Home Blog Page 294

“Tutela Antecipada X Procedimento Cautelar”

0

* Hélcio Benedito Nogueira –

                                            O Instituto da Tutela Antecipada, é novo no ordenamento jurídico brasileiro, advindo ao nosso sistema jurídico através da Lei número 8.952, de 13 de dezembro de 1994, com as modificações que lhe deu a Lei número 10.444, de 07 de maio de 2002; leis que deram ao artigo 273 do Código de Processo Civil, um novo “plus”, inserindo-lhe primordialmente dois incisos e cinco parágrafos e posteriormente, ressaltando-se que a chamada 2ª fase da reforma do Código de Processo Civil (Lei nº 10.444/02), trouxe substanciais modificações ao § 3º do referido artigo 273 e inseriu-lhe, ainda, mais dois parágrafos ; assim o atual texto do artigo 273; ficou constituído de dois incisos e sete parágrafos; mais do que nunca, ao que tudo indica o legislador processual civil, quis estabelecer, um divisor de águas entre a antecipação da Tutela e o procedimento Cautelar  (previsto à partir do artigo 796 do CPC).

                                               Em virtude de tais alterações legais (a de 1994 e a de 2002), esta relevante mudança, que se estabeleceu no ordenamento jurídico brasileiro, deixou clara a intenção do legislador processual em estabelecer diferenças entre a Tutela Antecipada e o Procedimento Cautelar. 

                                               Primordialmente, observa-se que a Tutela Antecipada, nunca se confundiu com o processo Cautelar; porquanto, através daquela, busca-se como o próprio nome já diz, obter por antecipação, o provimento parcial ou total, do pedido exordial, desde que existentes os requisitos para a antecipação da Tutela; quais sejam prova inequívoca do alegado na inicial, dano irreparável ou de difícil reparação, abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório em combinação com a sua não permissão de concessão, toda vez que houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipatório (art. 273 pár. 2º CPC).                                               

                                               Naquilo que pertine ao Procedimento Cautelar, através dele, não se busca obter o deferimento de antecipação da tutela pretendida , mas apenas e tão somente, uma ordem judicial, que garanta o resultado útil e eficaz da decisão que será proferida no processo de conhecimento ou de execução, assim, consoante exautivamente discorrido pela doutrina, somente cabíveis as Medidas Cautelares, quando haja fundado receio de lesão ou ameaça de lesão a direitos, através de atos ou fatos, que possam vir a causar danos irreparáveis ao processo (principal).

 

                                               Por conseguinte, é de se destacar que em alguns pontos ou aspéctos, referidos institutos se assemelham em outros evidenciam as diferenças.

                                               Quanto às semelhanças podemos destacar : ambas têm caráter provisório, porquanto nenhuma delas, visa a declarar, constituir ou condenar, nem criam ou modificam ou extinguem obrigações ou direitos. Ambos os Institutos são portanto coerentes com a modificabilidade e revogabilidade, fato inconteste que evidencia o caráter provisório.

 

                                               Ressalte-se que tanto em um, como em outro caso, o juízo que se instaura é de cognição sumária portanto não exauriente, pois, o magistrado ao analisar os pressupostos para a concessão tanto da Tutela Antecipada ou das Medidas Cautelares, levará em consideração a aparência e não a certeza do direito, objeto do pedido de proteção judicial. Assim, o juiz, ao conceder qualquer das ações distribuídas com fulcro nesses institutos, não estará, evidentemente decidindo nada na causa; apenas  e tão somente estará protegendo um direito, que segundo a sua subjetividade, “é bom” e  é “merecedor”, da proteção do Estado (nas Medidas Cautelares) ou antecipando provisóriamente e com possibilidade de revogação, o provimento jurisdicional. (nas ações com pedido de Tutela Antecipada).

 

                                               Logo, se há pontos convergentes e que traçam similitudes, existem também pontos diferenciadores, os quais se assentam no seguinte :

                                               Tutela Antecipatória , não é Tutela Cautelar, porque, não se limita a assegurar o resultado prático do processo, muito menos, visa a assegurar  a viabilidade da realização do direito afirmado pelo autor; porém, tem por escopo precípuo, buscar a concessão antecipada do provimento jurisdicional pretendido ou os seus efeitos. Portanto, a tutela antecipatória, é satisfativa, quando gera a concessão, desde logo, da efetiva prestação jurisdicional pretendida pelo seu autor.    

 

                                               As Medidas Cautelares, apesar de autônomas assim entendidas enquanto procedimento, guardam relação, de dependência com o processo principal (art. 796 CPC), existem em razão dele e para preservar o direito que ele contém. Já a Tutela Antecipada, independe de outro processo; porquanto já se encontra inserida no mesmo processo no qual se discute o direito substantivo perseguido.

 

                                               Na hipótese de Medida Cautelar preparatória, tem-se ainda, as predisposições legais insertas no artigo 806 do CPC; pois, após a concessão, a sua existência  está condicionada a propositura da ação principal, no prazo do trintídio. Já a tutela Antecipada, dura enquanto durar o processo; independendo de quaisquer outras providências, salvo se ocorrer motivo para a sua  revogação. 

                                               Quanto às Medidas Cautelares, é imperioso ressaltar que, não produzem coisa julgada material; pois a sentença aí prolatada, refere-se apenas ao direito que a parte tem ou não, de receber uma prestação jurisdicional preventiva do Estado; hábil a preservar um direito que será amplamente discutido no processo principal. Já no pedido de Tutela Antecipada, há que se falar em coisa Julgada Material, porquanto, pelo fato de estar inserida no próprio processo de conhecimento, o provimento jurisdicional, que é prestado assume a forma efetiva, sinalizando ao final o direito, das partes litigantes.  

                                               Outro ponto extremamente relevante a destacar, é que as ações pelo procedimento cautelar, podem ser concedidas ex offício, pelo magistrado, circunstância decorrente, do poder geral de cautela, que lhe é atribuído por lei (art. 798 CPC). Já a Tutela Antecipada, deve ser provocada pela parte interessada (caput do artigo 273 CPC), o que é coerente com a vedação de sua concessão de ofício; subordinando-se ao requerimento da parte.

                                               Considere-se ainda que nas Medidas Cautelares, não existe exame de mérito material; visto que, verifica-se apenas se o autor, possui o direito que diz ter  no processo principal, e que necessita de forma urgente ser preservado para que não se perca de forma a gerar danos irreparáveis. Já na tutela Antecipada, o deferimento do magistrado, está adstrito, aos pressupostos de sua concessão, intrinsecamente ligados ao direito material perseguido, e advêm de uma decisão interlocutória; a qual enfrenta ainda que de forma provisória e sumária o mérito da própria ação.

 

                                               Destaca-se ainda que as Medidas assecuratórias, buscam, a obtenção de proteção ao provimento final, enquanto que as medidas antecipatórias, antecipam a satisfação do direito pleiteado.

 

                                               As ações pelo procedimento Cautelar, apesar da característica da autonomia processual, têm função eminentemente auxiliar e acessória, pois, as Medidas Cautelares, existem em função de um processo chamado de principal (conhecimento ou de execução). Quanto à tutela Antecipada, deferida no processo de conhecimento, tem os caracteres da antecipação do próprio provimento jurisdicional solicitado; resultado que somente seria alcançado no final da lide, acaba portanto sendo adiantado mediante a permissão legal.

 

                                               Quanto ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, requisito comum em ambos os Institutos, é imperioso que se diga : para as Medidas Cautelares, o perigo deve estar ligado obrigatoriamente a ato da outra parte; para as ações com pedido antecipatório : o perigo vincula-se a “não concessão antecipada do pedido”, sendo facultativo estar ou não ligado a atuação da parte contrária.   

 

                                               Podemos asseverar ainda que no tocante à “urgência”, característica em princípio comum a ambos os Institutos, na prática tem-se ainda que ela, a urgência, é obrigatória no procedimento Cautelar; não sendo por conseguinte plena a obrigatoriedade na Tutela Antecipada, pois, segundo previsão legal do artigo 273, inciso II, do Código de Processo Civil, pode referida tutela ser concedida quando ficar caracterizado no processo o abuso do direito de defesa e o propósito meramente protelatório do réu; fato que por si só, descaracteriza a urgência nessa hipótese.

 

CONCLUSÃO

 

                                     É imperioso ressaltar, que a par do Código de Processo Civil italiano , ter de alguma forma inspirado o legislador brasileiro, quanto à implantação em nosso sistema jurídico, da Tutela Antecipada, o qual registra existência nas principais fontes do direito europeu contemporâneo, bem como o reconhecimento de que além da Tutela Cautelar, destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal, deveria mesmo existir em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar provisoriamente a própria solução definitiva esperada no processo principal .

 

                                     No Brasil, referido Instituto, que representou um incrível avanço ao nosso direito processual,  tem estrutura singular, totalmente dispare no que se reporta à extensão e profundidade dos provvedimenti d’ urgenza , do sistema italano  (CPCItal.700) que é requisito basilar para a concessão do  que entendemos como tutela antecipada naquele ordenamento jurídico.

                                               Portanto no Brasil, o Instituto da Tutela Antecipada ganhou uma amplitude diferenciada, que denota com maior rigor quanto à finalidade social do processo; porquanto, na hipótese do interessado, não conseguir demonstrar a prova inequívoca ou a verossimilhança da alegação, a priori, não estará vedado de demonstrar os demais requisitos (art. 273,I e II), possibilitando-lhe a esperada antecipação da tutela, ressaltando-se que na hipótese do inciso II do artigo 273, o juiz, excepecionalmente, utilizando-se do poder sancionatório pode ainda conceder de ofício a antecipação da tutela .  

 

        

BIBLIOGRAFIA

 

MACHADO, Antônio Cláudio Da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. São Paulo: Saraiva, 1997;

 

MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Campinas. BookSeller, 1997;

 

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Tereza Arruda Alvim, Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil: São Paulo: Revista dos Tribunais 2002.                                        

 


Referências Bibliográficas

Hélcio Benedito Nogueira  –  Advogado, Mestre pela Universidade Mackenzie, professor de Direito do Consumidor, Direito Civil e Processo Civil  na UnG em Guarulhos e Unicsul em São Paulo, Capital.

Direito do Consumidor e Gerações de Direitos

0

*Sergio Resende de Barros

Muito se tem falado de gerações de direitos. Na realidade histórica, em vez de gerações estanques, há uma geração contínua, uma constante ampliação, subjetiva e objetiva, dos direitos humanos oponíveis ao poder político, passando por saltos qualitativos, que desencadeiam fases, que podem ser ditas gerações. Nesse crescimento e ampliação, na medida em que se torna necessário avançar objetiva e subjetivamente para proteger o ser humano contra as agressões antijurídicas, os direitos vão compreendendo cada vez mais objetos e estendendo-se a cada vez mais sujeitos.

Inicialmente, no processo histórico das revoluções liberais, sobretudo na Revolução Francesa de 1789, foram os direitos humanos (Droits de l’Homme et du Citoyen) concebidos como direitos Individuais. Naquele momento revolucionário, a necessidade histórica era a de extremar o indivíduo (individualismo) para contrapor sua liberdade a outro extremo: o poder político do rei (Absolutismo). No entanto, já alguns desses direitos – como o de trabalhar e o de ter a assistência da sociedade no caso de desemprego, que constam da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793 – revelam um evidente sentido econômico e social, ainda que não tenham sido declarados, naquele momento histórico, com o fim de demandar a intervenção do Estado na ordem econômica e social.

