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CLT: colisão de interesses

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* Luiz Salvador 

A essência do desenvolvimento econômico é o social

            A prioridade social tem de ser a essência do desenvolvimento econômico, e não um mero apêndice ou um suposto resultado natural do crescimento, como arremata Maria Conceição Tavares, (Folha de São Paulo, 04.11.2001).

            O economista Dércio Garcia Munhós, emérito Professor da Universidade de Brasília, denuncia a política de abertura indiscriminada de nossas fronteiras, sem quaisquer salvaguardas, a partir do Governo Collor, afirmando que de globalização não se tratou, porque na verdade o que existiu foi mera ampliação de comércio, abertura de mercados para as grandes empresas internacionais interessadas apenas na integração vertical:"O que existe, tanto aqui como na Argentina, são planos políticos de poder e não econômicos. Brasil e Argentina fizeram, no Mercosul, uma abertura de mercado para produtos estrangeiros a preços baixos para manter a estabilidade artificial. ´Como os dois países se endividaram muito, precisaram de capitais especulativos de curto prazo, daí surgindo o grande fluxo de dólares para financiar o desequilíbrio. Forçados pelos Estados Unidos e outras potências, países em desenvolvimento abriram suas economias aos grandes grupos financeiros internacionais e enfraqueceram os Estados. Foi assim que nós desmanchamos os bancos estaduais, entregamos o Banespa ao capital estrangeiro e, no entanto, continuamos endividados, na dependência dos EUA e do FMI´´ (Jornal o Povo, Fortaleza, 3 de Novembro de 2001).

            Nas observações do cientista político Michel Zaidan, coordenador do mestrado em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco, a globalização só poderia ser resposta à crise atual dos mercados, caso represente mais investimentos, créditos, empréstimos em condições ideais, transferência de tecnologia, sendo que da forma como está posta, ao contrário do que se propaga, representa na verdade, mais endividamento, rigidez fiscal, controle externo e queda de soberania, significando mais arrocho, exclusão, fome: "a solução seria o Brasil percorrer o caminho da China, quando aceitou a globalização impondo condições. O governo mantém controle sobre a política monetária, fiscal. ´´O Mcdonalds até se instala no país, mas depois de se ajustar aos interesses nacionais, ao plano estratégico para entrada de capitais´´, afirma Zaidan. O Brasil, ao contrário, ´´escancarou-se´´. Ela enfatiza que ´´a globalização somente representa progresso quando respeita a forma autônoma de inserção no mercado internacional. O caso da Argentina exemplifica o contrário. O nosso vizinho está indo para o fundo do poço e com um abraço de afogado no Brasil que pode caminhar junto rumo à depressão´´ (Jornal o POVO – Fortaleza, 3 de Novembro de 2001).

            Como principal defensor da globalização como meio de promoção do desenvolvimento mundial, o sociólogo inglês, Anthony Giddens, o idealizador da Terceira Via e guru do primeiro-ministro da Inglaterra, recomenda como remédio para a crise atual, mais globalização, apontando como um dos argumentos, o fato de que países pobres, como os africanos, estão nessa condição exatamente porque não se beneficiaram da globalização. Contrariando esse posicionamento, o cientista político e professor universitário Francisco José Loyola Rodrigues, diverge, opinando que a história é bem outra, pois que a África está miserável porque os países ricos, principalmente os europeus, deram as costas a ela, depois de séculos de espoliação, sendo que a exploração persiste até hoje, com a cobrança de uma dívida impagável: "O movimento antiglobalização afirma que o abismo entre ricos e pobres no mundo está aumentando e que a responsabilidade disso cabe à globalização. A primeira idéia é questionável e a segunda é falsa. Não existem tendências simples em matéria de desigualdade mundial. Alguns dos maiores países do leste asiático, incluindo a China, têm hoje um PIB muito maior, comparado ao dos países ocidentais, do que tinham 30 anos atrás´´, escreveu, em artigo publicado no último dia 29, em jornal de circulação nacional, Anthony Giddens. O êxito, segundo ele, se deve à participação na economia mundial. Em contrapartida, afirma o sociólogo, ´´as sociedades que procuraram se isolar das influências globalizadoras, como a Coréia do Norte, Mianmar ou Irã, sem falar no próprio Afeganistão, estão entre as mais miseráveis e mais autoritárias do mundo. ´´O que houve na África foi muito diferente: o continente foi vítima do colonialismo europeu durante séculos e quando os colonizadores abandonaram a África, sugada em suas riquezas, estraçalhada, desertificada, ela não teve asa para decolar. O desinteresse se deve, também, à geografia. Os países da América Latina conquistaram sua independência há um ou dois séculos. A África, no caso, não poderia participar da globalização a não ser como vítima a ser ajudada´´ (Jornal o POVO – Fortaleza, 3 de Novembro de 2001).

            De percepção comum já do povo, até do mais simples, que a economia internacional "globalizada", apesar de sua fantástica capacidade produtiva exemplar, está criando uma realidade nova globalizadora muito preocupante – a de um mundo novo de desempregados, de desiludidos, de desesperançados e de excluídos – decorrente da política de redução do papel do Estado, na busca prevalente do mero interesse particular do lucro, sem qualquer preocupação com a vida, que é a razão principal do Estado.

            Esta realidade cruel, já foi reconhecida até mesmo pelo FHC em sua recente entrevista ao Jornal espanhol "El País", ao redefinir o papel do Estado como um "ser ecológico", ou seja: "O Estado deve ocupar-se da vida. A vida, as pessoas, a saúde, a educação, a segurança, o meio ambiente. O mercado não se ocupa disso. Nunca se ocupou nem vai ocupar-se. O Estado deve ser o gestor da vida e o mercado, o gestor dos bens. E a vida tem que prevalecer sobre os bens" (Folha de São Paulo, 30.10.2001).

            A crise vivenciada não apenas pelo Brasil e Argentina, mas de todos os países em desenvolvimento está centrada na percepção de um descompasso entre fluxos comerciais e financeiros. O compromisso financeiro assumido é incompatível com o perfil de integração comercial argentino e brasileiro. O relatório do Banco Mundial (Bird) é esclarecedor sobre esta questão: Argentina e Brasil devem sofrer mais por causa das turbulências nos mercados de capitais do que devido a efeitos comerciais relacionados ao enfraquecimento da atividade global" (Folha de São Paulo, 04.11.2001). E como sintetiza o articulista da Folha, Gilson Schwartz: "Isso reflete o nível elevado de dívidas públicas e privadas e grandes déficits em conta corrente, cerca de 3% do PIB para a Argentina e em torno de 5% para o Brasil. Com esse perfil de dívida, nem a queda dos juros no resto do mundo ajuda". Chega de ilusão, os Países ricos na verdade usam do discurso da liberação do comercio global, mas dentro de suas fronteiras defendem intransigentemente os seus interesses internos (agricultura e políticas de antidumping e anti-subsídio).

A orientação nº 319 do Banco Mundial e a política de desmonte dos direitos trabalhistas

            Não foi por outro motivo que o constituinte brasileiro, ao reconhecer essa realidade incontestável de objetivos diversos e buscando assegurar ao Estado condições da promoção do bem comum e tendo o homem como beneficiário e destinatário de todas as riquezas geradas pela produção econômica, assegurou a prevalência do social em detrimento do mero interesse particular do lucro (CF, art. 5º, inciso XXIII e 170, incisos, I, III, V, VI, VII, VIII).

            Não obstante a necessidade do respeito ao direito pleno de soberania de cada país, é de todos sabido que o Banco Mundial por seu documento técnico nº 319, como condicionante à liberação dos empréstimos internacionais, impõe aos países tomadores desses recursos, e em especial os ditos emergentes, como Argentina e Brasil, novas concepções de Justiça, do Direito do Trabalho, de emprego, flexibilizando-se sua legislação de sustento, pela política neoliberal de prevalência do negociado sobre o legislado. As normas rígidas existentes nos códigos, constituições já não servem ao mercado. O que se pretende atualmente não é valorizar o trabalhador, mas adaptar o trabalho ao mercado: "a economia de mercado demanda um sistema jurídico eficaz para governos e setor privado visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os mercados se tornam mais abertos e abrangentes e as transações mais complexas, as instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância. Sem estas instituições, o desenvolvimento no setor privado e a modernização do setor público não será completo". Diz, ainda, a referida "recomendação" que os programas de Reforma do Judiciário devem ser feitos em etapas: "a construção de um projeto de reforma global do Judiciário como objetivo principal, o que demanda um tempo razoável, discussões, estratégias políticas, e ao mesmo tempo se implementar alterações legislativas fracionadas que irão mudando o contexto global" (CLAIR DA FLORA MARTINS, IV ELAT, realizado na Argentina, de 24 a 27.10.2001, exposição feita no painel: Reforma Laboral: Disponibilidad colectiva y contrato individual. Derechos adquiridos).

            De se ressaltar, portanto, que o exemplo de se seguir a política suicida de desmonte da legislação social e trabalhista, privilegiando os interesses particulares de mercado, já foi rigorosamente seguido pela Argentina e de nada adiantou, não se vislumbrando saídas econômicas promissoras, sendo que o seu nível de arrecadação baixou 11%, além de contar com dois problemas de difícil solução, a dívida dolorizada e a dificuldade política de redução do repasse de verbas públicas às províncias e, tudo isso, apesar do reconhecimento inconteste de ser a Argentina um dos países mais competitivos do mundo no setor agrícola e de possuir o nível educacional e cultural dos mais altos da América Latina.

            Segundo o economista Paulo Leme, do Goldman Sachs, um dos estrategistas de mercados emergentes mais respeitados de Nova York a sua situação econômica é das mais complicadas e conclui: "Renegociar a dívida não resolve a crise da Argentina.’Com a piora do quadro mundial, a economia projeta retração de dois dígitos, o que agrava ainda mais o quadro da Argentina. A estratégia do déficit zero não funciona com a economia mundial em queda".(jornal da Lílian, Sexta-feira, 02 de novembro de 2001, Os rumos da Argentina depois do oitavo pacote).

            Apesar disso, tudo, a opção do Presidente Fernando De la Rua é por mais globalização e por mais flexibilização dos direitos trabalhistas, como denunciou o jurista Dr. Héctor RECALDE (da Argentina) em sua intervenção no IV ELAT (Encontro Latino-Americano de Advogados Laboralistas), realizado em Buenos Aires de 24 a 27 de outubro de 2001, painel: Incidência de la globalización Y el neoliberalismo em el derecho laboral argentino y latinoamericano: "atendendo à orientação contida na Orientação nº 319 do Banco Mundial, o governo do Presidente Fernando De la Rua acaba de enviar expediente à referida agência mundial, comunicando que o governo da Argentina prossegue sua política legislativa de flexibilização dos direitos trabalhistas, agora legalizando inclusive a terceirização de mão de obra no País, até mesmo através das Cooperativas de Trabalho".

            No Brasil, a situação não é muito diferente, sendo que o que nos diferencia são as garantias sociais e trabalhistas estarem asseguradas pela Constituição Federal, o que dificulta um pouco mais a política de desmonte dos direitos trabalhistas então já consolidados no patrimônio jurídico dos trabalhadores, como créditos de ordem pública, alimentares e indisponíveis, só podendo ser renunciáveis na presença do Juiz do Trabalho, como forma de evitar-se fraudes, como ressalva PINTO MARTINS: "(…) pois, nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo" (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 8ª edição, SP Edit. Atlas, 1999).

            Como na Argentina, o governo neoliberal de FHC tem procurado seguir à risca a cartilha neoliberal de flexibilização e desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas em prol da regulação própria de mercado, como se extrai do exame da legislação já modificada: "banco de horas" (sistema de compensação de horas-extras), "contratação por tempo determinado, com redução de encargos", etc, sendo que no Congresso Nacional tramitam diversos projetos de lei que tem preocupado os trabalhadores e as entidades nacionais existentes compromissadas com a defesa, o direito e o respeito à manutenção das garantias legais protetivas do trabalho humano (entidades sindicais obreiras, OAB, Abrat, ANAMATRA e Associação dos Procuradores do Trabalho, dentre outras).

            Dentre esses Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional, especial destaque deve ser atribuído:

            a)- ao Projeto de Lei 4.302-B, que pretende alterar a Lei 6019/74, para permitir-se a legalização da locação de mão de obra, por prazo de nove meses e ou mais, por negociação coletiva, quer para os casos de atividade "meio"e ou mesmo para os casos de "atividades fins", autorizando, assim, a que a terceirização seja praticada livremente sem quaisquer ressalvas e ou reservas;

            b)- ao Projeto de Lei 5483/2001, encaminhado em regime de urgência, que alterando o art. 618 da CLT, pretende a prevalência do negociado sobre o legislado, sem antes assegurar-se as salvaguardas necessárias a que efetivamente haja uma livre e necessária negociação coletiva, sem submissão do trabalho aos interesses do mero interesse particular do lucro do capital, sem preocupação com a vida e ou com o social, que é papel exclusivo do Estado. A nova redação de alteração do art. 618 da CLT proposta pelo Projeto governamental tem a seguinte redação: "As condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo prevalecem sobre o disposto em lei, desde de que não contrariem a Constituição Federal e as normas de segurança e de saúde no trabalho".

            Em nosso entender, além de equivocado o projeto, principalmente neste momento de crise e de desemprego mundial crescente, o projeto colide com o texto constitucional que não autoriza flexibilizações outras da legislação protetiva do trabalho humano, já que expressamente a própria Carta Política vigente já limitou a flexibilizou onde entendeu possível, ou seja: "redução do salário (art. 7º, VI); redução da jornada de oito horas diárias (art.7º, XIII) ou da jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento (art.7º, XIV).

            E como ressalta o conhecidíssimo Professor José Affonso Dallegrave, autor de diversas obras jurídicas publicadas pela Editora LTR, o direito do trabalho após sucessivas medidas flexibilizadoras ocorridas nos últimos 40 meses (desde a edição da Lei 9601/98) tornou-se um dos mais flexíveis do mundo. A mão-de-obra com todos seus encargos básicos (férias, 13º e FGTS) é uma das mais baratas do mundo, sobretudo se considerarmos o valor do Salário Mínimo (vergonha nacional).

            Cite-se como exemplo algumas inovações legislativas que aniquilaram direitos

            trabalhistas historicamente conquistados:

            – banco de horas – art. 59 da CLT;

            – trabalho a tempo parcial. art. 58-A da CLT;

            – suspensão temporária. art. 476-A da CLT;

            – fim da estabilidade do servidor público – art. 41 da CF/88;

            – denúncia da Convenção 158 da OIT;

            – redução do prazo prescricional do rurícola – Emenda Constitucional;

            – Súmula 330 do TST;

            – eficácia liberatória ampla das Comissões Prévias – art. 625-E;

            – fim do salário "in natura" em face da alteração do art. 458 da CLT;

            – redução de salário mediante ACT ou CCT, art. 7º, da CF;

O direito trabalhista brasileiro é tutelar, inadmitindo restrição de direitos irrenunciáveis.

            O nosso ordenamento jurídico assegura a garantia da indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas: "No direito do trabalho, unânime a aceitação de que a regra é a inderrogabilidade relativa das regras jurídicas, máxime diante dos arts. 9º, 444 e 468, da Consolidação das Leis do Trabalho; as partes interessadas podem dispor, sim, desde que não contrariem os patamares mínimo e máximo estabelecido pelo ordenamento jurídico, quer em lei, quer em instrumento normativo da categoria, sob pena de nulidade (…). Os direitos dos trabalhadores, quer os previstos em lei, quer os negociados em acordos, convenções coletivas ou previstos em sentença normativa, assim como os abrangidos por normas emanadas de autoridades administrativas no exercício de sua competência legal, se inserem nos contratos individuais de trabalho, tornando irrenunciáveis as respectivas cláusulas". (ALDACY RACHID COUTINHO in "A INDISPONIBILIDADE DE DIREITOS TRABALHISTAS", monografia publicada na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 33 – 2000, pág. 09).

            Os direitos sociais e trabalhistas foram elevadas à categoria de direitos fundamentais, artigos, 6º, 7º e parte final do § 2º do art. 114 da CF, garantia constitucional esta que veio a ser reafirmada recentemente pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que, no exercício de sua competência plena e exclusiva de guardiã da Lex Legum (CF, art. 102, caput e inciso III "a"), decidiu que o direito ao negociado não pode violar os direitos legais irrenunciáveis dos trabalhadores: "Acordo Coletivo e Estabilidade de Gestante (…). Os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem restringir direitos irrenunciáveis dos trabalhadores (…)STF, Primeira Turma, RE 234.186-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, in DJ de 31.08.01).

A aprovação do projeto na Câmara dos Deputados e suas conseqüências

            Após o período de obstrução praticado pela própria base parlamentar de sustentação ao governo, o projeto de lei 5483.2001, que dá prevalência ao negociado sobre o legislado, acabou por ser aprovado pela Câmara no início da noite da terça-feira (04.12.2001), em tumultuada sessão onde votaram 479 deputados, sendo que 264 foram favoráveis ao projeto, 213 se posicionaram contrariamente e dois se abstiveram. Agora o PL segue para apreciação no Senado.

            Para a obtenção desse resultado, o governo neoliberal do FHC, colocou na rua toda a sua tropa de choque, ministros, governadores, empresários, como forma de "pressionar" os parlamentares de sua base aliada a votar num projeto antipopular, submetendo sua base aliada a um confronto direto com a representação dos trabalhadores, contrários à aprovação do Projeto (OAB, ABRAT, ANAMATRA, ANPT, sindicatos, centrais sindicais, dentre outras entidades diversas que se mobilizaram para manifestação do seu repúdio à referida alteração).

            Aprovado o Projeto, já no dia seguinte (05.12.2001), o Correio Braziliense NOTICIA NA PRIMEIRA PÁGINA que o CUSTO da aprovação do projeto, para o Governo, foi de quase R$ 800 mil destinados a Força Sindical e R$ 5,1 MILHÕES concedidos aos deputados em emendas então apresentadas ao orçamento da União, denúncia esta que se confirmada, certamente servirá de mais um dos fundamentos ao ajuizamento da ADIN perante o STF, tornando ILEGÍTIMA A VOTAÇÃO, por vício de vontade.

            O Dr. Celso Soares, do Rio de Janeiro, ex-Presidente da Abrat, examinando os efeitos perversos do Projeto aprovado pela Câmara conclui que: O projeto 5483 "não" altera o art. 618/CLT. Na verdade, pode "nem estar aí" para ele. O que ele faz ? Rompe, quebra, implode, destrói, detona os PRINCÍPIOS do Direito do Trabalho, sendo que a indisponibilidade e a irrenunciabilidade, vão estar em livros que nós iremos ler para as próximas gerações, dizendo como era o direito do trabalho no século "passado". Mas, os princípios da indisponibilidade e da irrenunciabilidade são garantias intrínsecas do tipo de sociedade que desejamos, capitaneada por um Estado protetor que intervém no mercado para garantir um necessário equilíbrio entre a desigualdade existente entre a força do trabalho e o capital, assegurando a prevalência de uma legislação mínima de sustento ao trabalhador, deixando para os acordos e CCT a discussão das novas conquistas complementares de melhores condições de vida e de salário. Tais direitos estão no mesmo patamar da defesa ao negro, à criança, ao deficiente físico, ao consumidor etc "etc.".

A necessidade do restabelecimento da prevalência do social assegurado pela Carta Política vigente

            Há que se reagir contra essa idílica visão economicista traçadas pelas políticas neoliberais da última década, que após a queda do muro de Berlim, mudou de rumo. Ao invés de se persistir nos caminhos da busca do pleno emprego, inverteu-se as prioridades, ao abandonar esse objetivo, "à medida que as teorias neoliberais passaram a acentuar uma espécie de relação perversa entre pleno emprego e inflação, disseminando conceitos deletérios como o de uma taxa natural de desemprego ou a existência de milhões de inempregáveis. Temos que reagir e voltar ao ideal da busca do pleno emprego" (Rubens Ricúpero, Folha de São Paulo, 04.11.2001).

            Resta-nos, portanto, agora, que o Senado da República, faça prevalecer os primados constitucionais vigentes, não permitindo que o Governo Federal, representado na figura de Presidente, continue a violentar a Constituição cidadã que jurou respeitar, passando a exercer plenamente a soberania nacional, como o inalienável direito dos povos livres (CF, art. 1º, inciso I), cumprindo o primado da prevalência do social em detrimento do mero interesse particular do lucro, fazendo valer o reconhecido papel do Estado como um "ser ecológico", que se ocupa com as pessoas, com a saúde, com a educação, com a segurança, com o meio ambiente – um Estado gestor da vida – já que o mercado não se ocupa disso. Que se faça prevalecer a vida sobre os bens!!!


Referência  Biográfica

Luiz Salvador  –   Advogado Trabalhista no Paraná, Diretor para Assuntos Legislativos da ABRAT, Integrante do Corpo Técnico do DIAP  (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

defesatrab@uol.com.br

http://www.direitodotrabalhador.com.br

Responsabilidade Civil das Sociedades pelos Danos Ambientais

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* Juliana Piccinin Frizzo

Sumário: 1- Introdução. 2- Conceito de Responsabilidade. 3- A Responsabilidade Civil. 4- Histórico da Responsabilidade Civil. 5- A Responsabilidade Civil no Direito Atual. 6- Elementos da Responsabilidade Civil. 7- Responsabilidade Objetiva e Subjetiva. 8- Responsabilidade Contratual e Extracontratual. 9- A Responsabilidade Civil das Pessoas de Direito Privado (sociedades). 10- Dano Ambiental. 11- Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental. 12- Conclusões. 13 – Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

            O meio-ambiente começou a ser tutelado, no Brasil, na década de 80, por ocasião da publicação das Leis nºs 6.938/87 e 7.347/85. A primeira, mais importante para o presente estudo, apresenta as bases para a proteção ambiental, conceituando as expressões: meio-ambiente, poluidor poluição e recursos naturais.

            O dano ambiental é a temática mais forte desta exposição, e ocupa o lugar de notícia assídua em todos os pontos do mundo. Enquanto a humanidade está preocupada com o desenvolvimento econômico individual de seu país, a degradação ambiental alcança efeitos incontroláveis pelo homem.

            O objetivo desta exposição é chamar a atenção dos profissionais do direito em relação ao direito coletivo do meio-ambiente. Um direito que pertence a todos, e ao mesmo tempo a cada um, pois todos têm o direito de viver num meio circundante ecologicamente equilibrado, um habitat, que ainda seja natural, e que forneça ao homem a melhor qualidade de vida possível. Mas é impossível tal ambiente, se não reinar na consciência mundial a preservação e a reparação do meio-ambiente natural e artificial.

            O direito de um meio-ambiente sadio, no Brasil, está consagrado na Constituição Cidadã de 1988, que no seu artigo 225 garante a responsabilização dos infratores em reparar os danos causados (§3º, art. 225, CF/88).

            Para tanto, é necessário entender os conceitos relacionados ao instituto da responsabilidade, principalmente a responsabilidade civil, já que é ela quem assegura o reestabelecimento do estado anterior ao dano ou então, a reparação pecuniária satisfatória ao dano causado.

            O presente trabalho está dividido em itens que versam, no primeiro momento, sobre a responsabilidade civil, seu conceito, seu histórico mundial e brasileiro, seus pressupostos e modalidades. Na seqüência, sintetiza-se a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, quanto ao dano causado por elas ou por seus sócios.

            O dano ambiental é abordado quanto ao aspecto da responsabilidade civil que este pode gerar aos seus causadores. As espécies de reparação e o dano moral ambiental também são explorados.

            Ao finalizar o estudo, expõe-se uma síntese com as principais conclusões retiradas de cada item.

2. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE

            Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema de responsabilidade. E talvez seja essa a maior dificuldade enfrentada pelos doutrinadores que tentam conceituá-la.

            A responsabilidade pode adquirir um significado sociológico, no qual ganha aspecto de realidade social, pois decorre de fatos sociais, é fato social. Segundo Pontes de MIRANDA apud DIAS (1997, p. 7-10) os julgamentos de responsabilidade são reflexos individuais, psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de responsabilidade. Já sob o ponto de vista jurídico, a idéia de responsabilidade adota um sentido obrigacional: é a obrigação que tem o autor de um ato ilícito de indenizar a vítima pelos prejuízos a ela causados.

            Para alguns juristas, como Serpa LOPES (1962, p. 187), o vocábulo responsabilidade provém de "respondere", que quer dizer aproximadamente, o ter alguém se constituído garantidor de algo. Então, responsabilidade significa garantia ou segurança de restituição ou compensação.

            Interessante se mostra a definição de SOURDAT apud LOPES (1962, p. 187) para a responsabilidade: "é a obrigação de reparar o dano resultante de um ato de que se é autor direto ou indireto".

            Ainda mais profundamente conceitua PIERSON e DE VILLÉ apud LOPES (1962, p. 187): "é a obrigação imposta pela lei às pessoas no sentido de responder pelos seus atos, isto é, suportar, em certas condições, as conseqüências prejudiciais destes".

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL

            A responsabilidade civil consiste na obrigação do agente causador do dano em reparar o prejuízo causado a outrem, por ato próprio ou de alguém que dele dependa. Assim, a responsabilidade civil pode ser conceituada pela obrigação de fazer ou não–fazer ou ainda pelo pagamento de condenação em dinheiro.

            De acordo com o exposto, a noção de responsabilidade, no campo jurídico, amolda-se ao conceito genérico de obrigação, o direito de que é titular o credor em face do dever, tendo por objeto determinada prestação. No caso assume a vítima de um ato ilícito a posição de credora, podendo, então, exigir do autor determinada prestação, cujo conteúdo consiste na reparação dos danos causados.

            Quando se aplica essa idéia à responsabilização civil, quem deve é o devedor e quem responde pelo débito, ou pela reparação do dano é o seu patrimônio. Dessa forma, o autor de um ato (civil) ilícito tem o dever de reparação patrimonial, mas nunca responderá com sua prisão pelo débito, até porque tal hipótese não está prevista nas hipóteses constitucionais de prisão civil do artigo 5º, inciso LVIII: obrigação alimentícia e depositário infiel.

            Só a pessoa capaz, ou seja, dotada de capacidade plena tem responsabilidade própria. Quando o ente não possuir capacidade plena para o exercício de seus direitos, que responde por seus atos civis é o seu responsável. No caso das pessoas jurídicas, essas são plenamente responsáveis pelos atos de emissão volitiva da coletividade representada. Quanto às sociedades, pessoas jurídicas de direito privado, podem ser sociedades de fato ou irregulares caso em que não possuem registro de seu contrato social na Junta Comercial competente. Essas sociedades não possuem personalidade jurídica, portanto não há autonomia patrimonial em relação aos sócios, e a responsabilidade da sociedade é solidária a desses.

            É possível caracterizar a responsabilidade como a repercussão obrigacional da atividade humana, sendo que todo ente capaz de adquirir direitos e exercê-los por si mesmo diretamente, responderá pelos danos causados por meio de sua atuação no mundo jurídico. Assim, a responsabilidade pode ser civil ou penal.

            Segundo MAZEAUD et MAZEAUD apud DIAS (1997, p. 7) a real distinção entre a responsabilidade penal e a responsabilidade civil está na diferença do direito penal e do direito civil. Na responsabilidade civil não se busca a perturbação à paz social causada pelo dano ao particular. Também não importa se a pessoa obrigada à reparação de um prejuízo seja, ou não, moralmente responsável. "Aquele a quem sua consciência nada reprova pode ser declarado civilmente responsável".

            Porém, não é esta a posição mais adotada na doutrina brasileira. Diz DIAS (1997, p. 8-9):

            Reafirmamos, pois, que é quase o mesmo, o fundamento da responsabilidade civil e da responsabilidade penal. (…) Tratando-se de pena, atende-se ao princípio nulla poena sine lege1, diante do qual só exsurge a responsabilidade penal em sendo violado a norma compendiada na lei; enquanto que a responsabilidade civil emerge do simples fato do prejuízo, que viola também o equilíbrio social, mas que não exige as mesmas medidas no sentido de restabelecê-lo, mesmo porque outra é a forma de conseguí-lo.

            A responsabilidade, tanto a civil como a penal, advém do ato ilícito, portanto, ambas possuem o mesmo fato gerador, ou seja, o comportamento humano. Enquanto o Direito Penal dá atenção ao agente criminoso e sua repercussão no contexto social, o Direito Civil prioriza a vítima, a fim de restaurar-lhe o prejuízo causado pela violação de seu direito. Sob o ponto de vista sociológico, a responsabilidade penal visa exclusivamente à paz social, e a responsabilidade civil busca impor a determinada pessoa à obrigação de indenizar o dano causado a outrem, tendo como finalidade precípua o restabelecimento da situação anterior.

            É comum o desencadeamento das duas responsabilidades pela mesma conduta do agente, simultaneamente o Estado aplica sanção penal e autoriza à vítima a postular a reparação dos danos sofridos. Os crimes ambientais são um exemplo de ato ilícito que gera a responsabilização penal e também a civil, conforme se pode aferir do artigo 3º da Lei nº 9.605/982.

            Outra diferença marcante entre as responsabilidades penal e civil é demonstrada pela citação de LOPES (1962, p. 191):

            No ilícito penal, a pena é cominada em proporção à gravidade do crime, tomando-se em linha de conta a personalidade do delinqüente, seus antecedentes, etc., ao passo que, no ilícito civil, nenhuma influência o grau da culpa exerce no montante da indenização a ser paga, cuja realização se efetua na proporção do dano causado.

            Diante da possibilidade de coincidência da responsabilidade civil e penal pelo mesmo ilícito, pode haver também a interferência de uma jurisdição sobre a outra, normalmente, a penal sobre a civil. Mas este é um ponto que não será abordado pelo presente estudo.

4. HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

            Antes mesmo do Direito Romano, as mais antigas codificações mesopotâmicas já previam a noção de reparação de dano. O Código de Hamurabi punia o causador do dano com sofrimento igual. A civilização helênica instituiu o conceito de reparação do dano causado, com sentido objetivo, e independente da violação das normas predeterminadas.

            A idéia de dano nasce quando ainda vigorava no mundo a lei da vingança privada, que na concepção de DIAS (1997, p. 17) transcrevendo MAZEAUD et MAZEAUD é a "forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal". Valia a famosa lei de Talião, ou seja: "olho por olho, dente por dente"

            Na Lei da Doze Tábuas encontrava-se o seguinte critério: "si membrum rupsit ni eo pacit tálio est". Significava que o poder público intervinha no direito da vítima de retaliação, dizendo o legislador quando e em que condição ele poderia ser usado.

