações impulsionadas no rito ordinário.” (Grifo nosso.)

Não é demais, nem representa lucubração negativa, lembrar que a parte mais forte da relação de emprego poderá valer-se de expedientes inescrupulosos, coagindo, por assim dizer, os conciliadores a fim de que se rendam a uma solução forçada, mediante determinada vantagem. Bem melhor seria a atuação dos representantes classistas, na primeira instância, desde que devidamente preparados para tanto. É certo que, ultimamente, o que se verificou foi que os classistas quase nunca se empenharam na solução do litígio em primeira audiência, quer por despreparo, omissão, ou porque, simplesmente, não tinham a necessária representatividade. Quer-se dizer, ou pertenciam a entidades criadas com o fito único de indicar classistas, ou, o mais lamentável, eram pessoas que não diziam respeito, absolutamente, à classe que representavam, lá estando apenas atraídos pelo considerável ganho e pela possibilidade de aposentadoria com vencimentos maiores.

Abordando a matéria em ora inserta, o Doutor Jorge Pinheiro Castelo(13), ressalta a condição desfavorável do trabalhador, assim:

            “Aliás, a vulnerabilidade econômica do trabalhador após a rescisão contratual, ou seja, como desempregado, é maior do que a do empregado, acentuando-se, ainda mais, se tiver idade avançada ou for aposentado.”

O autor aborda ainda a questão da constitucionalidade da Lei nº 9.958/2000, uma vez que a “conciliação” é obrigatória, afastando a priori a faculdade, constitucionalmente assegurada, de recorrer ao Judiciário; este fato que deve merecer estudos mais aprofundados dos estudiosos. Considera ele patente inconstitucionalidade a imposição de uma etapa “administrativa” conciliatória ao trabalhador que já sofre a inadimplência do empregador, para então, num segundo momento (ou num terceiro, a se considerar o ato de homologação) ingressar em juízo.

Com efeito, seria de se perguntar: se é obrigatória, como pode ser tratada como conciliação?

Transcrevo excerto:

            “Manifestamente inconstitucional a exigência ou obrigatoriedade da conciliação prévia, visto que com o afirmado inadimplemento, no plano material, está configurado e satisfeito o interesse de agir processual próprio do direito constitucional de ação, não se podendo exigir a presença de um segundo interesse de agir administrativo, para só então se poder demandar em juízo.”

No que tange ao decantado desafogamento da Justiça do Trabalho, não creio que possa ocorrer, ainda pela possibilidade de que, apostando na brevidade da solução, muitas ações temerárias sejam intentadas, buscando-se acordos, estes muitas vezes aceitos pelos empregadores, por se tornarem menos onerosos que o arrastamento da ação por tempo maior, referência, é claro, àqueles que primam pelo cumprimento de suas obrigações perante os trabalhadores, quer por detestarem a intervenção judiciária, quer porque simplesmente preferem estar conformes à lei, e nisto estão corretos, obviamente.

Como se pode verificar, as possibilidades de sucesso são poucas, vislumbrando-se que não haverá desafogamento da Justiça do Trabalho e, tampouco, benefício às partes. 

Fosse adotado o princípio da irrecorribilidade das decisões (Lei nº 5.584/70) – regra que não fere o dispositivo constitucional (art. 5º, inciso LV), porquanto a Constituição Federal assim o prevê (art. 121, § 3º) – o resultado seria mais satisfatório, fechando as portas às irresignações de caráter meramente protelatório, que beneficiam, repita-se, apenas a parte mais forte na relação de trabalho, a empresa, conquanto interesse a alguns advogados inescrupulosos que, patrocinando ações dos trabalhadores, apostam no “desaparecimento” destes, aos quais não repassam, após longo tempo de espera, os valores auferidos na demanda.

NOS  TRIBUNAIS  

Aspecto importante é a possibilidade de lavratura dos acórdãos, nos tribunais, de forma lacônica, ou seja, por simples certidão em que restará consignado que a sentença é mantida “por seus próprios e jurídicos fundamentos”, prática omissiva, porquanto, ao revisar o julgado a quo, tem obrigação o juiz de exarar, salvo raras exceções, os motivos que o levaram a tal convencimento, tendo-se que nas razões recursais, via de regra, há questionamentos que demandam análise não apenas perfunctória do caso, mais uma completa reapreciação. Assim, não se justifica a adoção dos fundamentos objeto da irresignação da parte.

Cabe comento também no que se refere à aplicabilidade do artigo 557 do CPC (diploma processual aplicável no processo trabalhista), em que o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente etc., em especial na aplicação da multa prevista no § 2º, na interposição de agravo inadmissível ou infundado.

Na primeira hipótese, o caput, tem-se na prática que, no Processo do Trabalho, é a empresa que mais incide no recurso protelatório, beneficiada pela vantagem econômica de que é detentora frente ao empregado. Assim, no mais das vezes, teremos a penalidade aplicada à empresa, devendo o julgador atentar também para a outra parte, sem desconsiderar tratarem-se de pólos economicamente díspares na relação comum, não podendo descurar da aplicabilidade ao mais fraco. Entretanto, isto causaria, a meu ver, constrangimento por vezes prejudicial ao empregado, dada a falibilidade possível do relator e a incorreta apreciação do agravo, pelo tribunal, em razão do excesso de trabalho. São apenas possibilidades, mas que merecem reflexão.

CONCLUSÃO  

Em suma, o que se observa é que o chamado novo procedimento sumaríssimo não constitui novidade, se considerarmos que as soluções adotadas com vistas à aceleração do julgamento dos processos trabalhistas, não são novas. Ao contrário, estão há decênios na Consolidação das Leis do Trabalho – sempre atual, no nosso modesto entender, necessitando apenas de alguns reparos; jamais de ampla reforma – sendo certo que, se as novidades realmente apresentadas referem-se aos prazos, bastaria a competente adequação ao texto então vigente, o consolidado.

O que ocorre é que o Judiciário trabalhista rema contra a enxurrada de feitos, desaparelhado do ponto de vista humano – falando-se em número – com o que se vêem os magistrados e funcionários envoltos em pilhas intermináveis de processos, sem tempo para atualizar-se a pauta.

Mais grave ainda é o fato de que, dada a correria processual, surge a imperfeição dos julgados, ensejando a interposição recursal, e assim, num verdadeiro círculo vicioso, a roda d´água vai cada vez mais impregnando-se e ficando mais pesada, emperrada, o que dificulta sua normal movimentação.

A criação de novos mecanismos é medida que se impõe, na busca de soluções justas e rápidas para as demandas (e aí temos as decantadas Comissões de Conciliação Prévia, com enormes possibilidades de insucesso, já se disse), as quais, com o tempo, poderão contribuir para o desafogamento da Justiça obreira – bela na sua essência, eis que de natureza alimentar – caso, é claro, não se deixem desvirtuar, pelas possibilidades que são muitas, caso em que, mais uma vez, o grande prejudicado será o trabalhador, parte fraca na relação empregatícia, que busca, às vezes só o conseguindo post mortem, a paga dos sagrados direitos dela decorrentes.

Tivesse o legislador a sensibilidade e a sensatez necessárias para os problemas decorrentes do acúmulo de feitos, por certo o rumo tomado seria outro, que não a parição de nova lei, em respeito ao diploma trabalhista, idoso mas não envelhecido, e dotado de todos os instrumentos possíveis para a rápida solução das questões apresentadas ao Judiciário. A celeridade ritual não se resolve, no mais das vezes, com a criação de normas, mas com a correta aplicação daquelas já existentes, para tanto bastando boa vontade e método de aplicação. 

BREVE RESUMO

             Do estudo efetuado, pudemos extrair o seguinte:

·        A condição inicial para ajuizamento pelo sumaríssimo é que o valor reclamado seja até 40 salários mínimos, incluindo-se aí todas as cominações e correções;

·        Dissídios coletivos não estão abrangidos;

·        A Administração Pública direta, autárquica e fundacional está excluída do novel procedimento, em prejuízo para o trabalhador;

·        O pedido deve ser sempre certo e determinado, bem como e forma correta liquidado, o que facilita nos casos em que tal é possível;

·        Obrigatoriedade da apreciação da reclamatória em 15 dias, nem sempre possível, como se verá e que, de resto, pretere reclamantes outros, pelo procedimento ordinário;

·        Indeferimento da petição nos casos de indicação insuficiente ou incorreta de endereço, razão social e outros requisitos, situação em que haverá condenação em custas, sendo possível a isenção – ao arbítrio do juiz;

·        A citação não será feita por edital, mas via postal ou oficial de justiça, dificultando a atuação quando a empresa não mais se encontrar no endereço anteriormente conhecido – cabe às partes (diga-se, reclamante) comunicar qualquer alteração de endereço, pena de ineficácia da intimação;

·        Como no processo comum, o juiz indeferirá as provas que entender impertinentes;

·        A conciliação será proposta em todas as fases do processo, quer-se dizer, aqui, na mesma audiência, lembrando-se que será ela sempre única; à falta de acordo, o reclamado aduzirá, em 20 minutos, a sua defesa; poderá ser dispensada a leitura da peça inicial;

·        Os atos processuais são resumidos; é permitida a gravação da audiência, vislumbrando-se aqui a possibilidade de indeferimento da mesma, pois cabe ao juiz a direção do processo; de se lembrar que irrecorríveis as decisões interlocutórias e que os incidentes serão analisados na própria audiência;

·        Será necessário um maior preparo dos advogados, principalmente do reclamante, para que não sofra, este, prejuízo de difícil ou impossível reparação;

·        As testemunhas serão convidadas – não, intimadas – via carta contra recibo; se não comparecerem, poderão ser conduzidas coercitivamente, além de multadas (neste caso, a audiência não mais será uma); provas orais, técnicas e documentais sempre permitidas, mesmo que não requeridas previamente;

·        A manifestação sobre os documentos juntados será oral, pela outra parte, na própria sessão – prática por vezes difícil ou impossível, conforme a característica e/ou o teor do documento;

·        Havendo necessidade de perito, será nomeado na própria audiência, com prazo para entrega do laudo específico – novamente não será uma a audiência;

·        Quesitos sobre o objeto da perícia serão ofertados em audiência, bem assim a indicação de assistente técnico, ensejando acuidade do advogado para o preparo dos quesitos;

·        Haverá cinco dias para manifestação sobre as conclusões do laudo técnico, sendo esse prazo comum;

·        O relatório da sentença é dispensável (não dispensado, a meu ver), e resumida a sentença, que é definitiva, da qual cabe recurso ordinário em oito dias; neste caso, indispensáveis os pressupostos de admissibilidade, como no procedimento comum;

·        O recurso ordinário, tão logo recebido, será distribuído a um relator, que terá 10 dias para elaborar o voto e devolver os autos – lapso temporal de difícil cumprimento, pelo menos por ora; não existe a figura do revisor, medida que sugere preocupações, dado o acúmulo de feitos e a possibilidade de excessiva confiança no trabalho do relator – pessoa humana; portanto, falível;

·        O parecer do Ministério Público será oral, situação já verificada em algumas situações, no procedimento comum (que, por vezes, como já visto, desagrada a julgadores e advogados);

·        O acórdão será resumido, permitindo-se, em caso de manutenção da sentença, será bastante a alusão aos termos da mesma e a certidão – o que pode ensejar, pura e simplesmente, uma perfunctória apreciação dos autos, em velada e cômoda negativa de prestação jurisdicional;

·        Caberá recurso de revista de acórdão, desde que haja contrariedade a súmula do TST e (!…) violação à Constituição Federal; deveria a redação – como supra citado – dizer: “…súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho ou violação direta da Constituição da República.”; os pressupostos de admissibilidade são os mesmos do procedimento comum;

·        Sempre cabem embargos de declaração – em cinco dias – inter-rompendo-se o prazo para os demais recursos; se manifestamente protelatórios, assim declarados pelo juiz ou tribunal, haverá condenação em multa, não superior a 1% do valor da causa; em caso de reincidência, a multa será de até 10%; o depósito de tais valores é condição para a interposição do recurso seguinte;

·        Eventuais erros de ordem material são passíveis de correção, ex officio ou mediante a provocação da parte interessada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  

1.SILVA, De Plácido e – “Vocabulário Jurídico”, 13ª edição atualizada por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves, Forense, Rio de Janeiro, 1997.

2.ALMEIDA, Amador Paes de – (“Procedimento Sumaríssimo no Processo do Trabalho – Comentários à Lei nº 9.957/2000” – Boletim Informativo Saraiva, LTr, Ano 9, Número 1, Março de 2000). Magistrado aposentado do TRT da 2ª Região e professor doutor, titular de Direito Comercial e do Trabalho da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, da qual é vice-diretor. Autor de inúmeros livros, em especial nas áreas de Trabalhista (Direito e Processo) e Comercial.

3.ALMEIDA, Amador Paes de, ob cit.

4.TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio – (“O Procedimento Sumaríssimo no Processo do Trabalho” – Comentários à Lei nº 9.957/2000, LTr, São Paulo). É Juiz do Trabalho – Professor da Faculdade de Direito de Curitiba – Membro do Instituto Latioamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social – da Societé Internationale de Droit du Travail et de la Securité Sociale – do Instituto dos Advogados do Paraná – da Academia Nacional de Direito do Trabalho – da Academia Paranaense de Letras Jurídicas. 

5.ALMEIDA, Amador Paes de – ob.  cit.

6.OLIVEIRA, Francisco Antonio de – (“Tribuna do Direito”, de Abril de 2000). Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, presidente do Egrégio Sodalício – gestão de Setembro/2000-Setembro/2002. Doutor em Direito do Trabalho.

7.LUNGOV, Catia – (“Rito Sumaríssimo”, Tribuna do Direito, Junho de 2000). Juíza do TRT da 2ª Região.

8.LUNGOV, Catia – ob. cit.

9.FIGUEIRÔA JÚNIOR, Narciso – (“Tribuna do Direito, Abril de 2000). Advogado, pós-graduado em direito do Trabalho pela PUC-SP. Foi juiz classista do TRT da 2ª Região.

10  OLIVEIRA, Francisco Antonio de – ob. cit.

11.TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio – ob. cit.

12.HADDAD, José Eduardo – (“Comissões de Conciliação, o Procedimento Sumaríssimo e a crise do Judiciário Trabalhista” LTr, 64-02/187, Fevereiro de 2000). Advogado, mestre em Processo Civil, Professor de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho na UNIP – Campinas.

13.CASTELO, Jorge Pinheiro – (LTr, 64.04, Vol. 04, Abril de 2000). Advogado, especialista (pós-graduação lato sensu), livre docente em Direito do Trabalho pela FADUSP.           

 


Referência  Biográfica

José Mechango Antunes  –   Advogado; Professor de Direito; Especialista em Direito da Cidadania; Mestrando pela UNIMES (Universidade Metropolitana de Santos). Foi Juiz Classista da 2º Região, por três mandatos (um como suplente).  2004 

jmechango@adv.aobsp.org.br

Reconsideração versus revisão: uma distinção que se impõem

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* Maria Berenice Dias

A lei cria um sistema de recursos e o coloca à disposição de quem se sente prejudicado por uma decisão judicial. Ainda assim, há uma acentuada tendência de pedir ao próprio juízo o reexame do decidido, na tentativa de reverter a manifestação anterior. De maneira singela, a doutrina e a jurisprudência não emprestam qualquer relevo nem concedem efeitos a pedidos de reconsideração, quer por falta de previsão legal, quer por parecer mera insistência impertinente de quem teve sua pretensão desacolhida.

Se eventualmente se pode entender como procrastinatória a reclamação da parte que se sentiu lesada pelo indeferimento de sua pretensão, o mesmo rótulo não merece quem está pela primeira vez trazendo à apreciação do juízo sua versão, para livrar-se do prejuízo que a decisão lhe causou, sem que tivesse tido anteriormente oportunidade de se manifestar.

Assim, imperioso revisitar este tema, pois essa sutil e importante diferenciação carece ser feita. Não mais cabe continuar confundindo pedido de reconsideração com pedido de revisão, distinção que se faz importante tanto para a identificação do marco de fluência do prazo recursal como para se evitarem recursos desnecessários, sem contar com a afronta a um dos princípios fundamentais em matéria de recursos: o do duplo grau de jurisdição.

Por tais motivos, há que distinguir pedido de reconsideração, que é o veiculado pela parte cuja pretensão foi desatendida pelo juiz, de pedido de revisão, formulado por quem se sujeitou à decisão que foi proferida em favor da parte ex adversa e que vem pela vez primeira a juízo trazendo suas razões.

Formulado por uma das partes determinado pedido, sendo este desacolhido pelo juízo, quem viu sua pretensão frustrada deve se insurgir contra o decidido por meio de recurso à instância superior. O prazo para manifestar a irresignação inicia no momento em que teve ciência de que sua pretensão não foi atendida. Nada impede que a parte, se pretender que o juiz reveja o que decidiu, isto é, reconsidere a decisão proferida, veicule pedido de reconsideração. Tal proceder, todavia, não possui efeito interruptivo do prazo recursal, que começou a fluir da intimação da primeira decisão proferida. O desacolhimento do pedido não dá início a novo prazo para a oposição de recurso.

A justificativa para não conferir efeito suspensivo ao pedido de reconsideração é elementar. Não pode ficar exclusivamente ao alvedrio da parte deslocar a fluência do prazo recursal. Transferir o início da fluência do prazo a partir da ciência da segunda manifestação do juízo – que sequer dispõe de conteúdo decisório – daria ensejo a que a parte recuperasse, a qualquer tempo, a possibilidade de recorrer. Imperiosa é a identificação de um marco inicial para o uso do recurso, não havendo como emprestar efeito suspensivo ao pedido de reconsideração formulado pela parte cuja pretensão já obteve uma manifestação judicial. Assim, rejeitada determinada pretensão, descabido facultar à parte que viu frustrado seu intento de, a qualquer tempo, recorrer, pela só formulação – e desacolhimento – de mero pedido de reconsideração.

Esse raciocínio, no entanto, não pode prevalecer quando a manifestação judicial traz prejuízo à outra parte, ou seja, quando o juiz, ao acolher pedido de uma das partes, causa prejuízo à outra. Nessa hipótese, o magistrado decidiu atentando exclusivamente nos argumentos e dados probatórios apresentados por uma parte, fazendo uso dos elementos de convicção que lhe foram trazidos por quem formulou o pedido. Acolhida a pretensão, a parte contrária, que resultou prejudicada ou se sentiu lesada pela decisão, não só pode, mas deve manifestar sua irresignação ao próprio juiz que lhe causou gravame. Nesse momento, o magistrado terá oportunidade de rever o que decidiu atentando nos argumentos trazidos pela parte que se sentiu atingida. Evidente que esse pedido revisional, formulado pela parte lesada, não se confunde com pedido de reconsideração, pois é trazida toda uma linha argumentativa da qual o magistrado não tinha conhecimento no julgamento anterior.

Tratando-se de pedido de revisão, a parte verte os seus fundamentos para que o juiz reaprecie o que decidiu, atentando nos fundamentos que não foram sopesados quando apreciou o requerimento da outra parte. Não se trata de um mero pedido de reconsideração. O pedido é de reavaliação, e a nova decisão será proferida levando em conta uma linha de argumentação trazida pela primeira vez à apreciação judicial. A mantença do decidido, portanto, dispõe de conteúdo decisório, pois significa rejeição à pretensão formulada pela parte sucumbente.

A diferença entre as duas figuras é clara. Basta identificar quem vem pedir ao magistrado que ele volte atrás, ou seja, reveja a manifestação exarada anteriormente. A depender de quem pede a retratação, se está frente a um pedido de reconsideração ou um pedido de revisão. Só se pode identificar como reconsideração o pedido veiculado pela própria parte que teve desatendida sua pretensão formulada ao juízo. No entanto, se o acolhimento da pretensão formulada por uma das partes gera gravame à outra parte, esta não está impedida de pedir ao juízo monocrático.a revisão do que foi decidido antes de ter tido oportunidade de se manifestar.

O pedido de revisão, como não se confunde com pedido de reconsideração, suspende o prazo para esgrimir agravo de instrumento. Só na eventualidade de o magistrado manter a decisão anterior é que se abre o prazo recursal. É imperioso emprestar efeito suspensivo à pretensão revisional, uma vez que descabe ser chamada a instância superior para rever decisão que, ao ser proferida, não levou em conta os subsídios do agravante, que só são trazidos no recurso. Aliás, o uso da via revisional deveria ser imperativa, sob pena de se estar subtraindo um grau de jurisdição e afrontando o princípio que o consagra como um dos basilares em matéria recursal. Nessa hipótese, é chamado o tribunal a se manifestar sobre algo de que o juízo de origem não tomou conhecimento, isto é, fundamentos, fatos e provas que não foram alvo da apreciação na primeira instância.

Imperioso impor ao magistrado o dever de se manifestar ante o pedido de revisão, por meio de decisão fundamentada. Assim, não se pode afirmar que o ônus – ora transformado em obrigação –, previsto no art. 526 do CPC, de dar ciência ao juízo do agravo interposto dá ensejo a que o juiz reconsidere sua decisão. Nessa hipótese, como não é obrigatória a manifestação do juízo, se está subtraindo do magistrado o dever de decidir, transformando a reavaliação em uma mera faculdade.

O trato diário com matéria de Direito de Família permite trazer exemplos que emprestam clareza à questão. Em uma ação de alimentos, pedidos alimentos provisórios em determinado valor, fixada a verba alimentar aquém do montante pretendido, insatisfeito o autor, mister que de imediato interponha agravo de instrumento junto ao órgão recursal. Se, eventualmente, pedir reconsideração ao juiz prolator da decisão, tal pedido não dispõe de efeito suspensivo e a mantença da decisão não irá reabrir o prazo recursal.

Cabe figurar a hipótese distinta. Fixados os alimentos provisórios tomando por base as informações do autor sobre os ganhos do alimentante, este, ao tomar ciência do montante estabelecido, pode pedir a revisão do quantum fixado, trazendo a prova de seus rendimentos, a evidenciar que não percebe a remuneração afirmada pelo autor, dado que serviu de base para a fixação do pensionamento. Esse pedido deve ser dirigido ao juiz de origem e dispõe de efeito suspensivo para efeitos recursais. Revela-se de todo despiciendo e oneroso impor à parte que de imediato interponha agravo de instrumento, quando muito provavelmente o juiz, ao tomar conhecimento de seus rendimentos, reequacione o valor dos alimentos provisórios. Somente ao tomar ciência do desacolhimento de seu pedido revisional é que terá início o prazo de recurso a ser manifestado perante o segundo grau de jurisdição.

O não-reconhecimento desse diferencial tem levado indistintamente à interposição  imediata de agravo de instrumento, o que vem abarrotando os tribunais de recursos muitas vezes desnecessários, pois acaba o relator se substituindo à função revisional que cabia ao juízo de origem. Outra prática corrente é a parte concomitantemente pedir revisão e agravar. Mas o uso do recurso tem inibido os magistrados de reverem sua decisão, limitando-se a aguardar o julgamento do recurso, afirmando, muitas vezes, que o decidido merece ser revisto, mas relegando tal tarefa aos tribunais. Evidente o desnecessário desgaste que dita situação sinaliza.

Por todos esses comemorativos, mister que essa distinção seja estabelecida por lei com a precisa indicação do procedimento a ser adotado em cada uma das hipóteses. Mas, enquanto não houver expressa determinação legal de que a parte prejudicada por decisão proferida a pedido da parte ex adversa deve primeiro se dirigir ao juiz prolator da decisão, imperioso que a jurisprudência vinque essa diretriz. Basta de confundir pedido de reconsideração com pedido de revisão. Necessário que se pacifique o entendimento de que o pedido feito pela própria parte não dispõe de efeito suspensivo, preservando-se claramente o posterior uso da via recursal a quem formula prévio pedido revisional.

Essa diretriz já vem sendo acolhida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que tenho o privilégio de integrar (Agravo de Instrumento nº 70004072799 e Agravo de Instrumento nº 70001860956).

Urge que tal distinção seja levada a efeito, seja para não suprimir um grau de jurisdição, seja para não afogar a corte recursal com pretensões que, se manifestadas na origem, poderiam ser revistas por singela reavaliação do juiz, ao tomar conhecimento dos novos elementos que lhe foram trazidos.

 


Referência  Biográfica

Maria Berenice Dias  –  .Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Pós-Graduada e Mestre em Processo Civil pela PUC-RS ; Professora da Escolas Superiores da Magistratura e da Advocacia.

Home-page:  www.mariaberenicedias.com.br

A Arbitragem e o Código de Defesa do Consumidor

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* Felícia Ayako Harada

Sumário:

 Resumo. 

1. Introdução.
    1.1. O Poder Judiciário atual. 
    1.2. A necessidade do direito alternativo.
    1.3. É possível a arbitragem nas relações de consumo? 
 
 2. Da arbitragem.
    2.1. Evolução histórica.
   2.2. A Lei 9.307/96.
   2.3. Quem pode se submeter à justiça arbitral?
   2.4. O que pode ser objeto de arbitragem?
   2.5. Do árbitro.
   2.6. Da Cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
   2.7. Procedimento arbitral.
   2.8. Sentença arbitral. 
 
3. Do Código de Defesa do Consumidor.
      3.1. Algumas considerações.
    3.2. Do consumidor e do fornecedor.
           3.2.1. Do consumidor.
           3.2.2. Do fornecedor.
 
     3.3. Dos direitos do consumidor.
            3.3.1. Dos direitos do consumidor propriamente ditos.
            3.3.2. Das sanções administrativas.
            3.3.3. Das infrações penais.
            3.3.4. Da defesa do consumidor em juízo. 
 
  4. Conclusões.
  5. Bibliografia.

Resumo

Trata-se do tema "A arbitragem e Código de Defesa do Consumidor". A primeira instituída pela Lei 9.307/96 e o segundo pela Lei 8.078/90, assinalando-se, desde já, que a lei de arbitragem é posterior à lei de proteção ao consumo. 

Logo de início, se nos afigura a primeira questão: se os direitos patrimoniais do consumidor enquadram-se nos direitos patrimoniais disponíveis de que trata a arbitragem. Por outro lado, a segunda questão é se a lei de arbitragem revogou dispositivos do CDC no que se refere a proibição da cláusula compromissória nos contratos de adesão. E, por derradeiro, como ficaria a tutela estatal que se quer imprimir na relação de consumo.

Para tanto, abordamos, após, algumas considerações iniciais à respeito do tema, resumidamente, a lei de arbitragem, e, da mesma forma, cuidamos do Código de Defesa do Consumidor em seus dispositivos pertinentes ao tema

Assim fazendo, objetivamos, principalmente, entre os direitos arrolados do consumidor, quais seriam os disponíveis que se enquadrariam nos termos dos direitos patrimoniais disponíveis de que trata a lei de arbitragem e a validade da cláusula compromissória nos contratos de adesão. Apontamos, ainda, a preocupação do Estado em tutelar a relação do consumo. Esta tutela poderia inviabilizar a disponibilidade patrimonial necessária para submeter o litígio à arbitragem. Porém, o próprio CDC permite, e não poderia ser diferente, ao consumidor buscar em ações civis o seu direito, e, com o advento da lei de arbitragem abriu-se este leque.