A liberdade, nascida da transformação do Estado absoluto em Estado de direito pela revolução liberal, favoreceu o desenvolvimento da economia no curso da transformação do mercantilismo em capitalismo pela Revolução Industrial. Dessa evolução, no mesmo passo em que progrediu o capitalismo industrial, as massas operárias surgiram. Não livres. Mas sem meios concretos e materiais (econômicos e sociais) de gozar da liberdade. Essa foi assim reduzida a uma liberdade abstrata e formal (jurídica e política), acessível somente à elite social, cujo núcleo eram os senhores dos capitais e das terras. O desregramento das relações de emprego e o aviltamento do salário e das condições de trabalho chegaram a tal extremo, que sobreveio a instabilidade social, chegando até à desordem pública quebra-quebras, revoltas, rebeliões, revoluções. A exploração dos operários pelo capitalismo selvagem gerou o que o Papa Leão XIII, na encíclica Rerum Novarum (Das coisas novas), chamou a questão social.

Para resolver a questão social, duas linhas de pensamento evoluíram no mundo ocidental no século XIX: a linha moderada, visando a disciplinar o capitalismo e diminuir a injustiça social, sem abolir a ordem econômica capitalista, e a linha radical, propondo superar o capitalismo por uma nova ordem econômica, considerada socialmente mais justa, o socialismo, com variantes de radicalismo, entre as quais o comunismo e o anarquismo.

Na mesma oportunidade histórica (o final da I Guerra Mundial) e portanto, na mesma época (o fim da segunda década do século XX), essas linhas de pensamento foram postas em prática na Rússia e na Alemanha, dando início a superação, ou radical, ou moderada, do capitalismo desregrado.

Na Rússia, com a Revolução Bolchevique de 1917, adveio a total conversão do capitalismo a uma ordem econômica e social provisoriamente socialista, tida como preparatória de um socialismo integral e definitivo, o comunismo. O Estado liberal de direito foi substituído por um Estado – o soviético – que logo resvalou para o totalitarismo, sobretudo após a morte de seu fundador, Lênin.

Na Europa ocidental, a Alemanha, arrasada pela II Guerra, precisava reconstruir rapidamente e retomar em plenitude sua vida econômica e social, bem como reconstruir-se juridicamente: elaborar uma nova Constituição. Porém, não mais segundo o princípio de deixar fazer, deixar passar (laisser-faire, laisser-passer), mas sim de ensejar ao Estado intervir na ordem econômica e social, para reconstruir o que a Guerra destruíra.

Com esse ânimo inovador, reuniu-se a assembléia constituinte na histórica cidade de Weimar, onde vivera e morrera o maior dos poetas alemães, Johann Wofgang Von Goethe. Apesar de pequena, a cidade de Weimar se tornara um excelente centro cultural, desde o fim do século XVIII, na esteira do governo de um duque jovem e empreendedor, Karl August, que para ela atraiu diversos intelectuais e artistas. Tornou-se cidade famosa. Tanto que, em diferentes épocas, lá viveram Wieland, Goethe, Herder, Schiller e por lá passaram outros poetas, literatos, filósofos, etc. Goethe residiu e exerceu cargos administrativos em Weimar, nos dez últimos anos de sua vida. Por tudo isso, foi Weimar – em atenção à sua história e às suas raízes, fimes no mais puro germanismo – escolhida para sede da assembléia constituinte pós-guerra, da qual se esperava que fosse inovadora, mas também que reconstruísse a Alemanha com as suas próprias cinzas, de tal modo que – por haver perdido uma guerra internacional – não perdessem os alemães a sua autenticidade nacional.

Em 11 de agosto de 1919 foi promulgada a Constituição (ou Lei Fundamental, como dizem os alemães) de Weimar, que logo se tornou célebre, por ser a primeira Constituição escrita no mundo ocidental que, além da ordem política, cuidou da ordem econômica e social. Isso, a fim de interpor a ação do Estado para conter os excessos do capitalismo e promover a justiça social por uma efetiva igualdade social, concreta e material, buscando para todos igual oportunidade de gozar da liberdade e demais direitos humanos.

O anterior Estado liberal de direito se fazia reger rigorosamente pelo princípio da isonomia, igualdade meramente formal: todos são iguais perante a lei, assim como alei é igual para todos. A lei trata os indivíduos da mesma forma, sem levar em conta suas condições pessoais ou sociais. No Estado social de direito, posto pela Constituição de Weimar, a idéia de igualdade formal (de direito) foi completada pela noção de igualdade material (de fato), tendo-se compreendido que realizar a verdadeira igualdade não é tratar igualmente os desiguais, mas tratá-los desigualmente na proporção em que se desigualam, apoiando aquelas categorias ou partes da sociedade que, por sua condição social ou física, são mais fracas e precisam de uma especial atenção do Estado, a fim de que se possam equiparar às categorias mais fortes com que se relacionam e, enfim, igualar-se no possível com o restante da sociedade.

Esse princípio, bem formulado entre nós por Rui Barbosa, orientou os direitos econômicos sociais e culturais que – ditos abreviadamente direitos sociais – cresceram no século XX para proteger cada vez mais tais categorias sociais mais fracas, por isso ditas hipossuficientes. No curso desse desenvolvimento, tendo começado com o Direito do trabalho, protegendo a categoria dos empregados, uma vez que a questão social nascera da opressão do trabalho pelo capital, os direitos sociais alcançaram cada vez mais objetos e sujeitos. Assim, evoluíram de direitos categoriais – que protegem especificamente certas categorias sociais, como o empregado, o menor, a mulher, o idoso, o deficiente físico etc. – para direitos difusos – que protegem genericamente a sociedade em si mesma, difusamente, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à paz, o direito à saúde, o direito à educação etc.

É exatamente no cume dessa transição de direitos sociais categoriais para direitos sociais difusos que se situa o direito do consumidor ou, pelo prisma subjetivo, os direitos do consumidor. É direito categorial, sem dúvida. Protege uma categoria social, o consumidor, que é parte mais fraca na relação que tratava com categorias economicamente mais fortes: o fornecedor, o produtor, o comerciante. Mas, também, é direito difuso, porque protege uma categoria social tão ampla, que na prática alcança toda a sociedade humana, na qual ninguém há que não seja consumidor.

Os direitos do consumidor compõem um direito social que é ao mesmo tempo categorial e difuso. Óbvio que o direito do consumidor resguarda uma categoria social. Mas, por amparar uma categoria social que é praticamente irrestrita, ainda que teoricamente seja restrita à relação de consumo, ele é uma passagem – um momento de transição – dos direitos sociais categoriais aos direitos sociais difusos. Vale dizer: subjetiva e objetivamente, o direito do consumidor é um instante de evolução na qualidade – salto qualitativo – da segunda para a terceira geração de direitos.

Daí resulta uma peculiaridade importante, que marca esse recente ramo do Direito: protegendo especialmente a categoria dos consumidores, protege difusamente toda a sociedade. Essa bivalência – típica dos momentos de transição, em que se dá o salto qualitativo – explica porque a doutrina tem enquadrado os direitos (subjetivos) do consumidor como interesses difusos de toda a sociedade, no mesmo passo em que considera o direito (objetivo) do consumidor como direito social, integrado entre as categorias de direitos econômicos, sociais e culturais típicos da segunda geração de direitos. Na verdade, melhor é dizer que o direito do consumidor é ao mesmo tempo categorial (segunda geração) e difuso (terceira geração), por ser um tempo de transição da segunda para a terceira geração de direitos humanos fundamentais.

Essa peculiaridade aumenta a importância do direito do consumidor para as sociedades industrializadas, nas quais, entre a produção e o consumo, se inserem complexos meios de comércio e distribuição, assim como múltiplos intermediários de crédito e financiamento. Mas também – e igualmente – é importante o direito do consumidor para a s sociedades em industrialização. Aqui, as relações entre fornecedores e consumidores, por serem mais diretas e imediatas, refletem de perto a s contradições sociais do próprio país.

Nos países em industrialização, freqüentemente, em certos aspectos, as contradições atingem níveis críticos, instaurando gravíssimas crises econômicas e sociais que afetam a sociedade no seu todo; tal como vem ocorrendo com a crise econômico-financeira que aflige a Argentina e com a crise de energia elétrica, o apagão, que sobressalta o Brasil. Nesses momentos críticos, as relações gerais de consumo (como na Argentina) ou uma relação especial de consumo (como a de eletricidade no Brasil) assumem particular importância e, por via de conseqüência, também o direito do consumidor. Na Argentina trata-se de diminuir o déficit fiscal e, sobretudo, estimular o consumo geral que está retraído em face da incerteza da economia. No brasil, a preocupação é diminuir um consumo em especial: o de energia elétrica. Mesmo sendo assim solicitado em sentidos contrários por situações contraditórias, o direito de consumidor sempre comparece, servindo à causa do consumidor, para protegê-lo, tanto no aumento quanto na diminuição do consumo.

No Brasil, particularmente, hoje se vive o fim do ciclo de transição de economia agrária para a industrial. Ao longo do século XX, o êxodo rural levou a maioria da população do campo para as cidades. A concentração desordenada das metrópoles, ampliando a base social de menor poder aquisitivo, gerou condições especiais de consumo. Ora da euforia, ora de apatia da massa de consumidores, resultam problemas diários para o direito do consumidor: publicidade enganosa, preços abusivos, juros extorsivos, crédito ardiloso, qualidade inferior, entrega irregular, garantia sonegada e outros. Da parte dos próprios consumidores, surgem problemas como a superestimação do fator preço, a inadimplência do pagamento, a minimização ou a exacerbação do consumo, a busca do comércio informal, o descuido com a qualidade etc. Sem contar crises de serviços públicos, como greves nos transportes e restrições como o apagão, que repercutem imediatamente sobre a produção e o consumo, tumultuando as relações jurídicas entre produtores, comerciantes, financiadores, distribuidores, transportes, consumidores, etc.

Tais crises – que muitas vezes se somam às que são freqüentes na economia monetária, como as crises de câmbio ou de inflação – acarretam a edição de normas jurídicas – ora apressadas, ora inconseqüentes – que violentam os direitos do consumidor e do fornecedor, tolhendo a segurança jurídica, sem a qual a produção, o consumo e os setores intermediários entram em desordem ou em recessão.

Nessas horas críticas, seja no caso de expansão, seja no de retração do consumo, o direito do consumidor entra em cena – e atuando até contra o Poder Público – para garantir ou restabelecer os padrões de justiça nas relações jurídicas de consumo, que são fundamentais para toda a sociedade.

Nos momentos de crise cresce a desigualdade entre os que têm poder e os cidadãos comuns. Estes, sem poder político ou econômico, de nada mais de pode socorrer senão do Poder Judiciário, a partir dos Juízes de primeiro grau. Nesse sentido, o Judiciário brasileiro tem sido o pronto-socorro da cidadania. Previne ou cura lesões causadas pelo desatino do poder político ou do econômico. Há nesse pronto-socorro remédios processuais, como o mandado de segurança e a ação civil pública. Mas, também. há remédios substanciais. Destes, um dos mais vigorosos é o direito do consumidor. Seu vigor ficou evidente há pouco tempo, quando serviu de fundamento para refrear – e até prevenir – as pretensões excessivas do governo, na recente decretação do apagão.

Nada mais é preciso acrescentar para mostrar que a natureza bivalente do direito do consumidor – simultaneamente categorial e difuso – dá-lhe uma eficácia social redobrada, pois, ao mesmo tempo, lhe enseja proteger juridicamente uma categoria – o consumidor – , e também, por esse meio, defender a própria sociedade contra os riscos de abalo ou ruína que acompanham a deterioração das relações jurídicas de consumo, seja pelo crescimento, seja pelo definhamento desordenados.