            Logo após este período veio a composição, na qual a vítima não podia mais fazer justiça com as próprias mãos, compelindo-se a aceitar o acordo fixado pela autoridade. No decorrer do tempo, com o uso da composição foram sendo fixadas as penas indenizatórias, de acordo com o dano causado. Surgiu a necessidade de separar os delitos em públicos e privados; os primeiros eram ofensas mais graves, de caráter perturbador da ordem, e eram reprimidos pela autoridade; nos últimos, a autoridade apenas intervinha para fixar a composição, evitando conflitos.

            A partir daí surgiu a distinção da responsabilidade penal da civil. Já na Lei de Aquília surgiu um princípio geral de reparação de dano. Originou aí a expressão "culpa aquiliana", designando a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. Sua maior inovação foi substituir as penas fixas para indenizações proporcionais aos danos causados, assim, "dano que não causava prejuízo, não dava lugar à indenização".

            No Direito Romano, a responsabilidade tinha um caráter genuinamente objetivo. A indenização não consistia no elemento representativo da soma paga, e sim na "poena" (pena). Somente se considerava a causalidade pura e simples.

            Com os Códigos justinianeus a noção de culpa passou a subjetivar a responsabilidade. Originou-se a necessidade de diferenciar-se os termos: inuria e culpa. O primeiro representava os casos de um dano produzido sem direito, ou seja, quem quer que produzisse um dano sem nenhum direito permanecia obrigado, ainda que, para evitar o fato, houvesse se procedido com a mais escrupulosa diligência e cuidado.

            Com a introdução da noção de culpa, a jurisprudência clássica isentou o agente de toda e qualquer responsabilidade quando houvesse procedido sine culpa. Dessa forma, a culpa foi considerada elemento básico da responsabilidade.

            No período final da República, a expressão inuria, ou ato contrário ao direito, tornou-se sinônima de culpa, o dano é resultado de ato positivo do agente, praticado com dolo ou culpa.

            Em breve síntese: o Direito Romano evoluiu da vingança privada ao princípio básico de que não é lícito fazer justiça com as próprias mãos, com a imposição da autoridade do Estado; evoluiu da pena como reparação, para a distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, por instituição do elemento subjetivo de culpa, pela adoção da máxima nulla poena sine lege. Há que se ressaltar, que nos últimos estágios de desenvolvimento do Direito Romano, não se cogitava apenas os danos materiais, mas também os danos morais.

5. A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO ATUAL

            O Direito Moderno segue, preponderantemente, o conceito de responsabilidade civil calcada na noção de culpa. Nestes termos dispõe o Código Civil Italiano, que no seu artigo 2.043 diz que todo o fato delituoso ou culposo, que ocasione a outrem um prejuízo injusto, obriga ao que o perpetrou a ressarcir o dano. As únicas exceções são a legítima defesa e o estado de necessidade, que mesmo assim concede ao Juiz o poder de fixar indenização equânime para o prejuízo sofrido.

            O Código Civil Grego também se fixa na culpa como fundamento da responsabilidade civil, mas, em casos especiais, admite a responsabilidade objetiva, como no caso do mandatário sem poderes e até cria a hipótese de culpa presumida, responsabilidade pelo fato causado pelo animal doméstico.

            No Direito Germânico, o princípio fundamental é o da culpa, elemento integrante da responsabilidade civil, como se pode notar no §826 do B.G.B. Há alguns casos que se exige dolo, não sendo a culpa suficiente.

            Igualmente, o Direito Francês adota o princípio da culpa. Desde os artigos 1382 e 1383 do Código Napoleônico (1804), a responsabilidade abrange todo ato do homem que representa uma culpa. Apesar disso, foi no Direito Francês que surgiram as primeiras idéias da teoria objetiva da responsabilidade.

            No Brasil, as Ordenações do Reino não regulavam claramente a responsabilidade ligada à indenização, confundindo a reparação, a pena e a multa. E ainda, dispunham a aplicação do Direito Romano subsidiariamente ao direito pátrio.

            Em 1830, o Código Criminal do Império determinava em seus artigos 21 e 22 a obrigação do delinqüente em satisfazer o dano causado com o delito, e prescrevia que essa satisfação seria sempre a mais completa possível.

            De acordo com as observações de DIAS (1997, p. 23):

            Aí estavam estabelecidas: a reparação natural, quando possível, a garantia da indenização (o legislador não hesitou em ir a extremos, na preocupação de assegurá-la), a solução da dúvida em favor do ofendido, a integridade da reparação (até onde é possível), a contagem dos juros reparatórios, a solidariedade, a hipoteca legal, a transmissibilidade do dever de reparar e do crédito de indenização aos herdeiros, a preferência do direito de reparação sobre o pagamento das multas etc.

            A terceira fase, no tocante à responsabilidade civil, inicia-se com Teixeira de Freitas que desejava separar a responsabilidade civil ligada à responsabilidade criminal, imposta pelo Código Criminal. Então, a satisfação do dano causado pelo delito passou a ter lugar próprio, a legislação civil.

            Esta regra foi posta em nosso ordenamento no artigo 159 do Código Civil de 1916, consagrando a teoria da culpa. Já o novo Código Civil distanciando um pouco, consagra a teoria do risco e admite, juntamente com a responsabilidade subjetiva, a responsabilidade objetiva, conforme se pode perceber com a leitura dos artigos 1863 e 9274 da Lei nº 10.406/2002.

6. ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

            Fixada o conhecimento elementar de que a responsabilidade civil baseia-se no fundamento de que aquele quem causa dano a outrem, impõe-se o dever de o reparar. No Código Civil de 1916, como foi mencionado anteriormente, o artigo 159 consagrava tal princípio, ipsis literis:

            Art. 159 – Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

            A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, art. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.553.

            Na redação legal é possível identificar os elementos essenciais da responsabilidade civil, ou seja, seus pressupostos:

            – Ação ou omissão – comportamento humano

            – Culpa ou dolo do agente;

            – Relação de causalidade entre a ação e o dano;

            – Dano causado à vítima.

            a)Ação ou Omissão do Agente:

            O prejuízo causado deve ser produzido pela conduta humana. Dessa forma, a responsabilidade do agente pode resultar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, ou danos causados por coisas (animais) que estejam sob a guarda deste.

            O comportamento humano pode ser positivo ou negativo (omissão). A violação pode ser sob o ponto de vista contratual: descumprimento da obrigação prevista contratualmente; legal: conduta contrária ao mandamento legal; ou social: o comportamento não chega a infringir a lei, mas foge á finalidade social a qual se destina, como nos atos praticados com abuso de direito.

            Para exemplificar o comportamento humano omissivo, que pode oferecer alguma dificuldade de visualização, faz-se necessário que se tenha presente o dever de praticar determinado fato e que do descumprimento deste dever advenha o dano (nexo de causalidade). Esse dever de agir pode decorrer da lei: dever de prestar socorro às vítimas de acidente; de convenção: pessoa que assume a guarda, vigilância ou custódia de outra; ou da própria criação de alguma situação de perigo: pois criado o perigo, surge a obrigação de quem o gerou de afastá-lo.

            A responsabilidade civil, como foi dito, pode ser ato próprio ou por ato de outrem, o qual o agente é responsável permanente ou temporário.

            O maior interesse está na responsabilidade por ato de terceiro, porque permite estender a obrigação de reparar o dano à pessoa diversa daquela que praticou a conduta danosa. Tal extensão, só se verifica com a presença de uma relação jurídica entre os dois agentes (o causador do dano e o responsável) geradores do dever de fiscalização, que quando violado permite que o subordinado pratique um comportamento culposo e ocasione, direta ou indiretamente, dano à vítima. A responsabilidade civil com esse caráter consiste no descuido do dever de vigilância (culpa in vigilando) ou do dever de escolha (culpa in eligendo). Segundo o legislador de 1916, tal culpa é presumida, ao cabendo à vítima prová-la.

            No novo Código, a presunção de culpa desaparece, pois a teoria da culpa cede espaço à teoria do risco, na qual não se perquire a culpa do agente, recai a responsabilidade somente pela decorrência do dano a terceiros. O legislador tratou como de responsabilidade objetiva, os casos de danos cometidos por atos de terceiros, conforme os artigos 932, 936, 937 e 938.

            A responsabilidade civil por ato de terceiro provia da disposição legal, e a jurisprudência a aperfeiçoou, atendendo a segurança da vítima e visando protegê-la. Neste sentido, cita-se o artigo 933 do novo Código: "As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos." O artigo antecedente mencionado refere-se aos pais responsáveis pelos atos de seus filhos, aos patrões responsáveis pelos atos de seus empregados, os donos de hotéis e hospedarias, pelos atos de seus hóspedes.

            B) Culpa ou dolo do Agente:

            A culpa é um elemento necessário à responsabilidade civil subjetiva. Não basta para a caracterização da responsabilidade o cometimento de um ato contrário ao direito, sendo necessário o elemento culpa.

            O conceito de culpa da definição de responsabilidade civil dada pelo Código Civil de 1916 é a chamada culpa latu senso. Porém, ela pode adotar a forma stricto sensu ou dolo. O agente procede com dolo quando causa o dano deliberadamente, isto é, quis o resultado. A culpa stricto sensu amolda-se ao critério do homem médio, quando esse não se ateve ao cuidado que lhe era exigido, seja pela falta de vigilância ou pela escolha errada. Ainda, a culpa (stricto sensu) abarca os conceitos de imperícia, imprudência e negligência5.

            A obrigação de indenizar proveniente da culpa em sentido estrito impele o homem a conviver em sociedade de modo a respeitar aos outros seres e seus patrimônios, não bastando agir com conduta lícita, sendo preciso o comportamento cauteloso de não causar dano a outrem.

            A responsabilidade sendo vista sob o ponto de vista objetivo, a culpa deixa de ser fundamental para a sua caracterização, pois admite a responsabilização do agente infrator pelo simples prejuízo que trouxe à vítima, sem perquirir seu elemento volitivo de culpa lato sensu.

            Atendendo estes parâmetros, a teoria do risco elimina a idéia de culpa do conceito de responsabilidade civil. E seguindo a tendência determinada por algumas leis esparsas especializadas o novo Código Civil no artigo 927, parágrafo único impõe:

            Parágrafo Único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

            Assim, a regra é que a responsabilidade seja subjetiva, dependendo do elemento culpa, proveniente da vontade do agente causador do dano. Quando a lei determinar ou quando a atividade praticada pelo autor do dano apresentar riscos, a responsabilidade torna-se objetiva. Portanto, as determinações legais especiais, citadas anteriormente, ganham o respaldo do novo Código Civil.

            A questão da diferença entre a responsabilidade objetiva e subjetiva será melhor tratada em item apropriado.

            C) Nexo de Causalidade

            A obrigação de reparação civil só surge quando há uma relação de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano sofrido pela vítima. Torna–se obrigatório que o dano seja decorrência clara e explícita da atitude danificadora do réu.

            A questão traz dificuldades quando não é possível identificar o elo de causalidade entre o ato de uma pessoa e o dano causado, principalmente quando há presença de vários comportamentos, que de alguma forma, contribuíram para a produção do resultado danoso.

            Também é importante mencionar as excludentes de responsabilidade, como por exemplo, a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou força maior e cláusula de não indenizar (correspondente à responsabilidade civil contratual). São situações em que não há obrigação de indenizar por parte do autor do ilícito, pois sua conduta, apesar de danosa não foi a causa direta do prejuízo sofrido pela vítima.

             D) Dano

            O dano é um elemento fundamental para a imposição da obrigação de indenizar, sem o prejuízo, um comportamento ilícito pode passar desapercebido pelo mundo jurídico. O principal argumento para tal afirmativa está na finalidade exclusiva da indenização imposta ao autor da conduta ilícita: repara o dano sofrido.

            O elemento dano da responsabilidade civil serve igualmente para o conceito de responsabilidade objetiva como para a subjetiva, já que significa lesão a qualquer direito, podendo ser material ou moral.

            Quanto à responsabilidade penal, o dano não é estritamente necessário para gerá-la, pois o Direito Penal possui o conceito de tentativa, na qual o direito pode ser violado sem trazer prejuízo para a vítima.

            Há que se salientar a visão de LOPES (1962, p.256), que entende o dano composto de dois elementos diferenciados:

            1º) elemento de fato – o prejuízo; 2º) elemento de direito – as violação ao direito, ou seja, a lesão jurídica. É preciso que haja um prejuízo decorrente de uma lesão de um direito (grifos no original).

            Assim, deve-se observar não apenas a lesão material ou moral causada à vítima, mas também, senão mais importante, a lesão jurídica deflagrada pela violação ao direito.

7. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA

            O Direito é unânime em tratar a responsabilidade civil como fonte obrigacional, o causador do dano responde a reparação à pessoa ou aos bens da vítima.

            A grande discussão está em determinar o fundamento da responsabilidade civil: alguns defendem a doutrina subjetiva ou teoria da culpa, e outros, a doutrina objetiva, que abstrai a culpa, concebe a responsabilidade sem culpa e se concentra na teoria do risco.

            A teoria da responsabilidade subjetiva origina-se no Código Napoleônico, e foi inserto no Direito Civil brasileiro pelo artigo 159 do Código de 1916.

            Para descobrir a pessoa do responsável, a teoria manda buscar aquele cuja culpa causou o dano. Para tanto, é preciso deixar claro que a responsabilidade subjetiva exige a figura do ato ilícito, o qual pode ser conceituado como procedimentos ou atividade em desconformidade com o ordenamento jurídico, violando uma proibição ou mandamento legal. A idéia de dolo não importa muito para a caracterização da doutrina da culpa, sendo o principal fundamento a conduta do agente.

            Na visão de PEREIRA (1998, p. 29):

            A essência da responsabilidade subjetiva vai se assentar, fundamentalmente, na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o prejuízo sofrido pela vítima.

            A principal exigência da teoria subjetivista é a conduta culposa do agente, ou apenas a sua culpa (culpa propriamente dita ou dolo), ficando a reparação do dano ou a obrigação de indenizar, em segundo plano.

            Se a responsabilidade civil restasse acomodada sobre esta afirmativa, não haveria responsabilidade sem culpa, e a responsabilidade seria uma exceção e a irresponsabilidade, a regra. No entanto, não é o que ocorre, pois, a culpabilidade do agente está objetivada, como se verá adiante.

            Com o objetivo de acabar com as injustiças provocadas pelas regras rígidas da teoria da culpa, surgiu a teoria do risco. É a teoria da responsabilidade objetiva, na qual o agente que, por intermédio de sua conduta, criou o risco de produzir dano, tem o dever de repará-lo, mesmo que não haja a presença de culpa.

            A característica dominante da doutrina objetiva é que o dano pode ser resultado de uma conduta eximida do elemento culpa. Portanto, o dever de indenizar não se vincula a idéia de comportamento culposo.

            A responsabilidade civil calcada no risco tem sua origem no Direito Francês, nas interpretações de SALEILLES e JOSSERAND apud PEREIRA (1998, p. 16). Ambos argumentam no sentido da necessidade da responsabilidade civil adequar-se às grandes mudanças ocorridas no mundo social, no qual a teoria da culpa já não encontrava mais o respaldo de justa e de garantidora da segurança jurídica.

            Embasando este pensamento, parte-se da idéia inicial da responsabilidade civil, ou seja, a reparação do dano à vítima. Assim, se alguém pratica um ato ilícito e esse vem a causar um dano, estabelece-se que cada um deve suportar o ônus de sua atividade. Assim, cada um deve responder pelos riscos que sua atividade poder vir a produzir. Adequadamente a este princípio que o novo Código civil adotou o artigo 927, parágrafo único.

            No Direito Brasileiro, José de Aguiar DIAS (1997, p. 9) é o maior defensor da doutrina subjetiva, e cita em sua obra uma frase de JOSSERAND que resume por completo o verdadeiro princípio dessa visão sobre a responsabilidade civil:

            …abandonando essa noção de culpa, tão desacreditada, para admitir que somos responsáveis, não somente pelos atos culposos, mas pelos nossos atos, pura e simplesmente, desde que tenham causado um dano injusto, anormal.

            De acordo afirmações anteriores, o nosso Código Civil adota o princípio fundamental da culpa, embora possua várias disposições influenciadas pela doutrina objetiva.

            Para atingir essa mistura das duas doutrinas, o Direito Civil Brasileiro adotava, com o antigo Código Civil, posições intermediárias, tais como a regra da culpa presumida em algumas das suas disposições. Dessa forma, o elemento culpa, embora presente, era presumido pela lei, invertendo o ônus da prova. Os exemplos mais comuns são dos artigos 1.521 e 1.527 a 1.529, que falavam da responsabilidade por ato de terceiros e pela guarda da coisa ou do animal.

            Embora esta visão predominantemente subjetiva do Código anterior, havia doutrinadores, como SAMPAIO (2000, p. 28) que entendiam ser os artigos 1.519 e 1.520 claros exemplos da inserção da doutrina objetiva no Código Civil.

            Como já foi dito antes, o Direito evolui no sentido de adotar em suas legislações atuais, a teoria objetiva da responsabilidade, tais como o Código de Defesa do Consumidor, que mesmo disfarçadamente abraça a responsabilidade independente de prova de culpa do causador do dano. Ainda, a Lei sobre Política do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81, no seu artigo 14, §1º, prevê a obrigação do poluidor de reparar os danos causados ao meio ambiente, por sua atividade, independente da existência de culpa. Até mesmo o texto constitucional de 1988, no artigo 37, §6º, determina que as pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público são responsáveis objetivamente pelos danos causados pelos seus agentes, sem que se perquira a culpa.

            Portanto, o novo Código somente vem confirmar uma tendência presente há tempos no Direito brasileiro.

8. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

            A diferença elementar entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, é a de que o agente danoso pode ser responsável por uma conduta descumpridora de uma disposição contratual, quando é infringida uma norma do contrato entre as partes (agente – vítima) ou, então, de uma disposição legal, quando se infringe um dever legal. A primeira caracteriza a responsabilidade contratual, a segunda, a extracontratual.

            A responsabilidade extracontratual é também chamada de aquiliana, pois se originou na Lei de Aquília, e baseia-se no dever de indenizar os danos causados decorrente da prática de um ato ilícito propriamente dito, consubstanciado em uma conduta humana positiva ou negativa de uma norma violadora do dever de cuidado (culpa no sentido lato).

            Já a responsabilidade contratual decorre de dois fatores: a formação de um contrato e sua obrigatoriedade. Portanto, quem contrata, utilizando-se de sua autonomia de vontade, obriga-se aos termos do contrato, vinculando sua conduta às regras ali determinadas.

            As responsabilidades são idênticas no que se refere aos seus pressupostos, exigindo a contrariedade ao direito, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. A diferença entre elas está no ônus da prova, na origem da responsabilidade e no agente causador do dano.

            Quanto à matéria de prova, a responsabilidade extracontratual exige a prova da existência de todos os elementos necessários para a responsabilização, é preciso a prova da existência da violação de uma norma de comportamento, enquanto que, na contratual, o contrato é a norma preestabelecida, e a conduta de qualquer das partes gera a responsabilidade civil de reparar o dano. Como se pode notar, na responsabilidade contratual, a posição do credor é mais vantajosa.

            No que diz respeito à fonte geradora da responsabilidade, a distinção é óbvia, e já mencionada: a responsabilidade contratual origina-se no contrato de vontades no qual surgiram as obrigações contraídas que serão descumpridas por um dos contratantes, a responsabilidade aquiliana, tem sua fonte na lei, como exemplo tem-se o artigo 186 do novo Código Civil estudado anteriormente.

            Há em alguns sistemas jurídicos, tais como o francês admitindo a cumulação das duas responsabilidades na mesma demanda. No Brasil, essa possibilidade é totalmente descartada por PEREIRA (1998, p. 250-251), mesmo que a análise trata-se do antigo Código Civil:

            Em nosso direito, se o autor planta a pretensão no artigo 159 do Código Civil, está se posicionando no terreno da responsabilidade aquiliana, e desta sorte, não se funda em culpa contratual. (…) O que evidentemente não é possível é que o demandante receba dupla indenização: uma a título de responsabilidade contratual e outra fundada na delitual.

            Modernamente, as tendências dividem-se: uma quer aproximar as duas responsabilidades, dizendo que uma pode ser à outra, outra tendência pretende afastar a responsabilidade civil da dicotomia contratual e extracontratual, criando um tertium genus, a responsabilidade profissional, assumindo condições especiais de responsabilidade legal (PEREIRA, 1998, P. 250).

9. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS DE DIREITO PRIVADO

            A responsabilidade civil, como se pode perceber, está intimamente ligada ao elemento moral, ou melhor, ao elemento volitivo, ou pelo menos, à consciência de seus atos.

            As pessoas jurídicas não possuem um órgão próprio para a manifestação de sua vontade, pois se tratam de ficções jurídicas, uma personificação de um ente capaz de manifestar-se em nome de toda uma coletividade ou de uma associação de pessoas com objetivos comuns.

            Para que seja possível o entendimento da responsabilidade civil das pessoas jurídicas é indispensável, primeiramente, a busca da natureza das mesmas. As diversas teorias que tentam explicar a natureza jurídica de uma pessoa jurídica podem ser resumidas em duas: teoria da ficção e a teoria realista.

            De um lado, a teoria da ficção6 não aceita a pessoa jurídica com personalidade distinta de seus componentes, assim a pessoa jurídica não passa de mera criação legal. Nessa visão, a pessoa jurídica não passa de uma manifestação abstrata e necessária que facilita a expressão de uma vontade conjunta de várias pessoas naturais. Para expressar essa vontade, é necessário que haja um representante, pois uma pessoa jurídica não é sujeito de direitos, só o é o homem. Portanto, as pessoas jurídicas adquirem capacidade apenas em termos patrimoniais, quanto às demais responsabilidades, a capacidade é limitada.

            De outro lado, a teoria da realidade é a que mais se adapta ao princípio da responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, na opinião de PEREIRA (1998, p. 119). A pessoa jurídica é dotada de personalidade e vontade própria, podendo ser responsabilizada pelos atos emanados de seus órgãos. A personalidade jurídica passa a ser um atributo, uma investidura que o Estado defere aos entes merecedores dessa situação. A teoria da realidade é defendida pro GIERKE.

            O Direito Civil Brasileiro estabelece pelo artigo 43 do novo Código Civil que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público é objetiva e segue as determinações da Constituição Federal de 1988, quanto às pessoas jurídicas de direito privado, lhes é reservado o artigo 931 do mesmo Estatuto, que aplica a regra do artigo antecedente, determinando que os empresários individuais e empresas respondem independente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. No último caso, a responsabilidade objetiva é ampliada, atingindo até mesmo os empresários individuais, pessoas físicas.

            Estabelece PEREIRA (1998, p. 123):

            … as pessoas jurídicas de direito privado, qualquer que seja a sua natureza e os seus fins, respondem pelos atos de seus dirigentes ou administradores, bem como de seus empregados ou prepostos que, nessa qualidade, causem dano a outrem.

            Não há interesse em determinar a culpa, se in eligendo ou in vigilando, mas importar em determinar a existência do dano e sua autoria, apurando que o agente procede nessa qualidade ou por ocasião dele.

            Assim, quando a pessoa jurídica age por meio de seus representantes, é a pessoa física destes quem, eventualmente, pratica o ato ilícito causador de danos à vítima. Porém, quando os representantes ao praticarem um ato contrário ao direito o fizerem como delegados da pessoa jurídica, a responsabilidade seria desta para a reparação do dano causado. A constatação é óbvia, pois, enquanto os representantes agem como delegados da pessoa jurídica, esta é responsável pela reparação do dano. Senão, quando os representantes não têm poderes para praticar o ato ilícito, serão responsáveis diretos pela reparação do dano, e a pessoa jurídica apenas responderá solidariamente. Na última hipótese, a pessoa jurídica de direito privado é responsável indireta do dano causado, e responde por ato praticado por terceiro.

            Por conseguinte, a conclusão natural é de que as pessoas jurídicas de direito privado possuem dois tipos de responsabilidade: por ato próprio ou por ato de terceiro. E mais, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado é objetiva, sem preocupação com a culpa, apenas se interessa com o dano sofrido pela vítima.

            Sabe-se que as pessoas jurídicas de direito privado podem assumir alguns tipos, como preceitua o artigo 44 do novo Código Civil, tais como: associações, sociedades e fundações.

            Na prática, as pessoas jurídicas de direito privado de maior relevância são as sociedades sejam elas civis ou comerciais. As sociedades agem como uma pessoa natural, adquirem direitos, contraem obrigações, emitem declarações de vontade, e, portanto, estão vinculadas ao cumprimento dessas emissões volitivas, respondendo com seu patrimônio próprio pela inobservância de seus compromissos.

            Encontra-se aí fundamentada a principal característica de uma sociedade como pessoa jurídica com capacidade legal: a autonomia patrimonial, ou seja, o conjunto econômico da sociedade não se confunde com o patrimônio dos seus sócios (componentes), quando a pessoa jurídica assume uma obrigação, é o seu patrimônio quem responde, no caso de descumprimento. Assim, a responsabilidade de qualquer dos sócios não interfere na responsabilidade social que ele assume indiretamente em relação à pessoa jurídica.

Ainda, há que se distinguir a responsabilidade contratual e a extracontratual que uma sociedade pode assumir no exercício de suas atividades. A responsabilidade extracontratual é ilimitada, e tem o dever de ressarcimento sempre que, por ato ilícito, o seu preposto ou representante legal (administrador) causar dano a outrem. A responsabilidade contratual está adstrita aos termos do contrato, podendo ser ele o contrato social, fundador da sociedade, ou então, pode ser o contrato entre as partes: sociedade e vítima.

            Para atingir o escopo de separar a responsabilidade pessoal do sócio-gerente ou administrador da responsabilidade da sociedade, é necessário buscar a atitude da pessoa natural do administrador da sociedade no momento do dano, dependendo se está agindo na qualidade preposto7 para aquele ato.

            O Novo Código Civil regulamenta de forma mais completa as pessoas jurídicas de direito privado e responsabiliza de forma veemente a pessoa dos administradores da sociedade quando exercerem seus poderes nos limites constituídos pelo contrato social. A disposição está no artigo 47, in verbis: "obrigam a pessoa jurídica os atos dos administradores, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo".

            Quanto ao dano ambiental, objetivo de nosso estudo, a pessoa jurídica que lhe deu causa é responsável por sua reparação, de acordo com o artigo 14 da Lei nº 6.938/81, que será estudado posteriormente. Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 225, §3º, disciplina:

            "Art. 225 – (…)

            §3º – As condutas e as atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados."

            Resta claro que o legislador constituinte teve a intenção de proteger o meio-ambiente, no sentido de punir todo e qualquer dano causado ao meio-ambiente, seja ele ocasionado por uma pessoa natural ou por uma sociedade cível ou comercial. E mais, a Lei nº 9.605/98 completou a legislação ambiental punitiva, dispondo no artigo 3º a responsabilidade civil, penal e administrativa das pessoas jurídicas cometedoras dos crimes ambientais previsto na mesma Lei.

            Porém, a questão de grande relevância é o artigo 4º 8 da referida Lei. Esse determina a desconsideração da personalidade jurídica, sempre que esta impossibilite o ressarcimento dos prejuízos causados ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, por uma sociedade, como por exemplo. A regra determina como principal fundamento a reparação do dano ambiental, sendo que para tanto, não importe se a culpa pelo dano seja da pessoa jurídica por seu ato próprio ou por ato de terceiros que a administram. Assim, mesmo que o dano seja ocasionado pela sociedade como tal, e ela não possuir patrimônio suficiente para a indenização, seus sócios podem ser responsabilizados e obrigados a repará-lo.

            Dessa forma, a conclusão é de que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas não se modifica com o passar do tempo, a evolução foi apenas no campo da responsabilidade objetiva, na qual deixou-se de perquirir a culpa do agente causador do dano, e esta questão só é discutida na ação regressiva da pessoa jurídica contra seu empregado ou funcionário responsável.

10. O DANO AMBIENTAL

            O dano, acima fundamentado, é o prejuízo causado a outrem, por um ato ilícito, ou seja, contrário ao direito. É possível perceber que inexiste relação indissociável entre a responsabilidade civil e o ato ilícito, assim, há dano, mesmo que não haja um ato ilícito. Então, o dano passa a ser a lesão ao um bem jurídico, conceito mais adequado para a situação enfrentada.

            Citando COSTA, o professor LEITE (2000, p. 97) ensina: "Dano é toda a ofensa a bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica".

            O dano pode ser patrimonial, quando afetar o patrimônio econômico da vítima e pode ser extrapatrimonial, o chamado dano moral, no qual o prejuízo atinge apenas a consciência psicológica da vítima, resultante da violação dos direitos da personalidade.

            O dano é pressuposto necessário ao conceito de responsabilidade civil. Sem o dano, não há a obrigação de reparar, pois se perde a razão de restabelecimento do status quo.

            O dano ambiental, por sua vez, vai depender da idéia a se formar a respeito do bem jurídico protegido pelo ordenamento jurídico e atingido pelo dano. Para a conceituação do dano ambiental deve-se adentrar na concepção jurídica de meio-ambiente.

            O meio-ambiente é um bem comum, um direito difuso, que representa o direito de relacionar-se com tudo o que nos circunda9.

            O legislador infraconstitucional define meio-ambiente no artigo 3º, I, da Lei 6.938/81, conhecida como Lei de Política Nacional do Meio-Ambiente:

            "Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

            I – meio-ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

            A Constituição Federal de 1988 recepcionou o conceito de meio ambiente dado pela mencionada lei, pois, conforme seu artigo 225 tutelou não só o meio ambiente natural, mas também o artificial, o cultural o do trabalho, como se pode verificar:

            "Art. 225 – Todos tem direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defende-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

            A partir de então, é possível definir o conceito de dano ambiental, como sendo o prejuízo causado a todos os elementos de vida necessários para a garantia de um meio ecologicamente equilibrado, como exemplo de tais bens é a água, o ar atmosférico, a fauna, as florestas e a energia.

            Segundo LEITE (2000, p. 98), o dano ambiental é:

            "(…), em primeira acepção, uma alteração indesejável ao conjunto de elementos chamados de meio-ambiente, como, por exemplo, a poluição atmosférica; seria assim a lesão ao direito fundamental que todos têm de gozar e aproveitar do meio-ambiente apropriado. Contudo, e m segunda conceituação, dano ambiental engloba os efeitos que esta modificação gera na saúde das pessoas e em seus interesses".

            De acordo com a colocação anterior, o dano pode ser patrimonial ou moral, assim também o é o dano ambiental. O dano ambiental patrimonial exige a reparação ou indenização do bem ambiental lesado, que pertence a toda a coletividade. Já o dano moral ambiental está relacionado a todo prejuízo não-econômico causado ao indivíduo ou sociedade, em virtude de lesão ao meio-ambiente.