A nosso ver, no que conflita e dispôs a lei de arbitragem revogou dispositivos do CDC, por ter a mesma natureza de lei ordinária e por ser posterior. Ademais, quanto à matéria processual, principalmente, no que se refere à execução de sentença, como não dispôs expressamente a lei de arbitragem, alguns dispositivos do CPC foram modificados por leis específicas.

Mas, a par dessa preocupação em harmonizar a lei de arbitragem com dispositivos legais existentes, surge um obstáculo, que é nosso problema cultural em aceitar a justiça arbitral. Só o tempo poderá saná-lo, só o tempo dirá se a justiça arbitral efetivamente veio contribuir para dar rapidamente a justiça que tanto se busca.


1. Introdução

1.1. O Poder Judiciário Atual

Em que pese o esforço de todos os envolvidos com a problemática da prestação jurisdicional, não podemos nos olvidar de que ela atualmente está toda comprometida, não se efetiva e, em não raros casos, quando se efetiva, é falha e tardia. Se formos à procura das causas as encontraremos sem muitas dificuldades. Não nos cabe, entretanto, aqui alongarmos na procura delas, mas, cumpre pela sua importância, ressaltar que uma das causas mais gritante da falta da prestação jurisdicional é a demora em obtê-la.

Embora do conhecimento de muitos, vale transcrever o que disse o sempre lembrado e festejado Rui Barbosa:

"A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça, qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade." (Elogios Acadêmicos e Oração de Paraninfo, Edição da "Revista de Língua Portuguesa". 1924, p. 381).

O Poder Judiciário, como todos os outros, passa por crises incomensuráveis e não poderia subsistir divorciado de toda a realidade que assola o país. Inúmeras tentativas foram feitas para agilizá-lo, ora com edição de leis, ora com reformulações em sua estrutura, ora com a promessa da reforma do judiciário, porém, todas vãs. O Poder Judiciário perdeu a sua credibilidade junto ao povo. A mídia certa ou erradamente, também, contribuiu para tal estado de coisas.

1.2. A necessidade do direito alternativo

A demora em obter a necessária prestação jurisdicional obriga o cidadão comum do povo a procurar outras soluções, outras alternativas, para compor seus eventuais litígios.

Primeiramente, é óbvio, que as partes envolvidas irão envidar esforços para um acordo, isto é, partirão para uma conciliação. Nada obtendo, irão procurar por um mediador, que irá mostrar-lhes as razões de cada uma e levá-las a uma composição. Aqui existe a intervenção de um terceiro para a solução de um conflito, sem qualquer poder coercitivo. E, por último, a solução alternativa, muito procurada e mais apropriada para as relações internacionais, que é a justiça arbitral.

A justiça arbitral, necessariamente, é a justiça alternativa para a solução de conflitos nos tempos atuais, onde a solução tardia não condiz com a necessidade de rapidez no mundo hoje globalizado. A atual realidade social exige reformulações rápidas nos meios judicantes, defasados e inaptos a acompanhar a velocidade das modificações de natureza econômica e social.

Por oportuno, vale mencionar aqui o que constou no artigo publicado a respeito, na RT 607, p 24, do Prof.Guilherme Gonçalves Strenger:

"A arbitragem em nossos dias assumiu importância fundamental, não só no plano doutrinário como prático, bem assim o abrangimento dessa modalidade de solução de litígios, cuja extensão compreende a área nacional e internacional, sendo matéria dispositiva em praticamente todos os sistemas jurídicos existentes."

No dizer da Dra. Ângela Bitencourt, na revista "Panorama da Justiça", pg. 28, sobre justiça arbitral, merece destaque:

"Com todos os internautas usando o termo Política Mundial de Globalização da Economia e com o ambiente informal da Internet, qualquer contrato ou compromisso estabelecido na rede acabava caindo na vala comum da morosa Justiça, com os seus incontáveis atalhos e obstáculos processuais que atrasavam, por vezes, uma contenda muito simples de ser dirimida…………

As coisas do comércio, principalmente o comércio eletrônico, devem ser tratadas sem a liturgia, paramentos ou ainda protocolos próprios nos processos do Judiciário comum, pois o que se quer é um resultado rápido."

1.3. É possível a arbitragem nas relações de consumo?

Como veremos e discorreremos adiante, a arbitragem tem por objeto a solução de litígios que envolvem direitos patrimoniais disponíveis. O Código de Defesa do Consumidor protege direitos patrimoniais disponíveis ou não na relação de consumo.

A grande indagação que surge é se os direitos patrimoniais que envolvem relações de consumo são direitos disponíveis passíveis de arbitragem ? Onde residiriam os conflitos? Como harmonizá-los?

Para tanto, faremos, inicialmente, em rápidas pinceladas, um estudo sobre arbitragem, para em seguida discorrer sobre os direitos do consumidor, e, finalmente, concluir da possibilidade de se submeter litígios que envolvem o consumo à arbitragem.

2. Da arbitragem

2.1. Evolução histórica

Sabemos que a humanidade, durante sua evolução utilizou-se de vários meios para a solução de conflitos, quer sejam, autotutela, autocomposição, a arbitragem e a decisão judicial. A arbitragem remonta às mais antigas civilizações, com peculiaridades próprias. Entretanto, o chamado direito alternativo tomou forma na Itália, nos idos de 70, tendo como inspiração, além do direito livre, o direito vivo e o jusnaturalismo.

Sem dúvida, entretanto, o que mais contribuiu para a instalação da arbitragem foi o comércio internacional. A base deste segmento, quer seja a " lex mercatoria" é a grande responsável por inúmeros procedimentos na área arbitral, sem citar que é a própria responsável pelo surgimento da justiça arbitral. E, é exatamente neste setor de comércio internacional que ela mais se faz necessária pela rapidez de sua decisão, não se discutindo qual foro judicial, qual a lei do país a ser aplicada, etc.

No Brasil, a primeira legislação sobre a arbitragem foi o regulamento de 1850, que do seu art. 411 a 475, tratou de temas que deveriam ser submetidos à arbitragem, principalmente, em relação a contratos de locação mercantil. Posteriormente, a lei nº 1350, de 1866 revogou o juízo arbitral compulsório e vários artigos do Código Comercial. Porém, dada a influência que, neste sentido, sempre exerceu o comércio marítimo, volta-se a cuidar novamente de justiça arbitral.

A arbitragem constou no antigo Código de Processo Civil e consta no atual (art. 1072 e 1102). Também, está prevista no atual Código Civil (art. 1037 à 1048).

Com o advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, todos os dispositivos anteriores pertinentes foram revogados, e, assim, viabilizou-se a utilização da justiça arbitral internamente, sem que antes se deparasse com inúmeras objeções, sendo a mais importante o questionamento quanto a sua constitucionalidade, já reconhecida pelo STF.

Neste passo, esclareça-se que o Brasil é signatário de inúmeros Protocolos, Convenções e Tratados que cuidam da matéria.

Apenas, a título de curiosidade, em 1990, o Jornal da Tarde traz a seguinte manchete: "Juízes Gaúchos Colocam o Direito Acima da Lei". Esta manchete visava atingir um grupo de estudos constituído por magistrados sobre direito alternativo com o objetivo de desmoralizá-lo. Entretanto, ao contrário, o movimento tornou-se mais forte e o estudo sobre direito alternativo começou a ganhar importância.

Sem dúvida, com muitas críticas favoráveis e contrárias, a Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, fortaleceu todas as tendências e estudos para a utilização do direito alternativo, qual seja a arbitragem.

2.2. A Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996

Uma das grandes virtudes da lei de arbitragem, como ficou conhecida a Lei 9307/96, foi a de conferir executividade compulsória à convenção de arbitragem, nela englobando a cláusula arbitral e o compromisso arbitral. Por outro lado, estabeleceu um desnecessário procedimento judicial complexo, obrigando as partes a recorrerem ao juízo estatal em uma séries de situações, o que muitas vezes vem enfraquecer o mais forte argumento para a existência da justiça arbitral, a celeridade das soluções. Com a sua promulgação foi aberto um caminho para a frente , abrindo as portas do país para a modernização da economia, neste mundo sem fronteiras.

Promulgada a lei de arbitragem, surgem vários estudos à seu respeito, que certamente levarão a correções e modificações que se fizerem necessárias, principalmente confrontando-se a lei em comento com ordenamentos jurídicos existentes, apontando-se suas divergências e convergências, e, neste particular, com o Código de Defesa do Consumidor, nossa proposta neste trabalho e a tentativa de enriquecer esta novel temática de direito.

2.3. Quem pode se submeter à justiça arbitral?

A própria Lei 9.307 dispõe em seu art. 1º sobre as pessoas que podem recorrer à arbitragem. Senão vejamos:

"Art. 1º – As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis."

O dispositivo em comento refere-se a "pessoas capazes de contratar". De início, já somos levados a procurar dois institutos no direito privado, o relativo à capacidade das pessoas e o relativo a contrato.

Quanto à capacidade, podemos dizer que é a aptidão que a pessoa possui para o exercício do direito. São, pois, capazes as pessoas maiores de vinte e um anos que não se enquadrem nas hipóteses previstas nos arts. 5º e 6 º do Código Civil ( que tratam, respectivamente, dos incapazes e os relativamente incapazes).

Quanto ao contrato, nada poderemos adiantar sem antes defini-lo, simples e objetivamente, como " a convenção estabelecida entre duas ou mais pessoas para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial", acrescentando, neste passo, que para a sua validade são necessários: manifestação de vontades, agente capaz, objeto lícito, determinado e possível. (art. 82 do Código Civil).

Infere-se daí que as pessoas capazes de contratar podem ser físicas ou jurídicas que por sua vez são públicas ou privadas, ao teor dos artigos 13 , 14 e 16 do Código Civil Brasileiro que dispõem:-

"Art.13. As pessoas jurídicas são de direito público, interno, ou externo, e de direito privado.
Art.14. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I – A União.
II – Cada um dos seus Estados e o Distrito Federal.
III – Cada um dos Municípios legalmente constituídos.
Art.16.São pessoas jurídicas de direito privado:
I – As sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações.
II – As sociedades mercantis.
III – Os partidos políticos."

Mister se faz aqui esclarecer que as autarquias também são pessoas jurídicas de direito público interno e os partidos políticos o deixaram de ser nos termos do art. 17, § 2º da Constituição Federal.

Porém, como se deduz do já referido art. 1º da Lei de Arbitragem, só podem a ela recorrer as pessoas capazes de contratar, porém, titulares de direitos patrimoniais disponíveis.

A nosso ver, as pessoas jurídicas de direito público interno não podem recorrer à arbitragem, em nenhuma hipótese, pois, não tem disponibilidade dos seus direitos patrimoniais. Isto é incontroverso.

O bem patrimonial necessariamente tem de ser transigível. E ao administrador público não cabe dispor, dos direitos patrimoniais do ente público fora dos ditames legais, sob pena de crime de improbidade administrativa. Não possui o ente público a necessária transigibilidade dos direitos patrimoniais para legitimar a alternativa de se submeter a solução do conflito à arbitragem.

2.4. O que pode ser objeto de arbitragem?

O já referido art. 1º da lei de arbitragem define o seu objeto ao dispor que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis."

De início, já estão excluídos os direitos referentes ao estado e capacidade das pessoas, pois, a referência é sobre direitos patrimoniais.

Direitos patrimoniais são aqueles que tem por objeto um determinado bem, inerente ao patrimônio de alguém, tratando-se de bem que possa ser apropriado ou alienado. Patrimônio é o complexo de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa ou empresa e seja suscetível de apreciação econômica.

Porém, tais direitos patrimoniais suscetíveis à arbitragem, necessariamente, por disposição legal, só podem ser os disponíveis.

Direitos disponíveis são os de livre disposição pelas partes.

Os direitos tidos como indisponíveis, ou sejam, impossíveis de serem vendidos, doados, cedidos, negociados, quer por situação fática quer por determinação legal, serão assim insuscetíveis de arbitragem.

Portanto, a característica inerente dos direitos patrimoniais passíveis de arbitragem é a sua transigibilidade.

Entre muitos exemplos de direitos patrimoniais indisponíveis, poderemos citar os direitos sobre bens gravados com cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade; bens em nome de incapazes; bens de falido; bens objetos de constrição legal, etc.

Como corolário da definição de contrato, cumpre ressaltar que exige-se que o objeto da arbitragem seja lícito, determinado e possível.

A nosso ver, embora, haja posicionamento em contrário, os direitos patrimoniais das pessoas jurídicas de direito público interno e das a elas equiparadas não podem submeter-se à justiça arbitral. Num país, onde todos sabemos que corrupção, prevaricação, impunidade andam às soltas, é muito imprudente e leviano deixarmos tal alternativa nas mãos do administrador público. E, mais, dado o nosso problema cultural, a parte vencida, com certeza, tentará anular o julgado correndo às barras dos tribunais, com fundamento de que o ente público não pode transacionar a nível de arbitragem qualquer direito patrimonial de que é titular.

Concluindo, só pode ser objeto de arbitragem direito patrimonial disponível, lícito, possível e determinado.

2.5. Do árbitro

Quando se fala em arbitragem, após, definidas as pessoas que podem levar a solução de conflitos à arbitragem, determinado o seu objeto , surge a questão: quem é o árbitro?

Segundo a Lei 9307/96, pode ser árbitro qualquer pessoa capaz que mereça confiança das partes. Dispôs, ainda, a referida lei sobre a forma de sua nomeação, como se proceder no caso de mais de um árbitro, dos impedimentos a que estão sujeitos, e, principalmente, sobre sua responsabilidade civil e criminal. Como se vê, a lei não exige qualquer formação específica do árbitro, mas, exige que seja de confiança das partes e o responsabiliza civil e criminalmente por erro cometido no processo arbitral, principalmente, quanto à sentença.

Disso tudo se conclui, que o fator confiança das partes advém do próprio consenso entre elas na escolha do árbitro. Se a parte não concordar com a indicação do árbitro passa-se a outra indicação. Como poderá ser responsabilizado civil e criminalmente, o árbitro, é óbvio, pelo menos deve ser pessoa que assim possa ser responsabilizado.

Existe um caráter jurisdicional do árbitro. A jurisdição da qual é investido, após, atendidos todos os requisitos que a lei impôs, é a mesma de um juiz estatal. A diferença, entrementes, reside no fato de que o juiz arbitral é escolhido pelas partes, enquanto o juiz estatal decorre da comunidade como um todo, nos termos constitucionais. A comunidade delega ao Estado poderes para declarar em seu nome, o direito. A justiça arbitral seria a que reservou a si a própria comunidade, em suas prerrogativas, não transferidas ao Estado para resolver algumas controvérsias. É absolutamente necessária esta colocação para entender o papel do árbitro, cujo poder jurisdicional repousa na autoridade a ele conferida pelas partes. Portanto, a jurisdição, tanto do juiz arbitral como do estatal, em última análise, advém da comunidade, e, este último por delegação da própria comunidade ao Estado.

Os requisitos para ser árbitro variam de instituição para instituição, mas, basicamente são:- bom senso, neutralidade, imparcialidade, livre de preconceitos e com necessários conhecimentos técnicos e legais. Não nos cabe aqui alongarmos à respeito, mesmo porque o tema não é específico sobre a arbitragem, embora necessárias rápidas pinceladas para abordarmos o tema objeto deste trabalho.

2.6. Da Cláusula Compromissória e Compromisso Arbitral

Dispõe o artigo 4º da lei de arbitragem:

"Art. 4º – A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."

Dessa forma, "cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato."

As partes podem assumir tal compromisso arbitral em duas hipóteses:

A primeira quando da assinatura do contrato, no qual o compromisso é firmado através da cláusula compromissória. Nada mais é que uma cláusula do contrato, onde as partes já se comprometem a levar, qualquer litígio a ser dirimido, à apreciação do juízo arbitral.

A qualquer tempo pode ser firmado o compromisso arbitral, mesmo encontrando-se as partes em litígio judicial.

A cláusula arbitral não submete a questão automaticamente ao juízo arbitral, é necessário o compromisso arbitral, mas obriga as partes a levarem a questão à arbitragem. Ela não deve ser vazia, sob pena de tornar-se inócua. Deve conter todos os elementos do compromisso arbitral.
O que nos é de suma importância, pelo propósito deste trabalho, é o que dispõe o § 2º do art. 4º da lei de arbitragem cima transcrito sôbre os contratos de adesão.

Tais contratos de adesão encontram sua definição no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 54, que assim dispõe:

"Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo".

Exatamente, porque não pode discutir as cláusulas estabelecidas unilateralmente, é que a lei visando proteger o consumidor deixou claro que a cláusula compromissória só é válida se estiver em negrito com assinatura aposta, especificamente para essa finalidade ou em documento anexo. Quer nos parecer, que há perfeita harmonia entre a lei de arbitragem e CDC quanto à compulsoriedade da cláusula compromissória. O CDC proíbe a tal compulsoriedade e a lei de arbitragem é clara, no sentido, de tirar tal compulsoriedade quando dispõe dever ser ela nos contratos de adesão, em negrito, ou em documento à parte com expressa concordância apondo, ainda , a assinatura.

Mesmo sendo parte integrante de um contrato, o questionamento da validade deste, necessariamente, não leva ao questionamento da validade da cláusula compromissória.

O compromisso arbitral , nos termos do art. 9º da lei nº 9307/96, "é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial."

O compromisso arbitral deve conter:

  • caracterização das partes,
  • resumo da controvérsia,
  • que será (ão) o (s) árbitro (s),
  • prazos,
  • local onde será prolatada a sentença,
  • procedimento a ser adotado durante a arbitragem.

Concluindo, há duas formas de pacto arbitral: cláusula compromissória e compromisso arbitral. Diferem quanto aos seus efeitos, simplesmente quanto ao momento em que são efetuadas.
Quanto à natureza jurídica, a cláusula compromissória é uma obrigação de fazer e o compromisso arbitral é um contrato com fins processsuais, que, além de se incluir nas obrigações de fazer, cria efeitos que levam a criação de um novo processo.

2.7. Da sentença arbitral

A sentença arbitral, pronunciamento que põe fim ao processo, deve ser proferida no prazo estipulado pelas partes ou no prazo de seis meses se nada avençado à respeito. Ao teor do art. 24, "caput" da lei de arbitragem ela deverá ser escrita e conter os requisitos do art. 26.

A sentença arbitral tem todos os efeitos decorrentes de sua natureza jurisdicional, embora sem qualquer efetividade executória, porque o poder coercitivo para dar cumprimento a essa sentença é do Estado. Portanto, constitui título executivo judicial, submetendo-se à execução forçada, e. como tal, passível de embargos à execução. Em sede de embargos à execução pode ser levantada a hipótese de nulidade da sentença, que não deixa de ser, em última análise um recurso contra a sentença arbitral ou obtê-la através de ação própria de nulidade, nos termos do CPC.

O que é de suma importância para conferir celeridade na arbitragem é que a sentença arbitral é irrecorrível, e, faz coisa julgada entre as partes, e, em seguida, pode ser levada à execução.

Só para complementar, a sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com tratados e convenções, com eficácia no ordenamento interno, estritamente dentro dos termos da lei 9307/96. Como não poderia ser diferente surtirá efeitos após homologação pelo STF, depois de atender vários requisitos previstos em lei.

Com este conhecimento genérico sobre a arbitragem nos moldes da Lei 9307/96, passaremos ao estudo, também, rápido e genérico dos direitos protegidos na relação de consumo.

3. Do Código de Defesa do Consumidor

3.1. Algumas considerações

Em primeiro lugar, urge determinarmos os direitos abrangidos pelo Código de Proteção do Consumidor (Lei 8.078/90), se são disponíveis ao teor do art. 1º. da Lei 9.307/96,se são passíveis de apreciação pela arbitragem.

A relação de consumo não envolve simplesmente a relação entre o consumidor e o fornecedor de bens e serviços. Há uma preocupação do Estado em protegê-lo contra a voracidade do comerciante e ou das empresas mercantis ou órgãos públicos na prestação de serviços ou fornecimento de bens, protegê-lo das promessas enganosas ou da má prestação em si.

Daí o status constitucional que a Constituição Federal conferiu aos direitos do consumidor.

Dispõe o art. 1º. Do Código de Proteção ao Consumidor:

"O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias."

Como se verifica, a Constituição Federal cuidou do direito do consumidor em vários de seus artigos.

Primeiramente, em seu art. 5º. Inciso XXXII, coloca-o como um dos direitos fundamentais do cidadão, conforme: "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."

Tal dispositivo já nos leva ao seu art. 24, que trata da competência concorrente, elencando entre tal competência a "responsabilidade por dano ao consumidor". O termo Estado é aplicado no sentido genérico abrangendo os Estados e Distrito Federal. O Município pode atuar e legislar sobre a matéria com base no art. 30, inciso II da CF, no que couber.

Em segundo lugar, a Constituição Federal deu à matéria o mesmo status constitucional dado ao direito de propriedade, a livre concorrência, da busca do pleno emprego, etc.

Senão vejamos:

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
……………………………
V – defesa do consumidor;
……………………………"

Ademais, conclui-se que a variedade de normas que tutelam ou deveriam tutelar o consumidor pertencem não só ao direito civil e comercial, como também ao direito penal, ao processual, ao administrativo e inclusive ao constitucional o que dificulta sobremaneira os limites desse setor de interesses.

Da leitura do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, deduz-se tratar-se de um interesse difuso e não simplesmente coletivo. Ainda, por tratar-se a defesa do consumidor um princípio da ordem econômica e uma obrigação, um dever do Estado de promovê-la, o interesse não só é coletivo, mas difuso.

Não se trata de discussão meramente acadêmica, mas, dela resulta a possibilidade ou não de se falar em interesse difuso do consumidor, ou, ao revés, simplesmente de interesse coletivo de uma mera categoria ou parcela de consumidores. Não havendo um interesse homogêneo dos consumidores como um todo não se pode falar em interesse do consumidor em geral. Além do mais, não existe unanimidade na doutrina quanto a conceitos de interesses coletivos e difusos. Entre várias doutrinas, quer nos parecer brilhante a esposada pela Profª Ada Pellegrini Grinover, no sentido de identificá-los. Seja coletivo ou individual, o certo é que a Constituição Federal considerou-o como um direito individual e coletivo (art.5º, XXXII) e difuso pelo fato de a defesa do consumidor ser considerado um princípio de ordem econômica (art. 170, V).

3.2. Do consumidor e do fornecedor

3.2.1. Do consumidor

A própria Lei 8.078/90 conceitua em seu art. 2º, o consumidor nos termos seguintes:

"Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único – Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo."

Como muito bem observou o Prof. Antonio Herman V. Benjamin (Revista dos Tribunais 628:69-70): "… é a definição de consumidor que estabelecerá a dimensão da comunidade ou grupo a ser tutelado e, por esta via, os limites da aplicabilidade do Direito especial. Conceituar consumidor, em resumo, é analisar o sujeito da relação jurídica de consumo tutelada pelo Direito do Consumidor."    

Portanto, pela própria definição de consumidor, podemos concluir que:

o consumidor pode ser pessoa jurídica (como destinatário final) ou pessoa física;

  • quanto ao objeto, o consumidor pode ser de bens (produtos), sendo aqui o consumidor stricto sensu, ou de serviços (ou usuário);
  • ainda aqui, os bens e serviços podem ser públicos ou privados;
  • a pessoa jurídica de direito público pode ser consumidor.

3.2.2. Do fornecedor

Quando se fala em consumidor imediatamente nos vem à mente a figura do fornecedor que o art. 3º do Código de Proteção do Consumidor se encarregou de assim defini-lo:

"Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividades de produção, montagem, criação, constituição, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços."

Frise-se, neste passo, uma importante distinção: que o fornecedor pode ser toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, de bens e serviços.

3.3. Dos direitos do consumidor

3.3.1. Dos direitos do consumidor propriamente ditos

Assim, o consumidor tem uma série de:

  • direitos básicos (art. 6º);
  • direitos relativos à qualidade do produto, à prevenção e à reparação de danos (arts. 8º a 28);
  • às práticas comerciais (arts. 29 a 44);
  • à proteção contratual (arts. 46 a 54);
  • à proteção garantida pelas sanções administrativas (arts. 55 a 58) e criminais (arts. 61 a 80);
  • à defesa em juízo (arts. 81 a 104);
  • ao sistema nacional de defesa do consumidor (arts. 105 e 106);
  • convenção coletiva de consumo (art. 107).

Embora todos de igual importância, aqui, é interessante que se traga os direitos básicos do consumidor que o CDC cuidou em seu art. 6º nos termos:

Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

  • a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos e nocivos;
  • a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;
  • a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
  • a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
  • a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;
  • a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos;
  • o acesso a órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
  • a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;
  • ( vetado );
  • a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.

Da leitura deste dispositivo, conclui-se que alguns destes direitos arrolados podem ser submetidos à arbitragem, principalmente o direito a reparação de dano patrimonial. Se se objetiva dar proteção ao consumidor. tirar-lhe a chance de obter uma reparação de seu patrimônio rapidamente, não é protegê-lo, e, sim, puni-lo mais ainda. A justiça arbitral pode dar-lhe essa solução de litígio mais rapidamente.

Alguns autores argumentam que o CDC protege o consumidor quanto ao ônus da prova em processo civil e isto não poderia ocorrer na arbitragem. Acontece que o princípio básico da arbitragem é a concordância das partes, entre outros itens para julgamento, a prova também é determinada mediante concordância das partes, pelo que o ônus da prova estaria de antemão resolvido.

O que é importante frisar que alguns dos direitos do consumidor são patrimoniais disponíveis e podem ser objeto de arbitragem. Porém, outros como os direitos coletivos e os difusos, como os que protegem a saúde a segurança, isto é, há um interesse coletivo a ser protegido, é claro, o direito não é disponível.

Não se deve perder de vista que a arbitragem está toda assentada na concordância e confiança das partes, e, existem situações que tal não poderia se efetivar.

Como se verifica, ao lado dos direitos do consumidor existem as sanções administrativas e criminais, exatamente, para impor ao fornecedor, fabricante, importador, prestador de serviços uma sanção pelo desrespeito ao consumidor.

3.3.2. Das sanções administrativas

Pelo fato de o CDC dispor em seus arts. 55 a 60 sobre as sanções administrativas conclui-se que há preocupação constante do Estado em tutelar o consumidor. Por exemplo:

"Art. 56 – As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

    • multa;
    • apreensão do produto;
    • inutilização do produto;
    • cassação do registro do produto ao órgão competente;
    • proibição de fabricação do produto;
    • suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
    • suspensão temporária de atividade;
    • revogação de concessão ou permissão de uso;
    • cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
    • interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
    • intervenção administrativa;
    • imposição de contrapropaganda.

Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicada cumulativamente, inclusive por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo."

A simples leitura deste dispositivo, entre outros, revela a intervenção do poder público para tutelar o consumidor, e, desta forma, o direito do consumidor, embora possa ser patrimonial não é disponível, ou melhor, nem sempre disponível, pois, o interesse do Estado, é punir aqueles que se aproveitam dos mais vulneráveis, no caso, o consumidor. É a intervenção do Estado na ordem econômica.