Publicação: Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, Revista dos Tribunais, n. 40, p. 278-282, out./dez. 2001.


Referências Bibliográficas

Sérgio Resende de Barros   –  Mestre, Doutor e Livre Docente pela Faculdade de Direiro da USP, Professor de Direito Constitucional, Teoria Geral do Estado e Ciência Política nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da USP, UNIMEP em Piracicaba, UnG em Guarulhos, FAAP, Faculdade Módulo de Caraguatatuba e da Escola Superior de Direito Constitucional.

www.srbarros.com.br

Avanços e retrocessos das Sociedades Limitadas no Novo Código Civil

0

* Marlon Tomazette  –

1 – AS SOCIEDADES LIMITADAS E SUA IMPORTÂNCIA.

As sociedades por quotas de responsabilidade limitada representam mais de noventa por cento das sociedades comerciais existentes no Brasil, desempenhando papel fundamental no dia a dia comercial do país. Conquanto, não representem tanto investimento quanto às sociedades anônimas, é certo que tal tipo societário desempenha uma posição de destaque na vida econômica do país, sobretudo pelo elevado número de relações nas quais está presente.

O elevado número de sociedades limitadas se justifica pelas vantagens de tal tipo societário, unindo as vantagens das sociedades anônimas e das sociedades regidas pelo Código Comercial, isto é, tais sociedades possuem a limitação de responsabilidade das anônimas, e a simplicidade de constituição e administração das sociedades do Código Comercial, representando a forma ideal de exercício da atividade econômica por pequenas e médias empresas. Sem maiores formalidades ou complicações e com riscos limitados de prejuízo, é indubitável que é esta é a forma mais aconselhável para os pequenos e médios empreendimentos.

Tal tipo societário foi introduzido no Brasil pelo Decreto 3.708/19, o qual tem força de lei, e possuía apenas dezenove artigos, incluído o décimo nono que revoga as disposições em contrário. A concisão de tal decreto deixa enormes lacunas, as quais são normalmente supridas pela atuação dos próprios sócios. Todavia, nem sempre os sócios disciplinavam todos os assuntos necessários, dando margem a inúmeras discussões na doutrina sobre a solução para tais casos, demonstrando a imperfeição da disciplina de tão importante tipo societário[2].

Apesar das inúmeras críticas recebidas, tal decreto não sofreu nenhuma alteração em seus artigos, mantendo-se íntegra a disciplina original. Com o advento do novo Código Civil, as sociedades, doravante denominadas apenas limitadas, passam a ser disciplinadas mais detalhadamente.

No presente trabalho, analisaremos as inovações de tal disciplina, a luz da experiência brasileira e do direito comparado, mostrando que em alguns pontos, na verdade chegamos a um retrocesso.

 

2 – A LEGISLAÇÃO SUPLETIVA

Mesmo com o advento do novo código civil, a legislação sobre as sociedades limitadas se mostra insuficiente, sendo necessário o recurso à outra legislação, que será aplicada supletivamente.

Com o advento do novo Código Civil, a questão recebe um novo tratamento, ao se afirmar que nas omissões do capítulo sobre as limitadas, incidem as regras sobre a sociedade simples, salvo se no contrato social, os sócios preferirem a aplicação da lei das sociedades anônimas[3].

O novo Código Civil afasta a discussão doutrinária, assegurando aos sócios a liberdade de adotar as regras das sociedades simples ou das sociedades anônimas. Ao invés de disciplinar toda a matéria, o contrato social pode simplesmente fazer referência à lei das sociedades anônimas, ou silenciando, buscar a solução nas normas sobre as sociedades simples.

Todavia, tal regime peca em inúmeros sentidos.

Em primeiro lugar, o ideal seria que a sociedade limitada possuísse toda uma regulamentação própria, não necessitando do socorro a nenhuma legislação supletiva. Em segundo lugar, as normas sobre as sociedades simples nem sempre se adequam à velocidade das relações empresariais da atualidade, na medida em que não foram feitas para disciplinar as sociedades empresárias.

Ora, as sociedades simples não se destinam ao exercício de atividade empresarial, ao contrário das sociedades limitadas que exercem basicamente tal tipo de atividade. Assim sendo, é um contra-senso buscar nas sociedades simples soluções, para as sociedades limitadas[4]. Melhora seria a inexistência de remissões, ou ainda a remissão simplesmente à lei de sociedades anônimas, que melhor se coaduna com a natureza das atividades desenvolvidas na limitada.

Além disso, a dualidade de regimes legislativos da sociedade limitada é extremamente perigosa, pois pode gerar uma grande insegurança, sobretudo no que diz respeito às relações da sociedade com terceiros, matéria esta que não está sujeita a disciplina pelos sócios, nem é disciplinada especificamente em relação às limitadas, e possui tratamento diverso nas sociedades anônimas e nas sociedades simples.

 

3 – FORMAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL

O capital social é formado pela soma das contribuições dos sócios, que são destinadas à realização do objeto social. Assim, o capital social é aquele patrimônio inicial, próprio da sociedade, indispensável para o início das atividades sociais.

O capital social só pode ser alterado mediante uma alteração do contrato social, daí falar-se também em capital nominal, vale dizer, trata-se de um valor fixado no contrato social, cuja variação é condicionada a uma alteração desse contrato. De outro lado, há o patrimônio da sociedade, que não se confunde com o capital social, pois o patrimônio está sujeito a oscilações a todo instante. Normalmente, o capital social se identifica com o patrimônio inicial da sociedade[5].

Conquanto represente a princípio, um valor nominal, as contribuições dos sócios devem ser efetivas, não podendo ser fictícias, dada a importância do capital social, como garantia dos credores e também para a determinação da responsabilidade dos sócios perante terceiros. Por isso, não se pode incorporar ao capital social um bem por um valor superior ao seu valor efetivo. A fim de proteger a integridade do capital social, o novo Código Civil afirma que os sócios respondem solidariamente pela exata estimação dos bens conferidos, pelo prazo de 5 anos (art. 1.055), vale dizer, se houve uma super avaliação de bens em prejuízo da efetividade do capital social, os sócios serão obrigados a desembolsar a diferença de seu patrimônio pessoal.

 

4 –A VONTADE DA SOCIEDADE

A sociedade limitada regular é uma pessoa jurídica e como tal é dotada de uma vontade própria, expressa pelos sócios em reunião ou assembléia. Há que se ressaltar que tais reuniões ou assembléias devem deliberar sobre as matérias de maior importância para a sociedade, pois no dia a dia, quem exprime e põe em prática a vontade da sociedade são os administradores[6], em função da sua capacidade gerencial.

Para as matérias de maior relevância exige-se um encontro formal dos sócios para a deliberação. Tais matérias são aquelas indicadas nos artigos 1.071, 1.066 § 1º, e 1.068, como por exemplo, a aprovação de contas, modificações do contrato, fusões, nomeação de administradores e fixação de sua remuneração, dentre outras matérias relevantes.

Nesses casos, as deliberações dos sócios serão tomadas em reuniões ou assembléias. Todavia, em qualquer caso, dispensa-se a assembléia ou a reunião se houver pronunciamento por escrito de todos os sócios (art. 1.072, § 3º), tal qual ocorre no direito português[7]. Trata-se de uma questão de lógica, pois em tais já houve a manifestação prévia da unanimidade dos sócios, vale dizer, a vontade social já se exteriorizou.

 

4.1 – REUNIÕES

As reuniões dos sócios não possuem maiores regras no corpo do código civil, sendo aplicadas às mesmas as disposições do contrato social, e no silêncio as regras sobre a assembléia. A reunião será utilizada em sociedades dotadas de poucos sócios, menos de dez, havendo uma grande margem de liberdade para sua disciplina no contrato social[8], pois em tais sociedades não seria razoável impor os requisitos e formalidades de uma assembléia[9], as quais são obrigatórias para as sociedades com mais de 10 sócios.

 

4.2 – ASSEMBLÉIA DOS SÓCIOS

Em relação às assembléias, órgão que exprime a vontade da sociedade, o novo código desce a inúmeros detalhes, esclarecendo a obrigatoriedade da realização da mesma nos primeiros quatro meses após o final do exercício social, a fim de apreciar as contas dos administradores, deliberar sobre o balanço patrimonial e sobre o balanço econômico, e eventualmente designar administradores, e quaisquer outras matérias incluídas pelos sócios. Institui-se no âmbito das limitadas algo muito similar a assembléia geral ordinária da sociedade anônima. Além de tal assembléia ordinária, outras podem ser realizadas para tratar dos mais diversos assuntos.

Não sendo caso de dispensa da realização da assembléia geral, a mesma deve ser convocada, pelos administradores, e subsidiariamente pelos sócios ou pelo conselho fiscal, se houver (Art. 1.073).  A convocação deve ser realizada de forma a dar ciência inequívoca aos sócios da data, hora, local e relação das matérias a serem tratadas, para que os mesmos compareçam e possam defender seus interesses na formação da vontade social. Em face disso, deve haver um procedimento legal para a convocação da mesma. Neste particular, andou mal o novo código civil, ao estabelecer que a convocação será realizada por meio de publicações na imprensa (art. 1.152, § 3º), o que é muito dispendioso para a sociedade, além de dar uma ciência presumida da realização da assembléia.

Tentando contornar as dificuldades da convocação pela imprensa, o próprio código admite a sua dispensa, desde que compareçam todos os sócios, ou que todos dêem a ciência por escrito da realização da assembléia. Melhor seria estipular de imediato a mesma regra dos direitos italiano e português, que determinam a convocação mediante aviso postal para os sócios nos endereços constantes dos livros sociais, com uma antecedência mínima que varia de legislação para legislação[10], a qual além de menos dispendiosa, conseguiria de forma mais razoável atingir a finalidade de cientificar os sócios da realização da assembléia[11].

Não havendo a ciência escrita da realização da assembléia, deve haver a publicação por três vezes de editais na imprensa oficial e em jornal de grande circulação, com antecedência mínima de 8 dias contada da primeira publicação.  Regularmente convocada, a assembléia deve ser instalada, isto é, deve iniciar seus trabalhos, para tanto se a presença de titulares[12] de três quartos do capital social, em primeira convocação.

Não atingido tal quorum, haverá uma segunda convocação, pelo mesmo modo, com antecedência mínima de 5 dias contada da primeira publicação, e a assembléia poderá funcionar com qualquer número. Entrando em funcionamento, à mesma compete deliberar sobre as matérias constantes da ordem do dia, devendo a assembléia ser presidida e secretariada por sócios, escolhidos entres os presentes (art. 1.075).

 

4.3 -DELIBERAÇÕES

As deliberações da sociedade serão tomadas pelos votos dos sócios, contados de acordo com a participação no capital social (art. 1.010). O exercício do direito de voto poderá ser efetivado pessoalmente ou por meio de procurador, exigindo-se que tal procurador seja outro sócio, ou um advogado. Haverá aqui a constituição de um mandatário, que deve ter poderes especiais, para votar todas as matérias da ordem do dia, ou apenas algumas, tal qual se entende em relação às sociedade anônimas[13].

Em se tratando de mandato sem uma delimitação de prazo exigida na lei, ao contrário do que ocorre na Sociedade anônima, acreditamos que se aplicam as regras gerais atinentes a tal contrato, admitindo-se sua estipulação por prazo indeterminado, e a revogação a qualquer tempo pelo mandante.