            Não se pode olvidar da questão social desencadeada pelo dano ambiental. O dano ao meio-ambiente representa lesão a um direito difuso, um bem imaterial, incorpóreo, autônomo, de interesse da coletividade, garantido constitucionalmente para o uso comum do povo e para contribuir com a qualidade de vida das pessoas. Assim, a reparação não pode ser feita apenas às pessoas que postularam em juízo tal ressarcimento, pois se trata de um direito de todos. Para efetivar tal indenização, deverão surgir mudanças.

            Para finalizar, transcreve-se a conclusão de LEITE (2000, p. 108):

            Da análise empreendida da lei brasileira, pode-se concluir que o dano ambiental deve ser compreendido como toda a lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio-ambiente, diretamente, como macrobem do interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem. (grifo do autor).

11.  A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

            Não se pode falar sobre a responsabilidade civil ambiental, que se sabe é objetiva, sem antes refletir a respeito do princípio de Direito Ambiental do Poluidor-Pagador.

            Conforme a expressão, este princípio não significa que quem paga pode poluir, mas traz em si outro significado, quem polui deve arcar com as despesas que seu ato produzir.

            FIORILLO (2000, p. 26) distingue no princípio duas esferas básicas:

            a)busca evitar a ocorrência de dano ambiental – caráter preventivo;

            b)ocorrido o dano, visa a sua reparação – caráter repressivo,

            Nesse sentido, o poluidor não tem apenas o dever de reparar o dano ambiental causado, mas também de arcar com as despesas de prevenção dos possíveis danos.

            No pensamento de DERANI (1997, p. 158) o princípio visa a internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental. Tal expressão se traduz na imposição do sujeito causador do problema ambiental em sustentar financeiramente a diminuição ou afastamento do dano.

            Normalmente, o sujeito causador dos danos é o sujeito econômico, ou seja, o produtor, o industrial, o transportador, o consumidor. Por vezes, o poluidor é pessoa física, por outras é pessoa jurídica, uma sociedade, por exemplo. Esses últimos poluidores, ao arcar com as despesas de diminuição, eliminação ou neutralização dos danos causados, podem repassar ao seu produto, o encargo que pagou, transferindo estes custos ao consumidor final do produto, prejudicando a concorrência no mercado e o sistema econômico.

            Dentro desse princípio, mais precisamente em seu caráter repressivo é que se insere a idéia de responsabilidade civil pelo dano causado ao meio-ambiente.

            A responsabilidade civil adotada pelo nosso Código Civil é, sem dúvida, de cunho subjetivista, pois se assegura na culpa do agente, como já foi observado. Porém, ao tratar da responsabilidade pelo dano ambiental, a doutrina da culpa mostra-se insuficiente, pois inconcebível a idéia de irressarcibilidade do dano ambiental praticado por alguém sem dolo ou culpa.

            O princípio do Poluidor-Pagador impõe a responsabilidade civil aos danos ambientais os seguintes aspectos:

            a)a responsabilidade civil objetiva, disposta no artigo 14, §1º da Lei nº 6.938/81;

            b)prioridade da reparação específica do dano ambiental;

            c)solidariedade para suportar os danos causados aos meio-ambiente (FIORILLO, 2000, p. 27)

            Com efeito, a responsabilidade civil objetiva é assegurada na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei nº 6.938/81, artigo 14, §1º, in verbis:

            Art. 14 – (…)

            §1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio-ambiente ou a terceiros, afetados por sua atividade. (…)

            Além dessa legislação, de acordo com a menção anterior, a Constituição Federal, artigo 225, também defere responsabilidade civil às pessoas físicas ou jurídicas que causarem danos à qualidade do meio-ambiente.

            A responsabilidade civil objetiva aos danos ambientais pode assumir duas acepções diferentes. Por um lado, a responsabilidade objetiva tenta adequar certos danos ligados aos interesses coletivos ou difusos ao anseio da sociedade, tendo em vista que o modelo clássico de responsabilidade não conseguia a proteção ambiental efetiva, pois não inibia o degradador ambiental com a ameaça da ação ressarcitória. Por outro lado, a responsabilidade objetiva visa a socialização do lucro e do dano, considerando que aquele que, mesmo desenvolvendo uma atividade lícita, pode gerar perigo, deve responder pelo risco, sem a necessidade da vítima provar a culpa do agente. Desse modo, a responsabilidade estimula a proteção a meio-ambiente, já que faz o possível poluidor investir na prevenção do risco ambiental de sua atividade. De acordo com esse aspecto, manifesta-se LEITE (2000, p. 131):

            …a responsabilidade objetiva, devidamente implementada, estimula que o potencial agente degradador venha a estruturar-se e adquirir equipamentos que visam a evitar ou reduzir as emissões nocivas, considerando que o custo destes é menor que o custo da indenização.

            Não se pode olvidar a abordagem da reparação do dano. Cabe questionar; no que consiste a reparação civil pelo dano ambiental? É composta de dois elementos: a reparação in natura do estado anterior do bem ambiental afetado e a reparação pecuniária, ou seja, a restituição em dinheiro.

            Sempre que possível haverá o retorno ao status quo, por uma restituição específica, quando tal possibilidade fracassar, recairá sobre o poluidor a condenação de um quantum pecuniário, responsável pela recomposição efetiva e direta do ambiente lesado.

            E quando se fala em quantum, há parâmetros para fixá-lo? Na legislação brasileira, não há critérios objetivos para a determinação da indenização pecuniária imposta ao agente degradador do meio-ambiente, porém, a doutrina dá alguns rumos que devem ser seguidos, como, por exemplo, a reparação integral do dano.

            Essa característica da reparabilidade do dano ambiental vem da necessidade da compensação ampla da lesão causada ao ambiente. Não pode a reparação ser menor que o dano causado, pois isso resultaria na impunidade, e a reparação a maior, facultaria o enriquecimento ilícito da vítima.

            Por vezes, a reparação integral do dano pode implicar em indenização superior à capacidade financeira do agente degradador, mas a aniquilação financeira deste não contradiz com o risco que sua atividade produzia e todos os riscos decorrentes dela. E também, não se pode esquecer a possibilidade de a indenização atingir o patrimônio dos sócios, quando a pessoa jurídica responsável dificultar a reparação, em razão do disposto na Lei nº 9.605/98.

            Há ainda que se examinar a questão do dano extrapatrimonial ambiental e sua reparação. O dano moral ao meio-ambiente é a lesão que desvaloriza imaterialmente o meio-ambiente ecologicamente equilibrado e também os valores ligados à saúde e à qualidade de vida das pessoas. Um exemplo de dano moral ambiental praticado por uma empresa poluidora do meio-ambiente, obrigada a reparar o dano, não o fez, trazendo inúmeros danos imateriais a toda coletividade.

CONCLUSÕES

            A responsabilidade civil é determinada pela reparabilidade do dano causado por ação ou omissão contrária ao direito.

            A doutrina sobre a responsabilidade civil divide-se em subjetiva e objetiva. A primeira, adotada pelo Código Civil brasileiro, tem como seu principal elemento, a culpa, ou seja, o agente causador do dano é obrigado a repará-lo, apenas quando for o culpado pela conduta lesiva. Já a segunda teoria, que vem sendo inserida nas legislações mais atuais, como o Código de Defesa do Consumidor e a Legislação de Proteção Ambiental, prima pelo risco, assim, aquele que com sua conduta assumiu o risco de produzir um dano, já é responsável.

            A responsabilidade civil subjetiva, descrita no artigo 186 do Código Civil, exige os seguintes pressupostos: ação ou omissão, culpa ou dolo, dano e a relação entre a conduta lesiva e a lesão. A responsabilidade objetiva não tem como elemento a culpa, e seu principal alicerce é a reparação do dano causado.

            A responsabilidade pelo dano ambiental é do tipo objetiva, independendo de quem seja o culpado, se perquire o responsável pela degradação e este deve arcar com todos os custos para a reparação, prevenção e repressão aos danos ambientais. A legislação brasileira preocupou-se em obter o ressarcimento pelos danos ocasionados, mesmo que para tanto desconsidere institutos consagrados como o da personalidade jurídica.

            Tal reparação pelo dano ambiental é composta de dois aspectos: o retorno ao estado anterior ao dano, e a reparação pecuniária, como repressão a mais atos lesivos. O quantum é determinado pelo princípio da reparação integral do dano, não podendo o agente degradador ressarcir parcialmente a lesão material, imaterial e jurídica causada.

            O dano moral ambiental completa a reflexão feita. Se o meio-ambiente é um direito imaterial, incorpóreo, de interesse da coletividade, pode ele ser objeto do dano moral, pois este é determinada pela dor física ou psicológica acarretada à vítima. É possível afirmar a partir daí, que a degradação ambiental geradora de mal-estar e ofensa à consciência psíquica das pessoas físicas ou jurídicas pode resultar em obrigação de indenizar aos seus geradores.

            O presente edstudo teve o escopo de refletir sobre a responsabilidade civil das pessoas jurídicas, em especial, as sociedades em geral, aos danos ambientais por elas causados. Objetivou-se desenvolver conceitos tais como: a responsabilidade civil das pessoas jurídicas e o dano ambiental, e o que esses influenciam para a efetiva prevenção e reparação à destruição do meio-ambiente, preocupação geral da humanidade.

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NOTAS DE FIM:

            1.Expressão latina que significa literalmente: "não há pena sem lei anterior que a defina".

            2 Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, artigo 3º: "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade" (grifo nosso).

            3.Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, Artigo 186 – "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

            4.Lei nº 10.406/2002, Artigo 927 – "Aquele, que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo."

            5. Rogério Marrone de Castro SAMPAIO (2000, p. 70-71) define: "…caracteriza-se a imprudência por um comportamento descuidado e positivo (condutor que dirige com excesso de velocidade). A negligência, por sua vez, vem retratada por um comportamento omissivo (acidente causado por falta de conservação do veículo). Por último, a imperícia vem retratada pela falta de habilidade técnica, que, no caso específico, era de se exigir do autor (médico que comete um erro grosseiro ao diagnosticar uma doença)".

            6.Os maiores defensores da Teoria da ficção são SAVIGNI e DUGUIT.

            7. A expressão preposto quer dizer, na linguagem de SILVA, Plácido e : designa a pessoa ou empregado que, além de ser um emprestador de serviços, está investido no poder de representação de seu chefe ou patrão, praticando os atos concernentes à sua avença sob a direção e autoridade do preponente ou empregador.

            8."Art. 4º – Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio-ambiente."

            9.O Professor FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, na obra Curso de Direito Ambiental ( Saraiva, Pg.18) explica que a palavra ambiente significa "âmbito que nos circunda", sendo até desnecessária a complementação da palavra meio.

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Referência  Biográfica

Juliana Piccinin Frizzo  –  Bacharela em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria.  2004

julianafrizzo@pop.com.br

Supremacia dos Tratados Internacionais sobre a legislação tributária brasileira

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* Maria de Fátima Ribeiro

RESUMO

          Trata-se de estudo sobre os principais aspectos discutidos na doutrina e na jurisprudência brasileira sobre a prevalência dos tratados e convenções internacionais sobre a legislação tributária interna. Necessário se faz apresentar considerações sobre o princípio federativo brasileiro, o princípio da soberania e o da competência constitucionalmente estabelecida para todos os entes políticos do Estado brasileiro. Merece maior destaque o art. 151, inciso III da Constituição Federal ao enaltecer que a União não poderá conceder isenções de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como a análise do art. 98 do Código Tributário Nacional dispondo sobre as introduções legislativas provenientes de tratados e acordos internacionais sobre as normas tributárias do sistema positivo vigente. 

1. Introdução

          O processo de globalização, acelerado a partir dos anos 90, vem transformando, decisivamente, a economia mundial. Tal globalização tem sido comumente associada a um processo positivo de integração das economias mundiais, relacionado à flexibilização dos movimentos de mercadorias, capitais e pessoas entre países.

          A obtenção de um mercado comum, no Mercosul, livre das barreiras alfandegárias, onde a mobilidade dos fatores e a informação possuam agilidade e baixo custo de transação, tem por objetivo o aumento do bem-estar social e a melhor alocação dos recursos econômicos.

          A harmonização tributária torna-se, então, o processo mediante o qual os governos dos países afetados por essas distorções acordarão sobre a estrutura e o nível de coerção de seus sistemas tributários, minimizando os efeitos da tributação sobre as decisões de consumo e produção, independentemente de localização geográfica e nacionalidade.

          Vale a pena ressaltar que harmonização tributária não significa equalização total de alíquotas e bases tributárias em vários países e em todos os tributos. O que se pretende é obter um mercado globalizado que seja consistente com o menor grau possível de distorções. Nesse sentido, há necessidade de aproximar a legislação tributária pertinente, entre todos os países membros do Mercosul. Deve merecer maior destaque o estudo sobre os aspectos constitucionais, guardadas as peculiaridades da estrutura política e administrativa de cada Estado membro.

          O Brasil como um Estado Federal tem a competência constitucional tributária distribuida exaustivamente na Carta Política entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essa decentralização de competência (no âmbito interno) o faz diferente dos demais Estados integrantes do Mercosul, face à autonomia dos mesmos.

          Desta forma, questiona-se, se o conteúdo de um tratado internacional prevalece sobre a competência tributária dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, resguardada a exclusividade da competência tributária para as Unidades da Federação. 

2. O Tratado de Assunção e seus objetivos

          A idéia de uma união dos países Latino-americanos não é criação recente. No entanto é a partir da segunda metade do Século XX que surgem os megablocos econômicos. Em 1980, com a criação da Associação Latino-Americano de Integração-ALADI, subscrita pelos governos da Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela o que foi anteriormente estabelecido pela ALALC é substituído por um sistema mais complexo que inclui a promoção e regulamentação do comércio recíproco, a complementação econômica e o desenvolvimento de ações de cooperação econômica para a ampliação dos mercados, respeitando as diferentes características econômicas e sociais de seus membros. (1)

          Sob este clima Brasil e Argentina firmaram vários acordos de integração e cooperação em diversas áreas tais como energia, ciência e tecnologia, comunicações e transporte.

          Um dos aspectos importantes a ser analisado refere-se ao questionamento se um acordo internacional pode se sobrepor à soberania do Estado e delinear sobre sua própria ordem tributária.

          O Tratado de Assunção, celebrado pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, na cidade de Assunção, em 26 de março de 1.991, constitui um conjunto de normas para se chegar a constituir, num plano determinado, inicialmente previsto para 1º de janeiro de 1995, um Mercado Comum. O referido Tratado tem como objetivos:

           – a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os vários países;

           – o estabelecimento de tarifa alfandegária comum;

           – a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os países participantes, em termos de comércio exterior e políticas agropecuária, industrial, fiscal, monetária, cambial, de capitais, de serviços, aduaneira, de transporte e de comunicações; e

            – a adoção de uma política comercial unificada a terceiros países e/ou blocos comerciais.

          O Tratado de Assunção pretende criar um Mercado Comum, iniciando pela Zona de Livre Comércio e posteriormente passando pela União Aduaneira. O passo seguinte do Mercado Comum será a constituição das uniões econômica e monetária.

          A Zona de Livre Comércio é o estabelecimento, pela via de tratados internacionais, da livre circulação das mercadorias sem barreiras ou restrições quantitativas ou aduaneiras, conservando os Estados integrantes total liberdade nas relações com terceiros países, inclusive com matérias relacionadas com importação e exportação.

          A União Aduaneira é um passo além da zona de livre comércio cujo elemento característico da livre circulação de mercadorias incorpora, completando-o com a adoção de uma tarifa aduaneira comum, que teve início em 01.01.95.

          Estabelecida a alíquota comum, normalizados os procedimentos de importação e exportação em face dos países fora da zona aduaneira, os produtos circulam livremente no seu interior, onde recebem a proteção possível pela via da tarifa única e da dimensão do mercado abrangido. Tal integração para prosperar deverá ser acrescida de outras liberdades de circulação de pessoas, serviços e capitais.

          Após dois anos de União Aduaneira, seu crescente êxito poderá ser visto pelo interesse dos demais países da América Latina em querer fazer parte dessa integração. O Chile ingressou no bloco em 1.10.96, e em 1.1.97 foi a vez da Bolívia, se bem que não participam da união aduaneira, e sim de um acordo de associação de livre comércio com os outros quatro países que iniciaram a integração do Mercosul.

          A União Aduaneira, embora imperfeita e com suas dificuldades naturais de implantação tem conseguido deslanchar, de forma que o Mercosul é considerado a terceira união aduaneira do mundo.(2)

          O Mercado Comum é a terceira etapa do Tratado de Assunção que ultrapassa e contém a união aduaneira, acrescentando-lhe a livre circulação dos demais fatores de produção, capital e trabalho, permitindo assim o livre estabelecimento e a livre prestação de serviços pelos profissionais.

          O Mercado Comum engloba, entre outras medidas cinco liberdades para facilitar a integração política e respectivas legislações em vários aspectos:

          1.livre circulação das mercadorias que faz com que dentro das fronteiras de um Estado as mercadorias possam circular sem que tenham de atravessar barreiras alfandegárias;

          2.liberdade de estabelecimento, que faculta ao empreendedor instalar-se onde quer que deseje, no interior do Estado, quer para a produção, quer para a armazenagem, quer para a venda dos seus produtos;

          3.liberdade de circulação dos trabalhadores dentro dos limites do Estado;

          4.liberdade de circulação dos capitais como componente da atividade empresarial;

          5.liberdade de concorrência , que submete todos os produtores às mesmas regras de natureza econômica, administrativa, fiscal, política e social, sujeitando-se a uma disciplina jurídica e a encargos idênticos.

          Daí ressaltar que todos os países devem respeitar as normas estabelecidas, mesmo não sendo o Mercosul dotado de supranacionalidade. O Brasil é o país que com mais freqüência altera as regras pactuadas, trazendo conflitos desnecessários. Recentemente tem editado várias medidas provisórias que conflitam com as disposições dos Tratados e seus desdobramentos já pactuados.(3) 

3. Harmonização Tributária no Mercosul

          Inicialmente devem ser ressaltados os motivos pelos quais se faz necessária a harmonização tributária.

          É importante frisar que a harmonização não implica, necessariamente uniformização do conjunto de normas tributárias, inclusive as relativas a incentivos fiscais. Procura-se, de maneira em geral, compatibilizar os sistemas tributários efetuando modificações na legislação e nas práticas pertinentes à matéria, com a finalidade de eliminar distorções, respeitando-se as identidades nacionais, os valores éticos e a diversidade cultural e sócio-econômica dos povos, que determinam, em grande parte, diferenças nos sistemas tributários.(4)

          Daí destacar que o principal objetivo da harmonização é chegar a sistemas nacionais que permitam, ao mesmo tempo, conciliar os objetivos de integração econômica com o respeito às identidades nacionais.

          Sabe-se que o sistema tributário pode se tornar um fator limitativo à integração econômica. Segundo Hugo González Cano,(5) os processo de integração econômica requerem certo grau de harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de integração e a etapa do processo vigente em cada caso.

          Ainda de acordo com este autor, quanto maior o grau de integração econômica pretendido e quanto mais o processo se desenvolve, mais se deve avançar em termos de harmonização tributária.(6) Na Comunidade Européia, os esforços no sentido da harmonização tributária após 1985 propiciaram a superação de uma fase de estagnação do processo de integração econômica e o início de uma nova etapa, em que se constituiu em oito anos, o mercado único, sem fronteiras, com circulação livre de bens, serviços e fatores. Isso só foi possível porque os avanços em termos de harmonização dos sistemas tributários, evitaram que surgissem distorções capazes de tornar politicamente insustentável o processo de integração econômica em desenvolvimento.

          Merece destaque a Ata nº 4, que foi a reunião mais importante referente a harmonização tributária do subgrupo de trabalho n. 10, do Mercosul realizada em Buenos Aires de 14 a 16 de setembro de 1992, decidindo analisar e comparar: 1. Impostos nacionais seletivos sobre o consumo; 2. Impostos provinciais, estaduais e municipais sobre os consumos; 3. Impostos sobre transações com divisas e títulos; 4. Imposto de selo. 

4. A Supremacia dos Tratados Internacionais sobre a Legislação Tributária Interna

          As transformações mundiais recentes, o processo de globalização de países em blocos, ao mesmo tempo que eleva a importância do direito internacional questiona o conceito do exercício da soberania.

          Em busca de um novo conceito de soberania, se tem que tal instituto jurídico envolve ainda a materialização do conteúdo abordado, ou seja, do cumprimento de cláusulas que fazem repercutir na ordem interna as decisões tomadas pelas partes.(7)

          A evolução do conceito de soberania e de autonomia do próprio Estado, bem como o relacionamento entre eles, e o interesse na colaboração internacional, desgastou os poderes tradicionais do Estado soberano. Com as comunidades supranacionais, surgindo o direito comunitário, bem como o Mercosul, surge a necessidade de repensar o conceito de soberania.

          Na definição de Kelsen, o Direito Internacional é um complexo de normas quer regulam a conduta recíproca dos Estados que são sujeitos específicos do Direito Internacional.(8) O Direito Tributário Internacional compreende o complexo das normas tributárias de conflitos, quer sejam reveladas por fontes internas, quer por fontes internacionais.

          Tem-se distinguido o Direito Internacional Tributário e o Direito Tributário Internacional, atendendo à origem e ao objeto dos seus preceitos: enquanto o primeiro seria constituído por normas de origem internacional e tendente a regular as relações entre Estados em matéria tributária, o segundo seria constituído por normas internas, tendo por objetivo disciplinar questões conexas por qualquer de seus elementos com mais de uma ordem tributária.

          É evidente que o preceito dualista(9) está na origem desta distinção. Com efeito, à luz desta visão, as normas de direito internacional nunca regulariam como tal as questões tributárias internacionais, independentemente, portanto, da sua transformação em direito interno, limitando a sua eficácia a disciplinar relações interestatais.(10)

          Para os dualistas não existe conflito entre a ordem internacional e a ordem interna. São esferas distintas. As normas de direito internacional disciplinam as relações entre os Estados. O direito interno rege as relações intra-estatais, sem conexão com elementos externos. Desta forma, um ato internacional somente terá força normativa em um Estado ser for referendado por ele.

          Para quem não aceitar a perspectiva dualista de encarar as relações entre direito internacional e direito interno (monista) também não poderá aceitar a distinção acima referida, pelo menos nos termos em que é formulada. Se as normas de fonte internacional podem não só reger as relações interestatais, mas também, as relações que intercedem entre Estados e indivíduos surgidas de situações estranhas, cumpre reconhecer que o referido critério de distinção perde a sua validade.

          Os monistas afirmam que o direito constitui uma unidade, um sistema, e tanto o direito internacional quanto o direito interno integram este sistema. (Ver a nota nº 09)

          A Constituição da Aústria, Alemanha e Itália, contém dispositivos sobre as relações entre o direito interno e o direito internacional. Em sentido contrário, encontram-se disposições nas Constituições da França e da Holanda.

          A Constituição brasileira destaca a soberania como fundamento da República Federativa, destacando também os princípios da independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político (art. lº e 4º).

          O Parágrafo Único do art. 4º dispõe que a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

          Diante do texto, Celso Ribeiro Bastos e Ivens Gandra da Silva Martins (11) concluem que tal dispositivo deixa certo que o País conta com a autorização constitucional para buscar sua integração em uma comunidade latino-americana de nações. Contudo, referidos autores não esclarecem de maneira expressa, se a forma desta integração deve guardar respeito aos princípios clássicos da soberania ou se envolve a possibilidade de integração em organismos supranacionais.

          A proposta revisional (PRE) nº 001079-1, de autoria do Deputado Adroaldo Streck, (na revisão constitucional de 1.994), apresentou a substituição do parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal pelo seguinte texto:

          1º – As normas de direito internacional são parte integrante do direito brasileiro.

          2º – A integração econômica, política, social e cultural visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações, constitui objetivo prioritário da República Federativa do Brasil.

          3º – Desde que expressamente estabelecido nos respectivos tratados, as normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais, de que o Brasil seja parte, vigoram na ordem interna brasileira.

          Embora com as modificações apresentadas pelo relator-geral do processo de revisão constitucional, tal proposta fora rejeitada. Com a aprovação, tal proposta estaria mais próxima aos textos constitucionais vigentes na Argentina e no Paraguai.

          Pelo esquema traçado pela Constituição Federal, compete à União manter relações com os Estados (art. 21, I), representada pelo Presidente da República (art. 84, VII), a quem foi cometida a faculdade de celebrar tratados, convenções e atos internacionais (art. 84, VIII) ad referendum do Congresso Nacional (art. 49, I). Cabe ao Supremo Tribunal Federal, na qualidade de guardião da Constituição, em última instância, julgar a constitucionalidade de tratados internacionais (art. 102, III, "b").

          A competência ad referendum do Congresso Nacional se limita à alternativa da aprovação ou rejeição, não sendo admissível qualquer inteferência no seu conteúdo.

          Ao ser promulgado o Decreto do Presidente da República, do tratado já ratificado é ato jurídico de natureza meramente interna, pelo qual o governo de um Estado afirma a existência de um tratado por ele celebrado e o preenchimento das formalidades exigidas para a sua conclusão, ordenando a sua execução dentro dos limites a que se estende a competência estatal. Tal promulgação deverá ser publicada no Diário Oficial. O Protocolo de Ouro Preto de 17.12.94 (art. 40) estabelece que um tratado entrará em vigor internacionalmente no instante em que os Estados signatários se comunicam reciprocamente a existência dos instrumentos de ratificação.

          Salienta Alberto Xavier(12), que em matéria tributária só o tratado é forma adequada de vinculação externa do Estado brasileiro. Os meros acordos de forma simplificada não são sujeitos à ratificação do Presidente da República. Só poderão atuar, em matéria subtraída ao princípio da legalidade, quer seja, em matéria estritamente regulamentar.

          Ao contrário do que sucede com a generalidade das organizações que são financiadas por contribuições dos Estados membros. Tais direitos registrados na União Européia, foram conferidos pelos tratados que as instituíram e posteriormente desenvolvidos e regulamentados por fontes de direito comunitário.

          Já tem sido firmado o entendimento na doutrina européia a identificação de supranacionalidade como atributo original da ordem jurídica comunitária, qualidade que faz dela um fenômeno absolutamente novo diante do direito internacional, inobstante serem as comunidades também organismos internacionais.

          O princípio da legalidade tributária está presente nos ordenamentos jurídicos constitucionais dos quatro países integrantes do Mercosul.(13) Interessa neste trabalho enaltecer especificamente o princípio da legalidade no ordenamento jurídico brasileiro. Referido princípio constitucional enaltece, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II, da CF). E o princípio da legalidade tributária significa que nenhum tributo pode ser criado, aumentado, reduzido ou extinto sem que o seja por lei (art. 150, I da CF). Da mesma forma, se tem que a União não poderá conceder isenção de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e os Municípios (art. 151, III da CF)(14). Seguindo esta trilha o art. 97 do Código Tributário Nacional ao condicionar a instituição e o aumento de tributo à edição da lei, quer se referir, à lei ordinária federal, estadual e muncipal.

          Formalmente, a palavra lei, na linguagem jurídica dos Estados de Direito, é o ato normativo do Parlamento sancionado pelo Executivo ou promulgado pelo próprio Legislativo, na falta de sanção oportuna ou no caso de rejeição do veto. (15)

          Daí Aliomar Baleeiro(16) destacar que o tributo é ato de soberania do Estado na medida em que sua cobrança é autorizada pelo povo, através de representação.

          O exame do direito positivo brasileiro mostra que a competência privativa do Congresso de instituir e aumentar tributos sofreu ultimamente uma série de restrições, que põem em perigo a própria validade do princípio da legalidade tributária, com as exceções e ressalvas em benefício do Poder Executivo, dispostas no Sistema Tributário Nacional.

          Daí questionar: O tratado internacional pode exonerar tributo de competência das unidades da Federação?

          Volta à tona a discussão sobre a prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação interna do País tributante, face ao avanço na formação do Mercosul, bem como nos problemas para a concretização da União Européia, conforme já apontado na doutrina mais atualizada.

          Necessário se faz inicialmente destacar a estrutura federativa do Estado brasileiro, estabelecida pelo art. 60 da Constituição Federal. Cada ente político da federação tem sua competência constitucionalmente atribuída.

          Via de regra as Constituições brasileiras não estabeleceram regras de aplicação dos tratados internacionais. No entanto, a Constituição Federal de 1.988 inovou seu texto, incluindo que poderiam ser acrescidos outros direitos e garantias individuais elencadas no art. 5º, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados internacionais que a República Federativa do Brasil seja parte. Os princípios fundamentais relativos à comunidade internacional, constantes do artigo 4º da Constituição Federal têm a função positiva de informar materialmente os atos dos poderes públicos, que lhes devem observância obrigatória.

          No que diz respeito entre o tratado internacional e norma interna (infraconstitucional), a doutrina como já foi mencionado, é amplamente majoritária no sentido monístico jurídico, com prioridade para o direito internacional. Desta forma, o tratado prevalece sobre o direito interno, alterando a lei anterior, mas não pode ser alterado por lei superveniente, é o entendimento aposto no art. 98 do CTN.

          Luis Roberto Barroso(17) escreve que a orientação do Supremo Tribunal Federal é a do monismo moderado, em que o tratado se incorpora ao direito interno no mesmo nível hierárquico da lei ordinária, sujeitando-se ao princípio consolidado: em caso de conflito, não se colocando a questão em termos de regra geral e regra particular, prevalece a norma posterior sobre a anterior. E adianta: existem apenas duas ordens de exceções a essa equiparação entre tratado e lei ordinária na jurisprudência do Supremo. A primeira dá-se em matéria fiscal, onde o Código Tributário Nacional (art. 98), como visto, é expresso quanto à prevalência da norma internacional. A segunda exceção colhe os casos de extradição, onde se considera que a lei interna (Lei 6.815 de 19.8.1980), que é regra geral, cede vez ao tratado, que é regra especial. (18)

          O Código Tributário nacional dispõe no art. 98 que os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha. (19)

          Por tratados pode-se entender como convenção, declaração, protocolo, convênio, ajuste, compromisso entre outras denominações.(20) Accioly, (21) conceitua os tratados internacionais como atos jurídicos por meio dos quais se manifesta o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais. Os tratados e convenções internacionais, uma vez ratificados, passam a ter eficácia no país, (obedecido o disposto no art. 40 do Protocolo de Ouro Preto) de modo tal que revogam as disposições de leis ordinárias que disponham em contrário. São considerados, então, como fontes do Direito Tributário, quando tiverem conteúdo específico ligado à competência fiscal dos respectivos Estados signatários e adquira eficácia interna, na forma determinada pelo ordenamento jurídico.