3.3.3. Das Infrações Penais

Da mesma forma, como tratou o CDC das sanções administrativas, arrola as infrações penais em seus artigos 61 a 80. Estes dispositivos trazem a tipicidade do crime, a objetividade jurídica (patrimônio do consumidor que se visa proteger), os sujeitos ativo (fornecedor) e o passivo (o consumidor), a conduta criminosa e a respectiva pena.

A notícia de qualquer conduta criminosa tipificada nestes dispositivos leva o Ministério Público a instaurar a devida ação penal. Independentemente da vontade do consumidor.

Entretanto, se o Ministério Público não promover a ação penal no prazo estabelecido em lei, de quinze dias para réu solto e de cinco para réu preso (Código de Processo Penal, art. 46 e § 3º), o ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo poderá apresentar a queixa, que substitui nesse caso a denúncia. Tem início, então a ação privada subsidiária ou supletiva.

O que é importante frisar é que tais dispositivos nos levam a concluir que o consumidor per si não pode ser o único interessado em ver solucionado um litígio que envolva direitos arrolados no Código de Defesa do Consumidor. A relação de consumo, como anteriormente dissemos, não é uma relação só individual, mas, há um interesse coletivo ou difuso a ser protegido pelo Estado.

Apenas para complementar, é necessário lembrar que a Lei 8.137, de 27/12/90, trata, também, de algumas infrações penais referentes à relação de consumo. Também crimes de ação pública.

3.3.4. Da Defesa do Consumidor em Juízo

Dispõe o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

    • interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
    • interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por um relação jurídica base;
    • interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum."

Além da tutela administrativa em vários de seus dispositivos, o CDC, cuida neste título da tutela jurisdicional, especialmente a coletiva.

Como dispõe a própria lei, no dispositivo acima, a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e da vítima poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

O CDC dá ênfase à defesa coletiva. Possibilita o ressarcimento dos cidadãos individualmente lesados, especialmente através de disciplina dos interesses individuais homogêneos e da ação coletiva criada para obter reparação nos casos em que aqueles sejam lesados (arts. 91 e §s).

A própria lei se encarrega de classificar os interesses do consumidor a serem abrangidos pela defesa coletiva em:

  • interesses ou direitos difusos,
  • interesses ou direitos coletivos,
  • interesses ou direitos individuais homogêneos.

Os interesses difusos seriam, conforme o CDC, os transindividuais, de natureza indivisível de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstância de fato. Exemplificando, o interesse difuso seria aquele violado em decorrência de publicidade enganosa sobre certo produto básico de alimentação: a lesão se estende, instantânea e indeterminadamente, por toda a coletividade.

Enquadra o CDC interesses ou direitos difusos como espécie do gênero transindividuais de natureza indivisível.

Isto quer dizer, que realçam a circunstância de que aqueles interesses depassam a esfera de atuação dos indivíduos isoladamente considerados, para surpreendê-los em sua dimensão coletiva.

Os interesse difusos caracterizam-se pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço."

No caso dos direitos ou interesses difusos a indivisibilidade se resume na titularidade indefinida: pessoas indeterminadas e ligadas a circunstâncias de fato. Ela abrange toda um categoria de indivíduos unificados, pode ser por um número indefinido de pessoas, uma comunidade, uma etnia ou mesmo a toda a humanidade.

Como os interesse ou direitos difusos, os coletivos também são espécie do gênero transindividuais de natureza indivisível. Porém, com característica própria: os interesses coletivos diferem dos difusos quanto à titularidade, que como consta na lei pertinente seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

No dizer de Celso Bastos os interesses coletivos são os "afetos a vários sujeitos não considerados individualmente, mas sim por sua qualidade de membro de comunidades menores ou grupos intercalares, situados entre o indivíduo e o Estado."

Como conceitua a própria lei, os interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Para melhor entendimento necessário trazer aqui o art. 94 do CDC, que dispõe:

"Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor."

Frise-se, neste passo, que o citado artigo encontra-se inserido no Capítulo II do Título III, ou seja na parte que trata especificamente das ações coletivas para a defesa de interesses individuais homogêneos.

Exemplificando, poderíamos citar a cobrança abusiva de mensalidades escolares, as frustrações e prejuízos causados a integrantes de planos para aquisição de telefones, casa própria, ou ainda os que confiaram na "segurança" das cadernetas de poupança e as tiveram bloqueadas.

Os interesses ou direitos individuais homogêneos não são coletivos em sua essência, nem no modo como são exercidos, mas denotam certa uniformidade, pelo fato de seus titulares enquadrarem-se em certas circunstâncias ou segmentos sociais que lhes confere coesão ou aglutinação suficiente para destacá-los da massa de indivíduos isoladamente considerados. E, aqui , ressalte-se, que sobre direitos individuais, ainda que homogêneos admite-se a jurisdição arbitral, cuja decisão fará coisa julgada entre as partes.

Importante aqui frisar que, ainda, o Estado visando dar maior proteção ao consumidor possibilita a "Legitimatio ad causam" concorrente.

No dizer do Prof. Alfredo Bugaid é a "pertinência subjetiva da ação". Entre a condição da ação destaca-se a legitimação ativa e passiva para postular ou defender em juízo.

Ensina o Prof. Donaldo Armelin que a legitimação é "uma qualidade jurídica que se agrega à parte no processo, emergente de uma situação processual legitimante e ensejadora do exercício regular do direito de ação, se presentes as demais condições da ação e pressupostos processuais, com o pronunciamento judicial sobre o mérito do processo".

Dispõe o art. 82 do CDC sobre a legitimação ativa concorrente:

"Art. 82. Para os fins do art. 100, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

    • o Ministério Público;
    • a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;
    • as entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que se personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direito protegidos por este Código;
    • as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1º. O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas no art. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido."

Como já afirmamos, os litígios que envolvem interesses coletivos, difusos não podem ser objeto de arbitragem, e, como, vimos, entre outros, o artigo acima transcrito demonstra toda a preocupação estatal à respeito.    

Ainda, o CDC dispõe em seu art. 83:

"Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela."

Muitos estudiosos criticam o excesso de cautela deste artigo, mas, ele tem uma razão de ser. A idéia do legislador foi a de afastar qualquer dúvida que poderia surgir em confronto com outros ordenamentos como a da Lei 7.347/85, que cuidou da tutela dos consumidores, através de ação civil pública, Assim, objetiva também afastar dúvidas sobre os remédios processuais utilizáveis, e, com o advento da Lei 9.2307/96 o consumidor, guardadas as limitações previstas, podem buscar a arbitragem para solução de seus conflitos individuais.

É compreensível a preocupação estatal em proteger o consumidor, entretanto, não pode tirar-lhe o remédio jurídico colocado a sua disposição.

Se o próprio CDC coloca alternativas para o consumidor lesado utilizar para obtenção de conserto de produto ou troca de produtos deve, também permitir que vá buscá-lo, como indivíduo lesado, o mais rápido possível.

Não se pode deixar de citar que, ainda, cabe contra o causador de danos ao consumidor a responsabilidade civil por sua ação ou omissão.

De tudo o mais, o que se conclui é que a relação de consumo não nos parece uma simples relação entre o consumidor e o fornecedor, mas, uma relação subordinada a intervenção econômica social do Estado.

4. Conclusões

A própria lei de arbitragem determina que somente os direitos patrimoniais disponíveis podem ser objeto de arbitragem. Indaga-se: os direitos decorrentes da relação de consumo podem ser considerados patrimoniais disponíveis? Num primeiro momento, poderíamos dizer que não, pois, há um interesse do Estado em tutelá-los, e, logo não poderiam em eventual litígio serem submetidos à arbitragem. Entrementes, numa relação de consumo, onde o próprio CDC dá ao consumidor alternativa para buscar um conserto ou troca de produto, há um interesse do consumidor em obter, rapidamente, a solução do litígio. Neste caso, quer nos parecer, que não há qualquer obstáculo para que o consumidor seja satisfeito em sua pretensão. Aqui, há um interesse individual do consumidor. A grande verdade é que há casos evidentes de exploração do consumidor, quer por veiculação indevida de propaganda, quer em relação a perigos de determinados produtos, por deterioração ou mal embalados, quer por falta da quantidade de produtos,em que além do interesse individual do consumidor, que o Estado deve tutelar e proteger a relação de consumo, inclusive com punições administrativas e penais. Por isso, muitos autores são categóricos em afirmar que a lei de arbitragem não se aplica na relação de consumo.

Cumpre ressaltar que sempre será admitida a arbitragem quando se tratar de direitos individuais disponíveis, ainda que homogêneos, e a decisão arbitral fará coisa julgada entre as partes envolvidas.

Podemos afirmar que alguns dispositivos foram revogados, mormente, o relativo a anulação de contratos que determinem a utilização compulsória da arbitragem ( art. 51,VII, do CDC). Aliás, alguns autores concluem que não se pode invalidar o contrato de adesão com cláusula compromissória, pois, o dispositivo proibitivo do CDC estaria revogado. Entendemos porém, que o art. 51,VII do CDC não foi revogado e harmoniza-se perfeitamente com o disposto no art. 3º, § 2º da lei de arbitragem. O que o CDC proíbe é a utilização compulsória da arbitragem e a cláusula compromissória, da forma como foi prevista na lei de arbitragem, vem exatamente possibilitar a eliminação da compulsoriedade para trazê-la com expresso consentimento e vontade do consumidor. Portanto, resta claríssimo, que a opção pela arbitragem não foi compulsória, e, sim, de livre opção do consumidor. A compulsoriedade deve ser entendida para o fornecedor de serviços e bens e não para o consumidor.

Finalmente, o que se poderia questionar é que escaparia da tutela estatal determinadas relações em que ao Estado interessa a punição, administrativa ou penal dos maus comerciantes, porém, em fase executória, o magistrado se perceber que há necessidade de efetiva tutela estatal, neste particular, tem meios para possibilitá-la.

O que não podemos nos olvidar é que a justiça arbitral é uma realidade, é um instrumento importante e imprescindível neste mundo moderno e globalizado que não pode esperar inerte a tutela jurisdicional estatal que nunca chega ou chega falha e tardiamente.

5. Bilbiografia

STRENGER, Irineu. Comentários à Lei Brasileira de Arbitragem. São Paulo: LTr, 1998.

PARIZATTO, João Roberto. Arbitragem. São Paulo: Editora de Direito, 1997.

RODRIGUES, Sílvio. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1999.

NEGRÃO, Theotônio. Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.

NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1999.

MUKAI, Toshio . (et al). Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991.

FILOMENO, José Geraldo de Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 1998.

Revista JUSTILEX, Ano I, nº 1-Janeiro de 2002.

Revista PANORAMA DA JUSTIÇA, Ano VI, nº 34.

FÉRES, Marcelo Andrade. Repensando as condições de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil. II Congresso Brasileiro de Direito do Estado. Jus Navigandi.

VITAGLIANO, José Arnaldo. Limites da coisa julgada e recursos na arbitragem. Jus Navigandi.

PASSOS,Anderson. Direito Alternativo, Realidade ou Ficção. Jus Navigandi.

     


Referência  Biográfica

Felícia Ayako Harada –  advogada sócia do escritório Harada Advogados Associados.

felicia@haradaadvogados.com.br

FRAUDE À EXECUÇÃO

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* Ederaldo Paula da Silva

INTRODUÇÃO
 
O instituto da fraude à execução tem atormentado não somente o mundo jurídico, mas também as relações negociais, porque essas têm sido atingidas em sua essência.

Os contratos mais abrangidos pela fraude proclamada têm sido as compras e vendas, bem assim as hipotecas dadas em garantia a contratos de mútuo, oportunidade em que o imóvel objeto da alienação ou da garantia é subtraído do patrimônio do novo adquirente para ser alienado judicialmente em execução judicial movida contra o alienante. Daí o enorme interesse do tema, tanto para o autor que demanda seu crédito, como para terceiros, representados nas categorias dos adquirentes ou credores por direito real.  

Pode-se incluir no mesmo rol de interessados outros exeqüentes na disputa, segundo prelação.

Tem sido praxe que os magistrados, motivados por justa reclamação do litigante preterido, proclamem pura e simplesmente a ocorrência da fraude, determinando o prosseguimento da ação contra o alienante, ficando indiferente ao que está a ocorrer no mundo das transações imobiliárias ou do que se lançou no Ofício Registral. O alheamento seria total, e a execução prosseguiria irremediavelmente para o fim colimado, qual seja, a venda judicial com a entrega do produto ao credor.

A Fraude é instituto de variadas manifestações e desdobramentos, daí decorrendo múltiplos e inconfundíveis efeitos: no direito civil, há a fraude contra credor, que possibilita a anulação do ato; no comercial, a fraude possibilita a desconsideração da pessoa jurídica, fazendo incidir a responsabilidade diretamente  sobre o sócio; no penal, o estelionato e outras fraudes conduzem à aplicação de sanções; no processo, a caracterização da fraude à execução torna ineficaz perante o exequente, o ato fraudulento.

A pesquisa teve início na vigência do Código Civil, instituído pela Lei 3.071, de 1º de janeiro de 1916, porém, sua conclusão foi realizada já na vigência do NOVO CÓDIGO CIVIL, Lei 10.406/2002, motivo pelo qual serão citados os artigos da nova Lei. 

A freqüência com que a matéria aflora nos Tribunais, recebendo tratamento diferenciado, em inúmeros julgados, é que ensejou uma reflexão sobre o tema.

Busca-se detectar o momento em que se verifica o ato dispositivo, em relação ao instante da fase procedimental da demanda, para a exata distinção do instituto com o da fraude contra credores. Desta forma, o objetivo principal é a elaboração de uma exposição monográfica que indique a evolução histórica do princípio, as problemáticas por ele suscitadas e o tratamento legal, doutrinário e jurisprudencial que o referido assunto recebe. Buscando tornar efetivo o princípio de que o processo deve constituir-se em eficaz instrumento da jurisdição, o legislador de 1973, além de coibir a litigância de má-fé, classificou determinadas situações como atentatórias à dignidade da Justiça, dentre as quais incluiu a fraude à execução.

 
DO PROCESSO DE EXECUÇÃO
 
Toda execução tem por base um título executivo judicial ou extrajudicial.  São títulos executivos judiciais a sentença condenatória civil, a sentença penal condenatória transitada em julgado, a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que verse matéria não posta em juízo, a sentença estrangeira, homologada pelo STF, o formal e  certidão de partilha e a sentença arbitral. (art. 584 do CPC).

São títulos executivos extrajudiciais: a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture, o cheque, a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores; os contratos de hipoteca, de penhor de anticrese e de caução, bem como de seguro de vida e de acidentes pessoais de que resulte morte ou incapacidade; o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou renda de imóvel, bem como encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito; o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial; a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, Estado, Distrito Federal, Território e Município, correspondente aos créditos inscritos na forma de lei e demais títulos, a que por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

O processo de execução inicia-se pela petição inicial acompanhada do título executivo.  No caso de execução por título judicial, a execução correrá nos mesmos autos em que correu o processo de conhecimento (art. 589 do CPC).

O juiz poderá indeferir a petição inicial, se entender que não está formulada de modo adequado.  Poderá ordenar também que o exequente a corrija ou emende.  Se a petição e os documentos estiverem formalmente em ordem, o juiz ordenará então que se proceda à citação do executado.

Mas no processo de execução para dar quantia certa, ao contrário do que ocorre no processo de conhecimento, o devedor não é citado para apresentar defesa.  A citação agora é para que ele pague em 24 horas ou ofereça bens para serem penhorados.  Se o devedor não pagar nem oferecer bens à penhora, o oficial de justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos forem necessários para o pagamento da dívida.

O art. 659, § 4º, do Código de Processo Civil estabelece que a penhora de imóveis faz-se mediante auto ou termo de penhora e registro no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que a Lei Federal nº 10.444, de 7 de maio de 2002, acrescentou ainda que o registro junto ao ofício imobiliário será realizado mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial.

Da mesma forma, o § 5º que foi acrescentado ao artigo 659 do Código de Processo menciona que, quando da apresentação da respectiva matrícula, a penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, será realizada por termo nos autos, do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, e por este ato constituído depositário.

Com a nova redação, não será necessário o exequente requerer a expedição de Carta Precatória para penhora de bens do executado localizados em outra comarca, bastando cumprir integralmente o que dispõe o  § 5º do artigo 659, do Código de Processo Civil.

Em caso de resistência à penhora, o juiz poderá ordenar o arrombamento de portas, móveis e gavetas, requisitando, se necessário, força policial a fim de auxiliar os Oficiais de Justiça na penhora dos bens e na prisão de quem resistir à ordem.

Certos bens, porém, não podem ser penhorados, por serem considerados absolutamente impenhoráveis, como por exemplo, o anel de casamento e os retratos de família, os salários em geral e os instrumentos necessários para o exercício de qualquer profissão.  A Constituição de 1988 tornou também impenhorável a pequena propriedade rural por débitos decorrentes de sua atividade produtiva (art. 5º, XXVI).  São também impenhoráveis as moradias familiares próprias e os móveis que as guarnecem, e outros bens arrolados na Lei 8.009/90 (bem de família).

Com a penhora os bens ficam gravados e vinculados à execução.  O oficial de justiça os arrecada e os entrega à guarda de um depositário, que pode ser o próprio devedor.  Os bens são avaliados e vendidos em leilão ou praça, conforme se trate de móveis ou imóveis, e com o produto da venda se fará o pagamento ao credor.

Se o devedor achar que tem elementos para impedir o seguimento da execução, poderá propor ação paralela contra o credor, dentro de 10 dias da juntada aos autos da intimação da penhora, ação essa, que tem o nome de embargos do devedor.  Servem de fundamento para os embargos, a invalidade do título, a ilegitimidade de parte, a prova de pagamento anterior, a prescrição, a compensação, etc…

Embora considerados ação em separado, os embargos do devedor correm em apenso aos autos da execução.

Chama-se arrematação o ato de transformar-se o bem em pecúnia, em que o Oficial de Justiça apregoa e um licitante os adquire, pelo maior lance.  O juiz não é obrigado a aceitar o lance de preço vil, ou seja, por preço tão baixo que prejudique grandemente o devedor, sem vantagem para o credor (art. 692 do CPC).

No caso de bens móveis, basta o auto de arrematação e a entrega da coisa ao arrematante.  No caso de imóveis, porém, além do auto de arrematação, lavra-se também carta de arrematação, que é depois registrada no Registro de Imóveis.

Se os bens não forem arrematados, poderá o credor requerer que os mesmos lhe sejam adjudicados, por preço não inferior ao que consta do edital de leilão ou de praça.  A adjudicação portanto, é o ato em que o credor recebe a coisa penhorada, em pagamento total ou parcial de seu crédito.

Outro ponto interessante no processo de execução é a chamada remição.  Remir, vem do latim “re-emere”, adquirir de novo, resgatar, tirar  do cativeiro ou do poder alheio, alforiar.

Há duas espécies de remição. A primeira chama-se remição da execução e se refere ao devedor ou a qualquer interessado. O bem pode ser liberado antes da assinatura do auto de arrematação ou da sentença de adjudicação, pagando-se ou consignando-se o valor da dívida, mais juros, custas e honorários advocatícios (art. 651 do CPC).

A segunda espécie de remição chama-se remição de bens e se refere ao cônjuge, ao descendente ou ao ascendente do devedor.  Essas pessoas podem liberar os bens penhorados dentro de certo prazo, depositando apenas o preço por que foram arrematados ou adjudicados (art. 787 do CPC).

Além da execução comum, que o Código de Processo Civil chama de execução por quantia certa contra devedor solvente, existem outras espécies de execução, como a execução para a entrega de coisa, a execução das obrigações de fazer e de não fazer, a execução de prestação alimentícia e a execução por quantia certa contra devedor insolvente, cada uma com detalhes próprios.  A execução por dívidas fiscais regula-se por lei especial própria (L 6.830, de 22.9.80).

DA FRAUDE À EXECUÇÃO
 
Consoante o art. 593 do Código de Processo Civil, considera em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III – nos demais casos expressos em lei.

Fraude de execução é o ato voluntário do devedor que, para descumprimento de uma obrigação, desvia bens suscetíveis de garantir suas dívidas, procurando com isso lesar os direitos dos credores.  

A fraude de execução é considerada como ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, art. 600,I),  eis que implícita a intenção do devedor de lesionar os direitos do credor, em prejuízo da seriedade do judiciário e sua autoridade na constrição de bens do devedor, sujeitando-se o devedor ao pagamento de uma multa a ser fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material. Tal multa será revertida em proveito do credor, e será exigível na própria execução (CPC, art. 601, com a redação dada pela Lei nº 8.953, de 13-12-94).

Lembra JOSÉ FREDERICO MARQUES, Manual de Direito Processual Civil, v. IV, Ed.  Saraiva, 1979, p. 47 que:

"A fraude de execução constitui verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair. Daí a ineficácia da alienação de bens feita em fraude de execução: é que a ordem jurídica não pode permitir que enquanto pende o processo, o réu altere a sua posição patrimonial”.

Os bens de propriedade do devedor estão sujeitos à expropriação (CPC, art. 591 e 592), para garantir suas dívidas, constituindo, pois, a garantia do credor com referência ao recebimento de seu crédito.  Se o devedor desvia seus bens, ficando o credor sem garantias, há o amparo legal que considera as hipóteses de fraude.

O devedor alienando ou onerando seus bens, quando sobre eles pender ação fundada em direito real, ou havendo demanda capaz de reduzi-lo à insolvência e nos demais casos expressos em lei (CPC, art. 593, incisos I a III), estará fraudando a execução e consequentemente os direitos assegurados pela lei aos credores.

A fraude de execução não se confunde com a fraude contra credores (CC, art. 158, parágrafos 1º e 2º e art. 159).  A primeira é totalmente ineficaz  em relação à execução e ao credor, ao passo que a segunda é anulável pelos credores, quando ocorra transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, feitos pelo devedor já insolvente ou por tais atos a tanto reduzido, bem como nos casos em que o devedor venha onerar seus  bens quando sua insolvência for notória ou ocorram motivos para ser conhecida pelo outro contratante.

HUMBERTO THEODORO JUNIOR, in "Processo de Execução", Ed.  LEUD, 1984, p. 154, lembra que:

"De inicio, cumpre não confundir a fraude contra credores com a fraude de execução.  Na primeira são atingidos apenas interesses privados dos credores (arts. 106 e 107 do Cód.  Civil). Na última  o ato do devedor executado viola a própria atividade jurisdicional do Estado (art. 593 do Cód.  Proc. Civil)”.

A 1ª Câm.  Cív. do TAMG, aos 29-3-85, no AI 4.062, entendeu que:

"A fraude contra credores atinge apenas interesses privados dos credores, podendo ser desfeita mediante ação pauliana, enquanto a fraude de execução viola a própria atividade jurisdicional do Estado, sendo ineficazes os atos que a constituem ". (RJTAMG 23/283).

Na fraude de execução, sendo esta reconhecida, o próprio juízo da execução poderá determinar o cancelamento do registro da alienação fraudulenta (RT 689/167), sendo que nos termos do art. 216 da Lei nº  6.015, de 31-12-73, o julgado sobre fraude de execução anula o registro efetuado da venda do bem pelo devedor.

Considera-se em fraude de execução, quando ocorre alienação ou oneração de bens, pendendo sobre eles ação fundada em direito real.  Direito real se diz da relação jurídica que atribui ou investe a pessoa física ou jurídica na posse, uso e gozo de uma coisa, corpórea ou incorpórea, que é de sua propriedade. 

Trata-se do direito da pessoa sobre as coisas móveis ou imóveis, sendo oponível contra todos, valendo “erga omnes”.  O art. 1.225 do Código Civil estabelece os casos de direitos reais, sendo eles; a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca e a anticrese.

Nota-se que foi excluída a enfiteuse dentre os direitos reais, bem como as rendas expressamente constituídas sobre imóveis; na nova redação consta como direito real no inciso VII, o direito do promitente comprador do imóvel.

Ocorrendo oneração ou alienação de bens, quando sobre eles havia uma pendência fundada em direito real, ou seja,  sobre a coisa onerada ou alienada pelo devedor, estaremos diante de uma fraude de execução, valendo a pena lembrar que o dispositivo em apreço protege as alienações eventualmente feitas pelo devedor antes mesmo de ser decidida a ação que tenha por objeto um direito real, não se exigindo, pois, tenha havido sentença sobre a questão posta em demanda.

O que caracteriza a fraude de execução em tal caso, é a alienação ou a oneração de bens feita pelo devedor quando, à época da alienação ou oneração, corria contra si, demanda capaz de reduzi-lo à insolvência. 

Para configuração de tal fraude, torna-se necessária a existência de demanda contra o devedor que com a alienação ou oneração de bens, ficou em estado de insolvência, não possuindo mais bens capazes de acudir eficazmente o pagamento da condenação.

A insolvência se dá quando as dívidas excedem a importância dos bens do devedor (CPC, art. 748), ou seja, quando seus bens são insuficientes para o pagamento de suas dívidas.

Sempre houve imensa controvérsia quanto ao momento inicial a partir do qual a alienação de bens seria considerada em fraude de execução. Para uns, bastaria o ajuizamento da ação(CPC, art. 263); para outros, seria necessária a citação.

Cabe ao credor, no seu interesse, proceder ao registro da penhora no Cartório de Registro de Imóveis, tal como prevê a Lei dos Registros Públicos, acautelando-se de forma segura contra uma eventual alienação do bem por parte do devedor.

Trata-se de providência sempre recomendável, evitando-se com isso situações de eventual fraude de execução, porquanto, existente o registro, o adquirente não logrará registrar o título aquisitivo. O registro é providência obrigatória (Lei nº 6.015/73, art. 169).

Evitando-se fraudes de execução, o art. 659, parágrafos 4º e 5º, do Código de Processo Civil, com a nova redação dada pela Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002, estabeleceram  que a penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora e inscrição no respectivo registro, protegendo-se assim os direitos do credor.  Aliás, a nova redação tornou dispensável a expedição de mandado de registro de penhora, devendo o registro junto ao ofício imobiliário ser feito com a apresentação de certidão de inteiro teor do ato.

Na verdade, a falta de inscrição não impede a alegação de fraude contra a execução e sim,  somente, tem a significação de ficar o exeqüente com o ônus de provar que o adquirente tinha conhecimento, ou de que sobre os bens estava sendo movido litígio fundado em direito real, ou de que pendia contra o alienante capaz de lhe alterar o patrimônio, de tal sorte que ficaria reduzido à  insolvência.

Duas são, portanto, as situações a considerar:

a) se a citação estiver inscrita no Registro lmobiliário, "a fraude independe de prova, porque se presume do fato do registro, pelo qual se tem registrado como do conhecimento de todos e, portanto, do adquirente";  

b) não havendo inscrição, incumbirá ao credor o ônus de provar "as condições legais da fraude à execução", isto é, deverá demonstrar que o adquirente conhecia a existência da ação pendente contra o alienante.

O adquirente, em qualquer caso, para defender seus direitos terá de ingressar com embargos de terceiro, nos termos do art. 1.046 do Código de Processo Civil, considerando-se parte estranha ao processo de execução onde tenha sido efetuada a constrição sobre o bem, quando terá que demonstrar a inexistência da fraude de execução para livrar o bem da constrição, sendo cabível tal discussão no âmbito dos embargos de terceiro.