No regime do Decreto 3.708/19 foi estabelecido o regime majoritário, o qual não mais prevalece para o novo código civil, que estabelece quoruns diversificados para as deliberações. Assim, para a modificação do contrato social, a fusão, a incorporação da sociedade por outra, sua dissolução, ou a cessão do estado de liquidação exige-se a aprovação de três quartos do capital social. Em relação à nomeação, destituição ou fixação de remuneração dos administradores, bem como ao pedido de concordata, exige-se mais da metade de todo o capital social. Exige-se a unanimidade para a designação de administrador não sócio, enquanto o capital não estiver integralizado. Há ainda o quorum de dois terços do capital social para a destituição de administrador sócio, nomeado pelo contrato social, e para a nomeação de administrador não sócio, quando o capital já estiver totalmente integralizado. Por fim, em relação às demais deliberações exige-se a maioria dos votos dos presentes à assembléia, salvo quorum maior exigido pelo contrato social.

Acreditamos que um quorum qualificado estabelecido rigidamente na lei em três quartos do capital social é injustificável, porquanto poderá gessar a atuação das sociedades limitadas maiores, praticamente inviabilizando tais providências. Seria mais aconselhável estabelecer o quorum qualificado de mais da metade do capital social apenas, que já representaria efetivamente a vontade social, permitindo ao contrato social estipular um quorum maior. Desta forma, se atentaria para as peculiaridades de cada sociedade.

 

5 – ADMINISTRAÇÃO DA SOCIEDADE

A ausência de substrato concreto das pessoas jurídicas, torna imprescindível a intermediação de um órgão, para a exteriorização da vontade daquelas, bem como para a gestão da sociedade, isto é, para a condução dos negócios sociais de acordo com as linhas traçadas pelos sócios. Esse órgão é o órgão administrativo da sociedade, que pode ser composto por uma, ou por várias pessoas, que podem ter competências conjuntas ou separadas, ou ainda ter um regime complexo similar ao que ocorrer nas sociedades anônimas[14].

No regime do Decreto 3.708/19, nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada tal “presentante” da vontade social deveria ser necessariamente sócio[15], porquanto o Decreto 3.708/19 ao se referir ao gerente, sempre o faz juntamente à palavra sócio, o que nos leva a conclusão de que só existem sócios – gerentes, não podendo haver gerentes alheios ao quadro social. Tal sócio deveria ser indicado no contrato social, e no silêncio deste a gerência será exercida por todos os sócios conjuntamente (art. 302, 3 do Código Comercial).

Com o novo Código Civil, a sistemática da gestão da sociedade limitada é profundamente alterada, sendo aperfeiçoada pelo novo diploma legal.

Em primeiro lugar, admite-se que o contrato social expressamente permita a nomeação de administradores estranhos ao quadro social, facilitando a profissionalização da gestão. Entretanto, caso exista a permissão contratual, ainda assim, exige-se um quorum qualificado para a nomeação de tais estranhos, qual seja, a unanimidade enquanto o capital não estiver totalmente integralizado, e dois terços do capital social após sua integralização, em função dos maiores riscos que podem advir da nomeação de um estranho.

Além disso, admite-se a nomeação dos administradores no contrato social ou em ato separado, neste caso pela maioria do capital social (art. 1.071, II e 1.076, II).  Conquanto se aconselhe a nomeação no contrato social[16], é certo que a nomeação em ato separado não acarretará nenhuma insegurança nas relações da sociedade, pois tal administrador além de tomar posse na escrituração da sociedade, deverá averbar sua nomeação no registro competente (art. 1.062, § 2º). Assim, diante do registro sempre se terá certeza de quem é o administrador da sociedade.

 

6 – AS RELAÇÕES DA SOCIEDADE LIMITADA COM TERCEIROS

Diante do poder de “representação” que toca aos administradores da sociedade, são eles os responsáveis pelas relações da sociedade com terceiros, obedecendo-se aos limites impostos pela própria sociedade na organização do exercício desse poder.

Praticando atos que não extrapolem tais limites, os administradores praticam atos regulares de gestão, os quais são imputados à sociedade e não a eles, uma vez que são meros órgãos que fazem presente a vontade da sociedade. Tais atos são de responsabilidade exclusiva da própria sociedade, não havendo que se cogitar de responsabilização do patrimônio do administrador.

Todavia, nem sempre tais administradores agem da maneira correta, vale dizer, nem sempre eles exercem seus poderes em benefício exclusivo da sociedade, respeitando os limites de seus poderes. Em determinados casos, movidos por vicissitudes pessoais, eles podem agir violando a lei ou o contrato social, vale dizer, em exorbitância aos poderes que lhe foram atribuídos pelo contrato social.

Nesses casos, não há dúvida que o administrador assumirá responsabilidade pessoal por tais atos. De acordo com  José Lamartine Corrêa de Oliveira “há simplesmente uma questão de imputação. Quando o diretor ou o gerente agiu com desobediência a determinadas normas legais ou estatutárias, pode seu ato, em determinadas circunstâncias, ser inimputável à pessoa jurídica, pois não agiu como órgão (salvo problema de aparência) – a responsabilidade será sua, por ato seu. Da mesma forma, quando pratique ato ilícito, doloso ou culposo: responderá por ilícito seu, por fato próprio”[17].

E a sociedade? Ela se vincula por tais atos? A sociedade terá responsabilidade perante os terceiros, e posteriormente responsabilizará o administrador que extrapolou seus poderes? Ou, a responsabilidade será exclusiva dos administradores?

Entendia-se antes do advento do novo Código Civil que as meras restrições contratuais aos poderes de gerência não são oponíveis perante terceiros de boa fé, uma vez que  não se pode obrigar que os terceiros toda vez que forem contratar com a sociedade examinem o contrato social da mesma, para verificar os exatos limites dos poderes de gerência.

A dinâmica das relações contratuais, aliada a proteção da boa fé, impõe a aplicação da teoria da aparência, para vincular a sociedade. “É exigir demais, com efeito, no âmbito do comércio, onde as operações se realizam em massa, e por isso sempre em antagonismo com o formalismo, que a todo instante o terceiro que contrata com uma sociedade comercial solicite desta a exibição do contrato social, para verificação dos poderes do gerente…”[18]

A modernidade e a massificação das relações nos impõe neste caso a aplicação da teoria da aparência, pela qual se o ato parece regular é dessa forma que ele deve ser tratado. A boa-fé dos terceiros que contratam com a sociedade em situação que acreditam perfeitamente regular deve ser prestigiada. A sociedade e os sócios que escolheram mal o gerente não podem se beneficiar em detrimento da boa –fé de terceiros[19].

Tal posição vem sendo acolhida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que afirma expressamente que “é válida a fiança prestada por sócio-diretor de empresa com poderes de administração, sendo certo que a existência de vedação no contrato social pertine às relações entre os sócios, não tendo o condão de prejudicar o terceiro de boa-fé”[20].

Com o advento do novo Código Civil, há uma nova solução em detrimento dos terceiros de boa-fé.

Não há uma solução clara a tal questão nas normas relativas às sociedades limitadas. Todavia, os artigos 42 e 1.174 do novo Código Civil, que são normas gerais aplicáveis a todas as sociedades regidas por tal Código, afirmam que as restrições aos poderes do administrador podem ser opostas aos terceiros, desde que estejam averbadas no registro da sociedade, ou quando sejam conhecidas do terceiro com quem se tratou.  Tais dispositivos denotam a ausência de responsabilização da sociedade pelos atos dos administradores, que extrapolem seus poderes, protegendo a sociedade em detrimento dos terceiros que de boa fé contratem com a sociedade.

Acolhe-se neste particular uma orientação que vem sendo abandonada no direito comparado[21], o qual tende a prestigiar o tráfico jurídico, não aplicando mais teorias como a dos atos ultra vires, que é reavivada com o advento do novo Código Civil (art. 1.015, parágrafo único; 42 e 1.174). Ademais, pune-se o terceiro de boa fé inclusive nos casos em que a aparência denota a regularidade do ato praticado

Além disso, mesmo que se fosse buscar a solução nas normas supletivamente aplicáveis às limitadas, quais sejam, as normas relativas às sociedades simples, e as normas relativas às sociedades anônimas, se chegaria a uma solução muito similar, pois o tratamento da matéria em relação às sociedades simples é diferente daquele dado às sociedades anônimas. Nestas, protege-se a boa fé dos terceiros, vinculando a sociedade sempre que a boa-fé estiver presente[22]. Naquelas, de acordo com o retrocesso que ocorrerá no novo código, o ato não vincula a sociedade se o terceiro estiver de má fé, se a restrição constar do contrato social, ou se o ato praticado for alheio ao objeto social (art. 1.015, parágrafo único).

Assim, com o novo regime, seria sempre necessária a consulta ao contrato social para saber se a sociedade neste particular é regida pelas normas das sociedades simples, ou pelas normas relativas às sociedades anônimas, o que dificulta, diminui a velocidade e torna mais inseguras as relações com a sociedade.  No caso de aplicação das normas sobre as sociedades simples, a consulta ao contrato é necessária também para saber a real extensão dos poderes dos administradores. De outro lado, no caso de aplicação das regras sobre as sociedades anônimas, seria necessária a consulta ao contrato para se chegar a tal conclusão, o que já permitiria o conhecimento da exata extensão dos poderes dos administradores.

 

7 – DIREITO DE PREFERÊNCIA

No regime do Decreto 3.708/19 não havia nenhuma regra sobre o direito de preferência dos sócios, isto é, sobre a prioridade para a subscrição das novas quotas decorrentes do aumento do capital social.

Com o novo Código Civil, passa a haver uma disciplina expressa nesse sentido, assegurando-se aos sócios o direito de participar com prioridade no aumento do capital social, na proporção de suas quotas. Seguindo o exemplo das sociedades anônimas,  é fixado o prazo decadencial de 30 dias para o exercício do direito de preferência. Transcorrido em branco tal prazo, será livre a negociação das quotas, condicionando-a, todavia, a uma posterior aprovação da modificação contratual que decorrerá de tal negociação.

 

8 – BIBLIOGRAFIA

ABRÃO, Nelson. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Revista, atualizada e ampliada por Carlos Henrique Abrão. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

ANDRADE JUNIOR, Átila de Souza Leão. O novo direito societário brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

ARAÚJO, Paulo Barreto de. Aspectos da sociedade limitada no projeto do Código Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 67, v. 517, p. 27-29, nov/1978.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998.

BORGES, João Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. Rio de Janeiro: Forense, 1959.

BRUNETTI, Antonio. Tratado del derecho de las sociedades. Tradução de Felipe de Solá Cañizares. Buenos Aires: UTEHA, 1960.

CAMPINHO, Sérgio. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

CARVALHO DE MENDONÇA, J. X. Tratado de direito comercial brasileiro.  Atualizado por Ruymar de Lima Nucci. Campinas: Bookseller, 2001, v. 2, tomo 2.

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997. 4 v. em 5.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 2.

CRISTIANO, Romano. Sociedade limitada no Brasil. São Paulo: Malheiros, 1998.

CUNHA PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, v. 1.

FERRARA JÚNIOR, Francesco; CORSI, Francesco. Gli imprenditori e le societá.11. ed. Milano: Giuffrè, 1999.

FURTADO, Jorge Henrique Pinto. Curso de direito das sociedades. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2000.

GALGANO, Francesco. Diritto civile e commerciale. 3. ed. Padova: CEDAM, 1999, v. 3.