          O CTN faz alusão à legislação tributária externa, constituída das normas atinentes à matéria e constantes dos tratados e convenções internacionais. Enquanto vigentes os tratados internacionais dispondo sobre tributos, não será lícito ao Poder Legislativo elaborar leis que entrem em conflito com a matéria desses acordos.(22)

          Há evidente impropriedade terminológica na disposição legal. Na verdade um tratado internacional não revoga nem modifica a legislação interna. A lei revogada não volta a ter vigência pela revogação da lei que a revogou, enaltece Hugo de Brito Machado(23). Denunciado um tratado, a lei interna com ele incompatível estará estabelecida, em pleno vigor. O que o CTN pretende dizer é que os tratados e convenções internacionais prevalecem sobre a legislação interna, seja anterior ou mesmo posterior.

          Paulo de Barros Carvalho por sua vez, escreve que há equívoco incontornável na dicção do art. 98 do CTN. Isto porque, não são os tratados e as suas convenções internacionais que têm idoneidade jurídica para revogar ou modificar a legislação interna, e sim os decretos legislativos que os ratificam, incorporando-se à ordem jurídica brasileira. (24)

          Os tratados internacionais, como as leis, são interpretados, aplicando-se-lhes as regras e princípios do Direito Internacional, além das regras comuns de hermenêutica.

          O referido artigo trata de uma limitação à soberania do direito positivo interno.

          E ainda vem à tona o destaque apresentado por Luciano Amaro, que ao escrever sobre isenção de tributos estaduais e municipais seguindo as trilhas de Natanael Martins, Sacha Calmon Navarro Coelho, Geraldo Ataliba, Agostinho Toffoli Tavolaro e Valir de Oliveira Rocha, afirma que não se deve confundir o tratado firmado pela União com as leis federais. Quem atua no plano internacional com soberania é o Estado Federal, e não os Estados federados ou os Municípios. Portanto, o tratado não é ato que se limite à esfera federal. E acrescenta: Compete ao Congresso Nacional, de modo expresso resolver definitivamente sobre os tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional. (art. 49-CF)(25)

          Por tal razão ressalta Hugo de Brito Machado, de forma que não se pode deixar de considerar que os tratados internacionais, embora celebrados por órgãos da União, na verdade são atos da soberania externa, praticados pelo Estado brasileiro, que há de ser visto por um prisma diferente do que se vê a União como órgão de soberania interna. Nos atos internacionais, a União representa toda a Nação, na qual se incluem obviamente os Estados membros e Municípios.(26)

          Em se tratando de linha contrária à prevalência do direito internacional sobre o sistema constitucional brasileiro é interessante mencionar a posição de José Francisco Rezek(27):

          Não existe no sistema jurídico no mundo contemporâneo, dessarte, que consagre a prevalência dos tratados internacionais sobre a Constituição local.

          Esta, ao contrário – como sucede de modo bastante explícito no caso brasileiro -, é um parâmetro de aferição de qualidade tanto das leis quanto dos tratados internacionais, que se subordinam a ela duplamente: no seu conteúdo – que não pode colidir com regras substantivas da Carta – e sobretudo na sua gênese, na liturgia de produção: o tratado é inconstitucional quando celebrado pelo Governo à revelia de certos preceitos constitucionais…

          Para Rosembuj, um tratado internacional não pode ser alterado por uma lei interna: Los tratados internacionales no puedem derogarse, modificarse o suspenderse sino en la forma prevista en los proprios tratados, o de acuerdo com las normas generales del Derecho Internacional. Así, como afirma Santaolalla, una norma posterior, incluso una ley aprobada por las cortes no puede prevalecer sobre lo dispuesto en un tratado… los tratados y convenios internacionales tienem primacia sobre las leyes y demás fuentes del Derecho Interno.(28)

          E por que os tratados e convenções internacionais devem integrar a legislação tributária? Esse é o questionamento que Fábio Fanucchi faz ao comentar o art. 98 do CTN. Salienta, então, que comumente ocorre que determinada situação tributável se submeta a uma pluralidade de poderes impositivos, de Estados soberanos distintos. Desde que ocorrida esse circunstância e a fim de evitar que o sujeito passivo se subordine a várias imposições perante um só fator de avaliação de sua capacidade contributiva, surgem os tratados e convenções internacionais que, no seu contexto, declaram pretender evitar a bitributação internacional.(29)

          No Sistema Tributário Brasileiro, por tratar-se de um Estado Federal, as dificuldades a serem superadas neste processo de integração econômica do Mercosul, envolvem não somente as relações diretas com outros países, mas as relações internas, em conseqüência do poder tributante dos estados e municípios, previsto na Constituição Federal, conforme já enaltecido.

          Deve ser destacado que, rigorosamente, nos termos da Constituição Federal, incumbe à União manter relações internacionais, podendo Estados e Municípios efetuarem empréstimos externos com autorização do Senado Federal.

          A constitucionalidade do art. 98 do CTN foi repetidas vezes questionada.(30) Referido artigo, no dizer de Rezek, construiu, no domínio do direito tributário, uma regra de primado do direito internacional (desde que obviamente introduzido no ordenamento jurídico nacional através do referendum do Congresso Nacional) sobre o direito interno.(31)

          Gilberto de Ulhôa Canto, que, ao lado de Rubens Gomes de Sousa, foi um dos autores do CTN, discorrendo a propósito da questão, dando a dimensão exata inclusão do art. 98, atesta que ao elaborá-lo buscaram consagrar o princípio que àquela ocasião era tranquilamente aceito pela jurisprudência dos tribunais pátrios.(32)

          Natanael Martins(33) elenca vários argumentos de que há muito o artigo 98 do CTN, vem sendo inquinado como norma inconstitucional pelos seguintes argumentos: uma porque teria ferido o princípio federativo (interfere na autonomia dos Estados); duas porque não teria respaldo no texto constitucional; três porque em qualquer hipótese, no caso de conflito da norma de direito interno com norma de direito internacional, a questão deve ser solucionada pela aplicação do princípio da "lei posterior"; vale dizer, em caso de conflito deve prevalecer sempre a última palavra do Congresso.

          Nesse mesmo seguimento, Valmir Pontes Filho(34) conclui pela inconstitucionalidade do art. 98 do CTN, argumentando não ter caráter complementar, isto é, não encerra norma geral de Direito Tributário sobre conflitos de competência ou sobre limitações constitucionais ao poder de tributar; e ainda porque pretende fazer prevalecer os tratados internacionais sobre a legislação tributária estadual ou municipal, ferindo os princípios constitucionais federativo, da autonomia estadual, distrital e municipal e da competência tributária.(35)

          Desta forma é questionado: Poderia ser objeto do tratado internacional celebrado pela União, as isenções, reduções de alíquotas e base de cálculo e outras deduções de tributos de competência dos Estados Distrito Federal e Municípios?

          O art. 151 da Constituição Federal, através do inciso III, esclarece que é vedado à união instituir isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

          Com efeito, o Prof. Alcides Jorge Costa,(36) ao comentar este artigo ressalta, que a União não pode mais conceder isenções de impostos estaduais e, como não pode celebrar tratados que sejam contrários à Constituição, os tratados também perdem a eficácia neste particular. Segundo ele, vêm as preocupações a respeito do GATT e da ALALDI.

          Se assim prevalecer tal posicionamento, desde a promulgação da Carta de 1988, não mais poderiam ser aplicadas as regras que versam sobre isenções de tributos estaduais e municipais. Pela mesma razão o artigo 98 do CTN, não teria aplicabilidade em relação aos Estados, Municípios e Distrito Federal.

          O CTN enquanto norma geral de direito tributário e a prevalência do tratado em face da legislação posterior, seja emanada da União, Estado ou Município, ainda não é pacífico tal entendimento como ficou demonstrado. 

5. Conclusões

          Além das disposições constitucionais propugnadas na Carta Política de 1988, de que a União não poderá conceder isenções de tributos de competência distrital, estadual e municipal (art. 151-III), deve ser considerado que com o Tratado de Assunção, firmado em 1991, o Mercosul é uma realidade da qual, não se pode deixar para segundo plano no tocante ao aspecto da harmonização da legislação tributária. Isto porque, um dos objetivos do referido Tratado, vem destacado (art. 1º) que os Estados membros assumem o compromisso de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. Tal posicionamento vem sacramentado no art. 2º, que ressalta que o Mercosul foi fundado na reciprocidade de direitos e operações entre os Estados partes.

          Para tanto, deve o Brasil adequar sua legislação interna para acompanhar o progresso da harmonização da legislação tributária do Mercosul. E, da conjugação dos dispositivos constitucionais já citados tem-se que, respeitada a independência nacional, deverá o Brasil praticar os atos necessários para celebrar tratados e acordos internacionais, atendendo desta forma o que propugna a Constituição Federal – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e integração da América Latina.

          Várias propostas de Reforma Tributária visando alterar a Constituição Federal foram apresentadas, após a assinatura do Tratado de Assunção, e, não há ainda expectativa em curto período de tempo, para proceder a alteração necessária e a adequação da legislação ordinária face às disposições firmadas no referido Tratado.

          O que deve permanecer claro é que o art. 7º do Tratado de Assunção, quando determina o tratamento isonômico dos Estados-membros em relação os impostos, taxas e outros tributos, tem a finalidade precípua, não a questão tributária em si, mas garantir a livre concorrência entre os mercados que estão integrando.

          Ademais não se pode esquecer que a questão aduaneira passa primeiro pelo estabelecimento de uma política fiscal e, caminhar para um consenso tributário entre países com problemas tão graves e de dimensões tão diversas, é inicialmente um grande desafio. Para tanto, necessário se faz a adequação da política fiscal interna de cada país. Na realidade, o principal é que se estabeleçam instrumentos internos em cada país de apoio à atividade produtiva. A reforma constitucional tributária, para melhor adequar o Sistema Tributário, diminuirá as distorções existentes entre o Brasil e os sistemas tributários dos outros países do Mercosul.

          A prevalência dos tratados internacionais em relação ao direito interno não quer dizer prevalência total sobre a ordem jurídica brasileira. Pelo contrário, a matéria vedada em tratados internacionais somente afeta o ordenamento pátrio na medida em que o Congresso Nacional aprova o ato do Presidente da República e desde que não seja contrário à Constituição Federal, devendo ser proporcionalmente consideradas as disposições do artigo 98 do CTN.

          De tal forma, e, consideravelmente deve ser levado em conta a implantação de um tribunal supranacional, integrado por magistrados dos países signatários aos tratados internacionais, bem como fazendo valer as arbitragens já propugnadas em acordos firmados com os países integrantes do Mercosul. Para a primeira alternativa, convém ressaltar a necessidade de emendar a Carta Política brasileira, bem como contar com a inclusão do mesmo mecanismo nos ordenamentos jurídicos da Argentina, Paraguai e Uruguai, nesse mesmo sentido.(37) Isto se tem claro, vez que o Mercosul não produz normas de direito comunitário, dotadas de efeito de aplicação direta entre os Estados-partes. Tais normas necessitam, para terem validade nos territórios dos quatro países signatários no Mercosul, de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais, de acordo com os procedimentos por eles estabelecidos.

          A experiência européia poderá ser útil. A instituição do Tribunal de Justiça europeu verificou-se quando da condições sócio-econômicas revelaram tal necessidade. Novas implantações ou ajustes no sistema jurídico do Mercosul deverão ser feitas de forma amadurecida e adequadas às reais necessidades que atendam os interesses dos países signatários. 

NOTAS

          1 – O que é o Mercosul? Aspectos Fundamentais, Academia Brasileira de Direito Empresarial, Curitiba,1996, p. 3.

          2 – Almeida, Elizabeth Accioly Pinto de. O destino do Mercosul: Mercado comum ou Zona de Livre Comércio, in Revista Jurídica da UEPG, ano I, vol. I, Ponta Grossa, 1997, p. 33/4. Segundo a autora, tem-se com o registro as aduanas dos Estados Alemães e a União Européia que nasceu com o Tratado de Roma em 1957, criando a Comunidade Econômica Européia, consolidando a sua união aduaneira em 1968.

          3 – O governo brasileiro impôs o sistema de cotas para a importação de automóveis gerando um conflito comercial, não só com os países integrantes do Mercosul, como com a União Européia, o Japão e os Estados Unidos, que até hoje não foi selecionado. Editou a Medida Provisória de nº 1532, que cria uma espécie de regime automotivo paralelo e privilegiado para o Norte, Nordeste e o Centro-Oeste brasileiro, concedendo incentivos fiscais à montadoras estrangeiras de veículos, deixando indignados os demais parceiros do Mercosul. Tem-se registro ainda da publicação em 14.01.97, da Portaria nº 9, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, que altera as regaras de controle sanitário dos alimentos que entram no país. A mais recente alteração é a Medida Provisória nº 1.569 limitar as importações e estabilizar o déficit na balança comercial, obrigando aos importadores que antes pagavam as aquisições de acordo com o prazo conseguido com o vendedor no exterior, passem a pagá-las à vista.

          4 – Silva, Carlos Roberto Lavalle da. Harmonização Tributária no Mercosul, in Mercosul – Perspectivas da Integração, Rio de Janeiro, FGV, 1996, p. 144.

          5 – González Cano, Hugo. La armonización tributaria en procesos de integración económica. Impuestos. Buenos Aires, may, 1.991, p. 885.

          6 – Id., Ibidem, p. 885.

          7 – Ventura, Deisy de Freitas Lima. A Ordem Jurídica do Mercosul, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1996, p. 94.

          8 – Kelsen, Hans, Teoria Pura do Direito. Trad., de João Baptista Machado, Armênio Amado Editor, 4ª ed., p. 427.

          9 – O tema do conflito entre as normas internacionais e a ordem interna desdobra-se em duas grandes correntes doutrinárias que disputam o melhor equacionamento da questão, ou seja, o dualismo destacado no âmbito internacional por Triepel e Anzilotti, seguido no Brasil por Amílcar de Castro; e o monismo defendido por Kelsen, e no Brasil por Valladão, Tenório, Celso Albuquerque de Mello e Morotta Rangel. Cf. Barroso, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 1996, São Paulo, Saraiva, p. 17.

 10 – Xavier, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. São Paulo, Resenha Tributária, 1977, p. 25.

          11 – Bastos, Celso Ribeiro e Ives Gandra da Silva Martins. Comentários à Constituição do Brasil, 1º vol, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 464.

          12 – Xavier, Alberto.Direito Internacional Tributário do Brasil, São Paulo, Resenha Tributária,1977, p. 39.

          13 – No Brasil há, na Constituição de 1.988 a previsão genérica do princípio da legalidade no art. 5º, II, e a especificamente tributária no art. 150, I. Na Constituição Argentina a previsão genérica está disposta no art. 19, segunda parte e de forma específica para os tributos, no art. 4º, bem como art. 17.O Uruguai expressa na Constituição esse mesmo princípio, de maneira genérica no art. 10, segunda parte, e com referência à questão tributária a legalidade está prevista no art. 85, nº 4.

          Vários dispositivos estão inseridos no texto Constitucional do Paraguai de forma abrangente, quer sejam, nos artigos 47, 49, 57 e 67. E de forma mais categórica no art. 57.

          14 – A proposta de Emenda Constitucional nº 175, de 1995, apresentada pelo Presidente da República com a Mensagem nº 888, de 23/08/95 dá a seguinte redação ao inciso III do art. 151, da Constituição Federal:

          III – instituir de tributo da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos

          Municípios, salvo quando prevista em tratado, convenção ou ato internacio –

          nal do qual o Brasil seja signatário.

          15 – Baleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10ª ed, Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 402.

          16 – __________ Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, Rio de Janeiro, Forense, 1951, p. 15.

          17 – Barroso, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 19.

          18 – Id., Ibidem, p. 19.

          19 – Este dispositivo por várias vezes objeto de exame pelo Supremo Tribunal Federal que, não declarou sua inconstitucionalidade. A questão foi levantada por ocasião do julgamento, pela Suprema Corte, do RE 80.004-SE (RTJ) v. 83, p. 809-851. Neste julgamento, o Min. Cunha Peixoto chegou a referir o art. 98 do CTN como sendo de constitucionalidade duvidosa (p. 824). Contudo, não foi declarada a inconstitucionalidade do dispositivo. A jurisprudência posterior do Supremo Tribunal Federal, em casos nos quais foi examinado, especificamente, o art. 98 do CTN, declarou a prevalência do citado dispositivo, atestando assim, a sua constitucionalidade, como se pode verificar do acórdão proferido pelo Plenário, inserto na R.T.J nº 95/350 (RE 90.824-SP).

          20 – Ribeiro, Maria de Fátima. Comentários ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro, Forense, p. 204 e segs.

          21 – Accioly, Hildebrando.Manual de Direito Internacional Público. São Paulo, Saraiva, 1991, p. 120.

          22 – Ressalta A.A. Contreiras de Carvalho, que o CTN quis tornar explícita uma recomendação, como a que consta do seu artigo 98, que ao seu ver desnecessária, pois a superveniência de lei não pode invalidar o que se acordou em tratado ainda em vigor. Doutrina e Aplicação do Direito Tributário, 2ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1973, p. 87.

          23 – Machado, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 7ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1.993, p. 558/9.

          Veja também: Fábio Fanucchi, Curso de Direito Tributário Brasileiro, 3ª ed., São Paulo, Resenha Tributária-MEC, 1975, vol. I, p. 139.

          24 – Carvalho, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário nos Termos da Constituição Federal de 1.988, 4ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1.991, p. 62.

          Na mesma linha vem afirmar Alberto Xavier, ao escrever que é manifestadamente incorreta a redação do art. 98 do CTN. Não se trata de revogação, mas sim de prevalência no caso concreto de uma fonte situada em ordem superior. Sendo as convenções de ordem bilateral elas não revogam as leis fiscais que permanecem em vigor para a generalidade de seus efeitos. Cf. Direito Tributário Internacional do Brasil, São Paulo, Resenha Tributária, 1977, p. 37.

          25 – Amaro, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1997, p. 176.

          26 – Machado, Hugo de Brito. Isenções Tributárias no Mercosul, IOB, junho/1997, nº 11/97, caderno 1, p. 269.

          27 – Rezek, José Francisco. Tratado e Legislação Interna em Matéria Tributária, in ABDF – Resenha nº 22.

          28 – Rosembuj, Tulio. Elementos de Derecho Tributário, Barcelona, Editorial Blume, 1982, p. 55, apud Hugo de Brito Machado, Isenções Tributárias no Mercosul, IOB, junho/97, nº 11/97, caderno 1, p. 268.

          29 – Fanucchi, Fábio. Curso de Direito Tributário…, cit., p. 138.

          30 – Confira o trabalho de Natanael Martins, publicado no vol. XX da Coletânea de Imposto de Renda/Estudos da Editora Resenha Tributária. Tratados Internacionais em Matéria Tributária. São Paulo, jun/1991.

          31 – Rezek, José Francisco. Tratado e Legislação Interna…, cit., p. 22.

          32 – Ulhôa Canto, Gilberto de. Legislação Tributária, sua vigência, sua eficácia, sua aplicação, interpretação e integração. In Revista Forense, Rio de Janeiro, Ed. Forense, nº 267, p. 35.

          33 – Martins, Natanael, Tratados Internacionais em Matéria Tributária, in Imposto de Renda – Estudos XX, São Paulo, Resenha Tributária, jun/1991, p. 133.

          Com efeito, José Alfredo Borges em sua obra Tratado Internacional em Matéria Tributária como Fonte de Direito, (In Revista de Direito Tributário, nº 27/28, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 161), manifestando-se pela inconstitucionalidade do artigo 98 do CTN, aponta que no caso do Brasil, sendo a União, a pessoa política competente para celebrar tratados internacionais, poderá fazê-lo apenas em relação às matérias outorgadas, igualmente, à sua competência pela Constituição; que em relação à lei ordinária federal, ao tratado regularmente ratificado se aplica o princípio lex posterior derogat legi priori, isto com relação a outras leis ordinárias federais ou a outros tratados internacionais pelo Brasil; que, por fim, a isenção de tributos estaduais concedida por tratado ratificado ou não é absolutamente inválida, dada a imprestabilidade da via escolhida para se concedê-la.

          34 – Pontes Filho, Valmir. ICM – Mercadoria Importada do Exterior, In Revista de Direito Tributário, nº 42, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, p. 131, com respaldo na Dissertação de Mestrado do Prof. Waldir Luiz Braga, apresentada na PUC-SP (não publicada).

          35 – O Supremo Tribunal Federal, no RO 80004, julgado em 1.977, alterando a orientação justificadora do surgimento do art. 98 do CTN, ao decidir sobre matéria comercial (Convenção de Genebra), contra o voto do relator, Ministro Xavier de Albuquerque, passou a entender que o tratado não prepondera sobre a lei interna editada posteriormente e que com ele conflita.

          Em recentes decisões relativas ao ICMS onde se discutiu a prevalência das modificações introduzidas pelos Estados, em face da inovação introduzida pela Emenda Passos Porto (EC 23/93) o STF reafirmou, ainda que implicitamente, a plena aplicabilidade do art. 98 do CTN., afastando em definitivo a tese da sua inconstitucionalidade. Da mesma forma caminhou o Superior Tribunal de Justiça, como se pode verificar pelos Recursos Extraordinários nºs 119.814-1-SP, 116.335-6-SP e 113.759-2-SP.

          36 – Costa, Alcides Jorge , ICMS na Constituição, In Revista de Direito Tributário, nº 46, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 170.

          37 – Não são poucas as manifestações favoráveis à criação de um Tribunal no Mercosul, nos moldes da Corte de Luxemburgo, da União Européia ou do Tribunal de Justiça do Acordo de Cartagerna do Grupo Andino.

BIBLIOGRAFIA

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          – Almeida, Elizabeth Accioly Pinto de. O Destino do Mercosul: Mercado Comum ou Zona de Livre Comércio, in Revista Jurídica da UEPG, ano I, Vol. I, Ponta Grossa, 1977.

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          – Martins, Natanael. Tratados Internacionais em Matéria Tributária. São Paulo, Resenha Tributária, Coletânea de Imposto de Renda nº 22, jun/1991.

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          – Xavier, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. São Paulo, Resenha Tributária, 1977.

  


Referência  Biográfica

Maria de Fátima Ribeiro:  Professora de Graduação e Mestrado da Universidade Estadual de Londrina (PR), Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP.

mfat@ldnet.com.br

Ponto Final

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 * Maria Berenice Dias

Dúvida não há de que o instituto da concorrência introduzido no direito sucessório pelo novo Código Civil é ponto dos mais polêmicos. A dificuldade de leitura do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil é tamanha, que, na hipótese de o autor da herança ser casado pelo regime da comunhão parcial de bens, a doutrina o interpreta de maneiras diametralmente opostas. Uns afirmam que, se o falecido deixou bens particulares, o cônjuge sobrevivente concorre com os herdeiros e recebe parte da herança. Já outra corrente entende exatamente o contrário, ou seja, somente se o cônjuge falecido não deixar bens além da meação é que o viúvo concorre com os herdeiros que o antecedem na ordem de vocação hereditária. Mas as soluções preconizadas não se esgotam nessas duas possibilidades. Há quem diz que o cônjuge concorre exclusivamente com relação aos bens particulares, mas ainda há outros que sustentam que o direito à concorrência é só sobre os aqüestos.

Ainda que não se pretenda colocar um ponto final na discussão, imperiosa é uma nova leitura do texto legal, principalmente com os ricos subsídios que a discussão tem aportado ao debate.

O caput do artigo 1.829 do Código Civil estabelece a ordem de vocação hereditária, identificando em seus incisos os direitos dos herdeiros necessários (art. 1.845) e dos herdeiros legítimos (colaterais até o 4º grau, art. 1.839).

Em primeiro lugar, a lei (inciso I do art. 1.829) assegura o direito sucessório dos descendentes, concedendo, no entanto, ao cônjuge sobrevivente uma percentagem da herança. O dispositivo que assegura o direito à herança e à concorrência é claro: (a sucessão legítima defere-se)…aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente.

Esse verdadeiro estado condominial gerado entre filhos e viúvo sobre o acervo hereditário não é irrestrito. O artigo que elege os sucessores de primeiro grau e consagra o direito de concorrer já estabelece, em seu próprio bojo, exceções ao benefício vidual. As causas de afastamento do direito estão condicionadas ao regime de bens do casamento. Ou seja, o legislador, depois de consagrar o instituto da concorrência, abre exceções, identificando os regimes de bens que levam à exclusão do direito. Antes são apontados, de forma conjunta, os dois regimes de bens que afastam a concorrência.  Depois, a lei refere outro regime de bens e, por meio de uma condicionante, identifica a variante que autoriza a concorrência.

A regra é a concorrência; e a não-concorrência é a exceção. A primeira ressalva ao direito é feita por meio da expressão “salvo se”, que assim deve ser lido: (a sucessão legítima defere-se)…aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este (o cônjuge sobrevivente) com o autor da herança pelo regime da comunhão universal, ou na separação obrigatória de bens (art. 1.641 – e não 1.640 – parágrafo único).

A parte final do mesmo dispositivo trata do direito à concorrência quando o casamento se rege pelo regime da comunhão parcial de bens. É aqui que se situa a controvérsia maior. Identificar, afinal, qual a hipótese em que há concorrência: se quando o de cujus tem bens particulares ou quando ele não tem bens particulares. Desse impasse só se pode sair atentando-se para o fato de que o sinal gráfico de ponto-e-vírgula secciona as diversas hipóteses.

Primeiro, a lei exclui o direito de concorrer de forma incondicionada, pela simples identificação do regime de bens (comunhão universal ou separação obrigatória). Ao depois, prevê outra hipótese (o regime da comunhão parcial), mas limita a concessão do direito à inexistência de bens particulares. Na terceira exceção, portanto, é excluído o direito de concorrência exclusivamente no caso de haver bens particulares. É o que diz a lei: (a sucessão legítima defere-se)…aos descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente, (…) se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.

Não se pode olvidar que a regra é a concorrência. Esse direito se sujeita a exceções, limitações de caráter restritivo. O legislador identifica as hipóteses em que o direito é afastado: (1) no regime da comunhão universal de bens e (2) no regime da separação obrigatória. No regime da comunhão parcial, a lei aponta a hipótese em que o direito é assegurado (3): quando houver bens particulares. A ressalva última decorre da duplicidade de situações que este regime contém (existência ou não de bens exclusivos), o que impõe tratamento diferenciado a cada modalidade. Em respeito à natureza mesma do regime legal, o direito à concorrência só pode ser deferido se não houver bens particulares no acervo hereditário.

A interpretação desse intrincado e pouco claro dispositivo legal não pode ser outra, sob pena de se subverter o próprio regime de bens eleito pelas partes. Os nubentes, ao optar pelo regime da comunhão parcial (isto é, ao não firmar pacto antenupcial), quiseram garantir a propriedade exclusiva dos bens particulares havidos antes do casamento, assim como dos recebidos por doações ou herança.

Quando da dissolução da sociedade conjugal, os cônjuges desejam que os bens sejam partilhados desta maneira: cada um fica com seus bens particulares e divide-se o patrimônio adquirido durante a vida em comum. O fato de o casamento ultimar por separação, divórcio ou morte não pode permitir que a partição seja feita de forma diversa da eleita pelas partes. Aliás, essa foi a preocupação do legislador em fazer a ressalva em sede sucessória, para que se respeitasse a característica do regime de separação de bens: comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento (art. 1.658), excluindo-se da comunhão os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar (inc. I do art. 1.659).

Ainda que se questione a continuidade lógica da enumeração, o fato é que a lei identificou duas hipóteses em que afasta o direito de concorrer e apontou a permanência do direito ao tratar de modalidade que dispõe de dúplice situação por sujeita a regramento próprio.

Admitir possibilidade diversa, ou seja, que existe uma dupla negação em tal dispositivo legal, pelo uso das expressões “salvo se” e “ou, se” e sustentar o direito à concorrência somente se existirem bens particulares, é subverter o regime da comunhão parcial de bens; é atentar contra a vontade dos cônjuges; é afrontar a lógica a que deve sempre se ater o intérprete. Necessário visualizar a lei dentro do sistema, o artigo dentro da lei, e não se apegar a exacerbado tecnicismo formal, na tentativa de entender a lógica gramatical do que está escrito.

Basta figurar um exemplo para flagrar a incongruência do que vem sendo sustentado: alguém, tendo filhos e bens, vem a casar e recebe a herança de seu genitor. Quando de sua morte, o viúvo (que não é o genitor dos filhos do de cujus) recebe fração igual a cada um dos herdeiros. Ou seja, o cônjuge sobrevivente torna-se proprietário de parte da meação do finado e de parte da herança do sogro. Vindo o cônjuge a morrer, seu patrimônio – integrado dos bens do ex-marido – passará aos seus sucessores (seus filhos, seus pais, seu novo cônjuge ou seus irmãos ou sobrinhos), pois não reverterá aos órfãos o patrimônio que o pai havia amealhado sozinho, nem a herança do avô, que cairão em mãos de estranhos.

E, como não há qualquer regime de bens que impeça tal resultado, talvez a solução seja não casar, viver só ou em união estável, onde inexiste esse risco que, certamente, ninguém há de querer correr.

Tomara o legislador empreste uma redação mais clara ao novo instituto, única forma para se colocar na controvérsia um ponto final.

     


Referência  Biográfica

Maria Berenice Dias:   .Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Pós-Graduada e Mestre em Processo Civil pela PUC-RS ; Professora da Escolas Superiores da Magistratura e da Advocacia.

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A autonomia da Ciência

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* João Batista Machado Barbosa

I. INTRODUÇÃO

          Embora o astrônomo e físico italiano Galileu Galilei tenha passado para a história por ter inventado o telescópio e por ter sido perseguido cruelmente pela Igreja Católica por suas idéias, razão pelo qual foi condenado à prisão domiciliar até a sua morte, em 1642, tais fatos não são rigorosamente verdadeiros e não fazem justiça à importância que seus estudos tiveram para a ciência.

          Primeiro, porque quem inventou o telescópio, na verdade, de acordo com a maioria dos historiadores, foi o holandês Hans Lippershey(1). Galileu apenas o aperfeiçoou, utilizando o novo instrumento para observar os corpos celestes e assim provar que a Terra se movia e que girava em torno do sol.

          Em segundo lugar, porque quem inicialmente formulou a teoria de que a Terra não era o centro do universo foi o polonês Nicolau Copérnico, divulgada a partir da publicação do livro Sobre a Revolução dos Mundos Celestes, em 1543.

          Por último, porque o conflito entre Galileu e a Igreja Católica sobre suas descobertas, na realidade, não se deveu simplesmente à polêmica sobre se a Terra se movia e se era ou não o centro do universo, mas sobre a autonomia da ciência e de sua capacidade de encontrar a natureza essencial de todas as coisas – a realidade por trás das aparências – antes reservado apenas à revelação divina.