O art. 593, III, do Código de Processo Civil, entende ser caso de fraude de execução, a alienação ou oneração nos demais casos expressos em lei.  Tais casos  encontram-se previstos no Código de Processo Civil, no Código Tributário Nacional e no Código Penal.

Segundo o art. 672 do Código de Processo Civil: “A  penhora de crédito, representado por letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á pela apreensão do documento, esteja ou não em poder do devedor.  Parágrafo 3º  Se o terceiro negar o débito em conluio com o devedor, a quitação, que este lhe der, considerar-se-á em fraude de execução”.

O Código Tributário Nacional em seu art. 185 estabelece que:

"Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução ". Consoante o parágrafo único do artigo citado: "O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados pelo devedor bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida em fase de execução ".

No Código Penal, o art. 179  trata do crime de fraude à execução.  Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas,

Pena – detenção, de 6(seis) meses a 2(dois) anos, ou multa.  

Parágrafo único. Somente se procede mediante queixa.

Vale ainda acrescentar que na modalidade acima, o objeto jurídico é o patrimônio e o sujeito ativo é o devedor acionado para pagamento de dívida.

É necessário que não seja comerciante. Se o for, o crime será falimentar. Não é necessário que seja o depositário do bem.

O sujeito passivo é credor que promove o procedimento judicial para recebimento de seu crédito, sendo que a conduta típica consiste em fraudar execução de sentença condenatória, evitando a penhora por intermédio de alienação de bens, desvio, destruição ou sua danificação, ou por simulação de dívidas.

A tentativa nesse tipo de crime é admissível, sendo a ação penal privada, procedendo-se mediante queixa. Quando o crime é cometido em detrimento da União,  Estado e Município a ação penal é pública incondicionada, nos termos do artigo 24, parágrafo 2º, do  CPP.

A objetividade jurídica do crime de fraude à execução reside na proteção dada pelo Estado, ao patrimônio do devedor em face do seu credor. 

Secundariamente, vez que a fraude de execução é considerada como um ato atentatório à dignidade da justiça, tutela-se a administração da Justiça.

Tudo o que se disse sobre a penhora aplica-se ao arresto e ao seqüestro, medidas cautelares de efeito similar à penhora.  Se o devedor era de início solvente e efetuou várias vendas de bens livres, para só a final tomar-se insolvente, a fraude de execução só terá ocorrido a partir do ato que gerou de fato insuficiência para garantir a dívida ajuizada.  A execução deverá pois atingir tão-somente os bens dispostos nas últimas alienações, em ordem regressiva "até o equivalente na dívida".

Não existe  a fraude de execução na iminência do processo.  Antes de ser instaurada a relação processual, seja condenatória ou executória, a fraude é apenas contra credores.

Não é só a venda e outros atos de disposição como a doação que ensejam a fraude de execução. Também os atos de oneração de bens como a hipoteca, o penhor, promessa irretratável de venda, alienação fiduciária etc., quando causem a insolvência do devedor ou a agravem, são considerados como fraudulentos e lesivos à execução,  apresentando-se, por isso mesmo, ineficazes perante o credor.

DA FRAUDE  CONTRA CREDORES E DAS DIFERENÇAS COM A FRAUDE À EXECUÇÃO. 

Diz-se haver fraude contra credores, quando o devedor insolvente ou na iminência de tornar-se tal, pratica atos suscetíveis de diminuir seu patrimônio, reduzindo, desse modo, a garantia que este represente, para resgate de suas dívidas  

As regras contidas neste capítulo do Código Civil se inspiram  num princípio  informador de todo o Direito das Obrigações, ou seja, no princípio de que o patrimônio do devedor responde por suas  dívidas.  

De modo que, se o devedor maliciosamente e para tornar ineficaz a cobrança de seus débitos, afasta de seu patrimônio ou de qualquer modo diminui a garantia que este representa para seus credores, a lei, no intuito de proteger estes últimos e ocorrendo certos pressupostos, confere-lhes a prerrogativa de desfazer os atos praticados, restabelecendo integralmente a primitiva garantia.  

O Código Civil de 1916, em seu artigo 106, parágrafo único, mencionava que: “Só os credores que já o eram ao tempo desses atos, podem pleitear-lhes a anulação”. Já, o novo Código Civil, que disciplina a fraude contra credores a partir do artigo 158, substituiu o parágrafo único acima descrito, pelos parágrafos 1º e 2º a seguir;

Artigo 158, do NOVO CÓDIGO CIVIL – Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos.

§ 1º Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente.
§ 2º Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles.;
 
Note-se, porém, que a fraude contra credores só se caracteriza quando for insolvente o devedor, ou quando se tratar de pessoa que, por atos malsinados, venha tornar-se insolvente, porque, enquanto solvente o devedor, ampla é sua liberdade de dispor de seus bens, pois a prerrogativa de aliená-los é elementar do direito de propriedade.  Entretanto, se ao transferi-los a terceiros já se encontrava insolvente o devedor, permite a lei torne-se sem efeito tal alienação, quer pela prova do “consilium fraudis”, quer pela presunção legal do intuito fraudulento.

Aqui o direito de livre disposição do devedor esbarra na barreira representada pelo interesse dos credores; aliás, pela modificação na Legislação atual, aquele que na qualidade de credor constata a insuficiência de suas garantias junto ao devedor, poderá também pleitear em juízo a anulação do ato. (parágrafo 1º, artigo 158 do C.C).

Se tivermos em conta que o patrimônio do devedor responde por suas dívidas, se considerarmos que o patrimônio de um indivíduo se compõe de ativo e passivo, e se imaginarmos que o devedor insolvente é aquele cujo passivo supera o ativo, podemos concluir que, ao afastar bens de seu patrimônio, o devedor insolvente, de certo modo, está dispondo de valores que não mais lhe pertencem, pois tais valores se encontram vinculados ao resgate de seus débitos.

Daí permitir o Código Civil que, ocorrendo determinados pressupostos, possam os credores desfazer os atos fraudulentos praticados pelo devedor, em detrimento de seus interesses.

Dois elementos compõem o conceito de fraude contra credores.  Um elemento objetivo, ou seja, o “eventus damni”, consistente em todo ato capaz de prejudicar o credor, quer por tornar insolvente o devedor, quer por já haver sido por ele praticado em estado de insolvência.  E um elemento subjetivo, isto é, o “consilium fraudis”, caracterizado pela má-fé, pelo intuito malicioso de ilidir os efeitos da cobrança.  

A lei aponta os atos por meio dos quais a fraude se pode apresentar e cuida dos demais requisitos, necessários para que ela se configure. Ela aparece, em regra, nos seguintes tipos de negócios jurídicos: a) atos de transmissão gratuita de bens ou de remissão de dívida; b) atos a título oneroso; c) pagamento antecipado de dívidas vincendas; d) constituição de direitos de preferência a um ou a alguns dos credores quirografários.  

Conquanto digressionem amplamente doutrina e jurisprudência a respeito das distinções entre os dois institutos, permite-se afirmar desde logo que a fraude de execução representa uma especialização da fraude contra credores.  

Aliás, mesmo em seus antecedentes históricos e no direito comparado, tem-se que tais institutos apresentam elementos promíscuos, sabido que no direito romano, a fraude contra credores representou um incidente de execução concursal, enquanto, na generalidade das legislações, a defraudação da execução é apreciada como forma agravada de fraude contra credores, no pressuposto da existência de processo em curso, afirmando-se mesmo que a disciplina processual brasileira de fraude de execução não encontra símile no direito comparado. 

Afirmar que a fraude de execução é uma especialização da fraude contra credores não quer dizer que ambos os institutos se identifiquem por inteiro, mas tão-apenas que, não obstante apresentarem caracteres específicos, preservam certa similitude originária.  

Assim, ambas em sua gênese e na evolução histórica, participam, “in genere”, das medidas conservatórias da solvabilidade do patrimônio do devedor, tendo em comum, como fundamento, a lesão cansada ao credor do alienante.  

E nelas se identificam a citada fraude na alienação de bens por parte do devedor; a eventualidade de “consilium fraudis” pela ciência da insolvabilidade por parte do adquirente, requisito que, na alienação gratuita do art. 158 e na fraude de execução, é presumido, dispensada a respectiva prova; e o prejuízo do credor “eventus damni”, por ter o devedor se reduzido à insolvência quando já existia dívida quirografária, ou por ter alienado os bens, quando pendia contra o mesmo demanda capaz de reduzi-lo à insolvência.  

Mas, no consenso da doutrina e conforme aliás decorre de nosso sistema jurídico, a fraude à execução é instituto processual, enquanto a fraude contra credores integra-se no direito material; ali, ocorre a violação da função processual executiva, e portanto os interesses molestados são ditos como de ordem pública; aqui, a fraude contra credores apresenta-se como defeito dos atos jurídicos, implicando a lesão de interesses privados. 

Embora tanto na fraude contra credores como na fraude à execução ocorra o pressuposto comum da anterior existência de um débito da responsabilidade do alienante, frustrado o seu pagamento pela insolvência do obrigado é certo que, na fraude à execução, procura-se coibir com maior rigor a intenção fraudulenta pelo fato de que a ordem jurídica não pode permitir que, enquanto pende o processo, o réu altere a sua posição patrimonial, dificultando a realização da função jurisdicional; com isto, já estamos colocando como fundamental, para a distinção ora tentada, o momento em que o ato fraudatório é praticado.  

Assim, a simples insolvência não é suficiente para que se configure a fraude de execução, pois se exige a presença de outro pressuposto representado pela litispendência: inexiste fraude de execução na iminência do processo, pois antes de instaurar-se a relação processual, condenatória ou executiva, a fraude será contra credores; enquanto isso, na fraude à execução, coloca-se como pressuposto indispensável a instauração de relação processual, a existência de uma demanda em andamento, tendo o ato fraudulento sido praticado pelo devedor para frustrar-lhe a execução.  

A má-fé do alienante representa elemento subjetivo que participa da essência tanto da fraude contra credores, como da fraude à execução; mas, à diferença do que ocorre na fraude contra credores, na fraude de execução a intenção fraudulenta está “in re ipsa”, sob forma de presunção absoluta a dispensar-lhe a respectiva prova.  

Quanto à forma de impugnação do ato lesivo, impõe-se reconhecer que a orientação dominante na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, define-se no sentido da necessidade de ação pauliana para a revocabilidade dos atos praticados em fraude contra credores, inadmitido o seu reconhecimento quando alegado como defesa em embargos de terceiro; somente a fraude de execução seria passível de ser reconhecida incidentemente no próprio processo executório ou nos embargos de terceiro.  

Muito se tem discutido a respeito do juízo que reconhece a fraude contra credores e do juízo que reconhece a fraude de execução, quanto à natureza do julgado e aos seus efeitos.  

Se é tranqüilo o entendimento de que o ato praticado em fraude de execução se reputa simplesmente ineficaz em relação ao credor exeqüente que, embora alienado o bem, poderá excuti-lo em mãos do terceiro adquirente, tem-se como certo, contudo, que a renovação dos estudos doutrinários a respeito da fraude contra credores vem demonstrando que sem embargo da literalidade do art. 171, II, do Código Civil,  a sentença pauliana também se resolve em simples juízo de ineficácia do ato alienatório, deixando subsistir os seus efeitos entre as partes como negócio jurídico válido; tanto que se o crédito vem a ser extinto por qualquer modo, o negócio remanesce válido e eficaz na sua plenitude.  

Urge salientar que pela nova redação Código Civil, no inciso II, do art. 171, exclui-se do negócio jurídico anulável a simulação e incluiu o estado de perigo, completando também o item fraude do Código em vigência por Fraude contra credores, passando a ter a seguinte redação já em vigor;  

Artigo 171, do Código Civil ;  Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico.

I  –  por incapacidade relativa do agente;

II –  por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.  

A fraude contra credores não se confunde com fraude à  execução, embora ambas visem à declaração de ineficácia da alienação fraudulenta.  Encontra-se hoje superado, o entendimento de que a fraude contra credores torna o ato anulável e a fraude à execução o torna nulo.

Na realidade, a alienação é apenas ineficaz em face dos credores.  Tanto que, se devedor-alienante, que se encontra em estado de insolvência, conseguir, em razão de algum fato eventual (loteria, por exemplo) pagar a dívida, mantém-se válida a alienação.

A fraude contra credores é defeito do negócio jurídico, regulado no Código Civil. A fraude à execução é incidente processo, disciplinado pelo direito público.  A primeira caracteriza-se quando ainda não existe nenhuma ação ou execução  em andamento contra o devedor, embora possam existir protestos cambiários. A segunda pressupõe demanda em andamento, capaz de reduzir o alienante à insolvência (CPC, art. 593, II).  A jurisprudência dominante nos Tribunais é no sentido de que esta somente se caracteriza quando o devedor já havia sido citado, à época da alienação. A doutrina, entretanto, considera fraude à execução qualquer alienação efetivada depois que a ação fora proposta (distribuída, segundo o art. 263 do CPC). 

Sem dúvida, é a corrente mais justa, por impedir que o réu se oculte, enquanto cuida de dilapidar o seu patrimônio, para só depois então aparecer para ser citado, e a que mais se ajusta às expressões do art. 593, II, do Código de Processo Civil: "quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência". 

A fraude contra credores deve ser pronunciada em ação pauliana, enquanto a fraude à execução pode ser reconhecida mediante simples petição, nos próprios autos.  A jurisprudência já admitiu a discussão da fraude contra credores em concurso de credores (CPC, art.  768) e em embargos de terceiro.  

"Fraude contra credores.  Apreciação em  embargos de terceiro.  Possibilidade.  Revestindo-se de seriedade as alegações de “consilium fraudis” e do “eventus damni” afirmadas pelo credor embargado, a questão pode ser apreciada na via dos embargos de terceiro, sem necessidade de o credor ajuizar ação pauliana" (REsp 5.307-RS, 4ª T., Rel.  Min.  Athos Carneiro, j. 16.6.1992, DJU, mar. 1993, p. 3119).  Assim também já decidiu o 1º  Tribunal de Alçada Civil do Estado (RT, 566:107).

Por outro lado, o maior empecilho à admissão de sua discussão em embargos de terceiro é o art. 161 do Código Civil, que exige a presença do alienante na ação.  E os embargos de terceiro têm por partes o terceiro adquirente como embargante, e o credor exeqüente, como embargado, que argüi a fraude na contestação, deles não participando o  devedor alienante. 

Tal questão é relevante eis que se fosse admitida a alegação, discussão e até reconhecimento da fraude contra credores em sede de embargos de terceiro, estar-se-ía decidindo sem que a relação processual estivesse completa, pois que faltaria o devedor-executado em tal processo, ficando esse sem defesa em violação flagrante à Carta Magna.

 A 3ª Câm. Cív. do TAMG, aos 17.05.83, na Ap. Civ. 21.720, decidiu que:

“ Inadimissível o exame de fraude contra credores quando não presente à relação processual o executado que teria praticado o ato que se pretende anulado”

(RJTAMG 16/176)  

 CANDIDO RANGEL DINAMARCO, in “ Fundamentos do Processo Civil Moderno”, Ed. RT, 1986, p. 441, escreveu que:

 “ A fraude a credores não é suscetível de discussão nos embargos de terceiro, porque o negócio fraudulento é originariamente eficaz e só uma sentença constitutiva negativa é capaz de lhe retirar a eficácia prejudicial ao credor. Essa sentença de desconstituição é a que acolhe a chamada ação pauliana e, sem ou antes que ela seja dada, o bem não responde pela obrigação do vendedor e a penhora é indevida e ilegal. “

O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, assim editou a Súmula 195; “Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores”.

Pode ser lembrado, por último, que a caracterização da fraude contra credores nas alienações onerosas, depende de prova do “consilium fraudis”, isto é, da má-fé do terceiro (prova esta dispensável somente quando se trata de alienação a título gratuito ou de remissão de dívidas), enquanto a referida má-fé é sempre presumida, na fraude à execução.  Aduza-se que o adquirente, porventura, já transferiu o bem a outra pessoa, não se presume a má-fé desta (a qual deve, então, ser demonstrada), salvo se a alienação se deu depois do registro da penhora do bem.

DO MOMENTO DA DECLARAÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO 

Para configuração da fraude de execução, torna-se necessário a ocorrência de um dos requisitos do art. 593 do Código de Processo Civil, em especial que haja ação em andamento, pois do contrário poder-se-á questionar somente sobre a fraude contra credores.  

 Na fraude de execução o “consilium fraudis” é presumido, sem necessidade, pois, de sua demonstração.  ENRICO TULLIO LIEBMAN, lembra que: "a intenção fraudulenta está  “in re ipsa” e a ordem jurídica não pode permitir  que, enquanto pende o processo, o réu altere a sua posição patrimonial, dificultando a realização da função jurisdicional".  

A alienação em fraude à execução é ineficaz perante o credor. Assim, diante desse, é como se a alienação inexistisse e o bem continuasse a integrar o patrimônio do devedor. Reconhecida a fraude à execução, e decretada a ineficácia da alienação, o credor poderá fazer a execução recair sobre o bem alienado, em mãos de terceiro, sem que ele possa opor-se por meio de embargos de terceiro. Afinal, nos termos do artigo 42, parágrafo 3º do Código de Processo Civil o adquirente ou cessionário da coisa litigiosa fica sujeito aos efeitos da sentença.   

É conhecida a orientação do Pretório Excelso, que reiteradamente proclama:

Fraude à execução. Não há cuidar, na espécie, da boa ou má-fé do adquirente do bem do devedor para figurar a fraude. Basta a certeza de que, ao tempo da alienação, já corria demanda capaz de alterar-lhe o patrimônio, reduzindo à insolvência. Proposta a execução, desnecessária a inscrição da penhora para a ineficácia de venda posteriormente feita, sendo suficiente o desrespeito a ela, por parte da executiva" (RT 122/348) in CPC e Legislação Processual em Vigor, Theotonio Negrão, 31ª ed., nota de roda-pé ref. art. 593, 9ª ed.  

Como se vê, essa orientação dispensava o exame do elemento subjetivo do adquirente, bem assim o registro da penhora. Como decorrência, ao exeqüente bastava comprovar a lide, e a alienação do bem. Configurada estaria a fraude.  

Em sentido mais moderado surgiu a tese doutrinária ostentada por Décio Antonio Erpen, há mais de uma década, de que:  o registro da penhora, em caso de execução, seria prova pré-constituída da fraude, dispensável qualquer outra providência para a caracterização da mesma, ou  se ausente tal registro, caberia ao credor demonstrar a má-fé do adquirente porque todo o sistema jurídico pátrio se assentava no princípio da boa-fé.  

A jurisprudência, até então tranqüila, passou a receber forte divisão pretoriana, mormente porque aos Tribunais de Alçada competia o julgamento das execuções por título extrajudicial, e nesses feitos é que ocorria, sabidamente, a alienação do bem constrito.  

O Pretório Excelso, mais tarde, passou a explicitar que a litigiosidade só existiria se houvesse prévia citação válida, considerando demanda ajuizada aquela em que já houvesse a mesma citação.

Tem-se que nos termos do art. 219 do Código de Processo Civil, a criação da litigiosidade da coisa, pela citação válida do devedor, daí que a fraude de execução somente poderia ocorrer após a citação válida do devedor, não bastando a propositura da ação;  

FRAUDE À EXECUÇÃO – Requisitos – Alienação de imóvel ocorrida após a citação para a ação de execução – Caracterização – Desnecessidade, ademais, da averbação da penhora no registro de imóveis, até porque o processo judicial interposto contra o alienante é público, incumbindo aos adquirentes a cautela de providenciarem certidões judiciais a respeito – Embargos de terceiro improcedentes Recurso Improvido.

EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Fraude à execução. Ocorrência. Alienação de imóvel após citação. Presunção de insolvência. Não pagamento do débito. Irrelevante a boa ou má-fé do adquirente. Análise de doutrina e jurisprudência. Recurso improvido (1º TAC – 7ª Câm.; AP nº 793.992-6-Descalvado; Rel. Juiz Álvares Lobo; j. 15/12/1998; v.u.) LEXTAC 176/124.

EMBARGOS DE TERCEIRO – Fraude à execução – Citação – Alienação de bens – Ineficácia – Coisa julgada – Processo de execução – Declaração incidental.

Se em recurso anterior já havia sido reconhecida a fraude à execução, com declaração de ineficácia da venda perante o credor, tal decisão não comporta discussão nova. A partir da citação do devedor já é vedada a alienação de bens capaz de reduzi-lo à insolvência. A venda fraudulenta do imóvel configura fraude à execução e é ineficaz perante o exeqüente, sendo cabível a declaração incidental no processo de execução (TAMG – 3ª Câm. Civ.; AC nº 269.966-1-BH; Rel. Juiz Wander Marotta; j. 2/12/1998; v.u.) RJTAMG 74/196.  

Logo, pelo entendimento acima, sem a litispendência, não se poderia falar em fraude de execução, pelo que a alienação ou oneração ocorrida antes da citação não servirá para fins de caracterização da fraude de execução, podendo, sendo o caso, questionar-se acerca da fraude contra credores.  

A 4ª Turma do STJ, no REsp. 37.011-6-SP, rel.  Min.  Sálvio de Figueiredo, decidiu que: "Na linha dos precedentes da Corte, não se considera realizada em fraude de execução a alienação ocorrida antes da citação do executado-alienante.  Para que não se desconstitua penhora sobre imóvel alienado posteriormente à efetivação da medida construtiva, ao exeqüente que a não tenha levado a registro cumpre demonstrar que dela os adquirentes embargantes tenham ciência, máxima quando a alienação a estes tenha sido realizada por terceiro, que não o executado ".  

Há ainda o entendimento de á HHáH   que para configuração da fraude de execução, não é necessário esteja registrada a citação no Cartório de Registro de Imóveis, conforme prevê o art. 167, nº I , inciso 21, da Lei nº 6.015, de 31-12-73 (RT 48/78 e -552/107), cuidando-se de condição facultativa, cabendo em sua falta que o credor prove a fraude de execução.  

MOACYR AMARAL SANTOS, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, Ed.  Saraiva, 1979, pp. 236-6, escreveu que:

"Não tendo a citação sido levada àquele registro, conquanto ainda aí exista a fraude, cumpre ao exeqüente prová-la, o que vale dizer que insta a este provar que o terceiro adquirente ou beneficiária com a oneração dos bens, tenha conhecimento da ação pendente contra o alienante ".  

De tal sorte, não tendo sido inscrita a citação no Registro de Imóveis, caberá ao credor provar a existência da fraude, demonstrando que o adquirente tinha conhecimento da demanda, para então falar-se em fraude de execução.  Havendo o registro da citação, o direito do credor estará colocado a salvo, justamente porque o adquirente terá conhecimento desta ao levar seu título para registro.

Duas contudo, são as considerações a serem feitas, a saber: necessidade ou não do registro da citação nos casos dos incisos I e II do artigo 593 e a necessidade ou não do registro das penhoras, arrestos e seqüestros.  

Doutrinou sobre o assunto Amilcar de Castro, com maestria: ‘O fato, porém, de não ter sido registrada, ou inscrita, a penhora, o arresto, o seqüestro ou a citação, não impede a alegação de fraude contra a execução, e sim, somente , tem a significação de ficar o exeqüente no ônus de provar que o adquirente tinha conhecimento, ou de que estava sendo movido litígio fundado em direito real, ou que pendia contra o alienante demanda capaz de Ihe alterar o patrimônio, de tal sorte que ficaria reduzido à insolvência. Feita a inscrição, as alienações posteriores peremptoriamente se presumem feitas em fraude de execução, independentemente de qualquer outra prova. Não sendo feita a inscrição, o exeqüente deve provar as condições legais de existência de fraude à execução. Vale dizer: a inscrição só tem efeito de publicidade, e vale como prova presumida, irrefragável, de conhecimento das condições legais de fraude por parte de terceiros’  

FRAUDE À EXECUÇÃO – Embargos de terceiro – Penhora – Aquisição do imóvel penhorado quando já pendia execução contra o vendedor – Constrição não registrada – Discussão sobre a relevância da boa-fé dos adquirentes, os quais procuraram cercar-se das cautelas devidas, inclusive exibindo certidão negativa de ônus – Inocorrência de modificação do artigo 593, II do mesmo Código – Caracterização do pressuposto básico da fraude como sendo a existência de demanda capaz de reduzir o alienante à insolvência – Embargos improcedentes 

– Recurso improvido voto vencido.

EMBARGOS DE TERCEIRO – Argüição de inocorrência de fraude, pois, a penhora de bem imóvel não foi registrada. Necessidade de averbação da penhora junto ao registro de imóveis que criou novo pressuposto processual para o desenvolvimento válido da ação de execução, bem como para tornar eficaz o ato processual da penhora perante terceiros, mas que não revoga o instituto da fraude de execução, previsto no artigo 593, inciso II do estatuto processual, e que tem como requisito básico para sua incidência a pendência de demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência. Sentença de improcedência mantida. (1º TAC – 9ª Câm.; AP nº 752.523-5-SP; Rel. Juiz Luís Carlos de Barros; j. 1º/9/1998; maioria de votos) LEXTAC 175/131

FRAUDE À EXECUÇÃO – Caracterização – Alienação do imóvel depois do ajuizamento da execução – Irrelevância de que a penhora não tenha sido registrada.
Fica caracterizada a fraude à execução, se o devedor aliena o imóvel depois do ajuizamento da execução, sendo irrelevante para a fraude que a penhora não tenha sido registrada (1º TAC – 8ª Câm.; AI nº 884.718-3-Araraquara; Rel. Juiz Márcio Franklin Nogueira; j. 27/10/1999; v.u.) RT 776/260.

Mister detectar-se o momento preciso que serve de marco à identificação da fraude à execução, que leva viciamento do ato traslativo do bem, sujeito à constrição judicial, eis que pacificado na doutrina que o mais evidente elemento diferenciador deste instituto processual com a fraude contra credores, e que habita a órbita do Direito Material, é o momento em que ocorreu o ato dispositivo.

Por esta razão surge a tese de que a repressão para a venda ou alienação de bens deve ser mais efetiva e imediata, ou seja, é a existência de relação processual que serve de divisor para que se reconheça o ato fraudulento.

Desde que haja ação, não importa se a mesma se rege pelo processo de conhecimento ou pelo processo executivo: desde a propositura, a alienação ou oneração pelo devedor determinarão a fraude de execução, se a hipótese enquadra-se num dos incisos do artigo 593 do CPC.

Sendo a existência de relação jurídica processual a envolver o alienante, o dado objetivo e prático para detectar a exacerbação dos efeitos da transação, mister que se fixe o momento de seu nascimento, em face do verbo legislativo sem especificidade, eis que o inc. I do art. 593 do CPC fala em ‘pender ação’ e a norma seguinte em ‘correr demanda’.

Assevera com propriedade Araken de Assis que, em face dos termos do art. 263 do CPC, agasalhou o Direito brasileiro a forma da relação processual angular, que se estabelece entre o autor e o Estado, sendo ‘dispensável a citação do réu’.