GARRIGUES, Joaquín. Curso de derecho mercantil. 7. ed. Bogotá: Temis, 1987, 5 v.

GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Lições de direito societário. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

HALPERIN, Isaac. Sociedades Anónimas. Actualizada e ampliada por Julio C. Otaegui. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1998.

LAURINI, Giancarlo. La societá a responsabilitá limitata: tra disciplina attuale e prospettive di riforma. Milano: Giuffré, 2000.

LUCENA, José Waldecy. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

_____. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1960, 2 v.

PAPINI, Roberto. Sociedade anônima e mercado de valores mobiliários. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1.

SILVA, José Anchieta da. Conselho fiscal nas sociedades anônimas brasileiras. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto do código civil. Revista de direito mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Ano XXXIV, nº 99, p. 67-74, jul-set/95.

TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. O conselho de administração na sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

TOMAZETTE, Marlon. As sociedades por quotas de responsabilidade limitada e os atos dos sócios gerentes. Universitas Jus, Brasília, nº 5, p. 119-129, jan-jun 2000.

——————————————————————————–

[1] Professor de Direito Comercial no Centro Universitário de Brasília – UniCeub e na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal, Procurador do Distrito Federal e Advogado, autor do Livro “Direito Societário” da editora Juarez de Oliveira.

[2] MARTINS, Fran. Curso de direito comercial. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 268.

[3] Texto do artigo 1.053: “A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”

[4] ARAÚJO, Paulo Barreto de. Aspectos da sociedade limitada no projeto do Código Civil. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 67, v. 517, nov/78, p. 28; TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto do código civil. Revista de direito mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, Ano XXXIV, nº 99, jul-set/95, p. 69.

[5] LAURINI, Giancarlo. La societá a responsabilitá limitata: tra disciplina attuale e prospettive di riforma. Milano: Giuffré, 2000, 49.

[6] LAURINI, Giancarlo. La societá a responsabilitá limitata, p. 107.

[7] FURTADO, Jorge Henrique Pinto. Curso de direito das sociedades. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 414.

[8] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 2, p. 427.

[9] GARRIGUES, Joaquín. Curso de derecho mercantil. 7. ed. Bogotá: Temis, 1987, v. 2,  p. 258.

[10] FERRARA JÚNIOR, Francesco; CORSI, Francesco. Gli imprenditori e le societá.11. ed. Milano: Giuffrè, 1999, p. 879; FURTADO, Jorge Henrique Pinto. Curso de direito das sociedades, p. 400.

[11] TEIXEIRA, Egberto Lacerda. As sociedades limitadas e o projeto do código civil, p. 71

[12] Em tal quorum devem ser incluídos os procuradores dos sócios.

[13] CARVALHOSA, Modesto, Comentários à lei de sociedades anônimas, v. 2, p. 579

[14] LAURINI, Giancarlo, La societá a responsabilitá limitata, p. 142.

[15] REQUIÃO, Rubens, op. cit., p. 435; COELHO, Fabio Ulhoa, op. cit., p. 423; CRISTIANO, Romano Cristiano, Sociedade Limitada no Brasil, p. 139; LUCENA, José Waldecy, Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, p. 317

[16] ANDRADE JUNIOR, Átila de Souza Leão. O novo direito societário brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 200.

[17] OLIVEIRA, José Lamartine Côrrea. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979,  p. 520

[18] REQUIÃO, Rubens, Curso de direito comercial, Vol. 1, p. 397

[19] TOMAZETTE, Marlon. As sociedades por quotas de responsabilidade limitada e os atos dos sócios gerentes. Universitas Jus, Brasília, nº 5, p. 119-129, jan-jun 2000.

[20] STJ – 5ª Turma – RESP 180.201/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 13.09.99.

[21] HAMILTON, Robert W, The law of corporations, p. 97; GALGANO, Francesco, Diritto civile e commerciale, v. 3, tomo 2, p. 277; FERRARA JÚNIOR, Francesco; CORSI, Francesco. Gli imprenditori e le societá.11. ed. Milano: Giuffrè, 1999, p. 315; JAEGER, Pier Giusto e DENOZZA, Francesco, Appunti di Diritto commerciale, v. 1, p. 357.

[22] CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 155; PAPINI, Roberto. Sociedade anônima e mercado de valores mobiliários. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 219; TOLEDO, Paulo Fernando Campos Salles de. O conselho de administração na sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 72.

 


Referências Bibliográficas

Marlon Tomazette  –  Professor de Direito Comercial no Centro Universitário de Brasília – UniCeub e na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Distrito Federal, Procurador do Distrito Federal e Advogado, autor do Livro “Direito Societário” da editora Juarez de Oliveira.

marlon@apendf.com.br

DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

0

* Volúsia Aparecida Sales

A Constituição Federal vigente determina implicitamente em seu conteúdo os princípios de tributação e os elementos delimitadores da atividade de tributar, funcionando como elemento disciplinador do poder de tributar, nos artigos 145 a 159.

Destarte, a Constituição traduz no tópico das “limitações do poder de tributar”, os princípios que amparam direitos fundamentais do cidadão, como ressalta Luciano Amaro. Princípios basilares como o direito a segurança jurídica, dentro outros que, protegem uma série de princípios constitucionais não estritamente tributários, como o da legalidade e evidentemente traça outros dedicados  especificamente à proteção da condição de contribuinte e do poder estatal em arrecadar tributos na conformidade da Lei maior.

Como disserta o Prof. WALTER GASPAR, os princípios que norteiam e informam a ordem jurídico-tributária se encontram de forma expressa ou tácita na Constituição, podendo ser gerais ou específicos.

No entanto, serão agora, objeto de nossa análise suscinta, os princípios gerais expressos, a saber: Princípio federativo; Princípio da Legalidade; Princípio da igualdade tributária; Princípio da anterioridade e da Irretroatividade: Princípio da Vedação do Confisco; Princípio da Imunidade Tributária; Principio da Uniformidade Geográfica, dentre outros de igual importância, como o Principio da  Capacidade Contributiva.

No capítulo I, do título VI, da Constituição da República Federativa do Brasil, está prescrita toda a regulação do sistema constitucional tributário, nos artigos 145 a 169, reservando o artigo 150 e seus incisos, ênfase aos princípios constitucionais tributários dos entes federativos, bem como, no artigo 151 a uniformidade geográfica a ser observada pela União Federal.

Em verdade, alguns Autores afirmam que o sistema constitucional tributário é um verdadeiro subsistema, que trata dos aspectos da imposição tributária pelo Estado, dos poderes exercidos por este na esfera tributária e das garantias dos contribuintes perante estes poderes.

Roque Carrazza, conceituando o tema concernente ao Sistema, exterioriza que:

“Sistema, pois, é a reunião ordenada das várias partes que formam um todo, de tal sorte, que elas se sustentam mutuamente e as últimas explicam-se pelas primeiras”.

Paulo de Barros Carvalho, analisando o sistema constitucional tributário como um verdadeiro subsistema, nos traz seu entendimento:

“Pertencendo ao fundamento da Constituição, da qual se destaca por mero expediente lógico de cunho didático, o subsistema constitucional tributário realiza as funções do todo, dispondo sobre os poderes capitais do Estado, no campo da tributação, ao lado de medidas que asseguram as garantias imprescindíveis à liberdade das pessoas, diante daqueles poderes. (…)“

DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS  

Antes mesmo de adentrarmos nos princípios tributários propriamente ditos, acreditamos relevante para maior compreensão deste texto, traçarmos modestos conceitos de distinção entre princípios e regras.  

Estes são categorias do conceito norma, que podem vir revestidas ou de um preceito de caráter geral, enunciador de uma pauta de valores ou de um mandamento sistêmico – princípio – ou de um comando prescritivo, específico, de natureza concreta – regra.

A doutrina estrangeira e nacional de direito constitucional, tem em boa medida, partindo para a distinção entre princípio e regra, incluindo-os no círculo da norma jurídica, porém ocupando as duas, espaços diferenciados justamente em razão de sua distinção.

Conquanto não seja fácil proceder a esta distinção, brilhantes  doutrinadores, elucidam  estes institutos, dentre esses, Celso Antonio Bandeira de Mello  que nos ensina:        

“Princípio – como já averbamos alhures é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo’’.

Avaliando e analisando entendimentos doutrinários e especialmente o proferido por Celso Antonio Bandeira de Mello, compreendemos que os princípios jurídicos são verdadeiros comandos ordenadores do sistema.

Os princípios constitucionais são aqueles consagrados expressa ou implicitamente no sistema, que tem por função inspirar a compreensão das regras jurídicas, informando o seu sentido e atuando como mandamentos a serem seguidos no exercício do direito, em consonância com as normas previstas na Lei Maior. 

PRINCÍPIOS GERAIS E PRINCÍPIOS INERENTES AO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

Evidente, que há princípios implícitos que de igual forma tem valor em sua normatividade que, analisados na interpretação dos que especificamente protegem o exercício do direito financeiro, somam maior efetividade e aplicabilidade das normas constitucionais.

Dentre eles o PRINCIPIO FEDERATIVO:

O artigo 4. da Constituição Federal estabelece:

 “A República Federativa do Brasil, rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios”:

(…)

V – igualdade entre os Estados.

Neste diapasão, é a lição do artigo 1:

“A Republica Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e o Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito(…)

Elencados como estão os artigos em referencia, claro que o principio federativo de igual forma acaba por refletir no campo do direito tributário.

PRINCIPIO DA ISONOMIA 

Indubitavelmente, esse é principio basilar em nosso sistema constitucional, ressaltando o espírito do regime democrático, demonstrando em sua imperatividade o verdadeiro espírito da Federação e democracia como preceitos de cláusulas pétreas.

O princípio da igualdade expresso no artigo 5. da Carta Magna, em seu “caput” determina que: “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza……”

Por outro lado, no artigo 150, II da Constituição Federal, encontramos dentre as limitações de tributar o ali previsto:

Art. 150 – II – “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.

Sem dúvida esse principio interliga-se à esfera tributaria de modo integral, sendo inclusive inspirador de alguns princípios constitucionais tributários, como o principio da capacidade contributiva, ressaltando Roque Carraza, que tal principio está diretamente ligado ao princípio Republicano de forma acentuada.

Por tal dispositivo é que costumeiro a afirmativa de que no campo tributário conservar a isonomia é tratar os iguais como iguais e desiguais como desiguais.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE 

O princípio da legalidade tributária está previsto no art. 150, I, da Constituição Federal de 1.988 e tem por objetivo resguardar os direitos dos contribuintes em relação ao poder de tributar da Fazenda Pública, impedindo-a de instituir ou majorar tributo a não ser através da lei.

O precitado artigo reproduz o enunciado contido no art 5º, II, da Carta Magna que, de uma forma genérica, estabelece a regra de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Em complemento a análise desse principio, convém lembrarmos que o Poder Estatal em seu papel normatizador, regulador e repressor agirá sempre em consonância com a lei, de igual forma determinado em outros artigos constitucionais como o contido no artigo 37 da Constituição Federal.

O principio da legalidade tributária há que ser analisado sob dois aspectos: legalidade formal, onde a regra tributária há que ser inserida no ordenamento jurídico em concordância com os devidos trâmites instituídos para a sua criação e no tocante ao aspecto material, como explicita a maior doutrina, ligado a tipicidade tributária, exigindo que a lei forneça os elementos que determinam o fato jurídico e os elementos que prescrevem o conteúdo da relação obrigacional tributária.