          Não obstante Galileu tenha morrido há mais de trezentos e cinqüenta anos, a cada descoberta da ciência – como a recente decodificação do genoma humano – voltamo-nos para este velho conflito: qual seria verdadeiramente a autonomia da ciência? 

II. AS DESCOBERTAS DE GALILEU

          Aos 28 anos, Galileu tornou-se professor da Universidade de Pádua e lá passou a construir telescópios, muito mais potentes dos que havia até então.

          A partir do uso deste novo instrumento, Galileu pôde observar, por exemplo, que a lua, na verdade, era cheia de crateras, que a via Láctea não era apenas uma faixa nebulosa de luz, mas um conjunto de milhões de estrelas, que o sol tem manchas em sua face e que o planeta Júpiter tem quatro luas (hoje se sabe que são dezessete).

          De todas estas novas descobertas, o que mais impressionou Galileu foi o fato de que a órbita das luas de Júpiter, em torno do sol, era de forma semelhante a da nossa lua.

          Fascinado com isso, Galileu passou a observar também o movimento de outros corpos celestes e constatou que Vênus, um dos planetas interiores à órbita solar, tinha fases iguais às da lua, comprovando a teoria de Copérnico sobre o heliocentrismo.

          Diante dessas descobertas, Galileu publicou, em 1610, um pequeno livro denominado Siderius Nuncius (algo como "mensageiro estelar"), fato muito festejado no meio científico e mesmo junto à comunidade religiosa.

          De fato, alguns membros da Igreja eram da mesma sociedade científica a que Galileu pertencia(2) e se orgulharam muito dele por sua contribuição à ciência.

          Relata a história, inclusive, que, em 1611, Galileu foi homenageado no Colégio Jesuíta Romano e, em 1614, quando criticado por um monge dominicano, este foi obrigado a retratar-se publicamente, em nome de toda a ordem(3).

          Ocorre, porém, que as descobertas de Galileu desafiavam todo o conhecimento que era livremente ensinado nas Universidades da época, baseado principalmente nas idéias aristotélicas e na escritura sagrada. Era a visão ptolomaica de que a Terra era o centro do universo, conhecida como geocentrismo e que se adaptava muito bem à teologia cristã e aos ensinamentos de Aristóteles. Inclusive, lembram Paulo Roberto Morais e Adriano Botelho, que na visão deste mundo, o céu e a Terra eram regidos por leis completamente diferentes: enquanto os corpos celestes eram perfeitos, incorruptíveis e imutáveis, os seres terrenos possuíam movimento, eram imperfeitos e podiam ser corrompidos(4).

          Neste cenário, era fácil compreender porque os currículos acadêmicos traziam a clássica divisão entre a astronomia e a mecânica, ramos da ciência tradicionalmente ligados à filosofia.

          Eram contra isso que as idéias de Copérnico e de Galileu desafiavam.

          Não apenas se a Terra se movia ou não, se era ou não o centro do universo, pois suas idéias, muito mais do que isso, representavam um perigo para o saber institucionalizado dos doutores e sábios encastelados nas universidades da época e passaram a ser duramente combatidas.

          Havia, contudo, um empecilho.

          Apesar de, naquela ocasião, entender a comunidade científica que as evidências apresentadas por Galileu ainda não eram suficientes para demonstrar a veracidade de sua teoria – já que elas também explicavam a teoria mais popular da época, a do dinamarquês Tycho Brahe, que propunha estarem os planetas orbitando em torno do sol e todo este conjunto girando ao redor da terra – não havia também como contestá-las.

          A saída então foi envolver a Igreja Católica na disputa. 

III. O CONFLITO COM A IGREJA CATÓLICA

          No início do século XVII, a Igreja Católica vivia a fase conhecida como contra-reforma, ainda sob os auspícios do Concílio de Trento (1543-1563), realizado anos antes, no qual se pregava a ortodoxia das escrituras sagradas contra os "hereges reformistas", como lembram Paulo Roberto Morais e Adriano Botelho(5).

          Neste contexto, adotar uma nova concepção da ciência que não fosse proveniente de uma revelação divina era extremamente perigoso. E era justamente isso que representava a teoria de Galileu.

          Enquanto as teorias reveladas no sistema copernicano eram vistas até então apenas como instrumentos, hipóteses matemáticas, Galileu propugnava que sua teoria era uma descrição verdadeira do mundo.

          Para se ter uma idéia das idéias de Copérnico, Popper lembra como Andreas Osiander, no prefácio do livro Sobre a Revolução dos Mundos Celestes acima citado, sobre as teorias científicas abordou o assunto. Segundo ele, "não existe necessidade alguma de serem verdadeiras, ou mesmo que se assemelhem à verdade", em razão de que, "apenas uma coisa é suficiente para elas – que elas permitam cálculos que concordam com as observações" (6).

          As idéias revolucionárias de Galileu nesta polêmica eram, portanto, o ponto mais importante da questão, pois, segundo o pensamento corrente àquela época, não se concebia a superioridade do intelecto humano, sem a ajuda da revelação divina, para descobrir os segredos de nosso mundo – a realidade atrás das aparências.

          A Igreja Católica, em razão de toda esta controvérsia, designou o Cardeal Roberto Bellarmino, chefe de uma espécie de "departamento de questões controversas", para estudar o caso.

          Após concluída sua análise, o Cardeal verificou não haver ofensa nenhuma às escrituras sagradas, porém, advertiu Galileu para ele não ensinar publicamente que a terra se move ao redor do sol, ao menos que pudesse provar isso.

          Como ele não tinha ainda nenhuma prova concreta sobre suas teorias, este decreto, na verdade, teve o condão de amordaçar Galileu, que se sujeitou, em 1616, pela primeira vez, à decisão da Igreja.

          Em 1623, porém, um grande amigo e admirador de Galileu, membro de uma mesma sociedade científica, o Cardeal Maffeo Barberini, tornou-se o Papa Urbano VIII e trouxe um novo alento ao cientista a respeito de suas teorias.

          Galileu logo tratou de ter uma audiência com o novo Papa e pediu sua benção para escrever um novo livro sobre os movimentos do sistema solar. O Papa concordou com ele, porém, impôs uma condição: a de que ele deveria relatar tanto a visão do sistema heliocêntrico como o geocêntrico, de forma imparcial.

          E assim Galileu o fez, publicando seu livro Diálogo dos grandes sistemas, em 1632.

          O livro relata um diálogo entre três pessoas: um observador interessado, um defensor do heliocentrismo e um defensor do geocentrismo – uma forma muito comum de escrever àquela época – e imediatamente passou a ser um grande sucesso de venda por toda a Europa.

          Galileu, entretanto, como já havia feito outras vezes, estava mais interessado em humilhar seus opositores do que expor de forma imparcial suas teses.

          Ao escrever o Diálogo, retratou o defensor do heliocentrismo como uma pessoa espirituosa, inteligente e perspicaz, ao passo que o defensor do geocentrismo, denominado de Simplicius, um homem ignorante e mal informado, freqüentemente pego em seus próprios erros.

          Este diálogo, em razão disto, jamais poderia se travar de modo imparcial e logo as palavras de Simplicius foram identificadas com as do Papa pela população.

          Galileu então foi processado e condenado e, em troca de uma retratação pública, foi permitido que cumprisse uma sentença de prisão domiciliar, até morrer, cego, em 1642. 

IV. GALILEU E AS TRÊS CONCEPÇÕES SOBRE O CONHECIMENTO HUMANO

          A morte de Galileu, contudo, não sepultou a grande controvérsia instituída com a Igreja a respeito da autonomia da ciência.

          Além de saber do grande instrumento que sua teoria representava para a ciência, Galileu também estava empenhado em demonstrar que poderia utilizar dela para fazer uma descrição verdadeira do mundo – a realidade atrás da aparência. Isto porque as teorias verdadeiramente científicas para Galileu eram as que descreviam a essência das coisas ou a sua natureza essencial, a realidade que não podíamos ver.

          Naturalmente, tal fato contrariava a filosofia pregada pela Igreja Católica, mediante o qual as teorias científicas só poderiam ser instrumentos, hipóteses matemáticas, devendo ser usadas apenas para cálculos ou para previsões, nunca para descreverem alguma coisa real. A verdade, portanto, só poderia ser revelada através da palavra divina, incompreensível para o homem.

          Revela Popper(7), entretanto, que a concepção da ciência rediscutida a partir do episódio da igreja contra Galileu apenas mostra a velha tradição racionalista do homem, herdada dos gregos, de entender o mundo em que vivemos.

          Galileu somente renovou este espírito, enaltecendo a ciência pela sua influência liberalizadora, pela sua capacidade de nos libertar de velhos mitos, preconceitos e paradigmas, para oferecer, em seu lugar, novas conjeturas e hipóteses audaciosas.

          Dentro deste aspecto, as idéias de Copérnico e de Galileu eram extremamente fantásticas, pois o heliocentrismo, ou seja, a teoria de que a terra é que se move ao redor do sol, era uma total negação à evidência de nossos sentidos, acostumados a ver o movimento do astro celeste, nascendo e se pondo a cada dia.

          A despeito deste fato, entendemos atualmente que todas estas teorias inovadoras são apenas instrumentos de que nos valemos para compreender melhor a realidade que nos cerca.

          As teorias científicas, portanto, são simplesmente testemunhas da conquista intelectual de nosso mundo por nossas mentes e revelam apenas uma dada conjuntura.

          Como exemplo, podemos lembrar que há poucos anos atrás tínhamos o átomo como a menor partícula da matéria. Hoje, porém, já foram identificadas outras subpartículas, permitindo aos cientistas imaginarem a existência de um microcosmo de proporções infinitas e que elas serão gradativamente conhecidas a partir de novos instrumentos dispostos pelo homem para compreendê-las.

          O mesmo podemos dizer em relação ao macrocosmo.

          A conhecida teoria do big bang, ou seja, de que o universo teria se formado há 15 bilhões de anos em uma grande explosão e que ainda estaria se expandindo, formulada pelo astrônomo americano Edwin Hubble, no início do século, já vem sendo contestada. Graças ao telescópio espacial Hubble, batizado justamente em homenagem ao autor daquela teoria, já é possível calcular a idade do universo com razoável previsão, sendo que a teoria mais aceita hoje, segundo informa Cristina Ramalho, é a de que o Universo teria aproximadamente 13 bilhões de anos(8).

          A constatação mais surpreendente dos cientistas, contudo, é que se o Universo teve um começo é porque ele deve ter também um fim e de que ele não continua se expandindo, como antes se pensava.

          É a teoria denominada de big crunch, construída a partir da descoberta de que algumas galáxias estariam se desacelerando.

          Estes poucos exemplos refletem nitidamente que a ciência não deve procurar desvendar a natureza e a essência das coisas, posto não existir verdade última e conhecimento que não possa ser contestado.

          Toda teoria científica pode ser contestada, basta surgir novas evidências ou novas técnicas que permitam ao homem descobrir outras respostas para este ou aquele fenômeno.

          "De absoluto só a relatividade", dizia Einstein. Mesmo a relatividade, entretanto, nos parece "relativa" e neste final de século ela vem sendo rediscutida, diante de novas descobertas.

          O essencialismo de Galileu, portanto, embora de inegável contribuição para a ciência, haja vista ter inserido o conceito de que o cientista deve aspirar a encontrar uma teoria ou descrição verdadeira do mundo e que seja também explicação de fatos observáveis, não pode ser aceito em toda a sua latitude.

          Por sua vez, também o instrumentalismo, estigmatizado no conflito galileano com a Igreja, não representa fielmente o papel da ciência, em razão de as teorias não serem simples instrumentos ou hipóteses matemáticas para a predição ou explicação de determinados fenômenos.

          Com efeito, uma teoria pode, por exemplo, prever a existência futura de um terremoto ou de um eclipse, eventos de causas e efeitos conhecidos, mas não pode prever novos tipos de eventos, daí por que ela não é um simples instrumento para explicar ou expor a existência de um fato ou de um fenômeno.

          A criação de novas situações para novos tipos de testes é uma função da ciência que o instrumentalismo dificilmente pode explicar sem abandonar seus dogmas fundamentais, daí porque, concordando com Galileu, a função instrumental da ciência não esgota toda a sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento e progresso da vida buscados pelo homem.

          Em razão disto, talvez tenha razão Popper, ao criar uma terceira concepção(9), que a chamamos de realismo, expressa nos termos de que a ciência é um instrumento verdadeiramente capaz de descobrir coisas reais, mas que ela não deve esperar encontrar a essência ou natureza das coisas – a realidade por trás das aparências – nem que este conhecimento seja último e incontestável.

          A autonomia da ciência, portanto, não pode ser limitada a princípios e dogmas em razão de algumas ideologias, crenças ou teorias entenderem como inatingíveis e intransponíveis.

          Há sempre espaço para novas descobertas. 

V.   A  AUTONOMIA DA CIÊNCIA E AS NOVAS DESCOBERTAS

          Inobstante a importância da discussão sobre a autonomia da ciência acima articulada, as novas descobertas no campo da biogenética, principalmente a clonagem de seres vivos e o mapeamento do genoma humano, desperta o homem para uma nova reflexão neste fim de século e, ao que tudo indica, o velho conflito entre Galileu e a igreja vai terminar restrito mesmo à história e à epistemologia.

          Realmente, vencida a luta em favor da liberdade de investigação científica, constatamos, centenas de anos depois de Galileu, que o conceito de autonomia da ciência precisa ser reavaliado – não em razão de sua abrangência ou de seus métodos, mas do domínio de seus resultados.

          Sabemos que o conhecimento humano aumenta em proporções assustadoras a cada ano e que isto tem proporcionado melhores condições de vida para o homem e sua vida em sociedade. A partir do desenvolvimento da tecnologia nos campos das telecomunicações, informática e transportes, por exemplo, mais facilidades encontramos para realizar nossos sonhos de uma vida confortável e feliz.

          Com a decodificação do genoma humano e a descoberta dos segredos da vida, contudo, esta discussão precisa ser mais aprofundada.

          Se já somos capazes de decifrar o código com que Deus criou a vida, em breve seremos capazes também de clonar seres humanos, a partir da seleção de matrizes predeterminadas, de identificar antecipadamente a propensão de alguém em contrair uma doença ou de vir apresentar alguma deformidade no futuro, bem como de erradicar males antes incuráveis, como o câncer, hepatite, doença de chagas e a aids.

          E a quem pertence todo este tesouro? Às empresas privadas e aos países que estão desenvolvendo esta tecnologia? Ou, pela sua importância, tais descobertas pertenceriam ao patrimônio da humanidade?

          Quem teria acesso a essas informações?

          Quais os limites éticos para a aplicação desta tecnologia?

          Quais as repercussões jurídicas sobre novos conceitos de família, patrimônio, contratos, herança, dentre outros, surgidos a partir destas novas descobertas?

          Tais questões não podem ser facilmente respondidas, pois envolvem a participação não só de um país ou de uma empresa, mas de todas as nações preocupadas com o futuro e com nossa sobrevivência.

          Basta constatarmos que com o avanço da medicina, por exemplo, não só as doenças genéticas poderão ser curadas, através do que hoje chamamos de "terapia genética", mas quase todas as infecções provocadas por vírus, bactérias e parasitas, a partir da identificação de seus genes – o que poderá provocar um aumento na expectativa de vida e uma explosão populacional incontrolada.

          Para se ter uma idéia, a média da expectativa de vida, antes da revolução industrial, no século XVIII, era de 35 anos. Hoje, em alguns países, esta mesma expectativa orbita em torno de 75 anos.

          Além disso, a manipulação genética de embriões poderá criar uma busca pela "pureza de raça" e, no futuro, poderão surgir verdadeiras "fábricas de bebês" – o que certamente provocará uma mudança radical na concepção do homo sapiens. Prevêm os mais pessimistas até que, no futuro, em razão do domínio da tecnologia genética, somente haverá duas classes sociais: os ricos, eternos e saudavelmente imortais, e os pobres, doentes e frágeis mortais.

          O acesso às informações genéticas irá também criar problemas incomensuráveis entre os portadores de genes defeituosos e empresas empregadoras, seguradoras e planos de saúde. A partir do momento em que elas tiverem acesso ao código genético de uma pessoa, poderão também estabelecer, por exemplo, uma política de preços e de contratação de mão-de-obra em relação a eventuais doenças ou males que ela possa contrair.

          Estas observações são apenas algumas das implicações trazidas pelas novas descobertas na biogenética e nos obrigam a fazer uma profunda reflexão sobre a autonomia da ciência em descobrir e se apropriar deste conhecimento.

          Dizer apenas que determinados conhecimentos são restritos a Deus e que a ciência não pode descobrir e manipular determinadas técnicas é uma grande bobagem, pois, no passado, muitas descobertas foram também consideradas desta maneira e, apesar de muita gente ter sido condenada e até morta na fogueira por isso, o homem provou que a ciência pode lhe dar respostas satisfatórias sobre os mistérios da vida e que estes conhecimentos não são exclusivamente de propriedade divina.

          De nada adianta se lamentar também contra o desenvolvimento da ciência, dizendo que ela está exclusivamente a serviço do capital, como, por exemplo, aos grandes laboratórios farmacêuticos, pois certamente os investimentos feitos por eles devem ser, de alguma forma, compensados. A título de ilustração, entendemos aceitável a idéia de se reconhecer a patente em favor de órgãos privados ou públicos que desenvolveram determinada tecnologia considerada de relevante interesse por um pequeno período de tempo, passando depois ao patrimônio da humanidade.

          Por outro lado, é importante lembrar que a sociedade e o Estado jamais conseguirão impedir totalmente a pesquisa científica sobre este ou aquele tema, pois acreditamos, como Galileu, que o conhecimento humano não pode ser dominado por forças autoritárias, mas controlado e dirigido em torno de um resultado que traga benefícios para todos e não apenas para uma empresa ou um país.

          O mais importante é que a sociedade precisa se envolver neste processo, pois nosso futuro está em jogo e não podemos ficar impassíveis, assistindo a um dos capítulos mais importantes de nossa história da poltrona de nossa sala, como se nosso destino se esgotasse no roteiro da novela das oito.

          Fazer calar Galileu, por meio de uma medida autoritária e unilateral, em razão de sua luta pela autonomia da ciência, não foi muito difícil e, como constatamos anos depois, de nada valeu. Com certeza a humanidade não cometerá o mesmo erro.

          Mas, o risco de autonomia absoluta, conforme aponta Paulo Roberto Morais e Adriano Botelho(10), pode-nos levar a um autoritarismo da razão, principalmente em razão da existência de uma crescente especialização por parte de algumas empresas privadas ou patrocinadas pelos governos de determinados países, criando verdadeiras ilhas de conhecimento.

          Portanto, é preciso compreender que a ciência deve exclusivamente servir ao homem e, por isso, ele deve ser consultado sobre os benefícios e malefícios que ela vai lhe proporcionar.

          Aldous Huxley, em Admirável mundo novo, escrito em 1946, sustentava que a Utopia estava mais perto do que se poderia imaginar, bastava a descentralização do conhecimento e o emprego da ciência aplicada, não como o fim a que os seres humanos deverão servir de meios, mas como meio para produzir uma raça de indivíduos livres.

          Não concordamos com o autor sobre a existência de um mundo utópico, pois este, em razão da própria natureza imperfeita do homem jamais poderá ser alcançado, nem no fato de que a liberdade possa ser "produzida" por ele, pois, na verdade, ela sempre existiu e sempre existirá, independente de qualquer tentativa de restringi-la ou eliminá-la. A história é testemunha disso.

          Nada obstante, o desenvolvimento e o emprego da tecnologia em proveito do homem, não apenas visto como um simples instrumento, mas como seu destinatário final, nos parece ser a exata medida dos caminhos que deverão ser tomados pela ciência.

          Tal posicionamento direciona obrigatoriamente a discussão para a sociedade e para o direito, que, de forma democrática, devem discutir os destinos da nova ciência, a partir de tudo o que aprenderam com Galileu e dos novos desafios lançados pelo projeto Genoma.

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NOTAS

(1) Enciclopédia Delta Universal, v. 14, p. 7583.

(2) Academia dos Linces

(3) in Galileu: fatos estranhos e uma história famosa, de autoria desconhecida, publicado no site http://tupi.fractual.com.br/mais/explorezon

(4) in Galileu, institucionalização e autonomia da nova ciência, p. 2 no site http://www.pucsp.br/geoweb.

(5)  op. cit., p. 3

(6) K.R. Popper. Três concepções acerca do conhecimento humano. p.386.

(7) op. cit., p. 390

(8) in Admirável novíssimo mundo, revista VEJA, ed. 8.7.98

(9) op. cit. , p. 403

(10) op. cit., p. 4

BIBLIOGRAFIA

ANÔNIMO. Galileu: fatos estranhos e uma história famosa. Publicado no site http://tupi.fractual.com.br/mais/explorezon.

BOTELHO, Adriano e MORAES, Paulo Roberto. Galileu, institucionalização e autonomia da nova ciência. Publicado no site http://www.pucsp.br/geoweb.

POPPER, Karl R. Três concepções acerca do conhecimento humano. Trad. Pablo Ruben Mariconda. in Os pensadores. São Paulo: Abril, 1975.

RAMALHO, Cristina. Admirável novíssimo mundo. Revista Veja. Edição de 8.7.1998. São Paulo: Abril, 1998.

  


Referência  Biográfica

João Batista Machado Barbosa:  Promotor de Justiça da Comarca de Natal (RN), Professor de Direito da Universidade Potiguar, da Faculdade para o Desenvolvimento do Rio Grande do Norte e da Fundação Escola do Ministério Público.

jbmb@uol.com.br

Recurso de apelação: o efeito suspensivo e suas implicações

1

* Clovis Brasil Pereira

Sumário: 1.  Generalidades  –  2.   Apelação recebida apenas no efeito devolutivo  –  3.  O efeito suspensivo e suas implicações  –  4.   Efeitos que se produzem, mesmo na pendência de apelação com efeito suspensivo  –    5. O efeito suspensivo na falta de previsão legal  –  6. Conclusão  –  7.  Referência Bibliografia

1.      Generalidades

          Dentre os recursos previstos no Código de Processo Civil, em seu artigo 496,  encontramos  no inciso I,  o recurso de apelação,   que cabe à parte sucumbente, no todo ou parcialmente,  quando da prolação de Sentença Judicial[1],  com julgamento do mérito (art. 269, incisos),   ou sem o  julgamento do mérito (art. 267, incisos).

           A apelação, por definição da doutrina  é “o recurso ordinário cabível contra  as sentenças em primeiro grau de jurisdição”[2]

           O cabimento do recurso,  a forma procedimental que deve ser observada  quando da  interposição da apelação, os efeitos que  lhe podem ser atribuídos,  vêm expressos de forma global, dos artigos 513 ao 521 do Estatuto Processual, observando-se no que couber,  os princípios fundamentais  que norteiam a teoria geral dos recursos.

           Quanto aos efeitos, que será objeto de análise neste trabalho, notadamente, o efeito suspensivo, e suas implicações, referido recurso, como regra, produz ambos  efeitos, ou seja, o devolutivo e o suspensivo.

           Esta regra está inserta no caput, do artigo 520, do  CPC, na primeira parte, que assim prescreve:

            " A apelação será recebida em seu efeito   devolutivo e suspensivo…”.

           Temos assim, que “recebida a apelação em ambos os efeitos, o juiz não poderá inovar no processo”[3]. Segundo a doutrina, “a proibição de inovar no processo significa ser-lhe vedada a prática de qualquer ato, salvo a daqueles que digam respeito ao simples impulso processual do recurso. Cabe-lhe, tão somente, dirigir o processamento da apelação e encaminhar os autos ao juízo ad quem, ou declarar sua deserção por falta de preparo”[4].                                        

2.    Apelação recebida apenas no efeito devolutivo  

           Temos todavia, casos expressos no Código de Processo Civil, e em legislação especial, em que o recurso de apelação  deve ser recebido somente no efeito devolutivo, constituindo-se esses casos   em exceções à regra geral.

           Estes casos vêm alinhados:

           a) nos incisos I ao VII, do artigo 520 do Código de  Proc. Civil;

          b) no artigo 1.184 do mesmo codex, que trata da Sentença que decreta a interdição, e que produz efeito de imediato, embora sujeita à apelação;

           c) aos casos previstos em legislação especial, tais  como: Lei 8.245/91, que trata do despejo por falta de pagamento; Decreto-Lei n° 7.661/45, que trata das  Falências e Concordatas, das Sentenças que julga as habilitações de crédito;  na Lei 1.533/51, que trata do Mandado de Segurança, quando a ordem for concessiva, dentre outras.

3.   O efeito suspensivo e suas implicações

           Interposto o recurso de apelação, e sendo este recebido no Juízo “a quo”, em ambos os efeitos, incluindo-se no caso o  suspensivo, que interessa na presente análise, ficam contidos a produção imediata dos efeitos da Sentença.

           Assim, “o efeito suspensivo é aquele destinado a provocar a suspensão da imediata executividade da decisão impugnada, de modo a só lhe dar cumprimento após o julgamento do recurso”[5].

           Note-se,  que na doutrina de José Carlos Moreira Barbosa,  encontramos uma crítica ao sentido restrito da impossibilidade da promoção da imediata execução, “pois as decisões meramente declaratórias e as constitutivas que não comportam  execução (no sentido técnico do direito processual) também podem ser impugnadas mediante recursos de efeito suspensivo.”[6] 

           Segundo o referido autor, “a expressão  ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor que só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente. Na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interpor o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe  sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso”[7]

           Ilustra o seu posicionamento, com o aval de outros doutrinadores de peso no Processo Civil, tais como ELIÉZER ROSA, Cadernos de Processo Civil, vol. I, pág. 347; OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, Curso de Processo Civil, vol. I, pág. 347; MARCO AURÉLIO MOREIRA BORTOWSKI, Apel. Cív., pág. 126; ADA PELLEGRINE GRINOVER, Um enfoque constitucional da Teoria geral dos Recursos, pág. 87.[8]

           Citando ainda PONTES DE MIRANDA, Coment. do C.P.C. (de 1973), t. VII, pág. 16, observando que o consagrado processualista foi incisivo a respeito, transcreve:

            “… o efeito suspensivo é mais efeito de recorribilidade do que de recurso”.

            A posição adotada pelo renomado autor, de fato, se mostra muito lógica. O efeito suspesivo já é preexistente, desde a prolação da Sentença e de sua publicação e intimação das partes. Dentro do prazo recursal, que no de recurso de apelação é de quinze dias, contados da intimação da decisão, a Sentença  tem os seus efeitos contidos e não pode ser executada, já que lhe falta um dos requisitos primordiais, próprio do títulos executivos judicial ou extrajudicial, que é a exigibilidade. 

            A interposição do recurso, dentro do prazo legal, não suspende em sí, a executividade do título, porque ele ainda não tinha essa característica, mas apenas lhe prolonga a inexigibilidade do título executivo judicial, e consequentemente, suspende-lhe a pronta eficácia para tornar  hábil a executividade,  o que poderá ocorrer somente após a consumação do  trânsito em julgado.

            Nesse passo, se pode afirmar que o efeito suspensivo, derivado do recurso de apelação, é produzido antes mesmo da interposição do recurso, ou seja, no prazo de interposição (dentro de 15 dias contados da intimação da Sentença), já que nesse período a decisão proferida, sendo apelável, é ainda ineficaz. 

            É importante de ser salientado, que o Juiz, na Primeira Instância, ao receber o recurso, está impossibilitado de inovar em relação aos efeitos da apelação,  Deve, por essa razão, limitar-se ao que estabelece a legislação própria.

            A autorização para se conceder o efeito suspensivo, em casos não expressos em lei, é dada ao Juiz relator do recurso de apelação, conforme a previsão expressa no artigo 558,  parágrafo único, do Código de Processo Civil, que assevera:

            "Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.

            Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto neste artigo às hipóteses do art. 520.”

            É patente assim,  que o efeito suspensivo ao recurso de apelação,  nos casos não contemplados em lei, depende do entendimento do juiz relator, a quem  foi conferido poder de decisão, ao examinar cada  caso concreto, e desde que seja relevante a fundamentação do recorrente, e reste demonstrado que  a imediata execução da sentença, mesmo em caráter provisório,  possa causar lesão grave e de difícil reparação.

            Entende-se, que nesse caso, ao receber o recurso na Primeira Instância, o Juiz “a quo” deve se cingir aos efeitos permitidos em lei, mesmo ocorrendo pedido expresso do recorrente, em sentido inverso.

            Ao declinar os efeitos em que está recebendo o recurso, de conformidade com o artigo 518, do Código de Processo Civil,  o Juízo recorrido estará, ao nosso ver,  possibilitando ao recorrente, a interposição de recurso de agravo de instrumento ao Juízo “ad quem”, com a fundamentação adequada, para buscar, na Segunda Instância, o efeito suspensivo não contemplado no ato da interposição, por falta de autorização legal.

            Esse procedimento se faz necessário, para se evitar a executividade provisória da Sentença recorrida. Caso contrário, é certo que o recurso de apelação recebido apenas no efeito devolutivo, demorará muito tempo até chegar à Instância Superior, ser distribuído, e encaminhado ao relator, o que poderá tornar tardia demais a apreciação do pedido de efeito suspensivo.

            Posicionamento idêntico, admitindo a hipótese do cabimento do recurso de agravo,  para se buscar o efeito suspensivo na apelação, “como única solução razoável”, é esposada por  Theotônio Negrão[9],

            A interpretação do artigo 558, estendendo ao recurso de apelação, a possibilidade de receber o recurso no efeito suspensivo, em casos especiais, “resulta da combinação do ’caput’, com o parágrafo, que, em todos os casos de agravo e de apelação no efeito apenas devolutivo (art. 520), o relator pode dar efeito suspensivo ao recurso, desde que seja relevante o fundamento invocado e da execução possa resultar lesão grave e de difícil reparação”[10].

            A doutrina  de uma forma geral, entende que a possibilidade de atribuir o efeito suspensivo, ao recurso de apelação, nos casos não previstos em lei, e com apoio no aludido parágrafo único, do artigo 558, é do juiz relator do recurso, com uma única voz discordante que consegui detectar ao longo da pesquisa[11]., que admite como competência do Juiz de primeiro grau tal possibilidade.

4.     Efeitos que se produzem mesmo na pendência de apelação com efeito suspensivo.

           Encontramos casos, em que mesmo pendente de julgamento, o recurso de apelação recebido no efeito suspensivo, o que a rigor, torna contida a decisão adotada na Primeira Instância, pode gerar de imediato outros efeitos. “São efeitos que, por assim dizer, escapam não só à força inibitória da recorribilidade in genere, mas também – o que é absolutamente excepcional – à força inibitória da recorribilidade por meio suspensivo” [12]. 