Apesar da posição isolada na doutrina de Mário Aguiar Moura  ainda mesmo que já aparelhado se ache o processo pela distribuição ou despacho, em linha de princípio, a alienação, que se efetiva nesse interregno e antes da citação, não enseja a argüição de fraude de execução. Poderá favorecer a verificação da fraude contra credores. Vem a jurisprudência gaúcha fixando-se na data da citação, ou na da penhora. Duas decisões recentes, porém, já antecipam o marco para o momento da instauração da relação processual.

A posição majoritária, no entanto, distancia-se da postura uniforme da doutrina, eis que Amílcar de Castro fala em ‘demanda incidente’, Mendonça Lima e Pontes de Miranda em ‘desde ou após a propositura’, enquanto Yussef Cahali diz: ‘Impõe-se reconhecer, portanto, que se vai consolidando o melhor entendimento no sentido da configuração da ‘lide pendente’, para os efeitos do art. 593, II, do CPC, com o ‘simples ajuizamento da ação’, ainda que a citação não tenha sido efetivada: o CPC vigente clareou ainda mais o entendimento, quando, no art. 263, considera proposta a ação tanto que a petição inicial seja despachada pelo Juiz ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma Vara, sendo irrelevante o fato de a citação ainda não ter sido realizada para que se caracterize a alienação em fraude de execução.

Fixando a lei processual, em seu art. 263, o momento em que se instaura a relação jurídica processual, considera-se proposta a ação tanto que a petição inicial seja despachada pelo Juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma Vara, e, estabelecendo o seu art. 593 como pressuposto para comprovar a fraude de execução, a existência de demanda, não se pode afastar tal marco para momento posterior, sem que isto disponha de falta de absoluto respaldo legal.

Por esta razão, em que pese o entendimento contrário de que a Fraude à Execução resta-se configurada somente após a citação válida do devedor, restam outros entendimentos de que logo após o ajuizamento da ação, a alienação feita pelo devedor já é considerada fraude à execução, o que se conclui ser a mais correta.(RT/601/125, MAIORIA, 609/107, RJTJESP 114/215).

Neste último acórdão, encontra-se a seguinte fundamentação: “O CPC em vigor não mais exige, para a instauração da instância, a citação do réu e, portanto, o art. 593, inciso II, se satisfaz com a existênca da demanda em curso. A ação se considera proposta, de acordo com a sistemática do código, com o simples despacho da petição inicial. Havendo mais de um juízo, no mesmo foro, a distribuição, independente do despacho, basta para que a ação se considere proposta”.

Considera-se ainda Fraude à Execução fiscal a alienação de imóvel quando já tiver sido iniciada a execução ainda que não procedida a citação do executado”( RSTJ 83/49). No mesmo sentido: RSTJ 68/255, JTJ 162/58, 171/191, RJTJESP 118/140.

Outras decisões sobre o assunto;

FRAUDE À EXECUÇÃO – Ocorrência – Alienação anterior à citação da execução – Irrelevância – Suficiência do ajuizamento da ação para o reconhecimento da fraude, independentemente de ser a ação de conhecimento ou de execução – Embargos de terceiro rejeitados – Recurso não provido.

Ementa oficial: Fraude à Execução. Alienação ou oneração pelo devedor. Caracterizada desde a propositura da ação, independente de ser ação de conhecimento ou de execução. Bem alienado após sentença de processo de conhecimento transitada em julgado. Ocorrência. Recurso não provido (TJSP – 4ª Câm. de Direito Privado; AC nº 37.973-4-SP; Rel. Des. Barbosa Pereira; j. 7/5/1998; v.u.) JTJ 206/63.  

FRAUDE À EXECUÇÃO – Penhora – Transferência de bem imóvel após o ajuizamento de ação de cobrança – Inadmissibilidade – Ineficácia do ato jurídico para o fim de elidir a penhora – Constrição mantida – Recurso improvido.  

FRAUDE DE EXECUÇÃO – Transferência do bem imóvel após o ajuizamento de ação de cobrança. Ineficácia desse ato jurídico para o fim de elidir a penhora. Recurso improvido (1º TAC – 5ª Câm.; AI nº 823.013-1-SP; Rel. Juiz Cunha Garcia; j. 7/10/1998; v.u.) LEXTAC 174/34.  

FRAUDE À EXECUÇÃO – Caracterização – Alienação de bens realizada após o ajuizamento da execução – Irrelevância da data da citação dos executados   Interpretação do artigo 593, II, do CPC.  

Caracteriza-se a fraude à execução se a alienação de bens for realizada após o ajuizamento da execução, independentemente da data de citação dos executados, conforme interpretação do art. 593, II, do CPC (1º TAC – 11ª Câm.; AI nº 816.281-8-SP; Rel. Juiz Maia da Cunha; j. 31/8/1998; v.u.) RT 761/275.  

Na mesma ordem de idéias e tomando por conta a orientação jurisprudencial acima mencionada, pode-se afirmar que a partir do ajuizamento da ação, resta-se configurada a Fraude à Execução, caso o devedor efetue a venda de seus bens; aliás, é indiferente que se trate de ação de execução ou de processo de conhecimento (JTA 96/260); e a fraude ainda mais se patenteia quando o devedor, enquanto se furta à citação, pratica ato de alienação.  

CONCLUSÃO 

No processo de execução e nas demais ações em que a lei prevê o registro obrigatório do ato judicial, deve o juiz exigir do litigante o cumprimento integral da diligência, com isso resguardando a eficácia e o prestígio da própria atividade, bem assim evitando a disseminação de lides de parte de terceiros injustamente atingidos.  

Um dos princípios basilares do processo executivo, por influência do Cristianismo, é aquele segundo o qual a execução se realiza no patrimônio e não na pessoa do executado.  

A fraude à execução é instituto de direito processual, regido pelo direito público, penalmente punível, que dispensa a perquirição da prova da má-fé e ação para desconstituição do ato fraudulento. O ato na fraude à execução, não é anulável, nulo ou inexistente, mas ineficaz.  

Por outro lado, a fraude contra credores torna o ato anulável, eis que o devedor buscou de alguma forma tornar ineficaz a cobrança de seus débitos, afastando bens de seu patrimônio. A lei coloca como principal pressuposto ainda, que o devedor esteja em estado de insolvência ou em sua iminência.    

O instituto da fraude à execução é mais grave do que a fraude contra credores porque, além de lesar o credor, ainda atenta contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional, razão pela qual reclama reação mais vigorosa.  

Mister ainda concluir que a alegação de fraude contra credores, tem como via adequada a ação pauliana; a alegação da fraude contra credores em embargos de terceiro, encontra como barreira o fato da relação processual não estar completa, pois faltaria o devedor-executado no referido processo, exigência esta que encontra-se no artigo 161, do Código Civil.  

Como abordado, a relação processual se estabelecesse a partir da propositura da ação através da distribuição da petição inicial ou pela determinação do ato citatório, nos precisos termos do artigo 263 do Código de Processo Civil.  

Nesse momento, reconhece-se a fraude à execução, pois passa a correr demanda contra o devedor e se depois deste instante ocorrer a alienação ou disposição do acervo patrimonial, os referidos atos não dispõem de qualquer eficácia perante o credor.  

 Vale ainda acrescentar que não se deve levar em conta a época da citação ou da penhora do bem; basta para o reconhecimento da fraude, a distribuição da ação ou até mesmo o despacho citatório proferido pelo magistrado.  

Da mesma forma, ultrapassado o argumento de que se não houver a comunicação da penhora no registro imobiliário, não ocorre a fraude à execução. Como amplamente abordado basta a existência de lide pendente capaz de reduzir o devedor à insolvência, sem necessidade, portanto, do ato de penhora e consequentemente de seu registro.  

Não há fraude à execução com sustentação em meros protestos, necessário se faz a propositura da ação pela distribuição da petição inicial.

BIBLIOGRAFIA
CAHALI, Yussef Said, Fraude Contra Credores, 3ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais – 2001.
 FUHRER, Maximilianus Cláudio Américo, Resumo de Processo Civil, 21ª ed. Malheiros Editores – São Paulo – 2000.

 GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios, Processo Civil: Processo de Execução e Cautelar, volume 12 – 2. Ed. Ver. São Paulo; Saraiva, 1999. (Coleção Sinopses Jurídicas).

 JESUS, Damásio E. de, Código Penal Anotado / Damásio E. de Jesus – 8 ed. Ver. E atual. – São Paulo: Saraiva, 1998.

 MONTEIRO, Washington de Barros – Curso de Direito Civil – 33ª ed. Washington de Barros Monteiro – São Paulo: Saraiva, 1995.

 NEGRÃO Theotônio, Código Civil e legislação em vigor, 21º ed. São Paulo: Saraiva , 2002.

 NEGRÃO, Theotônio, Código de Processo Civil e legislação em vigor, 34ª ed., São Paulo, 2002.

 NOVO CÓDIGO CIVIL, Lei 10.406/2002, em vigor a partir de Janeiro de 2003.

 PARIZATTO, João Roberto. Dos Embargos de Terceiro. Editora de Direito, 1997.

 RODRIGUES, Maria Stella Souto Lopes – ABC do Processo Civil, 8ª ed. Ver. E atual. – São Paulo- Editora Revista dos Tribunais, 2000.

 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de direito Processual Civil, 19ª ed. Moacyr Amaral Santos – São Paulo: Saraiva, 1997.

 THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, 20ª ed. Humberto Theodoro Júnior – Rio de janeiro: Forense, 1997.

 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de processo penal Comentado / Fernando da Costa Tourinho Filho – São Paulo, Saraiva, 1996.

 


Referência  Biográfica

Ederaldo Paula da Silva  –  Advogado,  Especialista em Processo Civil  e Professor Universitário – 2003.

edeadv@ig.com.br

Responsabilidade Civil do Estado por danos provenientes de veiculação de dados nos sites dos Tribunais

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* Mário Antônio Lobato de Paiva  –

Sumário:   I- Introdução;  II- Marco Latino-americano; III- Danos concretos;    IV- Responsabilidade Civil do Estado; V- Conclusão.

 

I- Introdução

O mundo moderno e virtual tem proporcionado uma verdadeira revolução de costumes no mundo real a medida em que os aparatos tecnológicos invadem todos os setores de nossa sociedade.

A comunidade jurídica por estar inserida neste contexto não teve alternativa senão a de adaptar-se as novas tecnologias sob pena de ser taxada de inerte e o que é pior, ineficaz.

No entanto este “caminho sem volta” deve ser trilhado com o máximo de cuidado para que não venha a transformar aquele benefício, facilidade ou utilidade trazida pela tecnologia em sérios prejuízos ao cidadão que necessita do bem chamado Justiça.

Por isso, antes de qualquer implementação a nível institucional (OAB, Ministério Público, Tribunais de Justiça, etc…) de sistemas de informação, principalmente os que possam ser acessados pelo público em geral, devem ser chamados especialistas na área de informática e na área jurídico para a elaboração de pareceres bem como estudos que vislumbrem a menor agressão possível aos direitos constitucionalmente protegidos.

Daí a necessidade da realização de congressos, seminários e encontros que reúnam os profissionais do direito para discutir as questões relacionadas ao chamado Direito Eletrônico possibilitando assim o avanço no estudo da matéria encontrando com isso soluções adequadas os problemas advindos da comunidade cibernética,

No caso específico do Estado a preocupação deve ainda ser maior no sentido de preservar que seus agentes não provoquem por intermédio de seus atos eletrônicos lesões ao direito dos cidadãos sob pena do mesmo vir a responder civilmente por danos provenientes, por exemplo, da veiculação indiscriminada de dados processuais em sites oficiais.

II- Marco Latino-americano

Recentemente participamos do seminário “Internet y Sistema Judicial em América Latina y el Caribe” (Home-page: http://www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller/) realizado pelo Instituto de Investigación para la Justicia Argentina, Corte Suprema da Costa Rica e International Development Research Centre do Canadá onde foram analisados por especialistas e ministros de cortes superiores de justiça de vários países da América Latina os benefícios e dificuldades advindas das home-pages dos Poderes Judiciais na rede, os programa de transparência e proteção de dados pessoais.

O evento foi considerado um marco latino-americano no estudo da difusão de informação judicial na Internet. Nele foram expostas orientações imprescindíveis que devem ser observadas por todos os dirigentes de tribunais que colocam a disposição da população informações institucionais e processuais, como por exemplo a participação da sociedade civil nos programas de transparência, regulamentação da proteção de dados e as sociedades de informação creditícia, acesso a informação judicial proteção de dados sobre a saúde dos envolvidos em processo judicial, dentre outros temas não menos importantes que encontram-se na sua íntegra no site (http://www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller/programa.htm).

Estas orientações foram chamadas de “Regras de Heredia” e encontram-se disponíveis no site (http://www.iijusticia.edu.ar/Reglas_de_Heredia.htm).

A parte que coube a nós explanar referiu-se a difusão de informações judiciais na Internet e seus efeitos a esfera trabalhista disponível no endereço:(http://www.iijusticia.edu.ar/Seminario_Taller/Lobato.rtf).

Expusemos em síntese que, infelizmente, as facilidades advindas do avanço da informática não estão sendo devidamente acompanhadas pelos lidadores do direito que insistem primeiro em aproveitar-se dos benefícios e depois discutir as questões jurídicas que envolvem seus atos.

Alertamos para a busca livre disponibilizada pelo site dos Tribunais brasileiros. Esse recurso traz uma série de implicações negativas no que diz respeito à privacidade e intimidade das pessoas que podem ter seus dados devassados pelo simples acesso a home-page.
No caso dos Tribunais do Trabalho o prejuízo é ainda muito maior para o trabalhador, pois põe em risco a conquista de um novo emprego, pois ao disponibilizar essas informações de forma irrestrita, os Tribunais armam maus empregadores de um banco de informação a respeito dos trabalhadores que possuíram ou possuem algum tipo de ação contra seu empregador ou ex-empregador, motivo pelo qual, poderá funcionar como empecilho para a obtenção por parte dos trabalhadores de novo emprego.

Referida discriminação já existia antes desse banco de dados através de “listas negras” que circulavam e circulam em empresas, porém não com tamanha facilidade e poder de inibição. Assim qualquer empregador que deseje saber se o empregado já ajuizou alguma reclamação na Justiça do Trabalho bastará acessar a home-page do tribunal para constatar e ao mesmo tempo impedir o acesso do empregado ao quadro de funcionários da empresa.

Mencionada discriminação ocorria todos os dias e a princípio não havia como ser exterminada totalmente, porém certos cuidados devem ser tomados para evitar essa atitude. A principal medida a ser tomada (nossa recomendação à época) é a de que o acesso fique restrito apenas aos advogados (de maneira livre pois exercemos uma função de essencialidade para a justiça conforme o artigo 133 da Constituição Federal) e às partes no processo em que estiverem envolvidos, evitando assim uma consulta geral e indiscriminada e portanto, dificultando esta prática abusiva por parte do empregador. Prática esta que dificilmente seria comprovada se viesse a ser suscitada perante a justiça.

Nossa recomendação com absoluta certeza dificultaria de maneira decisiva esta prática abusiva por parte de empregadores mal intencionados dando maiores possibilidades ao trabalhador de conquistar seu tão almejado emprego. Nossa proposição espelhou-se na Resolução do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região que proibiu as consultas por busca livre pelo nome das partes.

Discriminações que impeçam o acesso livre ao emprego com base em certidões expedidas pelo SERASA ou em virtude do empregado já ter ajuizado reclamação trabalhista contra seu antigo empregador são práticas abusivas e inconstitucionais que devem ser combatidas pela sociedade. A OAB/PA através da Comissão de Estudos de Direito da Informática apresentou projeto encaminhado aos tribunais no sentido de limitar o acesso livre em sites jurídicos apenas aos advogados, restringindo às partes e demais envolvidos o acesso apenas através do número do processo.

Com isso, almejamos assegurar o direito constitucional à liberdade de trabalho estatuído no artigo 5º inciso XIII- “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”

Ressaltamos ainda que todos os direitos fundamentais têm aplicação na relação de trabalho, surgindo diante de nós um novo campo de estudo que é “a proteção dos trabalhadores no que diz respeito ao tratamento automatizado de dados pessoais”.

Assim para não sermos ameaçados com a extinção ou lesão de direitos fundamentais devemos nos posicionar claramente sobre os fatos advindos do caso concreto, estabelecendo diretrizes gerais que não beneficiem apenas umas das partes. Por isso somos favoráveis a interpretações e decisões baseadas no equilíbrio de direitos que permitam resguardar o direito à publicidade das decisões e processos judiciais, bem como a proteção à privacidade e intimidade do trabalhador.

Demonstramos que as autoridades brasileiras já vêm tomando medidas que coíbem a prática discriminatória ensejada pela veiculação de informações processuais por intermédio da internet. O próprio Poder Judiciário através da eliminação da pesquisa pelo nome do trabalhador nos processos em tramitação ou arquivados. O Poder Legislativo com projeto que prevê até mesmo a detenção dos empregadores que discriminem o acesso livre ao trabalho. O Poder Executivo através da Portaria acima mencionada. Medidas que visam resguardar o direito dos trabalhadores de acesso ao emprego assegurando o respeito à legislação constitucional e infra-constitucional que tem sido violada pelo avanço tecnológico.

Vale lembrar que, essas medidas só vieram a ser implementadas após o efetivo sacrifício de diversos trabalhadores que sofreram a humilhação de terem o acesso a um novo emprego vetado simplesmente por ter exercido seu direito constitucional de petição aos órgão públicos, fato este reconhecido pela Justiça do Trabalho, inclusive pelo Tribunal Superior do Trabalho em 30/08/2002 que, conforme ampla reportagem na Revista Jurídica Consulex cancelou a consulta por nome da parte/reclamante, permanecendo apenas a pesquisa pelo nome da empresa e número do processo.

Referida situação danosa, apesar de sanada em parte, não retira o direito daqueles que foram impedidos de conquistar um novo emprego, de pleitear no Judiciário indenização civil contra o Estado, servindo este infeliz episódio como uma espécie de alerta vermelho para os demais Tribunais superiores, estaduais e federais uma vez que a negativa a um emprego não é a única hipótese que poderá gerar, concretamente danos ao cidadão conforme poderemos observar no tópico seguinte.

É preciso te em mente que passamos por uma revolução cibernética que atinge em cheio as relações de trabalho e que, portanto, devem ser estudados e solucionados os conflitos provenientes dessas transformações munindo os atores sociais de arcabouços jurídicos e legais aptos para lidar com esses tipos de relações, com vistas a criar um equilíbrio social entre princípio da publicidade que rege a atividade dos órgãos judiciais com os direitos de livre acesso do trabalhador ao emprego, sem que haja discriminações provenientes pela difusão de informações advindas do Poder Judiciário.

III- Danos concretos

Ao longo dos debates pudemos perceber que, em vários casos ocorridos em tribunais da América Latina, houve prejuízos efetivos com a vinculação indiscriminada de dados pessoais do cidadão que pode ter sua privacidade e intimidade devassadas por qualquer indivíduo que tenha acesso a rede mundial de computadores.

No Brasil não poderia ser diferente, pois como relatados acima vários trabalhadores tiveram o seu direito a livre acesso ao emprego vetado pelo futuro empregador em virtude da disponibilização de consulta por nome dos reclamante nos sites dos tribunais. Tal procedimento trouxe reconhecidos e concretos prejuízos a milhares de trabalhadores tanto que foi admitido pelo próprios tribunais que alguns anos mais tarde resolveram abolir este tipo de pesquisa.

Os tribunais de justiça comuns continuam a trazer prejuízos aos juridicionados ao veicularem em processos judiciais dados que invadem a esfera íntima do indivíduo como por exemplo, seu estado de saúde ou doenças que levam a pessoa a sofrer situações discriminatórias como AIDS.

Sendo assim consideramos que este tipo de violação do direito à intimidade e privacidade daquele que procura a Justiça Estatal para solucionar suas inquietações gera o direito a pleitear uma indenização respectiva e proporcional ao dano causado por intermédio da teoria do risco administrativo que responsabiliza civilmente o Estado a ressarcir o lesado pelo danos ocasionados em virtude de sua conduta.

IV- Responsabilidade Civil do Estado

Teoria adotada atualmente pela grande maioria dos doutrinadores é a de que a responsabilidade Estatal é de natureza objetiva compreendendo atos omissivos ou comissivos que independem de prova de culpa. A Constituição Federal de 1988 não deixa dúvidas quanto a sua responsabilidade quando dispõe que:

“Art. 37, § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Em seu artigo 5º que prevê a indenização por dano moral que deverá ser fixada conforme o prudente arbítrio do juiz:

"Art.5. X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

José Cretella(1) ao abordar a questão da responsabilidade civil do Estado entende que: a) a responsabilidade do Estado por atos judiciais é espécie do gênero responsabilidade do Estado por atos decorrentes do serviço público; b) as funções do Estado são funções públicas, exercendo-se pelos três poderes; c) o magistrado é órgão do Estado; ao agir, não age em seu nome, mas em nome do Estado, do qual é representante; d) o serviço público judiciário pode causar danos às partes que vão a juízo pleitear direitos, propondo ou contestando ações (cível); ou na qualidade de réus (crime); e) o julgamento, quer no crime, quer no cível, pode consubstanciar-se no erro judiciário, motivado pela falibilidade humana na decisão; f) por meio dos institutos rescisórios e revisionista é possível atacar-se o erro judiciário, de acordo com as formas e modos que alei prescrever, mas se o equívoco já produziu danos, cabe ao Estado o dever de repará-los; g) voluntário ou involuntário, o erro de conseqüências danosas exige reparação, respondendo o Estado civilmente pelos prejuízos causados; se o erro foi motivado por falta pessoal do órgão judicante, ainda assim o Estado responde, exercendo a seguir o direito de regresso sobre o causador do dano, por dolo ou culpa; h) provado o dano e o nexo causal entre este e o órgão judicante, o Estado responde patrimonialmente pelos prejuízos causados, fundamentando-se a responsabilidade do Poder Público, ora na culpa administrativa, o que envolve também a responsabilidade pessoal do juiz, ora no acidente administrativo o que exclui o julgador, mas empenha o Estado, por falha técnica do aparelhamento judiciário, ora no risco integral, o que empenha também o Estado, de acordo com o princípio solidarista dos ônus e encargos públicos”

Basicamente para a caracterização da responsabilidade deve existir e o nexo causal, ou seja, a relação entre o dano causado a ser reparado e a conduta do agente. A conduta lesiva no caso dos tribunais do trabalho é a disposição do nome do reclamante no site por intermédio do instrumento de pesquisa processual eletrônica e o dano é a vedação de acesso ao emprego em decorrência daquela disposição de dados.

Nos tribunais comuns existem vários exemplos que trazem lesão ao cidadão por intermédio da busca processual pelo nome dos litigantes que vão desde o abalo ao crédito até situações vexatórias que expõe os litigantes como no caso do mesmo ter contraído doença grave que tenha sido ventilada ou discutida no mérito do processo.

Além disso nos casos citados podemos observar uma clara violação da intimidade e privacidade dos juridicionados que tem em muitos casos sua vida invadida em questão de segundos por qualquer pessoa que tenha acesso ao site do Tribunal violando estes direitos assegurados na Constituição Federal, no título "Dos Direitos e Garantias Fundamentais, artigo 5°.

Portanto é plenamente viável a ação de indenização por danos morais e materiais contra o Estado que através dos sites oficiais dos tribunais divulgue indiscriminadamente informações judiciais pela internet que venham a lesar direitos constitucionalmente assegurados ao cidadão como o direito à intimidade, privacidade e livre acesso ao emprego.

V- Conclusão

O novo universo de utilidades e facilidades propiciado pela inserção dos sistemas tecnológicos aos administradores do Poder Judiciário tem gerado avanços importantes que culminam na satisfação de muitos que procuram nesta instituição a solução de suas aflições.

No entanto esta evolução não pode simplesmente ser implementada sem que haja estudos sobre o impacto ocasionado aos direitos de toda população. Portanto, assim da mesma forma com que um estabelecimento antes de abrir novas lojas necessita de um estudo detalhado do mercado, o judiciário necessita primeiramente de estudos que viabilizem a implantação de novas tecnologias sem que haja prejuízos a direitos fundamentais de cidadão assegurados constitucionalmente.

No entanto como isto tem sido feito de forma precária e assim ocasionando todo o tipo de lesão ao direito como, por exemplo, o de livre acesso ao emprego, restrições de crédito, exposição do estado grave de saúde das partes, etc. Resta ao lesionado buscar as portas do próprio Poder Judiciário para pleitear indenização civil contra o Estado por danos materiais e morais causados pela difusão indiscriminada de informações das partes nos sites oficiais dos tribunais.

Por fim cabe a nós alertar mais uma vez que a informática é um poderoso instrumento de efetivação de direitos que propicia grande celeridade na prestação jurisdicional, porém apresenta vícios que devem ser eliminados pelos profissionais do direito, se possível, antes de sua aplicação sob pena de que aquele benefício venha a tornar-se um problema tão grave que seria melhor que não tivesse ocorrido.

Desejamos que o judiciário tome as devidas providências no sentido de resguardar os direitos fundamentais a privacidade e intimidade através de programas de proteção de dados daqueles que o procuram de forma preventiva sob pena de ser alvejado por uma enxurrada de ações de indenização provenientes de da difusão de informações judiciais discriminatórias.

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(1) JÚNIOR, José Cretella. Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais, RF, 230:46.

 

 

Referência  Biográfica

Mário Antônio Lobato de Paiva  –  Assessor da Organização Mundial de Direito e Informática; Membro da Federação Iberoamericana de Associações de Direito e Informática; Membro da Associação de Direito e Informática do Chile; Membro do  Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática e Membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico.

malp@interconect.com.br


O Princípio da Proporcionalidade e as Sanções Penais nos Contratos Administrativos

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* Fernanda Kellner de Oliveira Palermo 

SUMÁRIO:  1 INTRODUÇÃO; 2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, 2.1 Considerações gerais, 2.2 Sanções nos contratos administrativos; 3 RELAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO COM OUTROS RAMOS DO DIREITO, 3.1 Relação do direito administrativo com o direito constitucional, 3.2 Relação do direito administrativo com o direito penal; 4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, 4.1 Origem do princípio, 4.2 O princípio da proporcionalidade na teoria do direito, 4.3 A intervenção estatal sob a égide do princípio da proporcionalidade, 4.4 Requisitos de empregabilidade do princípio da proporcionalidade, 4.5 Correlações principiológicas; 5 LIMITES À ATIVIDADE DISCRICIONÁRIA NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS; 6 CONCLUSÕES; 7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


1 INTRODUÇÃO

            Partindo-se da primícia de que um dos papéis que restam à Constituição na atualidade é o de que ela não esteja posta como um olhar sobre os problemas sociais, mas um olhar para estes problemas, com a finalidade de apontar e mostrar os caminhos para o futuro, é de suma importância a perquirição acerca de realidades contrastantes que solapam o ordenamento jurídico pátrio a cada dia.

            Neste ínterim, surge o tema relativo ao princípio da proporcionalidade, resultante da influência positiva do direito alemão, onde foi primeiramente estudado. Este princípio, ao ser inferido num modelo de Estado social e democrático de direito, possui o condão de aprimoramento do sistema de garantias a ele imanente, na busca incessante do interesse social corroborado no interesse público.