Controvérsias existem na doutrina quando trata das exceções ao principio da legalidade, nos casos previstos em situações de emergência e relevância, como por exemplo: nos empréstimos compulsórios em caso de guerra e calamidade pública e as exceções previstas no artigo153, parágrafo 1. da Constituição, com possibilidade de alteração de alíquotas de determinados tributos.

Luciano Amaro observa, que mesmo sendo esse ato do Executivo, um instrumento de alteração de alíquota, não podemos desprezar que o ato anteriormente deve ter sido criado por lei formal, não configurando, pois hipóteses de atuação discricionária da autoridade administrativa.

PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE

O princípio da anterioridade está previsto no art. 150, III, b, da Carta Maior.           

O enunciado no artigo referido, determina que  os tributos só podem ser cobrados com exercício financeiro posterior ao do exercício em que foi publicada a nova lei, que  tenha criado um tributo ou majorado seu recolhimento.

O artigo 104 do Código Tributário Nacional explicita de igual forma o conteúdo do principio da anterioridade, preceituando que abrange: a) instituição e majoração de tributos, b)- a definição de novas hipóteses de incidência que equivale à instituição de tributo; c)- a extinção e a redução de isenções, que equivalem, respectivamente, a criação ou aumento de tributo.

Como previsto, as revogações de eventuais isenções concedidas pelo ente tributante também devem obediência ao primado da anterioridade. Assim, se caso um contribuinte estiver em gozo de isenção de um determinado tributo e esta venha a ser retirada pelo ente tributante, a nova incidência (ou reincidência) do tributo deve respeitar o princípio em tela.

Conforme já oportunamente ressaltado, alguns tributos não obedecem necessariamente ao principio da anterioridade, como o Imposto de Importação, Imposto de Exportação, IOF (Imposto sobre operações de credito, cambio, seguro e operações com títulos e valores mobiliários), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), além das contribuições sociais que também devem obedecer ao postulado da anterioridade da lei instituidora, mas neste caso o período a ser observado para a entrada em vigor da lei instituidora é o prazo de 90 dias, em conformidade com o estabelecimento no art. 195, § 6º da Constituição.

Finalmente, a própria Constituição excetua determinados tributos da regra da anterioridade, dando à  União instrumentos para o desenvolvimento e incentivos à política econômica, monetária e nas exceções que sejam primordiais as rápidas alterações, conforme a própria Constituição determina.

PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI

Na verdade, esse princípio constitucional atinente aos direitos fundamentais, contém previsão no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Assim, acontecimentos já devidamente constituídos sob a égide anterior, não podem ser modificados pela nova lei sob pena de o fazendo exterminar-se a segurança jurídica existente entre as pessoas.

De qualquer forma, a regra é excepcionada pelo Código Tributário Nacional que, no art. 112, estabelece a retroatividade dos efeitos das leis interpretativas (Inciso I), bem como das leis que beneficiem o contribuinte (Inciso II, e suas alíneas).

Neste caso, conceituam os doutrinadores, como a aplicação da norma mais benéfica em favorecimento do contribuinte, como exceção ao principio da não retroatividade da lei (princípio da norma benigna).

PRINCIPIO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

A imunidade tributária conceitua-se como a  proibição constitucional de tributar determinados fatos ou pessoas  e neste caso, o fato gerador não chega nem mesmo a se constituir.

È diferente do instituto da  isenção,  pois neste caso (isenção) ocorre o fato gerador mas dispensa-se o pagamento do tributo, embora a obrigação tributária tenha nascido.

Na imunidade, nem o fato gerador se forma, nem a obrigação tributária. Não há incidência.

Os casos de imunidade constam da Constituição Federal, no artigo 150, inciso VI.

Conforme Walter Gaspar nos explicita, as características da imunidade são as seguintes:

–    não é uma renuncia ao poder de tributar, não são favores fiscais, são excluídas a prioridade do   elenco de fenômenos possíveis de tributação.

–    A imunidade é uma limitação da competência tributária vinda da própria Constituição.

–     A imunidade é sempre ampla e indivisível, não são imunidades parciais ou fracionadas.

–    Só se aplica aos impostos, não sendo aplicável a outras espécies de tributos.

PRINCIPIO DA UNIFORMIDADE GEOGRÁFICA

Este princípio determina que não podem ser instituídos pela União Federal, tributos que não sejam uniformes em todo o território nacional ou que implique em destinação ou preferência em relação ao Estado, Distrito Federal ou Município, em detrimento de outro.

O enunciado no artigo 151 da Constituição Federal prevê a necessidade de atendimento à uniformidade, embora excetuando a possibilidade de concessão de incentivos fiscais destinados a promover o desenvolvimento sócio econômico entre as diferentes regiões do País.

Em suma, ao instituir o tributo, a União deverá ter como meta à uniformidade para que todos enquadrem-se, entretanto, poderá incentivar as regiões que necessitam de estímulo para o desenvolvimento. Isto significa não instituir o tributo previamente para beneficiar ou distinguir, mas podendo incentivar nos casos que se fizerem necessários.

Dentre outros princípios, importante, ressaltarmos o PRINCIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA elencado no artigo 145, § 1º. da Carta Magna que assim prescreve:

“Artigo 145 – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributaria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

O princípio da capacidade tributária gera polêmica, haja vista que os defensores dos interesses precípuos do Estado, entendem que não poderia o poder estatal ficar a mercê da condição financeira e econômica do contribuinte para instituir seus tributos e atender com a receita as atividades públicas e coletivas.

Entretanto, o princípio tem o traço de moldar a necessidade do Estado na tributação com a real condição do contribuinte em arcar com o ônus do pagamento sem prejuízo de sua própria subsistência, com recursos que lhe sejam compatíveis.

Assim, nos casos concretos, onde o contribuinte sente-se lesado e discriminado nas exações confiscatórias e oneração excessiva da carga tributária, busca melhor adequação entre o poder de tributar dos entes federativos e sua real condição de arcar com a pesada carga tributaria. Usualmente, o Poder Judiciário termina por tutelar excessivos processos de contribuintes em busca da proteção ao direito de impor sua capacidade contributiva.

Alguns autores, ao declinarem suas análises com referência a capacidade contributiva, nos trazem, nestes casos que até mesmo traduz a possibilidade de alegar o principio do não confisco quando o contribuinte sente-se  escorchado no tributo que lhe está sendo determinado à arcar.

Neste aspecto, de bom alvitre lembrarmos que o confisco tributário ocorre quando, pela utilização de tributo, o Estado retira a totalidade ou parcela considerável da propriedade do cidadão contribuinte, sem qualquer retribuição econômica ou financeira por tal ato.

A Constituição Federal preceitua no artigo 150, inciso IV, a proibição em utilizar tributo com efeito de confisco. 

Há imperiosa necessidade de que o Poder Legiferante possibilite a norrmatização de mais justo critério entre a tributação e a realidade do contribuinte em arcar com o que lhe está sendo imposto.                           

Em breve análise aos princípios constitucionais tributários, entendemos que o Estado necessita de recursos financeiros para consecução de seus fins e que os tributos representam por certo a maior receita do País.

Entretanto, para o equilíbrio entre o poder de império do Estado, a limitação do poder de tributar, primordial se faz a reforma tributária, que venha a gerar maior cumplicidade e justiça entre o critério da tributação e a realidade do contribuinte em arcar com o ônus da carga tributaria, sem o excessivo sacrifício de sua própria subsistência, o que por certo propiciará o real desenvolvimento econômico, financeiro e social do país, alcançando a verdadeira aplicabilidade de muitos dos princípios constantes da Lei Maior, aqui analisados.

Bibliografia.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. Editora Saraiva

MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros

CARVALHO, Paulo de Barros.Curso de Direito Tributário. Editora Saraiva

CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. Editora Malheiros

 


Referências Bibliográficas

Volúsia Aparecida Sales  –  Advogada, Mestre pela Universidade Mackenzie,  Professora Universitária.   2004

Empregado doméstico

1

* André  Luiz Silveira Vieira 

1.1 Denominação

A palavra doméstico provém do latim domesticus, da casa, da família, de domus, lar. Lar é a parte da cozinha onde se acende o fogo, mas em sentido amplo compreende qualquer habitação. O doméstico será a pessoa que trabalha para a família, na habitação desta.

1.2 Conceito

A Lei  5.859/72, no seu artigo 1º estabelece  que empregado doméstico é “ aquele que presta serviços de natureza continua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas ”.

O inciso II do artigo 12 da Lei nº 8.212/91 preconiza que o empregado doméstico é “aquele que presta serviço de natureza continua à pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividade sem fins lucrativos”. O inciso II do artigo 9º do Regulamento da Previdência Social afirma que o empregado doméstico é “aquele que presta serviço de natureza continua, mediante remuneração mensal, à pessoa ou a família, no âmbito residencial destas, em atividades sem fins lucrativos”. Nota-se de todos esses conceitos  que o doméstico não deixa de ser um empregado.O que caracteriza o empregado doméstico é o contexto do serviço que realiza, devendo ser considerados inicialmente, dois requisitos: finalidade não lucrativa – a prestação de seu serviço é destinada somente à pessoa ou a família, sem contudo gerar renda aos seus contratantes o trabalho é desenvolvido no âmbito residencial de uma pessoa ou família, não importando a atividade desempenhada.

Se o empregador doméstico tiver finalidade lucrativa, deixa o contrato entre as partes de ser doméstico, para ser regido pela CLT. Seria aplicada a regra mais benéfica ao empregado, que é a CLT.

A expressão no âmbito residencial deve ser interpretada num sentido amplo, pois, do contrario, somente o empregado que prestasse serviços dentro da residência seria considerado doméstico. A residência é o local em que a pessoa mora com ânimo definitivo, ou seja, permanece em suas horas de descanso ou onde faz suas refeições e repousa durante a noite.

Assim, mais correto seria dizer que o empregado doméstico deve prestar serviços à pessoa ou família para o âmbito residencial destas,  pois, caso contrário, aquele que prestasse serviços externos a casa não poderia ser considerado empregado doméstico, como o motorista e o jardineiro. O serviço prestado pelo doméstico não é apenas no interior da residência, mas pode ser feito externamente, desde que, evidentemente, ou seja para pessoa ou família. Assim, deve-se empregar a expressão para o âmbito residencial visando abranger, também, a situação dos domésticos que prestam serviços externamente, como o motorista. Mesmo um piloto de avião, que presta serviços apenas para seu patrão, que possui uma fazenda pode ser considerado empregado doméstico, desde que o serviço seja feito apenas para o patrão, e não para a fazenda. Nesse caso, o fato de o piloto prestar serviços com avião e externamente não o descaracteriza como doméstico, pois é a mesma situação do motorista. O que importa é que o serviço seja prestado para o âmbito residencial, isto é, para a pessoa ou família, e não, no caso, para a fazenda. Já decidiu o TRT da 5ª Região, em caso semelhante, que “ marinheiro de barco particular, usado para recreio do proprietário, seus familiares e amigos, sem qualquer fim lucrativo, é doméstico ”.[1]

Âmbito residencial é algo mais amplo que residência, pois compreende tanto o trabalho interno como o externo, mas para a residência. Pouco importa qual a função do doméstico, pois o que interessa é se o trabalho é realizado para o âmbito residencial. Se o professor, enfermeiro ou outra pessoa presta serviços para o âmbito residencial, o trabalho será doméstico.

A definição de empregado doméstico precisa, assim, ser mais bem enunciada, da seguinte forma : empregado doméstico é a pessoa física que presta serviços de natureza continua à pessoa ou família, para o âmbito residencial destas, desde que não tenham por objeto atividade lucrativa.[2]

O serviço contínuo de que trata a Lei do Empregado Doméstico é o trabalho efetuado sem intermitência, não eventual, não esporádico e que visa atender as necessidades diárias da residência da pessoa ou da família, ou seja, é o trabalho de todos os dias do mês.