           Significa dizer, que mesmo o recurso de apelação, sendo recebido em ambos efeitos, inibindo o cumprimento da Sentença da Primeira Instância,  alguns atos podem ser praticados pela parte, para garantia da eficácia futura da decisão, conforme previsão expressa na legislação, onde podemos encontrar várias hipóteses, algumas identificadas a seguir, a título exemplificativo,  encontradas no Código de Processo Civil:

           1ª hipótese:  Vem prevista com nitidez, no parágrafo único do art. 814, que trata da ação cautelar nominativa de arresto de bens, que prevê:  a “sentença líquida ou ilíquida, pendente de recurso”, que condene o devedor “no pagamento de dinheiro ou de prestação que em dinheiro se possa converter”, equipara-se à prova literal da dívida líquida e certa como fundamento e pressuposto da concessão de arresto de bens.

           Têm-se assim, que no caso de recurso de apelação interposto contra a Sentença  proferida pelo Juízo “a quo”, sendo recebida nos efeitos devolutivo e suspensivo, a parte pode promover a prática de determinados atos, que possam assegurar a plena eficácia da decisão recorrida, autorizando-se o arresto de bens, para o fim colimado.

           2ª hipótese:  De forma semelhante, e para garantia da plena eficácia do julgado, pendente de recurso de apelação, recebido no duplo efeito, preconiza  o artigo 822, n° II, a possibilidade do Juiz decretar o seqüestro “dos frutos e rendimentos do imóvel reivindicando, se o réu depois de condenado por sentença ainda sujeita a recurso, os dissipar”.

            Assim, “inexistindo, aqui também, distinção entre recursos dotados e não dotados de efeito suspensivo, conclui-se que a sentença condenatória, na hipótese de que se cuida, embora apelável no duplo efeito, e inclusive na pendência da apelação,  tem eficácia para o fim de legitimar a decretação do seqüestro, desde que se conjugue com o fato da dissipação, pelo réu condenado, dos frutos e rendimentos”[13]

           3ª hipótese:  Como último exemplo, temos o caso da constituição de hipoteca judiciária, preconizada no artigo 466, caput: “A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registro Públicos”, completado pelo inciso III, que acrescenta, “ainda que o credor possa promover a execução provisória”.

           É sabido que a hipoteca judiciária tem o objetivo de garantir ao vencedor a plena eficácia da Sentença condenatória, que lhe  foi favorável, no caso de uma futura execução, após o seu trânsito em julgado.

           Sendo recebido o recurso do vencido, no duplo efeito, pode o credor, constituir, nos termos do artigo 466, a hipoteca judiciária, levando-a à registro junto ao Cartório Imobiliário competente, para assegurar o êxito da execução futura, no caso de restar confirmada posteriormente a Sentença da Primeira Instância.

           É esse um efeito produzido em favor do credor, que pode ocorrer e ser pleiteado pelo vencedor recorrido, mesmo quando à apelação, for conferido o duplo efeito.

           Esse entendimento é encampado pela Doutrina, que autoriza e reconhece o direito ao vencedor, de registrar a hipoteca judiciária: “se o recurso foi recebido no efeito suspensivo, é fora de dúvida que também é lícito ao autor requerer o registro da hipoteca. Pois se a lei faculta a hipoteca mesmo quando o credor tem a possibilidade de promover a execução, por maioria de razão a deve facultar, quando ele está inibido de  a promover”[14].

5.  O efeito suspensivo, na falta de previsão legal

           Para o exame desta hipótese, devem ser analisadas duas situações diversas: o que ocorria antes da Lei 9.139/95, e o que passou a ser admitido após o advento dessa lei, que autorizou ao juízo, a possibilidade de se atribuir efeito suspensivo ao recurso de agravo de instrumento,  com fulcro no art. 558, combinado com o artigo 527, III, do Código de Processo Civil.

           Têm-se assim, e esse é o entendimento majoritário da Jurisprudência, que a partir da Lei 9.139/95, desde que justificada a necessidade, decorrente do risco de lesão grave e de difícil reparação, negado o efeito suspensivo à  apelação, pelo Juízo “a quo”, pode o interessado manejar o recurso de agravo de instrumento, para atribuir a suspensividade ao recurso de apelação, não sendo  mais cabível para  o caso, o Mandado de Segurança ou a Medida Cautelar inominada, instrumentos jurídicos anteriormente aceitos, inclusive pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal.

           Em Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Mandado de Segurança n° 596088203, julgado em 25.09.96, a ementa oficial, analisa a matéria da forma seguinte: “Já antes da vigência da Lei n° 9.139/95, que ditou novas regras para o agravo de instrumento, não admitia, a jurisprudência, mandamus contra ato judicial, sem o concomitante recurso, destinado a evitar preclusão. A partir da reforma do Código de Processo Civil de 1994 e 1995, a Lei n° 1.533/51 readquiriu sentido pleno, pois não se deve admitir o mandado de segurança para fins de obtenção de efeito suspensivo a agravo, eis que tal pode ser obtido, com vantagens, pelo disposto no art. 558 do CPC”.[15]

           No julgamento feito pelo 2° Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, MS n° 456.046-00-8, em 08.05.96, relatado pelo Juiz Laerte Sampaio[16], encontramos a seguinte ementa oficial:  “Está definitivamente afastada a admissibilidade do uso da ação cautelar ou o mandado de segurança para pleitear-se o efeito suspensivo à apelação, nos termos da Lei 9.139/95”.

           No referido Acórdão, é bem esclarecedor a respeito do tema, o voto do Juiz relator, que assim se expressou:

           “… Disciplinando a interposição direta do agravo junto aos tribunais, a Lei 9.139/95 outorgou ao relator a  faculdade de suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara (arts. 527, II, e 558, CPC). Tornou-se, portanto desnecessária qualquer ação cautelar ou mandado de segurança para dar-se efeito suspensivo ao recurso interposto contra as decisões interlocutórias.

           A lei conferiu a mesma faculdade para o relator da apelação (art. 558, parágrafo único), sem instrumentalizar a forma pela qual a parte obteria essa tutela de forma rápida e eficaz. Contrariamente à nova sistemática do agravo, o processamento da apelação é feito perante o Juízo a quo e não raras vezes a execução provisória define situações de irreversibilidade antes de ser aquela recebida em 2ª Instância.. É o que acontece nas ações de despejo. É inegável que, diante do novo regramento, a parte tem o direito subjetivo processual de ver apreciado, de forma atual e eficaz, o seu pedido de efeito suspensivo da apelação. Por conseqüência é imprescindível a existência de um instrumental adequado para a veiculação dessa pretensão. Inviável o uso de agravo de instrumento para conferir-se efeito suspensivo à apelação já que após a sentença somente é admissível aquele recurso na forma retida (§ 4°, do art. 523, CPC). Admitir-se como adequados a ação cautelar e o mandado de segurança é negar-se não só o objetivo da alteração, que é o de coartá-los, mas  também a natureza meramente incidental da providência, sem as exigências e limitações daqueles remédios.

           Ressalta, portanto, a necessidade dos regimentos internos dos tribunais disciplinarem esse pedido incidental de efeito suspensivo ao recurso de apelação, adaptando-se-lhe o instrumental já previsto para o agravo de instrumento. Enquanto isto não ocorrer, é inafastável  dever ser aplicada, de forma analógica, aquele instrumental. O certo, portanto, é que ficou definitivamente afastada a admissibilidade do uso da ação cautelar ou o mandado de segurança para pleitear-se o efeito suspensivo à apelação”.

           Embora o relator do Acórdão citado, faça objeção à utilização do agravo de instrumento, e clame por regramento próprio nos regimentos internos dos Tribunais, para disciplinarem seu processamento nos casos em foco, afasta enfaticamente a possibilidade  do cabimento do Mandado de Segurança e da Medida Cautelar, para atribuir efeito suspensivo ao recurso de apelação, não contemplado no artigo 520 do CPC, desde que presentes as situações fáticas do artigo 558, do mesmo codex.

           Da mesma forma, é o  entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, esposada pelo relator, Ministro  Humberto Gomes de Barros, da 1ª Turma, RMS 6.959-SP:[17] “Desde o advento da Lei 9.139/95, o mandado de segurança para imprimir efeito suspensivo à decisão judicial só é admissível após o impetrante formular e ver indeferido o pedido a que se refere o art. 558 do CPC”.   

           É patente, para o advogado da parte, que existindo situação de risco de lesão grave e de difícil reparação, e sendo o recurso de apelação recebido apenas no  efeito devolutivo, que deva se valer do recurso de agravo de instrumento, com requerimento expresso de pedido liminar de efeito suspensivo, quando o artigo 520, assim não autorizar.

6.     Conclusão

           Da análise do efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação, temos como principal implicação, a impossibilidade de se executar, mesmo provisoriamente, a Sentença proferida na Primeira Instância, já que seu resultado e sua produção ficam contidos, até o julgamento final do recurso, e o seu conseqüente trânsito em julgado.

           A impossibilidade de imediata executividade da Sentença recorrida, no entanto, não se constitui em caso raro, já que a regra geral, contida no caput, do artigo 520, do CPC, prevê expressamente, que o recurso é sempre recebido no duplo efeito, excetuando através dos incisos I ao VII, casos específicos em que o recurso pode ser recebido apenas no efeito devolutivo.

           Examinamos no decorrer do trabalho, casos específicos, em que mesmo sendo atribuído o efeito suspensivo à apelação, a lei prevê a prática de atos específicos, para garantir a eficácia da sentença proferida, desde que confirmada em grau de recurso. Tais situações são possíveis no procedimento cautelar de arresto e seqüestro de bens, e no de constituição de hipoteca judicial.

           Nas hipóteses em que a lei processual ou especial  prevê especificamente que o recurso de apelação deve ser recebido apenas no efeito devolutivo, é possível ao recorrente, buscar o efeito suspensivo, através da manifestação do Juiz relator do recurso, conforme expressa disposição do parágrafo único, do artigo 558, do CPC, pela via do recurso de agravo de instrumento, conforme entendimento firmado na doutrina e na jurisprudência.

           No caso de recurso de apelação contra Sentença que extinguir o feito, sem o julgamento do mérito, a atribuição do duplo efeito, será importante para o recorrente, apenas para  impedir a pronta execução, por parte do réu,  das verbas de sucumbência, se estas foram fixadas na decisão terminativa do processo.

           Por fim, temos que é da história de nosso direito processual, ser atribuído ao recurso de apelação, os efeitos devolutivo e suspensivo, excepcionando-se os poucos casos em que o efeito suspensivo não é atribuído ao recurso,

           Temos, no entanto, convicção que essa tendência histórica venha ser modificada, em futuro próximo, em face do clamor por maior celeridade processual, e meios mais rápidos e eficientes para a pronta prestação jurisdicional.

           Parece-nos razoável, que se inverta a regra geral até agora adotada, e ao invés de se atribuir duplo efeito à apelação, passe esta a receber como regra, apenas o efeito devolutivo, excepcionando-se os casos do duplo efeito, deixando-se uma porta aberta, para que o Magistrado, possa examinar situações excepcionais, como as previstas no artigo 558, do CPC.

           Logicamente, que essa maior celeridade processual e a eficiente e pronta prestação jurisdicional, não podem se contrapor e macular os princípios constitucionais fundamentais, da ampla defesa, do devido processo legal, dentre outros, sob pena de assistirmos a subversão da ordem legal, e nos distanciarmos, cada vez mais da perseguição da  Justiça, na pura acepção do termo.

7.   REFERÊNCIAS  BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA MOREIRA, José Carlos – Comentário ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro. Forense.

GRECO Filho, Vicente – Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo. Editora Saraiva.

DINAMARCO, Cândido Rangel – A Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo. Malheiros

NERY, Nelson Junior – Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais

SANTOS, Moacyr Amaral – Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo. Editora Saraiva.

TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo – Reforma do Código de Processo Civil. Vários Autores sob a Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo. Saraiva.

THEODORO, Humberto – Curso de Direito Processual Civil. Rio. Forense.

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Notas

[1] Artigo 162, do CPC.

[2] Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, 2° Volume, pág. 285

[3]  Cód. Proc. Civil, art. 521, 1ª parte

[4]  Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Dir. Proc. Civil, pág. 114.

[5] Nelson Nery Júnior, Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos, pág.  39.

[6] José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. V, pág. 255.

[7] José Carlos Barbosa Moreira, obra citada, pág. 255

[8] José Carlos Moreira Barbosa, obra citada, nota 38.

[9]  Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual, nota 9, art. 558.

[10] JTJ 204/184

[11] Clito Fornaciari Jr., A reforma proc. Civ., pág. 130.

[12] José Carlos Moreira Barbosa, obra citada, pág. 474.

[13]  José Carlos Moreira Barbosa, obra citada, pág. 474.

[14] José Alberto dos Reis, Cód. De Proc. Civ. Anot., vol. V, pág. 205.

[15] RJTJRS  n° 180/208.

[16] RT 731/352

[17] Theotonio Negrão, obra citada, nota ‘”3” ao artigo 527.

  


 

Referência  Biográfica

Clovis Brasil Pereira  –  Advogado, especialista em Processo Civil,  Mestrando em Direito, na UNIMES, Professor Universitário, Coordenador e Editor  do site jurídico www.prolegis.com.br.   – 2004

prof.clovis@terra.com.br

Justiça: acesso e descesso

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* J. E. Carreira Alvim

Sumário: 1. Considerações prévias. 2. Significado de "acesso à Justiça". 3. Ondas que traduzem o "acesso à Justiça". 4. Primeira onda: "Assistência judiciária para os pobres". 5. Segunda onda: "Representação dos interesses difusos". 6. Terceira onda: "Acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça, e um novo enfoque de acesso à Justiça". 7. Primeira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Assistência judiciária". 8. Segunda onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Ações coletivas". 9. Terceira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Nova estrutura do Poder Judiciário e os novos procedimentos". 10. Obstáculos ao acesso à Justiça brasileira: "A estrutura judiciária, a morosidade dos procedimentos, e o uso indiscriminado de recursos". 11. Considerações finais.


 

1. Considerações prévias

            O acesso à Justiça é um produto da obra de CAPPELLETTI, e mereceu, no Brasil, uma aceitação não vista em outras partes do mundo.

            Falar de "acesso à Justiça" é como que pronunciar uma palavra mágica, do tipo "abre-te Cézamo", em que se descerra uma larga porta pela qual todos passam, desde os mais miseráveis até os mais abastados, só que, infelizmente, pouquíssimos saem num prazo razoável.

            Infelizmente, nem as ondas cappellettianas, que varreram o continente latino-americano, e, em especial, o Brasil, conseguiram fazer da Justiça uma instituição confiável, eliminando, ou, pelo menos, atenuando, satisfatoriamente, o sofrimento de quem se vê obrigado a demandar em juízo a satisfação do seu direito.

            Não resta a menor dúvida de que a obra de CAPPELLETTI foi um marco na busca de soluções para tornar a Justiça uma instituição acessível a todos, e a sua grande repercussão animou os operadores do direito a partir em busca de novos caminhos, reformulando as estruturas judiciárias, e, especialmente, as legislações processuais, com o propósito de alcançar esse objetivo.

2. Significado de "acesso à Justiça"

            Quando se fala em "acesso à Justiça", pensa-se logo numa Justiça eficaz, acessível aos que precisam dela e em condições de dar resposta imediata às demandas; enfim, uma Justiça capaz de atender a uma sociedade em constante mudança.

            A expressão "acesso à Justiça", registram CAPPELLETTI e BRYANT GARTH é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. (1) Observam, porém, que o seu enfoque sobre o acesso à Justiça é primordialmente sobre o primeiro aspecto (acessibilidade), sem perderem de vista o segundo. E concluem: "Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo.

            Para HORÁCIO W. RODRIGUES, (2) é necessário destacar, frente à vagueza do termo acesso à Justiça, que a ele são atribuídos pela doutrina diferentes sentidos, sendo eles fundamentalmente dois: o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à Justiça e acesso ao Poder Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça, compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano. E conclui que esse último, por ser mais amplo, engloba no seu significado o primeiro.

            Para mim, o acesso à Justiça compreende o acesso aos órgãos encarregados de ministrá-la, instrumentalizados de acordo com a nossa geografia social, e também um sistema processual adequado à veiculação das demandas, com procedimentos compatíveis com a cultura nacional, bem assim com a representação (em juízo) a cargo das próprias partes, nas ações individuais, e de entes exponenciais, nas ações coletivas, com assistência judiciária aos necessitados, e um sistema recursal que não transforme o processo numa busca interminável de justiça, tornando o direito da parte mais um fato virtual do que uma realidade social. Além disso, o acesso só é possível com juízes vocacionados (ou predestinados) a fazer justiça em todas as instâncias, com sensibilidade e consciência de que o processo possui também um lado perverso que precisa ser dominado, para que não faça, além do necessário, mal à alma do jurisdicionado.

3. Ondas que traduzem o "acesso à Justiça" (3)

            Três são as ondas visualizadas por seus idealizadores, e que serão consideradas no desenvolvimento deste trabalho: 1ª) assistência judiciária para os pobres; 2ª) representação dos interesses difusos; e 3ª) acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça e um novo enfoque de acesso à Justiça.

            De todas as ondas, a mais importante, para a ordem jurídica nacional, é a terceira, por compreender uma série de medidas, desde a reestruturação do próprio Poder Judiciário, passando pela simplificação do processo e dos procedimentos, e desaguando num sistema recursal que não faça da parte vencedora refém da perdedora. Tudo com vistas a agilizar a prática judiciária, para que a parte que tem razão tenha a certeza de que receberá do Estado-juiz, ainda em vida, a prestação jurisdicional que lhe garanta o gozo do seu direito.

4. Primeira onda: "Assistência judiciária para os pobres".

            A primeira onda busca os meios de facilitar o acesso das classes menos favorecidas à Justiça, destrinçando os diversos modelos de prestação de assistência judiciária aos necessitados.

            Analisam os idealizadores das ondas de acesso à Justiça o Sistema Judicare, que resultou das reformas levadas a efeito pela Áustria, Inglaterra, Holanda, França e Alemanha, sistema através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei, em que os advogados particulares são pagos pelo Estado. A finalidade desse sistema é proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação (em juízo) que teriam se pudessem pagar um advogado. Analisam, também, o modelo de assistência judiciária com advogados remunerados pelos cofres públicos, com um objetivo diverso do sistema judicare, o que reflete sua origem no Programa de Serviços Jurídicos do Office of Economic Opportunity, de 1965, em que os serviços jurídicos são prestados por "escritórios de vizinhança", atendidos por advogados pagos pelo governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classe. (4)

            Alguns países buscam combinar os dois modelos, de forma que um complementa o outro, tendo assim procedido a Suécia e a Província de Quebec, no Canadá, oferecendo ao necessitado a escolha entre o atendimento por advogados servidores públicos ou por advogados particulares, embora o sistema sueco penda mais para o modelo do sistema judicare, em que os advogados públicos devem ser mantidos, essencialmente, através dos honorários pagos pelo Estado em benefício dos indivíduos assistidos, enquanto em Quebec os escritórios de advocacia são mantidos diretamente pelo governo sem que se leve em conta quão bem sucedidos eles sejam na competição com sociedades de advogados particulares. (5)

            As vantagens apresentadas por esses modelos levaram os reformadores de muitos países, incluindo a Austrália, a Holanda e a Grã-Bretanha a implementar sistemas nos quais centros de atendimento jurídico suplementam os esquemas estabelecidos de judicare, sendo de registrar, pela sua importância, os "centros de atendimento jurídico de vizinhança", da Inglaterra, localizados em áreas pobres, sobretudo ao redor de Londres, onde os "solicitadores" (e alguns advogados) realizam muitas das tarefas desempenhadas pelos advogados de equipe nos Estados Unidos. (6)

            Também a Suécia foi pioneira em algumas inovações, indo além do que foram outros países, inclusive a França, na extensão da assistência judiciária à classe média, em que pessoas com rendimentos de até certo valor de renda anual, automaticamente reajustado consoante o custo de vida no país, está apto a receber auxílio jurídico subsidiado. (7)

            As medidas adotadas nos diversos países têm contribuído para melhorar os sistemas de assistência judiciária, fazendo ceder as barreiras de acesso à Justiça.

5. Segunda onda: "Representação dos interesses difusos".

            Esta onda centra o foco de preocupação especificamente nos interesses difusos, forçando a reflexão sobre noções básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais (8) nos diversos sistemas jurídicos. Numa primeira percepção, são chamados de interesses difusos os "interesses coletivos ou grupais", diversos daquele interesse dos pobres, que caracteriza a primeira onda.

            A preocupação com a segunda onda resultou da incapacidade de o processo civil tradicional, de cunho individualista, servir para a proteção dos direitos ou interesses difusos. É que o processo civil foi sempre visto como campo de disputa entre particulares (Ticio versus Caio), tendo por objetivo a solução de controvérsia entre eles a respeito de seus próprios direitos individuais.

            De uma perspectiva equivocada, em que se pensava que se o direito ou interesse pertencia a todos é porque não pertencia a ninguém, percebeu-se que se o direito ou interesse não pertencia a ninguém é porque pertencia a todos, e, a partir desse enfoque, cuidou-se de buscar meios adequados à tutela desses interesses, que não encontravam solução confortável na esfera do processo civil.

            Essa nova percepção do direito pôs em relevo a transformação do papel do juiz, no processo, e de conceitos básicos como a "citação" e o "direito de defesa", na medida em que os titulares de direitos difusos, não podendo comparecer a juízo — por exemplo, todos os interessados na manutenção da qualidade do ar, numa determinada região — é preciso que haja um "representante adequado" para agir em benefício da coletividade. A decisão deve, em tais casos, ser efetiva, alcançando todos os membros do grupo, ainda que não tenham participado individualmente do processo. Também o conceito de coisa julgada deve ajustar-se a essa nova realidade, de modo a garantir a eficácia temporal dos interesses e direitos difusos. (9)

            Essa onda permitiu a mudança de postura do processo civil, que, de uma visão individualista, funde-se numa concepção social e coletiva, como forma de assegurar a realização dos "direitos públicos" relativos a interesses difusos. (10)

            O Ministério Público tem sido muito prestigiado na defesa dos direitos e interesses difusos, mas, por não dispor de treinamento e experiência necessários para tanto, o que exige, muitas vezes, qualificação técnica em áreas não jurídicas — como contabilidade, mercadologia (marketing), medicina, urbanismo, etc. — outras entidades têm sido legitimadas para sua tutela; além, evidentemente, dos entes públicos que, pela sua destinação constitucional, estão, naturalmente, comprometidos com ela.

            A melhor solução para garantir a efetividade da tutela dos direitos e interesses difusos, é, sem dúvida, a mista (ou pluralista), em que a iniciativa privada se conjuga com a atividade pública, neutralizando inclusive eventuais influências políticas que possam comprometer a eficiência da tutela de interesses que pertençam a toda a sociedade ou a determinado segmento dela.

6. Terceira onda: "Acesso à representação em juízo, a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça, e um novo enfoque de acesso à Justiça."

            Essa onda encoraja a exploração de uma ampla variedade de reformas, incluindo alterações das formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais, o uso de pessoas leigas, como juízes e como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução, e a utilização de mecanismos privados ou informais de solução dos litígios. (11) Esse enfoque não receia inovações radicais e compreensivas, que vão muito além da esfera de representação judicial. (12)

            A diversidade dos litígios recomenda que os procedimentos sejam adequados à sua solução, e que esta se dê por órgãos jurisdicionais e parajudiciais, sempre com vistas no custo-benefício, que deveria ser o norte de qualquer reforma das estruturas judiciárias em qualquer lugar do mundo. Não tem sentido que questões altamente técnicas sejam entregues à solução de juízes de direito, que, para solucioná-las vão louvar-se em peritos, sendo mais lógico que sejam resolvidas por técnicos, integrantes de tribunais arbitrais.

            A reforma dos procedimentos judiciais é de suma importância, para modificar a engrenagem judiciária, de modo a adotar procedimentos simples para demandas simples, e procedimentos complexos para demandas complexas. Além disso, o procedimento deve contar com a presença de leigos com atividade de auxílio dos juízes, não apenas na movimentação do processo (juntada, vista, etc.), mas da própria instrução, que toma a maior parte do tempo do juiz. (13) Os princípios configuradores da oralidade, dentre os quais o da identidade física, que exige a presença física do juiz no comando das audiências, devem ser repensados, para que entrem em cena os servidores "instrutores". A partir daí, poderia cada juízo ter a seu serviço um certo número de servidores especializados na instrução de processos, notadamente na tomada de depoimentos de partes e testemunhas, reservando-se ao juiz o poder de reinquiri-las, caso entenda necessário para o esclarecimento dos fatos.

            Em face da diversidade cultural do país, é mais efetivo que, ao lado de um código nacional de processo, haja procedimentos adequados a cada Estado-membro, conforme o seu desenvolvimento, pois não se pode exigir para a diligência de arrombamento, por exemplo, a presença de dois oficiais de justiça, onde, muitas vezes, não existe nenhum.

            Os métodos alternativos de resolução dos conflitos, fora da justiça pública devem ser também prestigiados, estimulando os jurisdicionados a buscar justiça fora dos tribunais públicos, como forma de se obter decisão mais rápida e eficaz, como a arbitragem e a mediação. Muitos países conjugam a justiça pública com a justiça privada, permitindo, por exemplo, que o juiz de direito se transforme em árbitro ou, mesmo, num amigável compositor.

            A conciliação apresenta grandes vantagens na medida em que "aborta" o julgamento, um dos grandes responsáveis pela lentidão da justiça, em face da morosidade do procedimento e da deficiência da própria estrutura judiciária. É preciso, no entanto, que os conciliadores sejam pessoas vocacionadas para conciliar, com poder de persuasão, o que não é o caso dos juízes, que, acostumados a instruir processos e decidir lides, não têm paciência para vencer a resistência das partes na obtenção da transação. Essa alternativa depende muito do perfil do jurisdicionado, residindo aí a grande dificuldade em fazer com que a conciliação alcance seu real objetivo, pois o brasileiro é um litigante nato, e, mesmo sabendo morosa a Justiça pública, tem por ela uma inusitada predileção.

            Os juizados de pequenas causas e os juizados especiais, tanto cíveis quanto criminais, são duas especiais modalidades de se fazer justiça rápida, e uma não exclui a outra, podendo, ambas, conviver na solução dos conflitos (arts. 24, X, e 98, I, CF). (14)

            A justiça dos juizados deve ser feita em única instância, sem a preocupação com turmas recursais, que são um projeto mal concebido do duplo grau de jurisdição, para dar vazão ao instinto recursal das partes, e ao juiz a singular sensação de ser membro de um colegiado, verdadeira "medida provisória" de desembargador.

            O denominado princípio do duplo grau de jurisdição, ao contrário do que se supõe, não tem assento constitucional, e o fato de a Constituição prever a existência de juízes e tribunais, não significa que deva o legislador infraconstitucional, ao disciplinar os procedimentos, prever sempre a possibilidade de recurso. O direito ao recurso deve ser entendido, não como direito a que a lei preveja recurso, mas como direito ao recurso que a lei prevê; (15) de forma que, se a lei não prevê recurso, nenhum direito tem a parte de recorrer. (16)

            Pela natureza e valor das causas, os juizados especiais devem ser centrados basicamente em juízes leigos, com julgamentos segundo o critério de eqüidade, além dos conciliadores, pessoas capacitadas para "abortar", mediante acordo das partes, a grande massa de litígios que acorrem a essa justiça.

            Além disso, os juizados especiais devem ser uma justiça adequada ao exercício da cidadania, com as próprias partes postulando os seus direitos, sem a necessidade de patrocínio por advogado, pois o valor das causas quase sempre não compensa o trabalho desses profissionais. Nem nas turmas recursais deveria ser exigido o patrocínio de advogado, e, se com essa exigência, o que se pretende é desestimular recursos, mais razoável seria a lei não prevê-los.

7. Primeira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Assistência judiciária".

            A repercussão das idéias de CAPPELLETTI tem estimulado o acesso à Justiça, nas modalidades da segunda e terceira ondas, na medida em que a primeira (assistência judiciária) adquiriu consistência jurídica entre nós com a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, incumbindo aos poderes públicos federal e estadual, independentemente da colaboração que possam receber dos municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, a concessão da assistência judiciária aos necessitados nos termos desta Lei (art. 1º).

            A Lei n. 1.060/50 facilita de tal forma o acesso à Justiça que considera necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família (art. 2º, parágrafo único).

            A assistência judiciária compreende a isenção de taxas judiciárias e selos; de emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça; das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal, ou contra o poder público estadual, nos Estados; dos honorários de advogado e peritos; e das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade e maternidade (art. 3º, I a VI).

            Para gozar dos benefícios da assistência judiciária, basta que a parte afirme, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família (art. 4º, caput), presumindo-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos da Lei, sob a pena cominada de pagamento até o décuplo das custas judiciais, e sem prejuízo de que o pedido possa ser impugnado (art. 4º, §§ 1º e 2º) e até revogado (art. 7º).

            No Brasil, quem tem condições de pagar advogado, paga e ingressa em juízo; quem não tem, pode fazê-lo mediante o patrocínio de defensorias públicas, de assistências judiciárias, de escritórios-modelo, ou de advogado por ele escolhido, ou designado pela OAB. (17) Até os acadêmicos de direito, a partir da 4ª série, podem ser indicados pela assistência judiciária, ou nomeados pelo juiz para auxiliar o patrocínio das causas dos necessitados, ficando sujeitos às mesmas obrigações impostas pela Lei n. 1.060/50 aos advogados (art. 18).

8. Segunda onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Ações coletivas".

            A segunda onda chegou até nós por influência das idéias de CAPPELLETTI, embora CHIOVENDA, no início do século passado, já fizesse referência a direitos difusos, nestes termos:

            "Há normas que regulam a atividade pública para a consecução de um bem público, ou seja, próprio de todos os cidadãos em conjunto, da coletividade (tal é o interesse de haver uma boa administração, um bom exército, boas fortificações; o interesse pela manutenção das estradas, e semelhantes). Dessas normas derivam direitos coletivos (ou direitos cívicos gerais), em tal maneira difusos sobre um número indeterminado de pessoas, que não se individualizam em nenhuma delas em particular: o indivíduo não os pode fazer valer, a menos que a lei lhe conceda converter-se em órgão da coletividade. O indivíduo como tal só dispõe de um direito para com o Estado ou outra administração pública no caso em que a lei reguladora da atividade pública haja tido em mira seu interesse pessoal, imediato, direto. (18)

            As ações coletivas foram previstas pela Constituição de 1988 em diversos dispositivos, ora permitindo que as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, tenham legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente (art. 5º, XXI); ora concedendo mandado de segurança coletivo a partido político com representação no Congresso Nacional, ou a organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados (art. 5º, LXX, "a" e "b"); ora dispondo que ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; ora reconhecendo ser função institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, III), e defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas (art. 129, V).