            O princípio da proporcionalidade, já obteve o reconhecimento básico de categoria fundante do direito, apesar de ainda não ser um princípio expresso constitucionalmente no direito pátrio.

            O que se espera, através da contribuição que doravante se venha a ter, é que este princípio, elevado à categoria de valor supremo da Constituição, passe a estar explicitado nela, possuindo dessarte, força vinculante para sua plena observância.

            Especificamente, ao se retratar tema de direito administrativo relativo ao contrato, busca-se discorrer a respeito de questões que versam sobre as sanções nele contidas, através da análise de variáveis como, num primeiro plano, a aproximação do direito administrativo com outros ramos jurídicos, para somente após, de modo pormenorizado, tratar-se questões sobre o princípio da proporcionalidade, correlacionando-o com a afirmação de que seria razoável que a Administração Pública regulasse o ato, e conseqüentemente o contrato administrativo, de acordo com a necessidade social e todas as implicações que esta afirmação enseja.

            O objetivo do presente trabalho configura-se na percepção de que a idéia de proporcionalidade está intrinsecamente ligada à idéia de necessidade, fazendo com que a intervenção do Estado na sociedade somente se legitime quando há a salvaguarda das garantias, o que torna esta necessidade indispensável ou inadiável, acerca da profundidade do fato concreto.

 

2 CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

            2.1 Considerações gerais

            A iniciação da Administração Pública na faculdade de contratar, necessitou diferentes modos de conformação, para que se atentasse à vinculação entre entes públicos e privados. O reconhecimento desta capacidade não implica necessariamente que esta se efetive em termos idênticos aos particulares.

            Devido a esta necessidade de adaptação, surgiu a idéia de uma espécie de contrato diferente, daqueles praticados na área do direito privado. A esta nova espécie, conceituada como o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídico-administrativa, deu-se o nome de contrato administrativo.

            De acordo com as lições do eminente professor português João Caupers[1], dos diversos critérios propostos para distinguir os contratos administrativos dos contratos privados, os mais utilizados foram:

            a) O critério da sujeição, assente na idéia de inferioridade do contraente privado;

            b) O critério do objeto, com base no qual se considera contrato administrativo aquele que constitui, modifica ou extingue uma relação jurídica de direito administrativo;

            c) O critério estatutário, que entronca na concepção do direito administrativo como o direito da Administração Pública.

            Trata-se de um fenômeno pelo qual relações e situações que envolvem interesses dos cidadãos privados, que segundo os esquemas clássicos da ação administrativa (baseada tradicionalmente na contraposição entre autoridade e liberdade) eram disciplinados através de procedimentos unilaterais da administração e, atualmente também por via administrativa, tendem cada vez mais a ser regulamentados por via convencional e, portanto, na base de um acordo entre ente privado e ente público. E o instrumento deste novo modelo de ação administrativa, organizado sobre o consenso e não já sobre a imposição é, fundamentalmente, o contrato, embora adaptado às peculiaridades das situações e das funções inéditas com as quais é chamado a confrontar-se.

            O contrato administrativo no Direito Positivo brasileiro encontra-se disciplinado no artigo 22, XXVII, da Constituição Federal, o qual dispõe, in verbis: "compete à União expedir normas gerais sobre contratação, em todas as modalidades, para a Administração Pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle". Estados e municípios legislarão para si, respeitadas estas normas gerais.

            Ditas normas gerais, assim como a legislação específica da União, estão consubstanciadas na Lei 8.666/93, com as alterações introduzidas pela Lei 8.883/94. Nesta legislação está previsto o conjunto de prerrogativas em prol da Administração, que são exercitadas nos limites e termos da lei, a saber:

            a) de modificá-lo, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, mas com variações de quantitativos e preços cifrados ao disposto na lei;

            b) extingui-lo, unilateralmente, nos casos especificados em lei;

            c) fiscalizar-lhe a execução,

            d) aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste.

            Por ocasião do presente trabalho, analisar-se-á mais detidamente a aplicabilidade das sanções aludidas acima.

            2.2 Sanções nos contratos administrativos

            A lei 8.666/93 prevê sanções pela prática de comportamentos configuráveis como infrações administrativas (arts. 86 a 88), assim como prevê também, sanções penais tanto para o agente público como para o contrato que incorram em certos comportamentos lesivos ao interesse público por ocasião dos contratos administrativos (arts. 89, parágrafo único, 90, 91, 92 e parágrafo único, 96 e 99).

            Assim, o contratado que injustificadamente atrasar-se na execução de contrato assujeita-se a ser multado pela Administração, na forma e termos previstos no instrumento convocatório ou no contrato (art. 86).

            Além disso, conforme o art. 87, a inexecução total ou parcial do contrato o expõe, garantida sempre a prévia defesa, a sofrer as sanções administrativas de advertência; multa, nos termos do instrumento convocatório; suspensão temporária de participar de licitação e impedimento de contratar com a Administração por dois anos e declaração de inidoneidade para contratar ou licitar enquanto perdurarem os motivos que a determinaram ou até sua reabilitação, que será concedida sempre que ressarcir a Administração pelos prejuízos que lhe haja causado e tenham transcorrido dois anos da aplicação da sanção.

            Tanto a suspensão do direito de contratar quanto a declaração de inidoneidade, só podem ser aplicadas no caso dos atos tipificados na lei como crimes, pois não se admitiria seu cabimento em outras hipóteses sem que existia prévia descrição legal de outros casos de seu cabimento.

            Certos comportamentos, que vão contra o interesse público, praticados em relação a contratos administrativos são qualificados como crime. Na lei estão tipificados hipóteses de contrato efetuado sem licitação, fora das hipóteses legais permissivas; travamento de contrato como resultado de fraude, ajuste ou procedimento gravoso à competitividade que teria de presidi-lo; prorrogação contratual fora das hipóteses admissíveis; fraude, em prejuízo da Fazenda, como fruto de licitação ou contrato, consistente em elevação arbitrária de preços ou venda, como verdadeira ou perfeita, de mercadoria falsificada ou deteriorada; entrega de uma mercadoria por outra; alteração da substância, quantidade ou qualidade da mercadoria devida ou, de qualquer modo, tornar injustamente mais oneroso o contrato.

            As penas estabelecidas são a de detenção, que varia de três meses a seis anos, conforme a figura delituosa, e multa nunca inferior a 2% nem superior a 5% do valor do contrato. A lei prevê que qualquer pessoa poderá provocar o Ministério Público para propositura da competente ação penal (art. 101), admitindo-se, se este não a intentar no prazo legal, ação penal privada subsidiária (art. 103). O procedimento da ação penal é extremamente célere e está regulado nos arts. 104 e seguintes.

            Odete Medauar[2] preleciona que "embora não esteja explícito, parece claro que somente poderão ser aplicadas as sanções previstas na lei e de modo proporcional à gravidade do fato". (grifo nosso).

            O direito administrativo, ao regular institutos como o contrato administrativo, cominando-lhe aspecto sancionador, relaciona-se com outros ramos do direito. Doravante faz-se necessária a análise destas relações.

 

3 RELAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO COM OUTROS RAMOS DO DIREITO

            3.1 Relação do direito administrativo com o direito constitucional

            Ao se relacionar com outros ramos do direito, o direito administrativo está circunscrito a perceber e definir o sistema ao qual faz parte, assim como com aquele sistema maior, do qual também faz parte.

            Este sistema maior encontra-se indicado através de princípios, que certamente servem de alicerces para embasar todo um conjunto de normas que representam as leis constitucionais de um dado ordenamento jurídico.

            Reconhecidamente, o direito administrativo e o direito constitucional se interpenetram, considerando suas últimas relações com o objeto Estado.

            É através da explicitação dos princípios constitucionais do direito administrativo que se objetiva a evidente inserção conceitual.

            Dentre os principais princípios apontados pelos doutrinadores, destacam-se os seguintes:

            a) Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado (fundamenta-se na própria idéia de Estado);

            b) Princípio da legalidade (arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV da C.F.);

            c) Princípio da finalidade (mesmos fundamentos do princípio da legalidade);

            d) Princípio da razoabilidade (mesmos dispositivos que os da legalidade e finalidade);

            e) Princípio da proporcionalidade (por estar intrinsecamente ligado ao princípio da razoabilidade, radica-se também nos mesmos dispositivos);

            f) Princípio da motivação (arts. 1º, II e parágrafo único, e 5º, XXXIV, da C.F.);

            g) Princípio da impessoalidade (arts. 37, caput, e 5º, caput, da C.F.);

            h) Princípio da publicidade (arts. 37, caput, e 5º, XXXIII e XXXIV, "b", da C.F.);

            i) Princípios do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da C.F.);

            j) Princípio da moralidade administrativa (arts. 37, caput e parágrafo 4º, 85, V, e 5º, LXXIII, da C.F.);

            k) Princípio do controle judicial dos atos administrativos (art. 5º, XXXV da C.F.);

            l) Princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos (art. 37, parágrafo 6º, da C.F.);

            m) Princípio da eficiência (art. 37, caput, da C.F.); e

            n) Princípio da segurança jurídica.

            3.2 Relação do direito administrativo com o direito penal

            A atividade sancionadora da Administração Pública manifesta-se pela necessidade de impor aos administrados punições para assegurar o eficaz funcionamento dos serviços que estão a seu cargo.

            Tal se verifica ora com relação a terceiros, quando se está ante o poder de polícia, ou com sujeitos que se encontram vinculados à entidade administrativa por vínculos hierárquicos (servidores) ou negociais (contratos administrativos).

            Ao se deparar com as sanções penais e administrativas nos contratos administrativos, a Administração visa punir, a partir do instante que delas se ocupa, comportamentos que infringem deveres de obediência ou de colaboração dos indivíduos para com a atividade dos entes públicos na busca do interesse geral.

            Esta relação da Administração Pública com seu aspecto sancionador, também se reflete através de lindes principiológicas advindas dos princípios de direito penal, que podem ser agrupados do seguinte modo:

            a) legalidade: somente à lei compete a definição das infrações administrativas e respectivas penas;

            b) tipicidade: a Administração, ao manejar sua competência punitiva, deve ajustar-se com precisão à descrição típica da norma que prevê a infração. A tipicidade enuncia uma das conseqüências da adoção da reserva legal: a taxatividade. Segue-se daí não ser permitida a utilização, pelo administrador, da analogia, a fim de aplicar penas ao cidadão.[3]

            c) culpabilidade: para fins de responsabilidade administrativa, este princípio impõe a ocorrência de dolo ou culpa por parte do agente da infração;

            d) proporcionalidade: como o Poder Judiciário tem considerado este princípio angular na imposição de sanções penais administrativas, a ele será dedicado o próximo capítulo;

            e) retroatividade da norma mais favorável: a lei penal não retroagirá, salvo se para beneficiar o réu;

            f) non bis in idem: é inaceitável a dupla punição pelo mesmo fato;

            g) non reformatio in pejus: a parte vencida não poderá, em decorrência do exercício de sua legítima pretensão em recorrer, ver a sua situação agravada quando para esse fim, nada postulou a Administração processante.

 

4 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

            4.1 Origem do princípio

            Como bem preleciona Canotilho[4]:

            O princípio da proporcionalidade dizia primitivamente respeito ao problema da limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições administrativas da liberdade individual. Na legislação portuguesa, é com este sentido que a teoria do estado o considera, já no século XVIII, como máxima suprapositiva, e que ele foi introduzido, no século XIX, no direito administrativo como princípio geral de direito de polícia. Posteriormente, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo, também conhecido por princípio da proibição de excesso, foi erigido à dignidade de princípio constitucional.

            É de se destacar o fato de que o princípio da proporcionalidade não encontra guarida expressa na Constituição Federal brasileira, apesar de que esta circunstância não impede seu reconhecimento, pois assim dispõe o parágrafo 2º do artigo 5º: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados." (…)

            4.2 O princípio da proporcionalidade na teoria do direito

            Ao se considerar o princípio jurídico como o mandamento nuclear do sistema, por

            definir a lógica e a racionalidade da normatividade, depreende-se que seu mecanismo de aplicação é muito mais complexo do que o esquema binário característico das regras.

            Isto ocorre porque os princípios jurídicos não prevêem situações determinadas ou efeitos específicos que delas decorreriam. Os princípios, portanto, não estabelecem que, ocorrendo tal fato, será aplicada determinada sanção ou concedido certo benefício. Possuem um papel estruturante da ordem jurídica e da organização estatal como um todo, ao estabelecerem os pensamentos diretores do ordenamento das instituições, inclusive do próprio Estado, de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico.

            A distinção entre princípios e regras torna-se relevante, como assevera Humberto Bergmann Ávila[5], pois:

            A definição de princípios como normas imediatamente finalísticas e mediatamente de conduta explica sua importância relativamente a outras normas que compõem o ordenamento jurídico. Possuindo menor grau de determinação do comando e maior generalidade relativamente aos destinatários, os princípios correlacionam-se com um maior número de normas (princípios e regras), na medida em que essas se deixam reconduzir ao conteúdo normativo dos princípios. Isso explica a hierarquia sintática e semântica que se estabelece entre princípios e demais normas do ordenamento e, conseqüentemente, a importância dos princípios na interpretação e aplicação do Direito.

            Existem ocasiões em que há conflito entre princípios, ou entre eles e regras. O princípio da proporcionalidade é de grande valia nestas ocasiões, pois pode ser usado como critério para solucionar da forma mais conveniente tal conflito, ao balancear a medida em que se aceita prioritariamente um e desatende o mínimo possível o outro princípio.

            É imprescindível que se mencione a importância da difusão do princípio da proporcionalidade pelo ordenamento jurídico, nas considerações de Willis Santiago Guerra Filho[6]:

            O estabelecimento do princípio da proporcionalidade ao nível constitucional, com a função de intermediar o relacionamento entre as duas matérias mais importantes a serem disciplinadas em uma constituição, como são aquelas referentes aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos e à organização institucional dos poderes estatais, já implica em aceitar a aplicação generalizada do princípio nos vários ramos do Direito.

            Esta mesma concepção vem de encontro ao pensamento de Karl Larenz[7], que por sua vez, considera o princípio da proporcionalidade como evidente numa posição de primazia, na derivação de diferentes princípios jurídicos gerais do princípio do Estado de Direito, por sua "exigência da medida indicada, da adequação entre meio e fim, do meio mais idôneo ou da menor restrição possível do direito ou bem constitucionalmente protegido que, no caso concreto, tem de ceder perante outro bem jurídico igualmente protegido."

            No posicionamento do aludido autor[8], o princípio da proporcionalidade, na sua formulação mais geral, em que requer ou exige apenas uma relação adequada entre meio e fim e que o dano que sobrevenha não esteja sem relação com o risco que deveria ser afastado, aparece como um princípio aberto, porque nestes casos não é indispensável uma avaliação adicional. Não se trata aqui de outra coisa senão da idéia da justa medida, do equilíbrio, que está indissociavelmente ligada à idéia de justiça.

            Suas idéias e ensinamentos denotam a necessidade prevalecente, na atualidade, de adequação de princípios e cláusulas abertas no ordenamento jurídico às condições de vinculação e discricionariedade, para que, ao se traçarem caminhos paralelos desta dicotomia, conclua-se pelo ponto de intersecção que surge com os denominados conceitos jurídicos indeterminados.

            Ainda sobre divergências de posicionamento com relação ao significado do princípio da proporcionalidade na teoria do direito, Humberto Bergmann Ávila[9] alude aos ensinamentos de Larenz que, ao atribuir um significado mais elástico aos princípios, considera-o um princípio material; atribuição da qual discorda, juntamente com Kaufmann, ao considerar-lhe um princípio formal, que estabelece uma estrutura formal dos princípios envolvidos, ou seja, o meio escolhido deve ser adequado, necessário e não-excessivo.4.3 A intervenção estatal sob a égide do princípio da proporcionalidade

            Após o enfoque introdutório, onde discorreu-se a respeito do princípio da proporcionalidade na teoria do direito, cumpre-se atentar à sua definição. Luis G. Grandinetti Castanho de Carvalho opta por lançar mão das palavras do Professor Nicolas Gonzales – Avellar Serrano[10], que o define do seguinte modo:

            O princípio da proporcionalidade é um princípio geral de direito que, em sentido muito amplo, obriga o operador jurídico a tratar de alcançar o justo equilíbrio entre os interesses em conflito… Exige, utilizando expressões reiteradamente empregadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que as restrições dos direitos fundamentais se encontrem previstas pela lei, sejam adequadas aos fins legítimos a que se dirigem, e constituam medidas necessárias em uma sociedade democrática para alcançá-los. (tradução livre).

            Tendência atual no direito dos países europeus é a convergência dos sistemas de common law e de direito administrativo. Esta convergência faz com que a intervenção estatal dê-se de modo à utilização de um princípio de controle exercido pelos tribunais quanto à adequação dos meios administrativos (sobretudo coativos) à prossecução do escopo e ao balanceamento concreto dos direitos ou interesses em conflito. O princípio da proporcionalidade é, dessarte, aplicado como standard jurisprudencial para recolocar a administração num plano menos distante em relação ao cidadão. Trata-se de controle de natureza equitativa que, não pondo em causa os poderes constitucionalmente competentes para a prática de atos de autoridade e a certeza do direito, contribui para a integração da justiça nos conflitos sociais.

            O princípio da proporcionalidade, como conceito jurídico-administrativo, refere-se a benefícios decorrentes da decisão administrativa para o interesse público prosseguido pelo órgão decisor e os respectivos custos, medidos pelo inerente sacrifício de interesses dos particulares (o que também se pode chamar de racionalidade da decisão).

            Esta racionalidade exsurge-se no campo de aplicação mais importante deste princípio, que é o da restrição dos direitos, liberdades e garantias por atos dos poderes públicos. No entanto, devido principalmente ao escopo do presente trabalho, cumpre-se salientar que no entanto, o domínio lógico de aplicação do princípio estende-se aos conflitos de bens jurídicos de qualquer espécie. Assim, por exemplo, pode-se fazer apelo a ele no campo da relação entre a pena e a culpa no direito penal.

            A restrição dos direitos, liberdades e garantias colimada através do princípio da proporcionalidade há de se adequar sempre ao pressuposto de legalidade, pois esta restrição não pode existir sem que esteja prevista em lei. Além do pressuposto de legalidade, é mister a adequação ao pressuposto de justificação teleológica, que limita a aplicação de qualquer restrição aos fins objetivados pela lei que a instituiu, ou seja, a restrição deve estar vinculada à proteção de outro interesse jurídico, fim primeiro de qualquer atividade legislativa.

            4.4 Requisitos de empregabilidade do princípio da proporcionalidade

            Os requisitos de empregabilidade do princípio da proporcionalidade devem ser analisados através do enfoque de subprincípios, que para serem melhor compreendidos, devem ser explicitados sob a ótica de alguns autores.

            Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho[11], ao discorrer sobre estes requisitos, assevera que:

            Os requisitos são extrínsecos – judicialidade (requisito subjetivo) e a motivação (requisito formal) – e requisitos intrínsecos – constituídos por subprincípios da idoneidade, necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. A idoneidade constitui-se no exame de a medida constritiva ter ou não relação de causalidade ao fim pretendido, ou seja, ser idônea, apta, para atingir aquele fim. A necessidade, também compreendida como intervenção mínima, é a adequação do grau de eficácia das medidas. E, por último, a proporcionalidade em sentido estrito é o exame do confronto direto entre os interesses individuais e estatais, a fim de se estabelecer se é razoável exigir-se o sacrifício do interesse individual em nome do interesse coletivo.

            Willis Santiago Guerra Filho[12], por sua vez, aduz que:

            O princípio da proporcionalidade, entendido como um mandamento de otimização do respeito máximo a todo direito fundamental, em situação de conflito com outro ou outros, na medida do jurídico e faticamente possível, tem um conteúdo que se reparte em três princípios parciais: princípios da proporcionalidade em sentido estrito ou máxima do sopesamento, princípio da adequação e princípio da exigibilidade ou máxima do meio mais suave.

            O aludido autor refere-se ao primeiro como aquele que determina que se estabeleça uma correspondência entre o fim a ser alcançado por uma disposição normativa e o meio empregado, seja juridicamente a melhor possível. Os outros dois subprincípios; por sua vez, determinam que, dentro do faticamente possível, o meio escolhido se preste para atingir o fim estabelecido, mostrando-se assim, adequado. Além disso, esse meio deve se mostrar exigível, o que significa não haver outro, igualmente eficaz, e menos danoso a direitos fundamentais.

            O modo de aplicação correto do princípio da proporcionalidade relaciona-se ao pressuposto de existência de valores estabelecidos positivamente em normas do ordenamento jurídico, principalmente aquelas com a natureza de um princípio fundamental, mas também requer um procedimento decisório, a fim de permitir a necessária ponderação em face dos fatos e hipóteses a serem considerados. Tal procedimento deve ser estruturado e institucionalizado de uma forma tal que garanta a maior racionalidade e objetividade possíveis da decisão, para atender ao imperativo de realização de justiça, que é imanente ao princípio.

            João Caupers[13] elucida que o conceito jurídico-administrativo de proporcionalidade decompõe-se em três níveis de apreciação:

            a) A exigibilidade do comportamento administrativo, tendo este de constituir condição indispensável da prossecução do interesse público;

            b) A adequação do comportamento administrativo à prossecução do interesse público visado;

            c) A proporcionalidade em sentido estrito ou relação custos-benefícios, isto é, a existência de uma proporção entre as vantagens decorrentes da prossecução do interesse público e os sacrifícios inerentes dos interesses privados.

            Após a explicitação dos requisitos de empregabilidade do princípio da proporcionalidade, pode-se sintetizá-los, em face do exposto, da seguinte maneira:

            a) Subprincípio da conformidade ou adequação de meios: impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Conseqüentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o ato do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adoção. Trata-se de controlar a relação de adequação medida-fim;

            b) Subprincípio da exigibilidade ou da necessidade: coloca a idéia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não seria possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão. Este subprincípio não questiona, na maior parte dos casos, a adoção da medida (necessidade absoluta) mas sim a necessidade relativa, ou seja, se o legislador poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos;

c) Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito: quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coativa do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à carga coativa da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se de uma questão de medida ou desmedida para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

            4.5 Correlação principiológicas

            Em face do tema em questão, a análise do princípio da proporcionalidade em suas correlações com alguns outros princípios específicos do direito penal torna-se imprescindível.

            Na atualidade, a tendência mundial em termos de direito penal diz respeito à tolerância e à descriminalização. Dois dos principais princípios que corroboram esta tendência são o da insignificância e o da intervenção mínima.

            Francisco de Assis Toledo[14] preleciona que "segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas".

            Seguindo suas explanações, constata-se a importância da proteção do bem jurídico, de acordo com níveis diferenciados de apreciação deste bem, considerado agora como um fim a que se destina a norma protetora.

            Esta proteção se dá em níveis de ingerência mínima para a harmonização da vida social, e através de um juízo de proporcionalidade, adequa-se ao princípio da intervenção mínima. Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira[15] discorre a respeito deste princípio atestando que:

            Toda intervenção, além dos limites da necessidade, desfigura o verdadeiro direito penal, compreendido apenas como uma indispensável atividade sancionatória do Estado. Em conseqüência, há de se entender que o dever do Estado, ao estabelecer as normas penais, deve subordinar-se ao princípio da intervenção mínima, delimitado pelos critérios da necessidade e da realização da justiça substancial, punindo penalmente apenas aqueles que tenham atentado contra bens essenciais à vida social.

            É de bom alvitre que se mencione, a título exemplificativo, que já na década de trinta, do século passado, a Dinamarca, como bem lembra Aníbal Bruno[16], possuía um Código Penal que admitia a analogia em matéria penal, que mesmo sendo usada de forma atenuada, era mantida dentro de limites consentâneos com a garantia dos direitos fundamentais. Atualmente, este país conta com baixos índices de criminalidade, configurando-se como um dos maiores exemplos de efetividade quanto à aplicação de princípios como o da intervenção mínima.

            Ainda com relação aos bens jurídicos, é de suma relevância que sejam inseridos no contexto dos valores fundamentais. Valores fundamentais que correspondem a valores sociais básicos, que por sua importância, são elevados à categoria constitucional.

            Somente a partir desta valoração essencial, estará o legislador apto a discernir entre o que seja realmente objeto de tutela penal estritamente necessária, para que possa usar com correção o critério da proporcionalidade, no intuito de proteger os cidadãos contra uma série de tipos penais desproporcionais ao fim a que se destinam.

            O princípio da proporcionalidade, analisado sob a égide do direito penal, tem sua relevância limitada pela relevância da finalidade da pena para a sua estruturação e fixação. A finalidade da pena não estrutura a relação sem a correlação necessária com outros elementos, como tipicidade e culpabilidade.

            A proporcionalidade só se aplica a um dos elementos do crime. Primeiro, a culpabilidade consubstancia um dos elementos do crime, e a pena pressupõe a culpa. Segundo, deve haver congruência entre a antijuridicidade e a culpa, na medida em que essa deve abranger todos os elementos objetivos do concreto ato antijurídico. Terceiro, a pena deve ser correspondente à culpa, que lhe serve de limite. É somente nesse terceiro aspecto que a proporcionalidade pode ser substitutiva da culpabilidade. Portanto, ela torna-se relevante desde que sejam objetivamente estabelecidos os fins da pena e o elemento material com o qual ela deve estar em relação proporcional.

            De acordo com o posicionamento de Humberto Bergmann Ávila[17], "essa considerações levam à qualificação da proporcionalidade como uma mera estrutura formal de aplicação do Direito a ser necessariamente posta em correlação com elementos substanciais normativos, sem os quais não passa de um esqueleto", opinião da qual extrai-se o mero aspecto formal do princípio da proporcionalidade, e que não encontra respaldo entre muitos dos autores citados, como Guerra Filho e Larenz.

 

5 LIMITES À ATIVIDADES DISCRICIONÁRIA NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

            Primeiramente, é mister que se considere a necessidade de análise quanto aos atos discricionários emanados pela Administração Pública, cuja irrecorribilidade não pode, logicamente, ocorrer.

            Em nenhum instante pode-se conceber uma parte qualquer da Administração Pública fora ou acima do ordenamento jurídico e é por esta razão mesma que se enumeram os princípios de direito, que existem justamente para colimar os abusos que possam advir de determinados atos arbitrários.

            Os princípios configuram-se como limites, apesar de possuírem características não muito bem definidas, que podem ser objeto de inúmeras interpretações.

            A violação de faculdades regradas é sempre mais clara e evidente. Daí exsurge a grande antinomia entre vinculação e discricionariedade, que por ter fortes cominações no modo de interpretação das sanções penais e administrativas constantes nos contratos administrativos, torna-se um ponto relevante, a ser perquirido por ocasião do presente trabalho.

            Agustin Gordillo[18] assevera que "os principais limites que freiam a discricionariedade são os seguintes: a razoabilidade (a proibição de atuar arbitrária ou irracionalmente), o desvio de poder (proibição de atuar com uma finalidade imprópria) e a boa fé".

            Todos estes limites norteiam-se por conceitos jurídicos indeterminados, característica que denota elementos paradoxais, pois como seria possível limitar a discricionariedade através de conceitos que, por sua natureza, são exatamente advindos de categorias imprecisas de definição ?