São exemplos de empregados domésticos : o mordomo, a cozinheira, o jardineiro, o motorista, a copeira, a governanta, a arrumadeira, a babá, a lavadeira, a passadeira, a enfermeira ou enfermeiro particular que cuida do doente, damas de companhia, guardas, caseiro, vigia, piloto de avião, segurança pessoal, etc…

Antigamente, dividia-se a doutrina e a jurisprudência no sentido do enquadramento ou não dos empregados do condomínio de apartamentos nos mandamentos insertos na CLT ou na Lei dos empregados domésticos, pois o condomínio não tem finalidade lucrativa e é composto de  pessoas  ou   famílias, que nele residem. A  Lei  2.757,  de  23.04.1956,  dirimiu  a referida situação, mencionando que os empregados porteiros, zeladores, faxineiros e serventes de prédios de apartamentos residenciais são regidos pela CLT, desde que a serviço da administração do edifício, e não de cada condômino em particular ( artigo 1º ). Não são, portanto, empregados domésticos. Ao contrário, se estiverem a serviço de condômino em particular, serão considerados empregados domésticos. Se no edifício só há apartamentos destinados a aluguel e são de propriedade de uma única pessoa, também há vinculo de emprego regido pela CLT em relação aos empregados que prestem serviços ao proprietário, pois há intuito de lucro com o aluguel.

2. EMPREGADOR DOMÉSTICO

2.1 Empregador doméstico

O Decreto 71.885, de 09/03/73, que regulamenta a Lei nº 5.859/72, define no mandamento inserto no artigo 3º, II, como empregador doméstico “a pessoa ou família que admita a seu serviço empregado doméstico”.

A Lei 5.859 não define expressamente o que vem a ser empregado doméstico. Apenas seu artigo 1º estabelece o que vem a ser empregado doméstico. A contrário sensu : “empregador doméstico é a pessoa física ou família que recebe a prestação de serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa por parte do empregado doméstico, par seu âmbito residencial.” [3]

O âmbito residencial da pessoa ou família pode ser compreendido também  em relação ao sitio de recreio ou chácara, à casa de campo ou de praia, pois não deixam de ser uma extensão da residência da pessoa. Residência tem, aqui, um sentido amplo, podendo ser entendida uma residência provisória, como o sitio, a casa de campo, em que o empregador passa alguns dias do ano. Âmbito residencial quer dizer todas as propriedades residenciais do empregador, mesmo que nelas ele não fixe moradia ou domicilio de forma permanente. O fato de o empregado doméstico realizar seu trabalho fora do âmbito residencial não descaracteriza essa situação, como ocorre com o motorista, com a própria empregada doméstica que vai ao banco pagar contas do patrão ou vai à feira, ao supermercado, ao sapateiro etc. O importante não é o local em que o serviço seta sendo prestado, mas se o é para o âmbito residencial.

O empregador doméstico não é apenas a família, como o conceito de família é extremamente complexo, entende-se que família é um conjunto de indivíduos que vivem juntos sob a autoridade ou responsabilidade de um de seus membros unidos por vínculos legais ou naturais de parentesco e afetividade necessariamente, mas também um grupo de pessoas que se reúnem para viver conjuntamente, é o que ocorre numa residência ou apartamentos ocupado por estudantes universitários ( “ república ” ), que necessitam de uma pessoa que faça comida, lave roupas e cuide da casa. O mesmo ocorre em relação a pessoas que não tenham parentesco entre si, mas necessitem de alguém que faça os serviços domésticos. Apesar de o grupo não ser uma família, pois cada membro não tem parentesco com os demais integrantes do grupo, será considerado empregado doméstico o  trabalhador que prestar serviços, até porque o serviço é prestado para pessoas; além de não deixar de ser uma espécie de situação que envolve a reprodução da vida familiar. Qualquer membro da família pode, porém, registrar o doméstico, não precisando necessariamente ser a mulher, como normalmente ocorre.

O trabalho doméstico prestado a pessoa jurídica descaracteriza a condição de doméstico, passando a ser empregado regido pela CLT, pois o empregador doméstico só pode ser pessoa física ou família.

2.2 Sucessão de Empregadores Domésticos

Se o contrato de trabalho da doméstica começa com a mãe e posteriormente passa para a filha, sem que haja uma solução de continuidade do trabalho, pode-se entender que o empregador é a família, como se depreende da definição legal. O certo seria entender que existem dois contratos de trabalho, principalmente se há constituição de famílias distintas da mãe que vive, por exemplo, com o pai, e da filha que vive com seu marido e filhos. No caso, deveria haver a rescisão do primeiro contrato de trabalho, com o pagamento dos direitos trabalhistas ao doméstico.

No caso de morte do empregador doméstico, seus herdeiros não passarão a ser empregador doméstico, salvo se morarem na mesma casa, onde o empregador doméstico será considerado a família. Aqui, se o doméstico presta serviços para as mesmas pessoas da família que moram na casa, mesmo com o falecimento da mãe, que era a empregadora, o contrato de trabalho, é firmado com a família, substituindo com os demais membros desta, permanecendo o mesmo contrato de trabalho, com a continuidade da prestação dos serviços. O empregador é a família, e não um de seus membros isoladamente. O empregador que  vende seu imóvel à terceiro, que fica com sua empregada, não assume o contrato de trabalho anterior, pois apesar do contrato de trabalho ser celebrado na mesma residência,  há dois empregadores domésticos diferentes, descaracterizando assim o contrato.    

3. Espécies de Trabalhador Doméstico

3.1 Caseiro

Entende-se por caseiro os trabalhadores em propriedades rurais ( sítios de recreio ou de veraneio ) sem finalidade lucrativa, principalmente quando o patrão não está no local. Na hipótese de empregado que presta serviços para chácara, há necessidade de se verificar se esta tem finalidade lucrativa ou não, pois para ser empregado doméstico é mister que não haja atividade lucrativa. Se a chácara se destina apenas a lazer ou recreio, em que não há plantação de produtos para efeito de comercialização, o empregado será doméstico. Nesse caso, pode haver até mesmo a plantação, porém o empregador não poderá comercializá-la; poderá dar os produtos agrícolas aos vizinhos ou amigos, porém não será possível vendê-los. É o que ocorre também com a arrumadeira ou a cozinheira que prestam seus serviços apenas para o âmbito residencial da casa. Se a chácara tem produção agro-pastoril que será comercializada, o empregado será rural. Mesmo na fazenda, o empregado que só cuida da residência do proprietário e não desenvolve atividade para a primeira será considerado empregado doméstico; porém, se trabalhar também para a fazenda, será empregado rural, pois esta tem natureza de atividade econômica com o objetivo de lucro. São empregadas domésticas a cozinheira e a arrumadeira que prestam serviços apenas para o âmbito residencial do empregador, em não para toda a fazenda. A cozinheira que, além de prestar serviços no âmbito residencial do empregador, também faz comida para os empregados da fazenda será considerada empregada rural. O mesmo ocorre com o “ peão ” que, além de fazer serviços relativos a casa, também os faz em relação à fazenda, sendo considerado empregado rural, e não doméstico. Seria o caso do caseiro que trabalha na chácara que vende leite, ovos etc., que seria considerado empregado rural.

A chácara não deixa de ser, à primeira vista, uma extensão da residência da pessoa, como a casa de praia ou de campo. Nesse local trabalham, muitas vezes, pessoas que tomam conta do referido lugar, que são chamadas de caseiros. Na jurisprudência encontramos acórdãos no mesmo sentido :

 “ Empregado doméstico – Propriedade destinada ao lazer – É empregado doméstico o trabalhador em sitio destinado exclusivamente ao recreio, sem atividade econômica. Recurso provido para julgar a ação improcedente”.[4]

“Não figura como empregada rural aquela que trabalha em sitio, sem destinação comercial de sua produção, toda ela voltada para o consumo do proprietário e familiares”.[5]

 Pouco importa o local em que o trabalho é prestado, se na área urbana ou na área rural; o que importa é se o empregador tem ou não atividade lucrativa. Se a possuir, o empregado será urbano ou rural; caso contrário, doméstico.

3.2 Diarista

Há uma distinção no direito do trabalho entre o trabalhador diarista e o trabalhador doméstico. O trabalhador doméstico tem uma série de direitos que o diarista não tem. A obrigação de quem contrata o serviço do diarista é somente pagar-lhe o dia ou dias trabalhados.

Trabalhador que recebe uma remuneração diária, ou melhor, por dia de trabalho; seu salário é calculado por dia. Em regra, é aquele que exerce atividade de limpeza geral a terceiro mediante pagamento diário, sendo considerado por parte da jurisprudência como autônomo, por não haver subordinação, imprescindível na relação empregatícia. Há, porém, uma corrente que entende que existe tal subordinação jurídica e trabalho no interesse do empregador.

Para que seja configurado o vínculo de emprego, são necessários os seguintes requisitos: pessoalidade (somente ela presta o serviço), onerosidade (recebe remuneração pela execução do mesmo), continuidade (o serviço prestado por ela ocorre de forma contínua) e subordinação (você dirige a prestação do serviço), além da prestação dos serviços no âmbito de sua residência. Em geral, no caso das diaristas, todos estão presentes exceto a continuidade, na medida em que o trabalho é diário e esporádico.

A posição da jurisprudência não é sobre o tema, existindo acórdãos perfilhando uma ou outra tese:

Doméstica – Relação de emprego. Diarista. Ainda que preste serviço apenas em alguns dias por semana, a diarista possui vínculo empregatício, pois estão presentes os requisitos da pessoalidade, da subordinação jurídica, do trabalho no interesse do empregador e do salário. Enquadra-se como domestica.[1]

A lei nº 5.859, de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, o conceitua como aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou a família, no âmbito residencial destas. Verifica-se que um dos pressupostos do conceito de empregado doméstico é a continuidade, inconfundível com a não-eventualidade exigida como elemento da relação jurídica advinda do contrato de emprego firmado entre empregado e empregador regidos pela CLT. Continuidade pressupõe ausência de interrupção (cf. Aurélio Buarque de Holanda, Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed.), enquanto não-eventualidade se vincula com o serviço que se insere nos fins normais de atividade da empresa. Não é o tempo em si que desloca a prestação de trabalho de efetivo para eventual, mas o próprio nexo da prestação desenvolvida pelo trabalhador, com a atividade da empresa (cf. Vilhena, 1975). Logo, se o tempo não descaracteriza a não-eventualidade, o mesmo não se poderá dizer no tocante á continuidade, por provocar ele a interrupção. Dessa forma, não é doméstica a faxineira de residência que lá comparece em alguns dias da semana, por faltar na relação jurídica o elemento continuidade.[2]

Trabalho doméstico contínuo duas vezes por semana durante dois anos ininterruptos. Relação de emprego. Configura-se a relação empregatícia o trabalho doméstico prestado, ainda que duas vezes por semana, de forma contínua durante dois anos ininterruptos, sendo a contraprestação salarial proporcional aos dias trabalhados.[3]

Trabalho doméstico uma vez por semana – Relação empregatícia. O trabalho doméstico prestado, ainda que uma única vez por semana, de forma contínua, durante considerável lapso temporário, caracteriza a relação de emprego, estando presentes os demais requisitos da pessoalidade, onerosidade, exclusividade e subordinação.[4]

“ Configura a relação empregatícia o trabalho doméstico prestado ainda que duas vezes por semana, de forma contínua, durante dois anos ininterruptos, sendo a contraprestação salarial proporcional aos dias trabalhados.”[5]

O fato de a diarista prestar serviços uma vez por semana não quer dizer que inexista relação de emprego. O advogado que presta serviços em sindicato, sob o sistema de plantões, uma vez por semana, atendendo exclusivamente aos interesses da agremiação, é considerado empregado, e não autônomo. O importante, no caso, é a faxineira ter a obrigação de comparecer sempre em determinado dia da semana, ex.., segunda-feira, a partir das 8 horas até as 16 horas, ficando evidenciada a subordinação pela existência de imposição patronal quanto ao dia e horário de trabalho.