            Além disso, diversas leis ordinárias, como a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, dispondo sobre a ação civil pública, e a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, sobre a proteção do consumidor, disciplinam as ações coletivas, que compreendem inclusive os direitos e interesses difusos, projetando no direito brasileiro a segunda onda de acesso à Justiça.

9. Terceira onda no ordenamento jurídico brasileiro: "Nova estrutura do Poder Judiciário e os novos procedimentos".

            Não se consegue reformar a Justiça sem se reformar a estrutura do Poder Judiciário, pois a simples alteração de leis processuais, mesmo com a intenção deliberada de desfazer os pontos de estrangulamento, não produz por si só os almejados efeitos.

            Sob este aspecto, merece relevo a instituição dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, pela Lei n. 7.244/84, que vieram a ser substituídos pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, pela Lei n. 9.099/95, embora tivessem podido conviver, por não existir entre ambos qualquer incompatibilidade. Recentemente, foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, pela Lei n. 10.259, de 12 de julho de 2001, facilitando o acesso à Justiça, em face dos entes públicos.

            Também por força dessa onda, tiveram lugar as minirreformas processuais, na última década do século passado, quando foram promulgadas diversas leis, buscando acelerar os procedimentos. (19)

            A conciliação foi igualmente prestigiada pelas minirreformas, tendo a recente Lei n. 10.444, de 7 de maio de 2002, instituído a audiência preliminar (art. 331, CPC), com o deliberado propósito de estimular a composição das partes, abortando, por essa forma, o litígio.

            Como solução alternativa, foi promulgada a Lei n. 9.307/96, disciplinando a arbitragem, com o que se espera que as partes prefiram solucionar os seus litígios através da justiça privada, em que todos sabem quando a demanda começa e quando termina, em vez da justiça pública, em que todos sabem quando começa, mas ninguém sabe quando termina.

            Num País que tem grande dificuldade em prover seus órgãos judiciais, mesmo os já existentes, com juízes togados, porquanto, nos concursos públicos, infelizmente, são as vagas que acabam disputando os candidatos, não vejo alternativa melhor do que os juizados especiais, especialmente os estaduais, que contam, na sua estrutura, com as figuras do juiz leigo e do árbitro; e, mesmo a arbitragem, que é excelente modalidade de se fazer justiça privada. (20)

 10. Obstáculos ao acesso à Justiça brasileira: "A estrutura judiciária, a morosidade dos procedimentos, e o uso indiscriminado de recursos".

            No Brasil, os obstáculos de acesso à Justiça não se ligam ao problema da assistência judiciária aos necessitados, configuradora da primeira onda de acesso, e nem à defesa dos interesses da coletividade, notadamente os interesses difusos, configuradora da segunda onda, mas à estrutura judiciária, à inadequação dos processos e dos procedimentos, e, basicamente, à dimensão que se dá ao princípio do duplo grau de jurisdição, para atender à ânsia recursal do jurisdicionado brasileiro.

            A nossa estrutura judiciária é sabidamente arcaica, montada no modelo francês, de inspiração napoleônica, e cujo objetivo era fazer dos órgãos superiores, constituídos pela vontade dos poderes executivo e legislativo, verdadeiros órgãos de dominação dos órgãos inferiores do Poder Judiciário. Não é por acaso que essa estrutura tem a forma piramidal. Ademais, embora tenha o Brasil importado um modelo francês de estrutura judiciária, infelizmente não pôde importar a cultura francesa, de forma que aquele modelo concebido para um país de primeiro mundo não funciona num mundo periférico.

            Os processos e procedimentos adotados pelo Código de Processo Civil desconhecem a geografia brasileira, sendo concebidos com as vistas voltadas para regiões desenvolvidas, como a sul e a sudeste, pelo que não se adequam a regiões de parco desenvolvimento econômico, como a norte e nordeste, sendo idênticos os prazos para a prática de atos numa região metropolitana, servida por metrô, e naquelas em que o transporte ainda se faz em canoa, movida a remo, ou em lombo de jegue, movido a chibata; embora o art. 182 outorgue ao juiz, nas comarcas onde for difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos, mas nunca por mais de sessenta (60) dias.

            Por isso, essa terceira onda só cumprirá o seu objetivo quando, além de um sistema processual uniforme para todo o País, tivermos uma diversidade procedimental que atenda a essa diversidade geográfica, deixando a cargo de cada Estado-membro normatizar os procedimentos judiciais, de acordo com os seus padrões sociais, econômicos e culturais. Não se pode pretender, por exemplo, que os juizados especiais funcionem com a colaboração de estagiários (conciliadores) e advogados (juízes leigos) em localidades situadas a centenas de quilômetros de uma Faculdade de Direito.

            No que tange aos recursos, parte-se da falsa suposição de que a Constituição, ao elencar os diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário (art. 92, I a VII), teria consagrado de forma inarredável o duplo grau de jurisdição, o que não é, no entanto, verdadeiro. Os recursos são a grande praga que não permite que a Justiça produza bons frutos, contaminando a esperança de tantos quantos a ela recorrem, que só vêem satisfeito o seu direito material quando já exaustos de tanto demandar.

            Mesmo quando se criam juizados especiais para determinadas causas, ou causas simples até determinado valor, ou sem nenhuma complexidade, que podem ser resolvidas pelo critério de eqüidade, por qualquer juiz leigo, o culto ao recurso faz com que, mesmo sem admitir o acesso à Justiça em segundo grau, se criem turmas recursais, espécie de segundo grau dentro do próprio primeiro grau, integrado por juízes de inferior instância, para reexaminar as sentenças proferidas por juízes de igual hierarquia. No fundo, o recurso ordinário, nos juizados especiais, não passa de uma malquista modalidade de embargos infringentes do julgado, na inferior instância, só que, em vez de serem julgados pelo mesmo juiz que proferiu a decisão recorrida, o é por uma turma recursal, composta de juízes de primeiro grau.

            Ainda quando a lei processual estabelece que o recurso não impede a execução da sentença, como na previsão do art. 497, primeira parte, (21)ou que o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo, como na previsão do art. 542, § 2º, (22) ambos do CPC, o STJ e o STF admitem ação cautelar para dar aos recursos extraordinário e especial um efeito que ex vi legis eles não têm, obstaculizando a execução da sentença antes de passar materialmente em julgado. Mesmo quando não tem cabimento nenhum recurso, ou mesmo correição parcial, ou reclamação, entra em cena a tolerância dos pretórios, admitindo, para se corrigir decisões que se convencionou denominar "teratológicas", o uso do mandado de segurança contra ato judicial, a mais inusitada teratologia que se poderia conceber para esse fim.

            Não é que os recursos não sejam necessários, porque são, mas deveriam ser disciplinados conforme a importância da matéria decidida, de forma que nem toda causa subisse aos tribunais de segundo grau; muito menos, aos tribunais superiores, que deveriam ser os guardiães da lei infraconstitucional naquilo em que tivesse transcendência sobre a pretensão individual das partes. O mesmo se diga do STF que, sendo o guardião da Constituição, deveria proceder ao reexame apenas de matérias (questões), que pudessem, pelo fenômeno da transcendência, interessar à Nação como um todo. As brigas de vizinhos devem ficar confinadas aos juizados especiais, com direito ao arremedo recursal para as turmas recursais.

            As decisões interlocutórias, no processo civil, à exceção daquelas que antecipam a tutela ou decidem sobre a tutela cautelar, deveriam ser irrecorríveis, reservando-se ao recorrente o direito de vê-las reexaminadas por ocasião do julgamento da apelação; justo como acontece no juízo arbitral e na Justiça do Trabalho.

            Mas, mesmo quando o Código de Processo Civil restringe o alcance dos recursos, por ato do relator, no tribunal, sob o pretexto de que se trata de uma decisão singular, concede, geralmente, outro recurso para o colegiado, mediante a interposição de agravo interno, tornando quase etérea a restrição.

            No que tange ao processo de conhecimento, deve-se admitir apenas a apelação, para corrigir eventual erro ou injustiça da sentença, e, no âmbito dos tribunais, apenas os embargos infringentes, desde que na sua função de uniformizar a jurisprudência das turmas ou câmaras isoladas, com a das turmas ou câmaras reunidas, ou seções, conforme a organização do tribunal. É um equívoco supor que os embargos infringentes se destinam a dar ao sucumbente mais um recurso, em função do voto vencido, porque a finalidade desses embargos é possibilitar que um órgão superior às turmas ou câmaras isoladas uniformize a jurisprudência no âmbito interno da corte, fazendo com que o voto vencido na turma ou câmara –, mas ajustado à jurisprudência do grupo de turmas ou câmaras –, prevaleça sobre os votos vencedores, o que, de outro modo, só seria possível por decisão dos tribunais superiores. (23)

            Neste particular, as minirreformas introduziram modificações importantes, limitando as hipóteses de cabimento de embargos infringentes nos tribunais, de modo que só cabem tais embargos quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente a ação rescisória, sendo que, se o acordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência (art. 530, CPC). Desta forma, tornaram-se irrecorríveis mediante embargos infringentes as decisões sobre questões processuais, mesmo havendo voto vencido, nem as sentenças de mérito que vierem a ser confirmadas pelo tribunal. (24)

            Um dos grandes obstáculos ao gozo do direito tem sido a interposição de embargos de declaração, para os fins do art. 535 do CPC, que, apesar de cabíveis apenas para dissipar obscuridade ou contradição (inciso I) ou suprir omissão do julgado (inciso II), vêm sendo utilizados em doses homeopáticas, às vezes quatro ou cinco vezes seguidas (embargos de embargos de embargos de embargos, etc.), chegando-se até a admitir efeitos modificativos ao último dos embargos de declaração interpostos, que funcionam como uma verdadeira superapelação. Poder-se-ia até admitir os embargos de declaração nos legítimos casos em que se fizerem necessários para integrar o julgado, mas dever-se-ia, também, punir os embargos improcedentes com uma multa em favor do embargado, pelo tempo de espera de julgamento desse recurso que, a final, revelou-se sem fundamento; isso, independentemente da existência de dolo ou culpa do embargante.

            Os recursos extraordinário e especial foram também alcançados pelas minirreformas, de modo a possibilitar a sua retenção quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução, sendo processados apenas se reiterado pela parte, no prazo para a interposição do recurso contra a decisão final, ou para as contra-razões (art. 542, § 3º). No entanto, as interlocutórias de mérito, que decidem sobre pedido de tutela antecipada, ficaram, por construção pretoriana, fora do âmbito da retenção, bem assim aquelas que, não sendo decididas desde logo (versando sobre a penhora de bens, por exemplo), possam causar à parte prejuízo grave e de difícil reparação. Aqui tem-se quase sempre uma "solução de Pirro", (25) pois uma vez retido o recurso, enseja sempre o agravo interno, para o órgão do tribunal competente para o julgamento do agravo, não fosse a retenção. Esse é o grande problema dos recursos, pois, em vez de se vedar agravo da decisão singular do relator, que só seria objeto de exame por ocasião do julgamento do recurso principal, concede-se novo agravo contra tal decisão (agravo interno), apenas postergando o julgamento colegiado para um momento posterior.

11. Considerações finais

            Estas considerações têm o objetivo de estimular os operadores do direito, especialmente os que militam em sede acadêmica, a buscar novos rumos para o acesso à Justiça, surfando nessa terceira onda, que, de todas, é a que melhores condições oferece de superar os obstáculos a uma justiça rápida e eficaz.

            Como disse, o problema do acesso à Justiça não é uma questão de "entrada", pois, pela porta gigantesca desse templo chamado Justiça, entra quem quer, seja através de advogado pago, seja de advogado mantido pelo Poder Público, seja de advogado escolhido pela própria parte, sob os auspícios da assistência judiciária, não havendo, sob esse prisma, nenhuma dificuldade de acesso. O problema é de "saída", pois todos entram, mas poucos conseguem sair num prazo razoável, e os que saem, fazem-no pelas "portas de emergência", representadas pelas tutelas antecipatórias, pois a grande maioria fica lá dentro, rezando, para conseguir sair com vida.

            Este é o grande problema e o grande obstáculo que enfrentamos, cabendo à doutrina, através de concepções voltadas para a realidade brasileira, sem copiar modelos estrangeiros, contribuir para a formação de uma onda de "descesso" (saída) da Justiça, para que o sistema judiciário se torne mais racional na entrada, mas, também, mais racional e humano na saída.

Notas

            01. CAPPELLETTI, Mauro; e GARTH Bryant. Acesso à Justiça, trad. de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 8.

            02. RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à Justiça no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: Editora Acadêmica, 1994, p. 28.

            03. O acesso à Justiça foi preconizado pelos seus autores sob a forma de ondas reformistas, falando-se amiúde nas ondas cappelletianas, por influência de Mauro Cappelletti, sem atentar-se para a contribuição de Bryant Garth, sendo essas ondas, também, de certa forma, garthianas.

            04. RODRIGUES, Horácio Wanderley. Op. cit., pp. 39-40. Observou HUBER que "O objetivo era utilizar o dinheiro dos contribuintes de modo a obter a melhor relação custo-benefício". ("Não racionarás a Justiça: história e bibliografia da assistência judiciária na América, in George Washington Law Review, v. 44, 1976, pp. 754 e 760).

            05. Idem, pp. 43-44

            06. Idem, pp. 44-45.

            07. Idem, p. 46.

            08. Idem, p. 49.

            09. Nos Estados Unidos, a class action permite que, em certas circunstâncias, uma ação vincule os membros ausentes de determinada classe, a despeito do fato de eles não terem tido qualquer informação prévia sobre o processo. RODRIGUES, Horácio Wanderley. Op. cit.,, pp. 50-51.

            10. Idem p. 51.

            11. Idem, p. 71.

            12. Idem, p. 71.

            13. No Rio de Janeiro, a Justiça Federal de Primeira Instância já teve varas com mais de 22.000 mil processos, o que inviabilizava cada processo a elas distribuído diariamente.

            14. No entanto, o legislador brasileiro não se deu conta disso, na medida em que, tendo criado os juizados de pequenas causas através da Lei n. 7.244/84, extinguiu-os quando da criação dos juizados especiais pela Lei n. 9.099/95.

            15. ESTAGNAN, Joaquin Silguero. La tutela jurisdiccional de los interesses colectivos a través de la legitimacion de los grupos. Madrid: Dykinson, 1995, p. 95.

            16. Penso que se os recursos são, na sua maioria, desprovidos pelas turmas recursais, fica demonstrada a desnecessidade destas, e, se providos, fica demonstrada superfluidade dos juízes singulares, a recomendar o julgamento, desde logo, pelo órgão colegiado.

            17. Vide a respeito o art. 14 da Lei n. 1.060/50: "Art. 14. Os profissionais liberais designados para o desempenho do cargo de defensor ou de perito, conforme o caso, salvo justo motivo previsto em lei ou, na sua omissão, a critério da autoridade judiciária competente, são obrigados ao respectivo cumprimento, sob pena de multa de mil cruzeiros a dez mil cruzeiros, sujeita ao reajustamento estabelecido na Lei n. 6.205, de 29 de abril de 1975, sem prejuízo da sanção disciplinar cabível. § 1º Na falta de indicação pela assistência ou pela própria parte, o juiz solicitará a do órgão de classe respectivo. § 2º A multa prevista neste artigo reverterá em benefício do profissional que assumir o encargo na causa."

            18. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, trad. de J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, v. 1, p. 7.

            19. Leis ns. 8.455/92 (sobre a perícia); 8.637/93 (sobre a identidade física do juiz); 8.710/93 (sobre a citação e a intimação); 8.718/93 (sobre aditamento do pedido); 8.898/94 (sobre liquidação de sentença); 8.950/94 (sobre recursos) ; 8.951/94 (sobre consignação em pagamento e usucapião); 8.952/94 (sobre os processos de conhecimento e cautelar); 8.953/94 (sobre o processo de execução); 9.079/95 (sobre a ação monitória); 9.139/95 (sobre o agravo); 9.245/95 (sobre o procedimento sumário); 9.668/98 (sobre a má-fé processual); 9.756/98 (sobre o processamento de recursos no âmbito dos tribunais); 10.352/01 (sobre recursos e reexame necessário); 10.358/01 (sobre o processo de conhecimento); 10.444/02 (sobre o processo de conhecimento e o processo de execução). Além disso, a Lei n. 9.307/96 introduziu no ordenamento jurídico nacional a arbitragem.

            20. É possível instalar em cada município (ou até distritos), um órgão judiciário estruturado pelos Estados-membros e mantido com o auxílio dos próprios municípios, com o que se permite à própria sociedade fazer justiça, através do critério da eqüidade. Se é a sociedade que gera os litígios, é ela que deve solucioná-los, mesmo porque é a maior interessada na pacificação social entre os seus membros.

            21. "Art. 497. O recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença; a interposição do agravo de instrumento não obsta o andamento do processo, ressalvado o disposto no art. 558 desta Lei."

            22. "Art. 542. (…) § 2º Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo."

            23. Esse objetivo vem sendo desvirtuado por alguns tribunais, concedendo embargos infringentes para o próprio órgão julgador, com a sua composição modificada –, melhor diria, com a participação de outros membros do mesmo órgão –, de forma que, havendo um voto vencido no julgamento da apelação (2 x 1), em que geralmente votam três juízes (art. 555, CPC), votam os demais juízes que compõem a turma ou câmara, com a possibilidade de prevalecer o voto vencido (3 x 2). No entanto, a divergência continua existindo, na medida em que outras turmas ou câmaras votem de forma diversa, em que os fundamentos vencedores numa sejam vencidos na outra, porquanto o julgamento não é remetido ao grupo de turmas ou de câmaras. Não vejo muito sentido em que, havendo um voto vencido contra dois se dê recurso ao sucumbente para o mesmo órgão, e havendo dois votos vencidos e três vencedores não se dê; situações como esta estão a exigir que a doutrine entre em campo para corrigir os rumos da jurisprudência.

            24. A explicação é simples: é que a sentença, apesar de proferida pelo juiz inferior, tem agora a eficácia equivalente a um voto de juiz do tribunal, pelo que, se ela for por exemplo de procedência e dois juízes do tribunal votarem pela sua confirmação, tem-se uma maioria qualificada de votos de 3 x 1, quer dizer, a sentença + dois votos do tribunal, não cabendo embargos infringentes; mas, se essa mesma sentença de procedência vier a ser reformada por dois votos, tem-se uma maioria simples de votos de 2 x 1, mas, por ter um dos votos mantido a sentença, tem-se um como resultado 2 x 2 (dois votos vencedores de um lado e um voto vencido e a sentença de outro), tendo cabimento os embargos infringentes.

            25. Vitória de Pirro é a "vitória em que as perdas do vencedor são tão grandes quanto as do vencido", e a solução de Pirro é aquela que não resulta em vantagem para ninguém, nem para o recorrente e nem para o órgão julgador."

 


Referência  Biográfica

J. E. Carreira Alvim  –  Juiz do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, professor da PUC/SP, doutor em Direito pela UFMG, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – 2004

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O novo Código Civil versus o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

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* Rogério Roberto Gonçalves de Abreu 

A redução da menoridade civil

            Entrou em vigor, neste mês de janeiro de 2003, o novo Código Civil brasileiro e, assim, nossa sociedade vive mais uma vez a instabilidade criada por uma tal profunda alteração no ordenamento jurídico nacional, dada a inevitável interação entre os diversos ramos do Direito, todos permeados pelos conceitos e normas do Direito Civil.

            Dentre as diversas modificações introduzidas pelo novel Código, uma, de grande relevo em razão da influência que exercerá em vários ramos jurídicos, já começa a despertar a curiosidade dos intérpretes e operadores do Direito. Trata-se da redução da menoridade civil, de 21 para 18 anos de idade. A partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002, será civilmente capaz, para todos os atos jurídicos, aquele que, não interditado, haja atingido seus 18 anos.

            As mais cáusticas dúvidas que têm aparecido na discussão sobre o tema são relacionadas à interdependência entre os ramos do Direito, principalmente quando uma dada disciplina jurídica tende a atrair (real ou aparentemente) o conceito civil de maioridade como pressuposto ou condição de sua eficácia. No direito penal, por exemplo, prescreve o respectivo código (art. 65, I) ser "circunstância atenuante" o fato de contar o réu com menos de 21 anos de idade na data do fato criminoso, bem como que se lhe haverá de contar pela metade o prazo prescricional (art. 115). Com a redução da menoridade civil para 18 anos indaga-se: tais normas estariam revogadas pelo NCC ou, ao contrário, não teriam sofrido o impacto na novel estipulação legal de maioridade civil?

            Outra questão que vêm ganhando considerável fôlego nas conversas de bastidores (enquanto não se tornarem violentas discussões judiciais), é se estaria ou não revogado o parágrafo único do artigo 2.º do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual prescreve que, "nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade". Entendendo-se que tal norma foi realmente revogada, uma vez submetido o adolescente a medida sócio-educativa de internação, teria que ser compulsoriamente liberado ao completar 18 anos de idade, alterando-se, portanto, a regra do artigo 121, § 5.º, do ECA, a qual determina a liberação compulsória do internado que atinge 21 anos completos.

            Em ambos os casos acima tratados, ou seja, tanto nos exemplos do Código Penal como nestes pinçados do Estatuto da Criança e Adolescente, na verdade, não houve alteração ou revogação das referidas normas com a vigência do NCC. Por outras palavras, a redução da menoridade civil não lhes causou impacto. O entendimento é simples. A redução da maioridade civil tem efeitos precisos na área da capacidade civil de exercício, enquanto que as normas do CP e do ECA jamais tiveram por fim proteger o civilmente incapaz ou, melhor dizendo, a incapacidade civil. Caso assim tivessem feito, teriam expressamente excluído o emancipado que, embora menor de 21 anos, seria plenamente capaz para os atos da vida civil. Todos sabemos que, a despeito de emancipado, continuava o réu menor de 21 anos a fazer jus à circunstância atenuante e ao privilégio do prazo prescricional contado pela metade (CP, 65, I e 115).

            No caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao prefixar a idade de 21 anos como excepcional limite de aplicação de suas normas, não tinha em mente o legislador do ECA proteger o civilmente incapaz, eis que, como se falou, caso houvesse sido realmente este seu intento, teria feito exclusão do emancipado. Assim não fez, justificando o entendimento de que, a exemplo do Código Penal, estabeleceu-se a idade de 21 anos como uma simples tarifação legal. Poderia ter sido escolhida outra idade, como 22 anos, 25 anos etc. Escolheu o legislador, contudo, a idade de 21 anos para ter efeitos nos sistema do próprio Estatuto, não atraindo do Direito Civil, neste caso específico, o conceito de maioridade, motivo pelo qual a alteração legislativa desta não lhe poderia causar qualquer impacto.

            A entrada em vigor do novo Código Civil, com a efetiva vigência e aplicação da norma que reduz a maioridade civil, deverá, num primeiro momento, dar azo a uma considerável celeuma de posições doutrinárias, principalmente acerca da acomodação dessa regra às normas interdependentes hauridas de outros ramos do Direito. A partir da judicialização dos conflitos regidos por tais normas é que teremos a exata dimensão do quão tormentoso nos promete ser a resolução definitiva de tais conflitos. Lançado está, mais uma vez, o convite ao debate, e certamente a última palavra ainda está longe de ser dada.

  


Referência  Biográfica

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu  – Promotor de Justiça na Paraíba, professor da Universidade de João Pessoa e da Fundação Escola Superior do Ministério Público da Paraíba, pós-graduando em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes

rogerioroberto@hotmail.com

A estabilidade acidentária e o ônus probatório das partes

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* Luiz Fernando Pereira

            O Direito do Trabalho se destaca dos demais ramos do Direito por seu aspecto protetor, que visa garantir ao empregado, figura mais fraca na relação empregatícia, direitos mínimos e condições adequadas de trabalho. Nesse sentido, a saúde do trabalhador recebe atenção especial da lei, que além de estabelecer restrições contratuais (como limites à jornada de trabalho, proibição de trabalho insalubre ou perigoso para menores, etc.) cria obrigações a serem cumpridas pela empresa, como observância às normas de saúde e segurança no trabalho, fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) entre outras.

            Com o advento da Lei 8.213/91 um novo avanço se deu em termos de proteção a saúde do empregado. É que o artigo 118 da citada lei garante a estabilidade no emprego ao trabalhador que sofrer acidente de trabalho, pelo prazo mínimo de doze meses após o afastamento pela Previdência Social. A estabilidade se estende ainda aos casos de acidente de trajeto e doença profissional ou do trabalho. Embora essa lei já tenha completado mais de uma década de existência, muito se discute sobre o alcance da estabilidade mencionada.

            Para aquisição da estabilidade a lei estabelece dois requisitos básicos: a existência de acidente do trabalho ou doença laboral, e a percepção do auxílio-doença acidentário. Este último não se confunde com o auxílio-doença comum, benefício previdenciário concedido nos casos de doença comum ou acidentes estranhos ao trabalho. Também independe da percepção do auxílio-acidente, que é devido no caso de acidentes com seqüelas permanentes que acarretem a diminuição da capacidade laborativa do segurado.

            Para que o empregado receba o benefício do auxílio-doença acidentário é necessária a apresentação da CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) ao Instituto Previdenciário, e sua emissão, a princípio, é obrigação da empresa (artigo 22 da referida lei), embora possam emiti-la o sindicato da categoria, o médico que assistir o empregado, autoridades locais ou mesmo o próprio segurado e seus dependentes (parágrafo 2o). O que muitas vezes ocorre é que algumas empresas, com o intuito de evitar a aquisição do direito à estabilidade acidentária pelo empregado, deixam de emitir a CAT, e este, por falta de conhecimento, não utiliza a faculdada mencionada. Evidente que diante do desconhecimento do acidente/doença do trabalho, o Instituto Previdenciário acaba por conceder o benefício do auxílio-doença comum, não preenchendo assim, o empregado, os requisitos legais para a aquisição da estabilidade.

            Impossível seria aceitar que o empregador tirasse vantagem da própria torpeza, pois não cumprindo ele obrigação imposta pela lei, acabaria por prejudicar o empregado em benefício próprio. Nessas situações, a Justiça do Trabalho tem proferido decisões favoráveis aos empregados, garantindo o direito à estabilidade mesmo sem a percepção do auxílio-doença acidentário:

            REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO – ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – Se a empresa reclamada deixa de fazer o exame demissional, não impugna a existência do acidente de trabalho e deixa de emitir a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), a que também estava obrigada, é óbvio que todos esses atos acabaram culminando na impossibilidade do autor de ver reconhecida, pela própria empresa, a estabilidade do art. 18 da Lei nº 8.213/91. Assim, correta a decisão que declarou nula a resilição contratual e determinou a reintegração do reclamante no emprego. (TRT 8ª R. – RO 4339/2001 – 3ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Marcus Augusto Losada Maia – J. 11.10.2001) (grifo nosso)

            ESTABILIDADE PROVISÓRIA – DOENÇA PROFISSIONAL COMPROVADA – NÃO EMISSÃO DE CAT – Restando comprovado o nexo causal entre o trabalho executado e a doença profissional diagnosticada – tendinite II/III -, e verificando-se que os afastamentos ocorridos superaram quinze dias anuais, sem que, no entanto, fosse emitida a competente CAT, deve a empresa suportar o ônus da indenização pecuniária, referente ao período estabilitário a que faria jus a autora, uma vez que o hipossuficiente não pode ser prejudicado por ato omissivo do empregador. (TRT 15ª R. – Proc. 12238/00 – (40613/01) – 1ª T. – Rel. Juiz Luiz Antonio Lazarim – DOESP 01.10.2001 – p. 25) (grifo nosso)

            Todavia, a questão é bastante delicada, muitas vezes dependendo de prova técnica para comprovação do fato gerador do direito. Podemos citar aqui algumas situações que ocorrem com certa freqüência: empregado afastado por doença/acidente comum em virtude da não emissão da CAT pela empresa; empregado afastado por doença/acidente do trabalho tendo a CAT sido emitida por uma das pessoas enumeradas no parágrafo 2o do artigo 22 da Lei 8.213/91; empregado doente/acidentado que não percebeu qualquer tipo de benefício previdenciário. Cada um desses casos apresenta solução processual diferente, que tentaremos analisar a seguir.

            No primeiro caso (afastamento por doença comum sem emissão da CAT) cabe ao empregado fazer prova do nexo causal entre o acidente/doença e o trabalho exercido. No caso de acidente, normalmente essa prova é a testemunhal, pois se relaciona com um fato ocorrido no local de trabalho ou no trajeto para o mesmo. Já no caso de doença, é necessária a produção de prova técnica (através de perícia realizada por médico do trabalho) para atestar ser a doença ligada ao trabalho ou não. O ônus probatório, portanto, é do empregado.

            Na segunda situação (afastamento por doença/acidente do trabalho, com CAT emitida por empregado, sindicato, médico, etc.) não é necessária a prova do nexo causal entre a doença ou acidente com o trabalho, pois cabe ao órgão previdenciário avaliar a situação do segurado e lhe conceder o benefício devido. Tendo o INSS reconhecido a doença/acidente como sendo relativa ao trabalho, desnecessária é a produção de prova por parte do empregado (além da juntada da própria comunicação e do deferimento do benefício pelo órgão previdenciário). Já o empregador pode produzir prova no sentido de desconstituir as informações da CAT, pois não foi ele seu emissor. Esse ônus decorre da interpretação do artigo 818 da CLT ("a prova das alegações incumbe à parte que as fizer") em conjunto com o artigo 20, §2o da Lei 8.213/91, pois se existe a autorização legal de o empregado ou terceiro emitir a CAT, tem ela total validade, admitindo porém, prova em contrário. O mesmo entendimento se extrai do artigo 389, I do CPC, pois afirma aquele dispositivo que o ônus da prova cabe à parte que alega a falsidade do documento, sem mencionar ser a falsidade formal ou material. As provas seriam as mesmas utilizadas na situação retro, ou seja, testemunhal em relação ao fato do acidente e pericial em relação ao tipo de doença.

            Na terceira hipótese (empregado que, embora tenha contraído doença/sofrido acidente, não percebe nenhum benefício do órgão previdenciário) é necessária uma análise mais profunda dos dispositivos relacionados à estabilidade acidentária para se atingir conclusões mais precisas. Já foi visto anteriormente que é um requisito fundamental para aquisição do direito à estabilidade a percepção do benefício previdenciário. Este, por sua vez, só é devido após o afastamento do empregado por 15 (quinze) dias, a cargo da empresa, passando em seguida a perceber o benefício previdenciário (artigo 60 da Lei 8.213/91). Logo, se a incapacidade cessa em tempo inferior àquele previsto na lei, direito algum tem o empregado, pois não foi preenchido requisito essencial (tempo mínimo de afastamento).