            A resposta a esta questão surge a partir do momento que se outorga a vinculação normativa àqueles conceitos, através da justificação analógica com referência a paradigmas pré-fixados através da jurisprudência, sempre utilizando-se de um critério de proporcionalidade nesta adequação.

            O princípio da proporcionalidade, nesta seara, é uma importante conquista dos cidadãos no sentido da melhoria da eficácia na fiscalização do exercício dos poderes discricionários, na medida em que permite um controle objetivo destes, bem mais operativo do que o controle subjetivo, restrito à busca dos motivos determinantes da decisão, no quadro da investigação do desvio de poder. Ressalva se faz, aqui, somente no sentido de que este controle objetivo irá se concretizar de modo cada vez mais efetivo, ao estar vinculado aos tipos que lhe são determinantes.

            Manuel de Rivacoba y Rivacoba[19] chama a atenção para a existência de regimes que chegam até mesmo à negação dos principais princípios imanentes ao direito penal, quando aduz:

            Frente a regimes punitivos que sejam estranhos ou contrapostos a tais princípios, faz-se imperativo para a doutrina baseada em e conforme a eles, denunciá-los com insistência e severidade e postular com compelação sua substituição por leis que sejam respeitosas à dignidade humana e de sua própria e verdadeira entidade jurídica. À parte disto, nada de surpreendente tem que ordenamentos legais informados pelos autênticos princípios cardinais incorram em seu desconhecimento ou negação, isto é, que se desviem de suas exigências ou as contradigam, ao regular determinadas instituições, o que uma dogmática prestimosa descubrirá e colocará em relevo sem excessiva dificuldade, propondo de imediato a devida correção. (tradução livre).

            A importância da dogmática para uma livre apreciação principiológica é, destarte, colocada em evidência, não somente pelo autor supracitado, mas por vários outros.

            Quanto mais consistente forem as definições de categorias utilizadas na interpretação e na aplicação do direito, mais se ganhará em certeza e segurança jurídica. Finalidades essas, instituídas pelo ordenamento jurídico pátrio e que não podem ser ignoradas. É imperioso que um sistema jurídico é tanto mais coerente quanto mais específicas forem as conexões entre seus elementos, maior o número de conceitos gerais que possam explicá-lo e maior o número de casos que abranger.

            Finalmente, cumpre-se assinalar algumas peculiaridades relacionadas ao contrato administrativo. Podem ocorrer hipóteses que demonstram que, em um vínculo constitutivo de direitos e obrigações recíprocos, onde deve prevalecer o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes, uma entidade pública pode ter o interesse de extrair o máximo de vantagens, eximindo-se de todos os encargos de que conseguisse se evadir. Procedimentos deste cunho denotam o total descaso quanto ao interesse público, finalidade máxima deste tipo de contrato.

            Alexandre Santos de Aragão[20], em recente artigo, faz considerações importantes sobre o princípio da proporcionalidade e a supremacia do interesse público:

            A doutrina contemporânea refere-se à impossibilidade de rigidez na prefixação do interesse público, sobretudo pela relatividade de todo padrão de comparação. Deve-se salientar, contudo, que não se está a negar a importância jurídica do interesse público. O que deve ficar claro, é que mesmo nos casos em que ele legitima uma atuação estatal restritiva específica, deve haver uma ponderação relativamente aos interesses privados e à medida de sua restrição. É essa ponderação para atribuir máxima realização aos interesses envolvidos o critério decisivo para a atuação administrativa.

            Dessarte, o princípio da proporcionalidade traz a justa medida para o critério de ponderação aludido acima, viabilizando, assim, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

 

6 CONCLUSÕES

            Cumpre-se, primeiramente, neste escorço conclusivo, atentar ao problema da garantia constitucional no direito punitivo.

            A partir de constatações feitas no final da década de setenta pelo ilustre Francesco C. Palazzo[21], o qual afirmava que já naquele momento:

            A tendência a uma progressiva sobreposição entre o direito punitivo administrativo e o direito criminal traz importantes manifestações também a nível legislativo, se não no sentido de uma oportunidade expressa de posicionamento do legislador favorável à aplicação da disciplina e dos princípios penalísticos ao direito administrativo, naquele sentido, não menos significativo, de uma progressiva redução da sanção administrativa, à exceção que no campo fiscal, há vantagem de um maior recurso à sanção penal. Hoje se assiste, no entanto, a uma inversão nesta tendência, sendo particularmente viva e forte a aspiração à descriminalização. (tradução livre).

 O aspecto sancionatório disciplinado na lei 8.666/93, sobre os contratos administrativos, vai contra a tendência crescente de descriminalização que vem ocorrendo em outros sistemas jurídicos do mundo.

            Desta tendência, extrai-se que a Administração Pública, quando impõe pena ao particular deve, necessariamente, atuar da maneira menos lesiva, pautando-se pelas balizas da necessidade e da adequação. A utilização imoderada da competência punitiva, tendência esta que vem se manifestando de modo até mesmo acirrado diante de inúmeros exemplos de tipificações penais com os quais se deparam os cidadãos brasileiros na atualidade, propende à ilegitimidade, com grande probabilidade ao arbítrio.

            A Administração Pública, ao impor sanções durante o desenrolar dos contratos administrativos, e ao pronunciar pena que não se coadune com a gravidade da falta imputada, deve estar sujeita ao controle do juiz.

            O Poder Judiciário tem reputado a proporcionalidade na perquirição de sanções administrativas, mas esta reputação deve ser mantida quando ocorram imposições de sanções penais nos contratos administrativos.

            É incontestável que a Administração deve observar sempre, nos casos concretos, as exigências de proporcionalidade, principalmente nos casos em que dispõe de espaços de discricionariedade.

            Como nas hipóteses de uma estreita vinculação imposta por lei, o princípio da proporcionalidade deve ser analisado mais a partir da própria lei do que do ato concreto da Administração, os aspectos submetidos à discrição do administrador sofrem redução.

            Estes aspectos devem ser analisados e interpretados, tanto pelo legislador, como pelo administrador e o juiz a partir da apreensão de paradigmas representados pelos princípios correlacionados ao princípio da proporcionalidade em todas as suas inserções (quer sejam no direito constitucional, administrativo e penal).

            Não se torna fundamental, sob este prisma, considerar o princípio da proporcionalidade somente sob a ótica formal, mas principalmente sob o prisma de sua inserção substancial no modo de trazer à tona valores que demonstrem a premente necessidade de adequação de tipos penais à realidade para a qual foram criados.

            O fato de existirem conceitos jurídicos indeterminados nesta seara, é somente mais um motivo para se olvidar à busca incessante de maneiras até mesmo analógicas de se definirem as especificidades não pela sua forma, mas pela sua finalidade.

            A constatação da existência de valores supremos constitucionais que influenciam todos os demais ramos do direito, traz à teoria dos contratos administrativos mais uma certeza na afirmação de sua busca na persecução do interesse público.

            Esta persecução não se efetivará através de percalços advindos de aspectos punitivos que a lei possui. Ela se efetivará somente através de um juízo de proporcionalidade, que tornará a adequação meio-fim um modo de proteção inestimável aos direitos fundamentais dos cidadãos.

            Quando isto ocorrer, o princípio da proporcionalidade poderá ser elevado à categoria de valor supremo da Constituição, possuindo, então, força vinculante para colimar todas as situações de desequilíbrio, inclusive aquelas inerentes às sanções constantes nos contratos administrativos.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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            ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v.215, jan. – mar., 1999, p.151-179.

            BETTIOL, Giuseppe. Instituições de direito e processo penal. Trad. Manuel da Costa Andrade. Coimbra: Coimbra Editora, 1974.

            BRUNO, Aníbal. Direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1967. t.1.

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            RIVACOBA, Manuel de Rivacoba y. Introducción al estudio de los principios cardinales del derecho penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 8, v.32, out. – dez., 2000, p.39-54.

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            TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

 

Notas

            [1] CAUPERS, J. Introdução ao direito administrativo. Lisboa: :Ancora, 2000. p.219.

            [2] MEDAUAR, O. Direito administrativo moderno. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.256.

            [3] Esta questão específica vem suscitando controvérsias, pois existem doutrinadores que atestam a invalidade de certas cláusulas abertas que pretendem qualificar como sancionável infração normativa de qualquer espécie. Ao tratar de respectivo tema, NOBRE JÚNIOR aduz que "a exemplo do direito penal, é de bom alvitre a aplicação do princípio da insignificância (ao qual far-se-á alusão adiante). Assim, o aplicador da norma punitiva haverá de relevar as situações de não ocorrência de lesão a bens jurídicos da coletividade, escoimando de pena o infrator". NOBRE JÚNIOR, E. P. Sanções administrativas e princípios de direito penal. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v.219, jan. – mar., 2000. p.138.

            [4] CANOTILHO, J.J. Direito constitucional e teoria da constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998. p.259-260.

            [5] ÁVILA, H. B. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 215, jan. – mar., 1999. p.168.

            [6] GUERRA FILHO, W. S. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Editora Celso Bastos, 1999. p.74.

            [7] LARENZ, K. Metodologia da ciência do direito. 3.ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p.603.

            [8] Ibidem, p.684.

            [9] ÁVILA, op. cit., p.169-170.

            [10] SERRANO, N. Gonzales-Avellar apud Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho. O processo penal em face da constituição. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.73. "El principio de proporcionalidad es un principio general del Derecho que, en sentido muy amplio, obliga al operador juridico a tratar de alcanzar el justo equilibrio entre los intereses en conflicto… Exige, utilizando expresiones reiteradamente empleadas por el Tribunal Europeo de Derechos Humanos, que las restricciones de los derechos fundamentales se encuentren previstas por la ley, sean adecuadas a los fines legitimos a los que se dirijan, y constituyan medidas necesarias en una sociedad democratica para alcanzarlos".

            [11] CARVALHO, L. G. G. C. de. O processo penal em face da constituição. 2.ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p.73-74.

            [12] GUERRA FILHO, op. cit., p.67-68.

            [13] CAUPERS, op. cit., p.80.

            [14] TOLEDO, F. A. Princípios básicos de direito penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p.133.

            [15] OLIVEIRA, M. A. C. M. de. O direito penal e a intervenção mínima. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 5, v.17, jan.- mar., 1997. p.152.

            [16] BRUNO, A. Direito penal. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p.142. t.1.

            [17] ÁVILA, op. cit., p.178.

            [18]GORDILLO, A. Princípios gerais de direito público. Trad. Marco Aurélio Greco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p.183.

            [19] RIVACOBA, M. de R. y. Introducción al estudio de los principios cardinales del derecho penal. Revista brasileira de ciências criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 8, v.32, out. – dez. 2000, p.54. "Frente a regímines punitivos que sean extraños o contrapuestos a tales principios se hace imperativo para la doctrina basada en y conforme con ellos denunciarlos con insistencia y severidad y postular con apremio su substitución por leyes que sean respetuosas de la dignidad humana y de su propria y verdadera entidad jurídica. Aparte de esto, nada de sorprendente tiene que cuerpos legales informados por los auténticos principios cardinales incurvan en su desconocimiento o negación, es decir, que se desvíen de sus exigencias o las contradigan, al regular determinadas instituciones, lo que una dogmática acuciosa descubrirá y ponderá de relieve sin excesivas dificultades, proponiendo de inmediato la debida corrección".

            [20] ARAGÃO, A. S. de. O princípio da proporcionalidade no direito econômico. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v.223, jan. – mar., 2001. p.214-215.

            [21] PALAZZO, F. C. Il princípio di determinatezza nol diritto penale. Padova: Cedam, 1979. p.199-2000. "La tendenza ad una progressiva sovrapposizione tra il diritto punitivo amministrativo e il diritto criminale eble importanti manifestazioni anche a livello legislativo, se non nel senso di una espressa presa di posizione del legislatore a favore dell’applicazione della disciplina e dei principi penalistia al diritto amministrativo, certamente in quello, non meno significativo, di una progressiva riduzione delle sanzioni amministrative, ad eccezione che nel campo fiscale, a vantaggio di un sempre piú impomente ricorso alla sanzione penale. Oggi si assiste, però, ad una inversione di quella tendenza, essendo particorlamente viva e forte l’aspirazione alla decriminalizzazione."

 


Referência  Biográfica

Fernanda Kellner de Oliveira Palermo  –  Advogada, pós-graduanda em Direito Administrativo pela UNESP de Franca (SP).

fernandapalermo@hotmail.com

A Propriedade Fiduciária e o Novo Código Civil

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* Ana Carolina de Salles Freire  e Mateus Donato Gianeti 

O Novo Código Civil (Lei 10.406/2002) trouxe uma inovação a respeito da alienação fiduciária em garantia, ao regulamentar a propriedade fiduciária em seus arts. 1.361 a 1.368. 

A alienação fiduciária em garantia de bens móveis, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 4.728/65, conforme alterada pelo Decreto-lei 911/69, tem sido largamente utilizada como instrumento de garantia de financiamentos bancários, acentuadamente no financiamento de automóveis. 

As características básicas do instituto da alienação fiduciária, estabelecidas pelo art. 66 da Lei 4728/65, são idênticas às da propriedade fiduciária. Trata-se, em ambos os casos, da transferência da propriedade resolúvel de bens móveis pelo devedor ao credor, como garantia de obrigações assumidas por aquele junto a este. Com a constituição da propriedade fiduciária ocorre ainda o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa, enquanto o credor permanece com a posse indireta da coisa. 

Essa coincidência autoriza a interpretação de que o Novo Código Civil revogou tacitamente o art. 66 da Lei 4728/65, tendo regulado inteiramente a matéria da alienação fiduciária de bens móveis (a alienação fiduciária de imóveis, regulada pela Lei 9.514/97, permanece inalterada). Dessa forma, as expressões propriedade fiduciária e alienação fiduciária se confundem, podendo ser utilizadas indistintamente para designar o mesmo instituto jurídico. Uma vez admitida referida interpretação, deve-se ressalvar que os dispositivos processuais relacionados com a alienação fiduciária introduzidos pelo Decreto-lei 911/69 permanecem em vigor, de acordo com os termos do art. 2.043 do Novo Código Civil, o qual estabelece que permanecem em vigor as disposições processuais constantes de leis cujos preceitos de natureza civil tenham sido incorporados ao Novo Código Civil. 

Apesar de ser muito utilizada nos financiamentos de bens de consumo, a alienação fiduciária também se configura como um importante instrumento de garantia nas operações de financiamento a empresas. No entanto, sua utilização em referidos financiamentos quando o credor não era uma instituição financeira nacional sofreu questionamentos nos tribunais com o passar dos anos. 

Tendo em vista as vantagens oferecidas ao credor na alienação fiduciária, o STF acabou por determinar que esta somente poderia ser utilizada por instituições financeiras sujeitas à fiscalização do Banco Central do Brasil, o que limitava a utilização do instituto, inclusive nos casos de financiamentos concedidos por instituições estrangeiras. 

Além disso, o parágrafo 1º do art. 66 da Lei 4728/65 estabelecia que o instrumento de constituição da alienação fiduciária devia ser registrado no domicílio do credor, o que seria impraticável caso referido credor fosse uma instituição com sede no exterior. 

Na regulamentação dada pelo Novo Código Civil, a propriedade fiduciária pode ser livremente utilizada em quaisquer financiamentos, independentemente do credor ser brasileiro ou estrangeiro, tendo em vista que o Novo Código Civil é de aplicação genérica e não traz qualquer tipo de diferenciação ou restrição. 

Devido as suas características básicas, a propriedade fiduciária possui algumas vantagens como garantia, influenciando, inclusive, na análise do risco de crédito da operação. Isso porque quando se utiliza a propriedade fiduciária para garantir uma dívida – seja em operações de empréstimo locais ou externas – o devedor transfere ao credor a propriedade, ainda que resolúvel, do bem objeto da garantia. 

Caso ocorra o vencimento da dívida garantida pela propriedade fiduciária sem o devido pagamento por parte do devedor, o credor fica obrigado a vender, seja judicialmente ou de forma amigável, a coisa a terceiros, aplicando o preço no pagamento de seu crédito e das despesas por ele incorridas com sua cobrança, retornando o saldo, se houver, ao devedor. 

Cumpre ressaltar que o Decreto-lei 911/69, ao alterar as disposições da Lei 4728/65 sobre a alienação fiduciária, assim dispõe com relação à falência do fiduciante: “Art. 7º: Na falência do devedor alienante, fica assegurado ao credor ou proprietário fiduciário o direito de pedir, na forma prevista na lei, a restituição do bem alienado fiduciariamente.” 

Assim, no caso de falência do devedor fiduciante, o credor fiduciário tem o direito de exigir a restituição dos bens objeto da alienação fiduciária. Nesse caso, o credor fiduciário não precisará habilitar seu crédito e aguardar o pagamento da dívida nos termos da Lei de Falências, mas sim solicitar a imediata restituição dos bens dados em garantia, para posteriormente vendê-los para saldar seu crédito. 

A regulamentação da propriedade fiduciária pelo Novo Código Civil oferece assim uma modalidade de garantia vantajosa e interessante, cuja utilização não é limitada apenas às instituições financeiras nacionais, podendo ser utilizada em quaisquer operações financeiras, inclusive em operações com credores estrangeiros.  


Referência  Biográfica

Ana Carolina de Salles Freire  –  Sócia na área de Mercado de Capitais e Direito Bancário de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

Mateus Donato Gianeti  –  Advogado na área de Mercado de Capitais e Direito Bancário de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados.

Os Transgênicos e a Vida Humana

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* Leon Frejda Szklarowsky

O homem deve pensar, pode divergir, mas antes de tudo deve ser tolerante. Das idéias, nem sempre convergentes, brota a imensa variedade de pensamentos que norteiam a humanidade e lhe abrem o caminho da verdade

A consciência humana dever estar alerta para a degradação da natureza, sem, porém, tornar o homem escravo de suas próprias limitações e ambições, com restrições descabidas e demagógicas

(Publicado na Revista Jurídica CONSULEX, Editora Consulex, número 164, de 15 de novembro de 2003)  –   Professor Leon Frejda Szklarowsky[1]

 


O MUNDO EM CONTÍNUA E PERENE TRANSFORMAÇÃO  

O mundo moderno transforma-se a cada segundo. A ciência também. Em micro-segundos, contata-se com os mais longínquos rincões da Terra e, através dos satélites, com os ônibus espaciais e foguetes, a milhares ou milhões  de anos-luz. Quiçá, em breve, com outras civilizações ou seres de outros planetas, estrelas e universos, até então desconhecidos, mas existentes, sem dúvida.

O que até há pouco parecia impossível, não deixa de ser bastante otimista e sensata a declaração acerca da compatibilidade entre a criação do mundo descrita, no Livro dos Livros, e referenciada em obras ou tradições de tantos povos, e a ciência, com respeito à idade provável do universo e ao Big Bang, e a revolução nos conceitos científicos tidos como imutáveis.

Para Aryeh Kaplan, a religião não se opõe à ciência moderna que ensina ter o universo mais de seis mil anos. Com fundamento em sólidos estudos, traz à baila discussões, sumamente interessantes, e narra ter havido outros mundos, antes de Adão haver sido criado. Está, assim, quebrado o tabu do confronto entre a religião e a ciência.

Fazendo pesquisa sobre esse assunto, oferece estudos notáveis, sobre a idade do universo, considerando os anos divinos e não mais os anos humanos. O simbolismo contido no Velho Testamento não admite uma simples interpretação literal, devendo o exegeta fazê-lo, segundo os diversos métodos de exegese científica.

Destarte, a medição do tempo deve fazer-se tendo em vista o ano divino e não o ano humano. Um dia divino tem a duração de 1000 anos terrestres e um ano divino consiste em 365.250 anos terrestres.

Esses conceitos conduzem a uma nova forma de encarar a evolução do homem na Terra e mostra que não há contradição entre os textos bíblicos e a ciência, conclusão a que chegou também um dos mais famosos estudiosos da Cabala, há sete séculos, em oposição frontal às idéias dos mestres fundamentalistas.

Registra ainda Aryeh Kaplan que os sete dias da Criação, na verdade, teria ocorrido há mais de quinze bilhões de anos antes do Big Bang, correspondendo à criação da infra-estrutura espiritual do universo, referida na Bíblia, como criação do pensamento e conclui que existe perfeita sintonia entre os ensinamentos dos Textos Sagrados e a moderna ciência. [2]

“A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão embora persistente” (Albert Einstein, 1955), ao que ousaríamos acrescentar que o tempo é apenas parte da eternidade que nunca começa, nunca termina.

Um colega asceta indagou de Einstein, como  ele, um cientista famoso, pode ser um religioso e espiritualista. Respondeu, imediatamente: “Por isso mesmo”. Calou-se o interlocutor, cabisbaixo e envergonhado, nada mais lhe indagando.

As pesquisas e as descobertas científicas criam para o homem um mundo até então desconhecido e fascinante. Assim, também, a engenharia genética, a biogenética, a biotecnologia agrícola.

É objeto da engenharia genética a reconstrução e a reformulação de estruturas de genes dos microorganismos, plantas e animais, com o objetivo de tornar estes produtos mais econômicos e superiores em qualidade e quantidade, em tempo e velocidade inimagináveis, mercê também do crescimento vertiginoso da população humana e da incapacidade de se alimentarem milhões de pessoas, se rumo novo não for vislumbrado.

Entretanto, é também na biotecnologia agrícola que se centra o temor pelas conseqüências que possam advir, se não houver um estudo sério e responsável, protegido por um severo  arcabouço legal, entrelaçado com os princípios morais, éticos  e religiosos.

As indústrias e os laboratórios se põem a introduzir, numa desenfreada corrida, uma nova geração de lavouras transgênicas na agricultura, visando produzir uma profunda revolução genética, com a inserção de genes de animais em plantas, para aumentar sua resistência às pragas.

Como exemplo desta miscigenação esdrúxula, que vem seguindo o modelo de Frankenstein, cite-se a inserção de genes de galinha em batatas, para terem maior resistência; de genes de vaga-lume no código biológico de pés de milho, como marcadores genéticos ou do hamster chinês no genoma de pés de tabaco, para aumentar a produção de esterol. Ou, ainda,  os animais quiméricos, em que  a mitologia grega é tão rica.

O receio da humanidade é procedente, pois que é impossível prever até onde pode chegar a ciência, se não estiver presa aos princípios éticos.

              É verdade que o homem não pode deixar-se dominar pela ignorância, involuindo para o mundo das trevas, recuando na História, para reviver os momentos insensatos e tristes da escuridão que o envolveu por séculos, porque o obscurantismo consegue impedir a caminhada ou o progresso do homem, por algum tempo, mas não para sempre.

              Todavia, as grandes conquistas e descobertas humanas não podem transformar-se em arma destruidora e mortífera.

AS MEDIDAS PROVISÓRIAS E OS TRANSGÊNICOS       

            A medida provisória tem força de lei e constitui, segundo a melhor doutrina e a jurisprudência da Mais Elevada Corte Brasileira, lei sob condição resolutiva. É, ao contrário do decreto-lei, um provimento necessário, em determinadas circunstâncias, sumamente democrático, porque o Poder Legislativo pode emendá-lo, apresentar destaque, transformá-lo em projeto de lei de conversão e, ainda, rejeitá-lo no todo ou em parte.

            A conditio sine qua para a edição de medidas provisórias é a caracterização da urgência e relevância (artigo 62 da CF), que deve ser vestibularmente apreciada pelo Congresso Nacional, repudiando-as, in limine, se for o caso, conquanto, quando o Presidente da República edita a medida provisória, deva fazê-lo calcado nesses pressupostos, como senhor desse juízo. E ao Congresso Nacional caberá julgar se ocorreram ou não a urgência e a relevância e, se for o caso, a adequação financeira.

            O que não pode ser objeto das medidas provisórias está relacionado, exaustivamente, no citado dispositivo constitucional. Nem mais nem menos.

Conseqüentemente, desde que configuradas a urgência e a relevância, devidamente motivadas, e não proibida a matéria pela Carta, poderá perfeitamente o Presidente da República (o governador ou o alcaide) editar referido ato legislativo que será, de imediato, examinado pelo Poder Legislativo, quanto à sua constitucionalidade, in limini.

Não haveria óbice constitucional quanto a esses provimentos legais (lei ou medida provisória), para tratar dos transgênicos, matéria não vedada pelo artigo 62 da CF, NÃO FOSSE A POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS E DA LEI ACERCA DOS TRANSGÊNICOS EM FACE DO ARTIGO 225 DA CF/88 E DA LEGISLAÇÃO PERTINENTE.

A CONSTITUIÇÃO, AS LEIS 9638/81 E 8974/95  

A Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, reserva o Capítulo VI do Titulo VIII (Da Ordem Social), para o Meio Ambiente, de forma ampla e incisiva, ao contrário dos Textos de 69, 67 e 46, extremamente parcimoniosos.

O artigo 5º decreta, como valor fundamental encimando todos os demais, o direito à vida. Entenda-se direito à vida em ambiente ecologicamente equilibrado. Esta norma engloba todas as demais, porque o ser humano é o centro do Universo e nada  importa a não ser o seu bem estar e sua vida com qualidade e dignidade. Sem o ser humano, o cosmos seria vazio, tal qual um frasco sem o perfume ou um corpo sem alma.  De que valeria tudo isso?

O artigo 225, complementando o artigo 5º, impõe ao Poder Público o poder-dever de assegurar a efetividade desse direito mediante: I. a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e manejo ecológico das espécies e ecossistemas. II. Preservação da diversidade e da integridade do patrimônio genético, fiscalizando as entidades destinadas à pesquisa e manipulação de material genético. III. Definição dos territórios e seus componentes que devem ser protegidos. Somente a lei poderá autorizar a supressão ou alteração desses espaços. A Carta veda terminantemente o uso que comprometa a integridade dos atributos que exijam sua proteção. IV. Exigência de estudo prévio de impacto ambiental, para instalação de obra ou atividade que possa causar significante degradação do meio ambiente. A este estudo deve ser dada ampla publicidade. V. Controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias de risco para a vida, para a qualidade e para o meio ambiente. VI. Educação ambiental em todos os níveis escolares e conscientização popular para a preservação do meio ambiente. VII. Proteção da fauna e da flora. Fica proibida terminantemente a prática que coloque em risco a função ecológica e possa provocar a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.

Até as sanções penais e administrativas são objeto de preocupação da Lei Maior.

As disposições constitucionais mais diretamente relacionadas ao meio ambiente vêm a seguir enumeradas: artigos 43, §§ 2º, IV, e 3º; 49, XIV e XVI; 91, § 1º, III; 129, III; 170, II, III e VI; 174, §§ 3º e 4º; 177;186, II; 200, VI a VIII; 225, 231 etc.

Por outro lado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece os  direitos do homem ao ambiente, nos termos em que conhecemos atualmente, ao manifestar expressamente que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar (artigo XXV) e tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (artigo III ).

No Direito Comparado, entre as Constituições, que tratam do tema, distinguem-se as do Equador e Peru, de 1979, Guatemala, de 1985, do Chile e Guiana, de 1980, de Honduras, de 1982, do Panamá, de 1983, do Haiti e da Nicarágua, de 1987, Portugal e Espanha, de 1976 e 1978, respectivamente[1]. A grande maioria dos países mostra-se preocupada com a degradação do meio ambiente e suas conseqüências.

Antes mesmo, da entrada em vigor da Carta de 88, a Lei 6938, de 31 de agosto de 1981[2], já estabelecera a Política Nacional de Meio Ambiente, com fundamento no artigo 8º, item XVII, alíneas c, h e i, da Constituição de 1969 (EC 1/69 e CF/67),[3] visto que o Brasil sempre esteve consciente de suas responsabilidades ambientais e ecológicas.

O artigo 35 da Lei 8028, de 12 de abril de 1990, porém, deu nova redação à citada Lei 6938, para conferir-lhe assento majestoso na Constituição Federal vigente, com fundamento nos artigos 23, VI e VII (competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o objetivo de  proteger o meio ambiente, combater a poluição em qualquer de suas formas e preservar as florestas, a fauna e a flora) e 225, assegurando a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Como visto, a lei foi recepcionada, in totum.

Esta disposição legal consagra, nas palavras sábias do PRETÓRIO EXCELSO, um típico direito de terceira geração[4].

A Lei 6938, de 31 de agosto de 1981, estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismo de formulação e aplicação. Não proíbe, absolutamente, atividades que visem o desenvolvimento econômico-social nem tampouco desestimula os estudos científicos e a pesquisa de tecnologias avançadas, todavia exige a submissão a determinados princípios, visando a proteção da saúde, a segurança e o bem estar da população. Também não permite ela se criem condições adversas às atividades sociais e econômicas.

O inciso IV do § 1º do artigo 225 da Lei Magna traça um comando de alta intensidade e relevância, ao exigir o estudo prévio de impacto ambiental, dando-se ampla publicidade.

Todavia, a leitura desse preceito conduz a uma questão de sumo interesse. Percebe-se, desde logo, que a instalação da obra ou a atividade deve potencialmente produzir expressiva e agressiva degradação do meio ambiente, mas comete à lei a definição dessa exigência. Portanto, não se trata de um ato discricionário, pois fica, assim, a lei com a incumbência de ditar as diretrizes. É por assim dizer uma norma em branco. Não é qualquer degradação, mas terá que ser expressiva, intensa.

O impacto ambiental é, segundo a definição da Resolução CONAMA 001, de 23 de janeiro de 1986[5], qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante de atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem a saúde, a segurança e o bem estar da população, as atividades sociais e econômicas, a biota[6], as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais.

Meio ambiente, na expressão legal, é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que abriga e rege a vida em todas as suas formas e degradação da qualidade ambiental é a modificação das características do meio ambiente[7].

A indagação primeira é se a possibilidade de produzir degradação e seu tamanho deverão ser previamente aferidos.  A resposta, sem dúvida, é positiva, por razões óbvias. Se não vejamos.

A Resolução CONAMA 237, de 19 de novembro de 1997, conceitua o licenciamento  ambiental como o procedimento administrativo pelo qual o órgão  ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, tendo em vista as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

A licença ambiental é o ato administrativo que fixa, por meio do órgão ambiental competente, as condições, restrições e medidas de controle ambiental, a que estará sujeito o empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou as que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.

Está sujeito ao licenciamento ambiental, dentre outros, o uso de recursos naturais, em que há utilização do patrimônio genético natural[8], e a licença ambiental dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e relatório de impacto do meio ambiente – EIA-RIMA – dando-se publicidade a este ato, com a realização de audiência pública, quando for o caso, segundo as normas regulamentares. 

A Lei 8974, de 5 de janeiro de 1995, regulamenta os incisos II e V do § 1º do artigo 225 do Texto Maior e institui normas de segurança e instrumentos de fiscalização no uso de técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado – OGM.

O objetivo da lei é proteger a vida e a saúde do homem, dos animais, das plantas e do meio ambiente, sem embargar os avanços da ciência, o que seria um descabido contra-senso e um retorno às trevas.

Esse diploma traz várias definições que permitem uma melhor compreensão e conseqüentemente torna seu cumprimento mais fácil, por se tratar de assunto científico e técnico de difícil trato. Ei-las:

Engenharia genética é a atividade de manipulação de moléculas ADN/ARN recombinantes.

Moléculas de ADN/ARN recombinante são as manipuladas fora das células vivas, pela modificação de segmentos de ADN/ARN natural ou sintético que possam multiplicar-se em uma célula viva ou as moléculas de ADN/ARN, resultantes dessa multiplicação. Os segmentos de ADN/ARN sintéticos são equivalentes aos naturais.

Organismo é toda entidade biológica capaz de reproduzir e/ou de transferir material genético, incluindo vírus, prions e outras classes que venham a ser conhecidas.

Ácido desoxirribunocléico (ADN), ácido ribonucléico (ARN) constituem material genético que contém informações determinantes dos  caracteres hereditários transmissíveis aos descendentes.

A lei não considera como OGM os organismos resultantes de técnicas que permitem a introdução direta, no organismo, de material hereditário, se não envolverem moléculas de ADN/ARN recombinante ou OGM, como por exemplo: a fecundação in vitro, a indução, conjugação, transdução,  transformação, poliplóide ou qualquer outro processo natural.

Esta lei não tem aplicação quando se tratar de modificação genética obtida por meio das técnicas que cita, desde que não haja utilização de OGM, como receptor ou doador. As técnicas referidas são: mutagênese, formação e utilização de células somáticas e hibridoma animal, fusão celular, inclusive a de protoplasma, de células vegetais, que possa ser produzida mediante métodos tradicionais de cultivo, autoclonagem de organismos não-patogênicos que se processe de maneira natural.

Portanto, qualquer atividade ou obra que possa eventualmente degradar o meio ambiente ou produzir dano à saúde, depende, para o seu exercício, de avaliação prévia das autoridades e dos órgãos competentes. Esta exigência encontra fundamento na Constituição e na legislação regulamentadora.

Repita-se que não é qualquer atividade ou instalação de obra, mas somente aquela apta a degradar o meio ambiente de forma expressiva, significativa.

Só se saberá se ela causará dano e em que quantidade, após o prévio exame. Não há outra forma de detectar. Não cabem conjecturas.

Conquanto alguns juristas aleguem que a Lei 8974/95 não exige expressamente a realização do prévio estudo do impacto ambiental, escoimando-a de inconstitucional, olvidam que a Lei 6938/81 está em pleno vigor e, conseqüentemente, deve ser observada, quanto ao estudo preliminar do impacto ambiental. Ambas as leis estão intimamente entrelaçadas.

Assim, mesmo não havendo menção incisiva à observância da Lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, esses diplomas legais convivem, harmonicamente, uma por ser lei geral e a outra, lei especial e, portanto, o prévio estudo do impacto ambiental não poderá deixar de ser exigido, tese esta que defendemos, no artigo Transgênicos[9].

A primeira, sem dúvida, é uma lei geral a regulamentar a política nacional do meio ambiente enquanto que esta última disciplina, de modo especial, o uso de técnicas de engenharia genética e liberação de organismos geneticamente modificados.

A Lei de Introdução ao Código Civil é incisiva, quanto à determinação do § 2º do artigo 2º que contempla uma regra de excepcional importância, ao indicar que a disposição geral ou especial a par das já existentes não revoga nem modifica a lei anterior, ou, como ensina Maria Helena Diniz, para a lei nova revogar a lei antiga é preciso que discipline de modo diverso a matéria ou expressamente a revogue, podendo ambas coexistir. E, mais, quando a incompatibilidade se estabelece entre a lei, ato do Poder Legislativo, e um regulamento ou decreto do Poder Executivo, prevalece sempre a disposição legal, conforme se colhe dos ensinamentos de Clovis e de Washington de Barros Monteiro.

Destarte, se a lei que define a política do meio ambiente dispõe que, quando necessário, o CONAMA poderá determinar o estudo do impacto ambiental e a lei nova nada dispôs, porque trata de assunto específico, esta poderá fazê-lo, se for o caso, mesmo que decreto regulamentar faça alguma restrição. Conclui-se que não é sempre, senão quando necessário for.

Ora, não só a Lei 6938 deve ser objeto de atenção, como também as normas regulamentares.

Medidas Provisórias 113 e 131, de 2003, e Lei 10688, de 2003

A Medida Provisória 113, de 2003, transformada na Lei 10688, do mesmo ano, bem como esta Lei, no artigo 1º, dispensaram a comercialização da safra de soja da submissão às exigências da Lei 8974 de 1995, com as alterações da Medida Provisória 2191-9, de 2001. Com relação às safras de 2004 e posteriores, esses diplomas legais determinavam a estrita obediência aos comandos da legislação vigente, isto é, à Lei 8974/85 e legislação pertinente.

A EM Interministerial 20, de 26 de março de 2003, da Casa Civil, que motiva a citada medida provisória, confessa que a urgência desta se deve à “iminente comercialização da safra de soja de 2003, de significativa participação na pauta comercial do País, plantada, conforme relevantes indícios, em desacordo com a Lei 8974 , de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida Provisória 2191-9, de 23 de agosto de 2001”.

Discorre, ainda, o documento justificativo, que o consumidor tem o direito de conhecer a origem e a possibilidade da existência da OGM nos alimentos produzidos com a referida soja.

A Medida Provisória 131, de 2003, em vigor, estabelece normas para o plantio e comercialização da produção da soja de safra de 2004 e determina categoricamente a não incidência da legislação pertinente e restritiva (Leis 6938/81, arts. 8º, I e II, 10, caput; 8974/95, c/c com a MP 2191-9/2001e 10688/2003, arts. 1º, § 3º, e 5º) às sementes da safra de soja de 2003, reservadas aos agricultores para uso próprio, segundo o disposto na Lei 10711/2003, art. 2°, LXLIII. Por outro lado, autoriza sua comercialização até 31 de dezembro de 2004, mandando incinerar o estoque existente após esta data.

Esses diplomas legais, ao dispensarem, nos anos de 2003 e 2004, as exigências das Leis 6938, 8974 e da Medida Provisória 2191-9/2001, para o plantio e a comercialização da soja, colidem de frente com a Constituição, porque esta impõe, como condição necessária, o prévio estudo de impacto ambiental, para instalação de obra ou atividade que possam causar grave degradação do meio ambiente e isso somente poderá ser conhecido, como se afirmou antes, após a prévia avaliação.

Com todo o respeito que nos merecem as doutas opiniões em contrário, as citadas Medidas Provisórias 113 e 131 são inconstitucionais não porque regulem matéria referente aos transgênicos, se a urgência e a relevância estiverem demonstradas (a matéria não é vedada pela CF), mas sim por exonerarem o plantio e a comercialização da soja transgênica das restrições constitucionais e legais, sem estar cabalmente comprovado que essa atividade não seria potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, usando as palavras da Carta Constitucional.

Trata-se, pois, de inconstitucionalidade material e não formal. A substância é que foi atingida drasticamente.

A EM 38 CCIVIL, de 25 de setembro de 2003, que capeia a Medida Provisória 131, justifica essa generosa suspensão restritiva e o caráter excepcional desta, em função da situação específica vivida por pequenos produtores, em número expressivo, que reservaram para uso próprio sementes da safra de 2003, e por motivos econômicos e culturais

Não obstante, sequer razões de Estado justificariam o desvio brutal do feixe constitucional e infraconstitucional, visto que pode haver risco não só para o meio ambiente, mas principalmente para o ser humano, se não for demonstrado previamente que não haverá potencial e expressiva degradação ao meio ambiente.

O Poder Público tem a incumbência de exigir o cumprimento da lei e cuidar para que ela  não seja transgredida. É imposição constitucional, passiveis os infratores de sanções penais e cíveis.

Análise do Projeto de Lei do Executivo, de 2003

Projeto de Lei do Executivo 2401, de 2003 (EM nº 50 – CCIVIL-PR, de 30 de outubro de 2003), estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTN-Bio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança e dá outras providências.[10]

O  Chefe do Executivo solicitou urgência ao projeto, com fundamento na Carta, dada a relevância da matéria.

A lei, se aprovado o projeto, entrará em vigor, na data de sua publicação, e revoga a Lei 8974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória 2191-9, de 23 de agosto de 2001.

A Exposição de Motivos nº 50 cit., do Ministro de Estado-Chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu de Oliveira e Silva, alinhava os principais motivos que levaram o Executivo a propor o projeto, visando revogar a lei regulamentadora dos incisos II e V do § 1º do artigo 225 da CF, exceto o artigo 13 da Lei 8974, de 1995, e a citada MP 2191-9, que alterou esta última lei. Esta MP está em vigor, ex vi do disposto no art. 2º da EC 32/2001, até que outra medida provisória ulterior a revogue explicitamente ou o Congresso Nacional sobre ela delibere definitivamente.

O Congresso Nacional deverá regulamentar, por decreto legislativo, as relações jurídicas decorrentes dessa medida provisórias, não abrangidas pela nova lei, sob pena de serem mantidas, nos termos do artigo 62 e seus parágrafos da CF.[11]

O projeto visa eliminar eventuais divergências entre as diversas normas vigentes e a legislação ambiental, o que, de fato, proporcionará maior segurança jurídica. Este é um ponto realmente positivo, vez que a lei deve ser a mais clara possível, evitando conflitos desnecessários

A Medida Provisória 2191/9 foi também encampada pelo projeto em questão.

As  definições não foram esquecidas. O projeto regula inteiramente a matéria, refletida na Lei 8974, contudo ressalva o artigo 13 que trata dos crimes e das sanções.

Este artigo permanecerá em vigor, contudo fica acrescido de mais um inciso, incriminando o comportamento de construir, cultivar, produzir, transportar, transferir, comercializar, importar, exportar ou armazenar organismo geneticamente modificado, ou seu derivado, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar. A pena cominada é de reclusão de 1 a 3 anos.

O comportamento punível está demarcado por várias situações distintas, in verbis: 1º. a manipulação genética de células germinais humanas. 2º. A intervenção em material genético humano, in vivo. Não constituirá crime, entretanto, se esta intervenção se der para tratamento de defeitos genéticos, desde que não colida com os princípios éticos, v.g.: o princípio de autonomia e de beneficência, e obtenha a anuência preliminar da CTNBio. 3º. A produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível. 4º. A intervenção, in vivo, em material genético de animais, com exceção das hipóteses de tais intervenções servirem para o progresso científico e tecnológico, nas mesmas condições previstas nos crimes catalogadas no inciso 2º e, finalmente, 5º. A liberação ou o descarte no meio ambiente de OGM, sem observância das regras estatuídas pela CTNBio e na regulamentação da lei.

As penas são severas, variando da detenção, nos casos menos grave, até a reclusão.

Prevê a lei em vigor e, ipso facto, a lei futura, o crime culposo e o doloso.

O artigo 13 da Lei 8974, que não é revogado, prevê que  Ministério Público da União e dos Estados é pessoa legítima para propor a ação de responsabilidade civil e criminal por danos ao ser humano, aos animais, às plantas e ao meio ambiente. Omitiu a lei o Distrito Federal, mas inequívoca é a legitimidade do DF para também agir.

Esta não foi a melhor opção, para tornar mais fácil o manuseio da lei e afastar futuras dúvidas. Deveria esta parte ser transposta integralmente para o novo diploma, corrigindo-se eventuais falhas do projeto, como, por exemplo, a inclusão do Ministério Público do Distrito Federal entre os legitimados para a propositura das referidas ações.

No campo penal, Marcelo Dias Varela, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha[12] chamam a atenção para uma questão de extrema gravidade, pois lembram que a lei desenha preceitos que incriminam as atividades e não figuras de comportamento, o que, ajuízam, tem dado motivo a certa imprecisão.

Ainda com relação ao projeto, faz-se necessária a oitiva urgente de técnicos e cientistas independentes, colhendo-se suas opiniões, para que a lei, que se pretende moderna, não crie mais embaraços e burocracia que a já existente, ao invés de simplificar e agilizar os atos e procedimentos, impedindo e até barrando a pesquisa e o trabalho científico, jogando o País na ribanceira do atraso e do esquecimento.

Assim, a intenção do Executivo de tornar a textura legal insuscetível de interpretações contraditórias não se concretizou, na sua plenitude, apesar das boas intenções. Caberá, destarte, ao Parlamento sanar esses defeitos, para tornar o texto enxuto e direto, sem rodeios inúteis

Se isso não for feito, o País jamais deixará de ser dependente, será sempre o aluno reprovado, porque não teve bons professores. No caso, simplesmente uma legislação não consentânea com a realidade poderá tolher o desenvolvimento técnico e científico.

CONCLUSÃO

Este é o momento exato para o legislador trazer para a lei, também, a parte penal, aperfeiçoando suas normas.

O projeto, de qualquer forma, tem pontos positivos, de sorte que esta é a grande oportunidade para o debate nacional no Congresso, possibilitando aos Pais enriquecer-se com normas modernas e que não engessem a política de desenvolvimento.

A opinião de estudiosos do assunto, não obstante, não pode ser postergada, pois, como lembra o pesquisador Geraldo Eugênio, “mesmo na União Européia, onde há forte resistência aos produtos transgênicos, a pesquisa não foi interrompida. Eles estão pesquisando em grande intensidade, porque sabem ser um mercado estratégico”. Elíbio Rech atesta que, nos Estados Unidos da América, os certificados para a pesquisa são liberados, em no máximo 90 dias [13].

A religião, as ciências e as grandes descobertas convivem sincronicamente. Não há que temer o progresso, desde que o homem saiba compor-se nos limites da ética e da moral e não ultrapasse as barreiras do imponderável.

Jeremy Rifkin escreve que “estamos entrando num novo século e num novo milênio cheios de promessas e expectativas e também com grandes preocupações e dúvidas”[14].

Os benefícios da engenharia genética e da revolução tecnológica, no entanto, superam, sem dúvida, possíveis malefícios que poderiam eventualmente advir.

O homem é dotado de livre arbítrio e, então, o uso para o bem ou para o mal da ciência deverá encontrar limites no Direito e na Moral que lhe servirão como suporte e anteparo.

A sociedade deve ficar alerta e exigir que a Constituição seja cumprida e a legislação sobre os transgênicos, sobre o patrimônio genético e a lei sobre a política ambiental sejam rigorosamente obedecidas, sem, porém, permitir que o fanatismo domine e feche as comportas para o futuro.

Ainda, há a ponderar-se que existem uma medida cautelar e uma ação civil pública, questionando a constitucionalidade das medidas provisórias 113 e 131, de 2003, e da Lei 10688/2003[15].

No entanto, falar-se que estas golpearam o Judiciário, caracterizando-se a desobediência a este Poder, por permitirem o que as decisões judiciais proibiram, é um grande equívoco e um sofisma intolerável, vez que estas ainda estão pendentes de recurso e não transitaram em julgado.

O caminho certo é questionar a constitucionalidade daqueles diplomas, perante o Supremo Tribunal Federal. Há, aliás, três ações diretas pleiteando a declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória 131/2003 [16].

Não obstante, enquanto o Tribunal não se pronunciar definitivamente ou conceder a suspensão da medida provisória, esta está em pleno vigor, produzindo todos os efeitos.    

BIBLIOGRAFIA

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2.                                Agostini de Andrade, A Tutela ao Meio Ambiente e a Constituição, Revista AJURIS, 45, março de 1989.

3.                                Álvaro Lazzarini, Temas de Direito Administrativo, Editora Revista dos Tribunais, 2000.

4.                                Antonio Souza Prudente, decisão nº 260/99, classe 9200, no Processo nº 1998.343.00.027681 – B, Ação cautelar inominada, requerida pelo IDEC – Instituto Brasileiro do Consumidor contra a União e outro.

5.                                Aryeh Kaplan, Imortalidade, Ressurreição e Idade do Universo –  Uma visão cabalística, Exodus Editora, em parceria com a Editora e Livraria Sêfer Ltda., São Paulo, 2003.

6.                                Bíblia Sagrada, Velho Testamento.

7.                                Caio Tácito, Temas de Direito Público, 2 volumes, Renovar, 1997.

8.                                Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Freitas Bastos, 1957.

9.                                Carlos Pinto Coelho Motta. Eficácia nas Licitações e Contratos, Del Rey, 1997.

10.                             Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 9ª edição, 1997.

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12.                             Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, Manual de Direito Ambiental e Legislação Aplicável, Max Limonad, 1997.

13.                             Celso Bastos, Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 11ª edição, 1989.

14.                             Celso de Mello, relator do aresto do STF , RE 134297, SP, 1ª T.

15.                             Chaim Perelman, Ética e Direito, Editora Martins Fontes, São Paulo, 1999, tradução de Maria Ermantina Galvão.

16.                             Clovis Bevilaqua, Código Civil Comentado, atualizada por  Achilles Bevilaqua e Isaias Bevilaqua, Livraria Francisco Alves – Editora Paulo de Azevedo Ltda., 1956, undécima edição,  volume I.

17.                             Clovis Bevilaqua, Teoria Geral do Direito Civil, atualizada por Achilles Bevilaqua e Isaias Bevilaqua, Livraria Francisco Alves – Editora Paulo de Azevedo Ltda., 7ª edição, 1955.

18.                             Correio Braziliense de 9 de novembro de 2003.

19.                             Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Editora Objetiva, 1ª edição, 2001.

20.                             Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, Saraiva, 4ª edição, 1995.

21.                             Ellen Gracie, relatora das ADINs 3011, 3014 e 3017.

22.                             Fábio Konder Comparato, Fundamentos dos Direitos Humanos, Editora Consulex, 1998.

23.                             Guilherme José Purwin de Figueiredo, organizador, Temas de Direito Ambiental e Urbanístico, vários autores, Max Limonad, Publicação do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, nº 3, 1998.

24.                             Ives Gandra da Silva Martins e Celso Bastos,  Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1990.

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26.                             Jeremy Rifkin, O Século da Biotecnologia, Makron Books, Tradução de Arão Sapiro, 1999.

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33.                             Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes, Fernando Galvão da Rocha, Biossegurança & Biodiversidade, Del Rey, 1999.

34.                             Maria Helena Diniz, Lei de Introdução ao Código Civil, Saraiva, 1994.

35.                             Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ºª edição, Editora Nova Fronteira 1986.

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[1] Cf., de Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, 1999, pp. 45-46.

[2] A Lei 6938/81 foi alterada pelas Leis 7804, de 18 de julho de 1989,  8028, de 12 de abril de 1990, 9960, de 28 de janeiro de 2000, 9966, de 28 de abril de 2000, 9985, de 18 de julho de 2000, e 10165, de 27 de dezembro de 2000. Cf. também as Leis 7661, de 16 de junho de 1988, e 7735, de 22 de fevereiro de 1989.

[3] Cf. artigo 5º, incisos XV, b, l, da CF 46. Acerca do assunto, consultem-se nossos trabalhos: 1. TRANSGÊNICOS,  publicado na Revista Consulex,  34, de 31-10-99, na Internet e, resumidamente, no Suplemento Direito e Justiça do CB, de 1.1.99, e no Jornal da Comunidade de Brasília, de 7 de novembro de 1999, no INFORMATIVO ADCOAS, resumidamente, 22, dezembro, 2000,  Advocacia Pública, IBAD, edição 9, março 2000, na Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, 145, janeiro/março 2000; na Revista Portuguesa de Direito do Consumo, da Associação Portuguesa de Direito do Consumo, dezembro de 1999, número 20,  e em outros repositórios jurídicos e em sites jurídicos da Internet.2. PATRIMÔNIO GENÉTICO E A MP 2052/2000 (Publicado na Revista Jurídica CONSULEX –  LEIS & DECISÕES, vol. II, Nº 43, julho de 2000, e no In Consulex 14 de julho de 2000); 3. LEI 9985, DE 2000 – SNUC – SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA (publicado na Revista Jurídica CONSULEX, Leis e Decisões 31 agosto 2000, nº 44, e na Revista L&C 26), de). agosto de 2000, in Lusíada – Revista de Ciência e Cultura,  Série de Direito, Universidade  Lusíada – Porto, Coimbra Editora, 1 e 2, 1999).

A Medida Provisória 2052, de 29 de junho de 2000 (edição originária), foi reeditada inúmeras vezes. A última reedição recebeu o nº 2186-16, de 23 de agosto de 2001, e continua em vigor, ex vi da Emenda Constitucional 32/2001 (cf. site da Presidência da República: www.planalto.gov.br/ – consulta efetuada em 4 de novembro de 2003). 

Esta medida provisória regulamenta o inciso II do § 1º e o § 4º dos artigos 1º, 8º , j, 10, c, 15 e 16. 3 e 4, da Convenção sobre Diversidade Biológica, ratificada pelo Decreto-legislativo 2, de 1994, e promulgada pelo Decreto 2519, de 16.3.98, publicado no DOU de 17 de março deste ano. Dispõe ainda sobre o acesso ao patrimônio genético, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado à repartição de benefícios e o acesso à tecnologia e transferência de  tecnologia para sua conservação. Definições extraídas da citada Convenção estão registradas em nosso artigo antes citado. Estas normas não se aplicam ao patrimônio genético humano.

Sobre os efeitos e vigência das medidas provisória anteriores à EC 32/2001, consulte-se nosso Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade cit., pp. 142/144. Também,  sobre os efeitos das relações jurídicas decorrentes das medidas provisórias não acolhidas ou rejeitadas ou ainda escoadas sem apreciação, consulte-se a obra cit. Idem, sobre a parte não acolhida pela lei,em que se transformou o edito presidencial.

[4] Cf. acórdão relatado pelo Ministro Celso de Mello, no RE 134297, SP, 1ª T, in DJU de 22.9.95, p. 30597.

[5] Resolução baixada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – IBAMA, publicada no DOU de 17.2.86.

[6] conjunto dos seres animais e vegetais de uma região (cf. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição, Editora Nova Fronteira 1986). Também o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Editora Objetiva, 1ª edição, 2001, registra a mesma definição extraída da Biologia.

[7] Cf. artigo 3° , I, da Lei 9638 cit.

[8] Cf. artigos 1º e 2º da Resolução CONAMA cit.

[9] Cf. Revista Jurídica Consulex cit., p. 22.

[10] Cf. site da Presidência da República: www.planalto.gov.br/,visitado, (consultado em 9 de novembro de 2003).

[11] Cf. Nosso Medidas Provisórias cit.

[12] Cf. Biossegurança & Biodiversidade, Del Rey, 1999, pp. 169 e segs.

[13] Cf. manifestação dos pesquisadores, da EMBRAPA, Francisco Aragão e Geraldo Eugênio, e do especialista em genética, Elíbio Rech (cf. reportagem de Sandro Lima, Transgênicos – Pesquisar é quase impossível, in Correio Braziliense, de 9 de novembro de 2003, p. 18).

[14] Cf. O Século da Biotecnologia – A Valorização dos Genes e a Reconstrução do Mundo, tradução de Arão Sapiro, Makron Books do Brasil Editora Ltda., São Paulo, 1999.

[15] Cf. Processo 2000.01.00.014661-1 – RESP 505371, Relator Ministro Peçanha Martins, e Ação Civil Pública 1998.34.00.027682-0.

[16] ADINs 3011, 3014 e 3017. A Ministra Ellen Gracie foi designada relatora.  

  


Referência  Biográfica

Leon Frejda Szklarowsky  –    Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York; membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integra o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. É co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

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