            Mas o que dizer quando o empregado, estando incapacitado por tempo igual ou superior ao mínimo exigido, acaba por ser demitido neste ínterim? Neste caso a demissão pode ser considerada obstativa da estabilidade, mesmo porque o período inicial de afastamento (15 dias a cargo da empresa) é considerado como de interrupção do contrato de trabalho – suspensão da prestação de serviços com pagamento de salário – garantindo a lei "todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa" quando de seu retorno ao serviço (CLT, artigo 471). Se a lei concede vantagem mais ampla, certamente deve assegurar direito básico, a manutenção do próprio emprego. Assim, entendemos que no decorrer desse período a demissão é nula, por força do citado dispositivo, em conjunto com o artigo 60 da lei de benefícios da Previdência Social.

            Agora indagamos: qual o caminho processual a ser trilhado? Evidente que o empregado deverá propor ação trabalhista postulando a reintegração ao emprego ou indenização correspondente, cabendo a ele provar não só a existência de doença ou acidente do trabalho, como o fato de a suspensão ser superior a 15 dias. Caso tenha o empregado percebido auxílio-doença por mais de 15 dias após a demissão – o que é plenamente possível, pois ele mantém a qualidade de segurado mesmo após a dispensa, durante os prazos e condições estabelecidas pela Lei Previdenciária – o aspecto objetivo (tempo de afastamento) já estaria satisfatoriamente comprovado, faltando comprovar o início do sinistro ou moléstia e a ligação entre aquela e o trabalho exercido. O que se nota é que, quanto maior a má-fé ou descumprimento da lei por parte da empresa, tanto maior é a dificuldade da prova a ser produzida pelo empregado.

            Embora possa parecer que a lei (art. 118 da Lei 8.213/91) estabeleça requisitos claros para aquisição da estabilidade, tal dispositivo precisa ser interpretado segundo os fins sociais por ele visados (artigo 5o da LICC, Decreto-lei 4657/42. Nesse sentido devemos lembrar que no Direito do Trabalho prevalece a interpretação mais favorável ao empregado, conforme rege o Princípio Protetor, viga mestra do Direito Laboral, plenamente aplicável ao caso em estudo. ). Não há dúvida que no caso da estabilidade acidentária o que se busca é proteger o empregado, vítima do próprio trabalho. Assim, deve-se adaptar a letra fria da norma e acomodá-la às situações reais da vida, pois somente assim atingiremos um sistema jurídico justo e que garanta efetiva proteção ao trabalhador .

 


Referência  Biográfica

Luiz Fernando Pereira   –   advogado em Joinville (SC)

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Cidadania e participação popular

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* Weverson Viegas 

INTRODUÇÃO

            O presente texto pretende trabalhar com a questão da incorporação da cidadania dentre o rol dos direitos elencados na Constituição de 1.988, uma vez que este princípio está presente na Carta como um fundamento da República Federativa do Brasil, que se pretende um Estado Democrático de Direito.

            E é exatamente a partir do princípio de um Estado Democrático é que defendemos, neste trabalho, uma efetiva participação cidadã, nas decisões da administração que alcancem toda a coletividade.

            Aqui, a cidadania é vista como um "pano de fundo" para que, juntamente com a noção de soberania popular que, frise-se, também é preceito constitucional, possam servir de sustentáculo para a participação eficaz da população.

            A participação pode se dar diretamente, através da chamada democracia direta, com a utilização de instrumentos como o referendo, o plebiscito ou a iniciativa popular, como também pode ser proposta a partir de meios que, juntamente com a administração pública, pretendem cooperar para uma administração participativa, que pode se dar através de subprefeituras ou com a participação de cidadãos em conselhos públicos municipais, ou ainda pelos chamados conselhos autônomos que, apesar de não pertencerem, não serem subordinados à administração pública, podem fiscalizar e até mesmo participar da administração nos assuntos que forem pertinentes a toda coletividade.

            O que não se pode perder de vista é que, nada disso terá sentido ou, nada disso terá eficácia, se não for assegurado à coletividade o direito à informação que também é consagrado na Carta de 05 de outubro de 1.988, como direito fundamental do cidadão, ter o direito de receber dos órgãos públicos informações de interesse da coletividade, desde que não seja assunto relativo à segurança da sociedade e do Estado.

            Enfim, o que procuramos demonstrar neste trabalho que a cidadania pode ser exercida como mecanismo transformador de uma sociedade, todavia, esta mesma cidadania deve ser vista em todos os seus aspectos, principalmente no sentido que, através dela, se almeja uma sociedade com vida digna para todos.

1 – A CIDADANIA

            Antes de adentrarmos, especificamente, o tema da cidadania, gostaria de tecer algumas considerações que, ao meu sentir, são de grande relevo, e servirão de pano de fundo para este trabalho.

            A cidadania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, de acordo com o que preceitua o inciso II, do artigo 1º da Constituição da República.

            Todavia, penso que o local mais propício para um exercício efetivo da democracia é o município, que é onde ocorrem as decisões mais próximas da comunidade, em que o individuo tem maior poder de ingerência nestas decisões.

            A partir deste momento, faremos uma breve incursão sobre a história da cidadania e de seu desenvolvimento diferenciado no âmbito europeu e no âmbito nacional.

            Há um trabalho muito precioso de T. H. Marshal, que explica o desenvolvimento histórico da cidadania, dividindo em três momentos.

            O primeiro momento é aquele no qual foram afirmados os direitos civis, ou os direitos de liberdade. Num segundo momento o que se tinha era o direito de participação política, então, é a fase dos chamados direitos políticos. E a terceira fase é aquela em que se firmaram os direitos sociais. Dessa forma, Marshal defende que os direitos da cidadania não nasceram todos juntos, mas foram se formando com o tempo.

            Ocorre que, esta classificação vale para a Europa, principalmente no caso da Inglaterra, mas essa classificação não ocorreu na mesma ordem no caso do Brasil. Aqui, a primeira fase é a dos direitos sociais, vindo depois os direitos civis e políticos.

            Hoje já se fala nos direitos transindividuais, que são denominados, por alguns, de direitos de 4ª geração.

            O momento dos direitos civis surgiu no século XVIII, que são os direitos necessários à liberdade individual como liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento, e ainda os direitos à propriedade e à justiça.

            Esses são os chamados direitos negativos ou contra o Estado, isto porque exigem uma abstenção do Estado. Porque se tratava de dar liberdade aos indivíduos num Estado Absoluto.

            Essa abstenção, num primeiro momento, pode parecer que o Estado não precisa fazer nada para garantia de determinado direito. O Estado deveria simplesmente respeitar a atividade do cidadão. Ocorre que, pelo simples fato de fazer com que aquele direito fosse respeitado, já exigia uma atuação efetiva e concreta do próprio Estado. Se pensarmos dessa maneira, vamos concluir que não há direitos negativos, pois todos eles exigem uma prestação positiva do Estado. Acontece que, como se tratava de um Estado Absolutista, esse era o primeiro estágio a ser ultrapassado, e era tão sutil que, por vezes, fazia parecer que o Estado não atuava.

            O momento dos direitos políticos, ocorrido basicamente no século XIX, é reconhecido pela possibilidade de o indivíduo participar do poder político do Estado. Dito de outra forma, compreende o direito de votar e de ser votado como meios de participação na esfera pública. Além disso pode-se falar na institucionalização dos parlamentos, nos sistemas eleitorais e nos sistemas políticos em geral, que ajudam a formar os direitos políticos.

            Nesse momento, aparece a democracia representativa como forma de legitimação do poder, por meio de eleições.

            Ainda neste período, o Estado de Direito se apresenta como forma de realização da democracia, uma vez que num Estado de direito a legitimidade dos atos do Estados provém de uma lei que determine sua atuação.

            O momento dos direitos sociais se dá no século XX e se desenvolve no momento em que havia um amplo desenvolvimento do chamado welfare state, ou Estado do bem estar social, principalmente na Inglaterra e Europa Ocidental.

            Esses direitos sociais só vêm a se desenvolver após a Segunda Grande Guerra, e têm como referência as classes trabalhadoras e o seu desenvolvimento a partir do Estado Providência.

            Assim, cidadania, segundo Marshal (1), "se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade".

            No caso dos direitos sociais, o que se exige, é uma ação eficaz do Estado, para garantir políticas sociais para a sociedade.

            Se, naquele primeiro estágio, o momento dos direitos civis, em que se dava a liberdade para os cidadãos, a tarefa do Estado não parecia ser tão ativa, a ponto de se dizer que se tratava de uma simples ação negativa do Estado, aqui, neste 3º momento, o dos direitos civis, o que se quer é uma atuação do Estado para propiciar aos indivíduos pelo menos, adequada aos padrões de vida daquele período histórico ou, o que seria ideal, que fosse propiciado condições de vida digna para todos.

            O que Marshal diz é que a cidadania se aperfeiçoa quando ela se aproxima da igualdade entre os cidadãos, ou seja, à medida que as pessoas vão sendo cada vez menos desiguais entre si, elas vão atingindo o chamado status da cidadania.

            Esse "estado de cidadania" é um ponto, um local de igualdade entre os indivíduos visto que, quando se fala em cidadãos, estabelece-se direitos mínimos, dentro de um locus em que todas as pessoas são iguais, não formalmente, mas há uma igualdade real, em direitos e obrigações.

            Marshal não pretende, com isso, dizer que as desigualdades irão se acabar com a cidadania. O que haverá é, pelo menos, uma igualdade básica, suportada pelo sistema imposto pelo mercado.

            Há um aspecto integrador na cidadania, segundo Marshal, para a formação da consciência nacional. Ele diz que "a cidadania exige um elo de liderança diferente, um sentimento de direito de participação numa comunidade baseado numa lealdade a uma civilização que é um patrimônio comum. Compreende a lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum. Seu desenvolvimento é estimulado tanto pela luta para adquirir tais direitos quanto pelo gozo dos mesmos, uma vez adquiridos". (2)

            No caso brasileiro, como dissemos, as fases do desenvolvimento da cidadania não acompanharam a Inglaterra. Entre nós, primeiramente houve o aparecimento dos direitos sociais, em 1930, na era Vargas. Os direitos civis e políticos vieram com a Constituição de 1988. A partir daí é que se pode falar em liberdade política e as outras liberdades garantidas constitucionalmente, após um

            período de ditadura militar. Pensamos que o medo quanto à volta do antigo regime fez com que se assegurasse, inclusive com condição de cláusula pétrea, que não pode ser modificada na Constituição, as liberdades individuais.

            Numa sociedade liberal, como bem diz Boaventura de Sousa Santos, (3) muitos indivíduos livres e autônomos não são cidadãos, pelo simples fato de não poderem participar politicamente das atividades do Estado.

            A cidadania não pode ser entendida somente como direito ao voto. Porque neste caso, estaríamos apenas diante do mecanismo da representação. Segundo o qual, existem algumas pessoas que reapresentariam a coletividade e nesse sentido, Kant (4) diz que "a representatividade dos representantes é tanto maior quanto menor for o seu número e quanto maior for o número de representados".

            Aqui, penso ser importante fazer uma distinção básica entre democracia representativa e democracia participativa. Na primeira, há uma eleição das pessoas que representarão o povo, devendo corresponder aos anseios deste, e após as eleições, não há mais uma participação do povo, que só voltará ao cenário quando da eleição seguinte. Na democracia participativa, ou chamada democracia real, os cidadãos fazem parte diretamente da discussão que será capaz de modificar, ou não, suas vidas.

            Há autores que defendem a complementaridade entre os dois modelos. Essa é a posição de Maria Victoria Benevides (5) que, ao aprofundar a discussão, dizendo que "o que proponho estudar é a complementaridade entre as formas de representação e de participação direta – isto é, o aperfeiçoamento da democracia pelo ingresso direto do povo no exercício da função legislativa e da produção de políticas governamentais".

            A essa complementaridade, ela dá o nome de democracia semidireta, na qual além do exercício do voto, se verifica votação de questões de interesse público.

            Se se pensa como Rousseau, no princípio da comunidade, o que deve haver é a atuação dos cidadãos, em conjunto, para que se alcance, não a igualdade formal, vez que esta já não basta, mas o que se propõe é a busca de uma igualdade real, substantiva.

            A cidadania, segundo Boaventura, (6) o mecanismo que regula a tensão entre a sociedade civil e o Estado é a cidadania, vez que "por um lado, limita os poderes do Estado, por outro, universaliza e igualiza as particularidades dos sujeitos de modo a facilitar o controle social de suas atividades".

            No primeiro estágio de desenvolvimento da cidadania, que se deu no período do capitalismo liberal, os direitos civis e políticos não iam de encontro com as características do mercado, ao contrário, eram compatíveis com o princípio do mercado.

            Mas hoje eu já posso falar numa crise da cidadania. Isso ocorre por alguns motivos que podemos destacar.

            Podemos dizer, com Marshal, que no período do capitalismo organizado, houve uma passagem dos direitos cívicos e políticos, para os direitos sociais, a partir de uma luta por esses direitos. (Não queremos, aqui, entrar na discussão que se trava entre os que pensam que o papel das lutas populares foi fundamental para as conquistas dos direitos sociais, ou se esses são advindos de uma maior preocupação e atenção do Estado).

            Neste sentido, a cidadania não é monolítica. Dito de outra forma, não é igual em todas as sociedades, visto que se compõe de diferentes direitos e instituições.

            Acontece que, com a crise do Estado Providência, houve também o início da crise da cidadania, que continua até nossos dias.

            A representação democrática perdeu o contato com os anseios e as necessidades da população representada, fazendo-se refém dos interesses corporativos poderosos, assim, os cidadãos perdem a forma de participação através da representação e não têm uma nova forma de participação política.

2 – O ESTADO E A CIDADANIA

            Neste momento, devemos partir do pressuposto que a essência do Estado democrático é a igualdade política, pelo menos.

            Há algumas formas de os cidadãos exercerem um certo tipo de controle sobre o Estado.

            Adam Przeworski (7), seguindo O’Donnell, diz que há mecanismos horizontais e verticais de controle do Estado.

            Os mecanismos horizontais são os chamados checks and balances, conhecido no Brasil como sistema de freios e contrapesos, segundo o qual, um poder seria capaz de fiscalizar os outros.

            Há que se dizer que no modelo puro de separação dos poderes, cada poder (ou função) exerceria somente aquilo que lhe caberia. Desta forma, a função do legislativo é legislar, a do judiciário é julgar e a do executivo é administrar.

            Uma conclusão que chegaríamos, invariavelmente é que haveria um poder sobre o qual não haveria o controle, o chamado unchecked power. Como forma de evitar esse poder sem controle, foi criado o sistema de freios e contrapesos, em que o legislativo, por exemplo, para promulgar uma lei, tem que passar pela aprovação também do chefe do executivo. E assim todos os poderes exercem a sua função essencialmente, mas também exercem funções de outros poderes, que são chamadas funções atípicas. Com efeito, o executivo, tem a função típica de legislar, mas também administra e julga. E da mesma forma ocorre com os outros poderes.

            Esse seria, em suma, o mecanismo horizontal de controle.

            Mas o que nos interessa, nesse trabalho são os mecanismos horizontais, pois segundo Przeworski são as eleições e a "democracia participativa".

            Acontece que ele diz que as eleições são uma espécie de mecanismo rude de controle do Estado, uma vez que, para que funcione, é imprescindível uma informação completa acerca do que acontece no governo e não somente do que o governo quer que saibamos. Ele finaliza dizendo que "precisamos de comissões eleitorais independentes, escritórios de prestação de contas independentes, agências estatísticas independentes". (8)

            O outro tipo de mecanismo de controle do Estado pelos cidadãos seria a chamada "democracia participativa".

            Hoje, se por um lado, em todas as democracias, os direitos políticos são universais, em muitas delas as pessoas não têm condições de exercer a cidadania de forma efetiva.

3 – A PARTICIPAÇÃO POPULAR

            Existem múltiplas dimensões de participação.

            A participação popular pode ser minimalista, onde se constata que há um déficit de participação e de construção de atores relevantes, o que acaba por gerar uma crise de legitimidade e de governabilidade.

            O campo mais propício para a efetiva participação popular é a gestão municipal. Todavia poucos são os municípios que desenvolvem a participação no sentido da radicalidade democrática, exercida concretamente através da participação popular na administração pública.

            A participação popular é um importante instrumento para o aprofundamento da democracia que, a partir da descentralização, faz com que haja maior dinâmica na participação, principalmente no âmbito local.

            Como o Estado Brasileiro é caracterizado por ser um Estado Democrático de Direito, é imprescindível que haja a efetiva participação popular para que se dê legitimidade às suas normas.

            Nessa ordem de idéias, pensamos como Carlos Ayres Brito que diz que "a participação popular não quebra o monopólio estatal da produção do Direito, mas obriga o Estado a elaborar o direito de forma emparceirada com os particulares (individual ou coletivamente). E é justamente esse modo emparceirado de trabalhar o fenômeno jurídico, no plano de sua criação, que se pode entender a locução ‘Estado Democrático’ (figurante no preâmbulo da Carta de Outubro) como sinônimo perfeito de ‘Estado Participativo’". (9)

            De acordo com o princípio da participação popular, ficam abertas novas possibilidades de relações entre o Estado e a sociedade civil, por meio de referendo, plebiscito ou mesmo iniciativa popular.

            A participação popular visa estabelecer parcerias entre Estado e sociedade civil, para que, juntos, possam atingir o objetivo desejado por todos, que é a melhoria das condições de vida de toda a população.

            Os instrumentos da participação popular são, de acordo com o artigo 14 da Constituição de 1988, o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular, que são formas de manifestação da soberania popular.

            O plebiscito e o referendo são mecanismos de democracia direta, pelos quais o povo opina acerca de determinada matéria.

            A lei nº. 9.709/98 regulamentou a execução do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular.

            Tanto o plebiscito quanto o referendo são consultas feitas ao povo, para que este delibere sobre matérias relevantes de natureza constitucional, administrativa ou legislativa.

            No plebiscito há uma consulta prévia à população, de determinada matéria que será posteriormente submetida à apreciação do Congresso Nacional. O plebiscito precede uma decisão importante ou elaboração de uma lei ou reforma da constituição.

            Cinco anos após a Constituição de 1988, foi realizado um plebiscito para submeter à vontade popular qual seria a forma de governo, se continuaríamos com a forma republicana ou se nos transformaríamos numa monarquia, além de se questionar acerca da mudança, ou não, do sistema de governo, de presidencialista para parlamentarista. Sendo que, ao final a população escolheu a manutenção da forma e do sistema de governo preexistentes.

            O referendo é uma consulta posterior sobre determinado ato governamental, para que o povo ratifique ou rejeite tal ato, ou ainda, servirá para conceder eficácia ao ato, no caso de uma condição suspensiva ou para retirar sua eficácia, no caso de condição resolutiva.

            É importante salientar que somente aquele que está no gozo dos direitos políticos, ou seja, quem pode votar e ser votado, tem capacidade para participar de ambos os mecanismos, tanto o plebiscito quanto o referendo.

            José Luiz Quadros de Magalhães (10) diz que "o questionamento que se coloca num referendo é muito mais complexo do que o de um plebiscito que consiste num sim ou não a uma idéia genérica".

            No âmbito local, é preciso asseverar que o município tem competência para dispor sobre os temas que deverão ser objeto de aplicação de tais instrumentos, para aprovação pela Câmara Municipal.

            A iniciativa popular de lei, consagrada como instrumento de soberania popular, prescrita no inciso III, do artigo 14 da CR/88, poderá ser exercida através da apresentação, à Câmara dos Deputados, de um projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, devidamente distribuído por, pelo menos, cinco estados e com não menos de três décimos de eleitores de cada um deles.

            A Constituição da República prescreve que as constituições estaduais deverão prever a iniciativa popular para as leis estaduais (art. 27, §4º, da CR/88).

            No município também será possível a participação popular através da iniciativa popular de lei, nos termos do inciso XIII, do artigo 29, da Constituição da República. Neste caso impende que haja a manifestação de pelo menos cinco por cento do eleitorado municipal, sendo necessário que o projeto de lei seja de interesse do município, da cidade ou dos bairros.

            Cabe à lei orgânica organizar o processo de votação, os prazos de tramitação na câmara municipal.

            Outro importante mecanismo de participação da coletividade na administração pública é a audiência pública.

            Através deste instrumento, que já está incorporado nas questões que concernem ao meio ambiente, a partir da Resolução nº. 09 de 03.12.87, do CONAMA, que torna obrigatória a audiência para que seja aprovado o relatório de impacto ambiental.

            A lei n.º 10.257, o chamado Estatuto da Cidade, assegura que a gestão orçamentária participativa será um instrumento de planejamento municipal e a realização de audiência pública é considerada condição obrigatória para a sua aprovação pela Câmara Municipal.

            Nessa ordem de idéias, concluímos que a exclusão da maioria da população sobre questões relevantes para a comunidade se tornam, cada vez mais, indesejáveis e ilegítimas, vez que está consagrado, entre nós, os princípios da soberania popular, através do exercício da democracia direta, que são, inegavelmente componentes do Estado Democrático de Direito.

            Todavia, todo esse aparato para uma efetiva atuação dos cidadãos na construção de uma nova sociedade não terá muita eficácia se as pessoas que participam do processo não têm acesso às informações pertinentes aos interesses da coletividade.

            É de suma importância que seja garantido o direito à informação para que haja possibilidade de ingerência, pelos cidadãos, na administração pública, sendo em maior escala no âmbito municipal contudo, não nos esquecendo que o direito à informação é preceito constitucional que deve ser exercido em todos os níveis de governo.

            Como bem ensina Saule Júnior (11), "essa consulta popular tem como pressuposto o respeito ao direito à informação, como meio de permitir ao cidadão condições para tomar decisões sobre as políticas e medidas que devem ser tomadas para garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade". E finaliza dizendo que "a participação popular propicia uma nova relação entre o Estado e a sociedade, onde a cidadania ativa se transforma no elemento condicionante para o estabelecimento das leis, políticas e instrumentos inerentes às funções de governo e administração".

            O direito à informação é um instrumento de significativa importância para o desenvolvimento do Estado e da participação da pessoa no exercício da cidadania. Neste sentido, Ana Graf (12): "O direito às informações de que o Estado dispõe fundamenta-se no princípio da publicidade dos atos administrativos e na eliminação dos segredos públicos. Neste sentido, o direito à informação constitui um indicador significativo dos avanços em direção a uma democracia participativa: oponível ao Estado, comprova a adoção do princípio da publicidade dos atos administrativos; sob o ponto de vista do cidadão, é instrumento de controle social do poder e pressuposto da participação popular, na medida em que o habilita para interferir efetivamente nas decisões governamentais e, se analisado em conjunto com a liberdade de imprensa e banimento da censura, também funciona como instrumento de controle social do poder".

4 – FORMAS DE EXERCÍCIO DA CIDADANIA ATRAVÉS DA GESTÃO MUNICIPAL

            Como dissemos anteriormente, pensamos estar no município o principal local para o exercício da cidadania.

            Para que esse exercício seja completo, é preciso que meios eficazes de participação na administração pública municipal se desenvolvam.

            A partir deste momento, traremos alguns mecanismos de participação cidadã na gestão municipal.

            O professor Saule Júnior (13) enumera algumas formas de gestão democrática, as quais traremos à baila para que possamos tecer comentários sobre tais instrumentos e como eles poderão ser aproveitados, de forma eficaz, pelas cidades brasileiras.

            Em primeiro lugar temos as subprefeituras e as administrações regionais.

            As subprefeituras funcionam como órgãos administrativos auxiliares do governo. Elas não têm personalidade jurídica, em outras palavras, elas são produto de um mecanismo de desconcentração, que ocorre quando há, simplesmente, uma distribuição interna de competências decisórias, para que haja maior precisão e agilidade nas decisões administrativas, sem que seja necessária a criação de uma nova pessoa jurídica.

            Importante ressaltar que os subprefeitos não terão as atribuições especificas do prefeito, as quais continuam sendo deste, privativamente. Dentre tais atribuições, podemos citar a sanção ou a publicação de uma lei ou mesmo o veto de um projeto de lei.

            Algumas prefeituras como a de São Paulo já estabeleceram, na lei orgânica, a possibilidade da implantação de subprefeituras que, inclusive, terão dotação orçamentária própria.

            Nada impede, que haja uma eleição dos subprefeitos, para que haja uma maior participação da comunidade desde o limiar de uma estrutura que permite uma maior interação entre a administração e os administrados, vez que será exercitado num território menor.

            Assim como as subprefeituras, a administração regionalizada se presta a dar mais agilidade para a administração, visto que se encontra dentro dos locais onde serão implementadas as obras para o desenvolvimento daquela população específica. Todavia, precisamos asseverar que a competência de cada subprefeitura ou administração regional deve ser regulamentada por lei.

            Outro mecanismo importante para a gestão municipal é a implementação de conselhos setoriais.

            Com efeito, esses conselhos são órgãos colegiados, que serão verdadeiros canais institucionais de participação popular.

            São compostos de representantes do poder público e da sociedade civil, tendo a característica de ser um órgão integrante da administração pública.

            Sua finalidade é assegurar a participação da comunidade na implementação e elaboração das políticas públicas, além de fiscalizar as ações do Poder Público.

            Atualmente, algumas prefeituras implantaram conselhos para discutir as questões de educação e saúde. Contudo, pensamos ser de fundamental relevância a implantação, em todas as cidades, de um conselho responsável pelo orçamento do município. Neste sentido Feddozzi (14), citando o deputado José Joffily, que dizia que "o orçamento, via de regra, é o retrato de corpo inteiro dessa política de clientela, que nos transforma em despachantes de luxo".

            Em terceiro lugar, mas não menos importante, encontramos os canais de participação popular autônomos do Poder Público.

            Esses conselhos são chamados conselhos populares visto que são formados apenas por pessoas da sociedade civil, que não têm vínculo com a administração e, a sua principal característica é a de serem autônomos, não sendo subordinados à administração pública.

            Como esses conselhos são autônomos, podem perfeitamente exercer com maior imparcialidade o acompanhamento da fiscalização das ações do poder público.

            Através desses conselhos é possível o exercício da cidadania, visto que a população pode participar de assuntos de interesse coletivo da comunidade onde está inserido.

            A cidade de Porto Alegre já permite em sua Lei orgânica a implantação desse tipo de conselho municipal autônomo, que devem ser reconhecidos pelo Poder Público.

            Sublinhe-se que a obrigação de reconhecer é do poder público. E no caso do não reconhecimento, pensamos ser possível a fiscalização das ações do poder público vez que, de acordo com a Constituição de 1988 todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral. E, em sendo constatada qualquer irregularidade será cabível Ação Popular, que se trata de um remédio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão, e se presta a invalidar atos ou contratos administrativos ilegais, lesivos ao patrimônio público.

NOTAS

            01. Marshal, T. H. Cidadania, classe social e status. Zahar: Rio de Janeiro, 1967. Apud, Luciano Fedozzi. Orçamento Participativo. Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (FASE/IPPUR) 2ª edição, 1999.

            02. Marshal, T. H. Cidadania, classe social e status. Zahar: Rio de Janeiro, 1967. Apud, Luciano Fedozzi. Orçamento Participativo. Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (FASE/IPPUR) 2ª edição, 1999.

            03. Santos. Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.

            04. Kant, Immanuel. Projet de Paix Perpétuelle. Paris: J. Vrin, 1970. Apud, Boaventura de Sousa Santos. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.

            05. Benevides. Maria Victoria. Apud (…) Poder Local X Exclusão Social: a experiência das prefeituras democráticas no Brasil. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2000.

            06. Santos. Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1995.

            07. Przeworski, Adam. O Estado e o cidadão. In Bresser Pereira, LC, Wilheim, J. Sola, L. (org). Sociedade e Estado em Transformação: ENAP. Brasília, 1999.

            08. Przeworski, Adam. op. cit.

            09. Carlos Ayres Brito. Distinção entre "controle social de poder"e "participação popular’. Rev. Trim. de Direito público – II, 1993. pág. 85. Apud, Nelson Saule Junior. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 1997.

            10. Magalhães. José Luiz Quadros de. Revista Direito e Cidadania. nº. 07 ano 03. jul/out 1999.

            11. Saule Júnior, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1997.

            12. Ana Cláudia Bento Graf. "O direito à informação ambiental, Direito Ambiental em Evolução. Curitiba, Juruá, 1998. Apud, Sidney Guerra, O direito à informação. Revista Ibero-Americana de Direito Público vol. 05.

            13. Para maiores considerações acerca do tema, conferir Saule Júnior, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1997.

            14. Joffily, José. Anais da Câmara dos Deputados, 29/10/1961, apud, Luciano Fedozzi. Orçamento Participativo. Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (FASE/IPPUR) 2ª edição, 1999.

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            CALDERÓN, Adolfo Ignácio. Democracia local e Participação Popular. São Paulo: Cortez, 2000.

            CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2001.

            COMPARATO. Fábio Konder. A nova cidadania. In Revista Lua Nova. Nº. 28/29, 1993.

            DALLARI. Dalmo de Abreu. Estado de Direito e cidadania. In Revista de Direito e Cidadania. Nº 04 ano 02.

            FEDOZZI, Luciano. Orçamento Participativo. Reflexões sobre a experiência de Porto Alegre. Porto Alegre, Tomo Editorial; Rio de Janeiro: Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal (FASE/IPPUR) 2ª edição, 1999.

            GUERRA, Sidney. O direito à informação. In Revista Ibero-Americana de Direito Público. Vol. 05

            MAGALHÃES. José Luiz Quadros de. O diretório não partidário, o legislativo municipal e o "ombudsman". In Revista de Direito e Cidadania. Nº07 ano 03.

            PANDOLFI, Dulce Chaves. Percepção dos direitos e participação social. In Cidadania, Justiça e Violência. organizadores Pandolfi, Dulce Chaves [et al]. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1999.

            PRZEWORSKI. Adam. O Estado e o cidadão. In Bresser Pereira, LC, Wilheim, J. Sola, L. (org). Sociedade e Estado em Transformação: ENAP. Brasília, 1999.

            REQUEJO, Ferran. Pluralismo Cultural e Cidadania Democrática. In Revista Lua Nova. Nº. 47.

            SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Sergio Antonio Fabris Editor. Porto Alegre, 1997.

            VIEIRA. José Ribas. A cidadania sua complexidade teórica e o direito. In Revista de Direito e cidadania. Nº04, ano 02.

            VIEIRA. Liszt. Cidadania Global e Estado Nacional. In DADOS Revista de Ciências Sócias. Volume 42 nº3, Rio de Janeiro, 1999.

 


Referência  Biográfica

Weverson Viegas  –  advogado em Campos dos Goytacazes (RJ), mestrando em Direito na Faculdade de Direito de Campos

weverson@hotmail.com