Nesse sentido, podemos colacionar o seguinte acórdão:

O Direito Positivo pátrio inspirou-se no Direito alemão e será doméstico o trabalhador que preste serviço em determinados dias da semana, contínua ou alternadamente, em horário reduzido ou integral – na categoria destes trabalhadores encontra-se a doméstica a dia, mais conhecida como diarista – Relação de emprego conhecida – Provimento do recurso da empregada, com a determinação da anotação na CTPS.[6]

Ao contrário, não se pode dizer que seja doméstica ou empregada à faxineira que faz limpeza em vários escritórios ao mesmo tempo, por exemplo, aos sábados, sem qualquer horário ou ordem na limpeza daqueles, começando por qualquer um, conforme o desejar, muitas vezes até não comparecendo para fazer o serviço, a seu bel-prazer.

Se a diarista não tem dia certo para trabalhar, ou é chamada para auxiliar em dias de festa ou efetuar faxina extraordinária na residência, ou, ainda, esporadicamente, para tomar conta dos filhos do casal, para fazer faxina uma vez por mês na casa de praia ou de campo, não há relação de emprego, pela falta de requisito continuidade. Seguindo essa orientação, verificamos os seguintes acórdãos:

Empregada doméstica – Lavadeira. A lavadeira que presta serviços em residência particular uma vez por semana, com liberdade para prestar em outras residências e até para a escolha do dia e do horário de trabalho, não é empregada doméstica para efeito de aplicação da Lei nº 5.859/72, mas prestadora autônoma de serviços.[7]

“Não se considera empregada doméstica, para os fins do art. 1º da Lei nº 5.859/72, aquela que realiza trabalhos em alguns dias da semana, para várias pessoas, sem a obrigação de comparecimento contínuo e horário predeterminado.”[8]

Faxineira que trabalha como diarista, em residência particular, duas vezes por semana, com liberdade para prestar serviços em outras residências e até para a escolha do dia e horário do trabalho, não se constitui empregada doméstica para efeito de aplicação da Lei nº 5.589/72, mas prestadora autônoma de serviço. Ausência dos requisitos da não-eventualidade e da subordinação, qual este último seja o principal elemento caracterizador da relação de emprego. Manutenção da decisão de 1º Grau que se impõe.[9]

3.3 Vigia de Rua

Empregado da sociedade de fato, formada pelas famílias que pretendem segurança particular, o vigia de rua, a exemplo do vigia de residência, porteiro de residência, enquadra-se na categoria dos empregados domésticos.

A função do vigia, de rua ou residência, é inibir ação criminosa, acionando alarme, entrando em contato com a autoridade policial. O vigia não trabalha armado, uma vez que a sua função não se confunde com a do vigilante definido pela Lei nº 7.102/83, que tem como missão atuar diretamente na inibição de atos delituosos.

Se o vigia presta serviços apenas tomando conta de uma casa, em seu jardim ou em guarita, será considerado empregado doméstico, por estar ausente a finalidade de lucro do empregador.O vigia ou porteiro de prédio de apartamentos não será considerado doméstico, mas empregado sujeito à CLT, nos termos do art. 1º da Lei nº 2.757/56. O vigia de condomínio de escritórios ou consultórios também será considerado empregado comum, pois apesar de não ser de prédio de apartamentos residenciais, as pessoas pertencentes ao condomínio têm atividade lucrativa.

O segurança pessoal da família, que acompanha vários de seus membros para certos locais, é empregado doméstico. Não importa que o serviço seja prestado fora do âmbito residencial, mas que o resultado seja para o âmbito residencial.

Um elemento da relação de emprego que pode não se vislumbrar no caso vertente – requisito, esse, essencial à configuração do contrato de trabalho – é a prestação pessoal dos serviços. O empregador deve contar com específica e determinada pessoa como empregado. Se este é substituído constantemente por outro trabalhador, não existe o pacto laboral. Contudo, não há nenhum problema se a substituição por outra pessoa é feita com consentimento do empregador, desde que haja eventualidade na referida substituição. Quando a permuta de pessoas se torna regra, não ocorre relação de emprego. Assumindo, ainda, o trabalhador os riscos de sua atividade, também não existe o contrato de trabalho, pois a prestação de serviços deve ser por conta alheia, e não por conta própria.

Normalmente, os guardas particulares contratados por moradores para vigilância na rua têm qualquer constância na prestação dos serviços (habitualidade). Muitas vezes, trabalham por algumas semanas e ficam sem aparecer por outras, revezando-se com seus colegas no trabalho, ou, ainda, vigiam várias ruas do mesmo bairro, que são vias distantes umas das outras. Quando não têm interesse em continuar laborando naquela região, indicam simplesmente outra pessoa, que passa a fazer a vigilância no local. Em tais casos, portanto, inexiste contrato de trabalho. Por outro lado, estando configurada a relação de emprego (em que é necessário: subordinação ao empregador, continuidade e pessoalidade na prestação de serviços e pagamento de salários), o guarda não será considerado empregado regido pelas disposições da CLT, mas empregado doméstico, sujeito aos ditames da Lei nº 5.859/72. Nessa hipótese, se o vigia prestar serviços à pessoa ou família, que não tem atividade lucrativa, para o âmbito residencial destas. Os destinatários do trabalho não exploram atividade econômica, daí por que o empregado ser doméstico.

Para ser doméstico não importa que, o guarda não resida em qualquer das residências vigiadas. Na verdade, o que interessa é a continuidade e a subordinação na prestação do trabalho. Mesmo o motorista que faz serviços externos para uma residência, ou a babá que também vai ao banco pagar contas da patroa, faz compras na feira e no supermercado, leva e traz sapatos para conserto no sapateiro, também são considerados empregados domésticos. Assim, o vigia, mesmo não prestando serviços dentro das residências dos moradores beneficiados por seu mister, será considerado empregado doméstico.

O fato de o vigia receber seus vencimentos de uma só pessoa, que arrecada os valores dos demais moradores, implica formação de uma sociedade de fato por partes destes, equiparável ao condômino predial de apartamentos, ou até mesmo se assemelharia a um “contrato de equipe” (lato sensu) de empregadores.

 O TRT da 2ª Região já decidiu que: “o guarda contratado por moradores para vigilância de rua é doméstico, sendo empregado da sociedade de fato assim formada pelas famílias que pretendem segurança particular”.[10] “Vigia residencial – É doméstico o vigia residencial cuja prestação de serviço beneficia a um grupo de famílias, no espaço residencial destas, sem finalidade lucrativa.”[11]

3.4 Motorista

A situação do motorista vai depender de várias hipóteses para se configurar ou não a condição de empregado doméstico. Para que o motorista seja considerado empregado doméstico, é preciso que preste serviços à pessoa ou à família, que não tenha por intuito atividade lucrativa, e para o âmbito residencial destas, pois quando o motorista presta serviço tanto na residência  quanto no estabelecimento comercial ou industrial de seu patrão (transportando mercadoria, fazendo entrega a clientes, etc.), não  será considerado empregado doméstico, mas empregado sujeito ás regras da CLT, pois seu serviço não é exclusivamente residencial.

O serviço do motorista consistirá em levar o empregador ao local de trabalho e daí trazê-lo, levar sua mulher às compras ou ao cabeleireiro e daí trazê-la, ou fazer outras atividades relacionadas com a casa, como ir ao supermercado etc., levar os filhos até o colégio, à aula de inglês etc.

Não se desnatura  a condição de empregado doméstico pelo fato de o motorista levar seu patrão até os clientes deste último, pois a atividade do empregado ainda será desenvolvida para o âmbito residencial, desde que não seja diretamente relacionada com a empresa.

3.5 Enfermeira Doméstica

Se a enfermeira trabalha apenas no âmbito residencial, cuidando de uma pessoa que se encontra doente, será considerada doméstica. O que importa aqui é que essa pessoa não tem atividade lucrativa e está recebendo os serviços da trabalhadora. Logo, é considerada a enfermeira empregada doméstica.

4. CONTRATO DE TRABALHO DO EMPREGADO DOMÉSTICO

A contratação do trabalho doméstico sempre foi tratada com informalidade, tendo como regra geral o contrato verbal, o contrato não precisa ser efeito por escrito, podendo ser celebrado verbalmente, como qualquer contrato. Pode ser celebrado tacitamente, se não houve qualquer oposição à prestação dos serviços, e inclusive é uma das formas constantes da disposição prevista o Título IV, Capítulo I da CLT, nas Disposições Gerais:

“Art. 443. O contrato  individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito e por prazo determinado ou indeterminado”.

Ocorre que as relações de emprego são reguladas por lei com garantias de direitos inalienáveis, como forma de equilibrar a desigualdade entre capital e trabalho. Isso vale também para o emprego doméstico, atividade sem fim lucrativo. Apesar de possuir legislação específica, com menos direitos para o empregado e obrigações na mesma proporção para o empregador. Diante dos fatos, o contrato de trabalho deverá ser formalizado, para resguardar direitos e dirimir controvérsias oriundas do vínculo empregatício.

4.1 Contrato de Prazo Indeterminado

Inexistindo prova em contrário, o contrato de trabalho, em regra, é indeterminado. O contrato de prazo certo é exceção e pode ser aplicado na relação do trabalho doméstico, segundo o mandamento inserto no artigo 443 da CLT

4.2 Contrato de Experiência

A experiência até seria necessária para verificar se o doméstico sabe fazer o serviço, se adapta á casa, etc. Caso fosse possível o contrato de experiência para o doméstico, não haveria limite de prazo, podendo o pacto ser celebrado por cinco anos, o que evidentemente não é o intuito do Direito do Trabalho, de proteger relação tão longa, pois se o empregado serve para o serviço ou não, o que é possível verificar no período de 90 dias descrito pela CLT. O acórdão a seguir admite o contrato de experiência para o doméstico: Empregada doméstica – Contrato de experiência – Validade. Consoante a previsão do parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, vários direitos sociais foram estendidos aos empregados domésticos, entre eles o aviso prévio, instituto este que atinge tanto o empregado doméstico quanto o empregador, o que viabiliza as situações previstas nos artigos 482 e 483 da CLT.   

Logo, cabível o contrato, a titulo de experiência para o doméstico. Se a Lei 5.859/72 e seu decreto regulamentador não proíbem a adoção desse tipo de contrato, não cabe ao intérprete fazer qualquer distinção. Recurso a que se dá provimento para imprimir validade ao contrato de experiência e julgar improcedente a ação.[12]

Antigo empregador poderá dar carta de referência dizendo que o empregado doméstico lhe prestou serviços e que estes eram prestados a contento. O ex-empregador doméstico não terá obrigação de fornecer o atestado, em razão de que não há lei dispondo nesse sentido e de que o empregado pode não ter sido bom funcionário. Pelo fato de o empregado doméstico conviver na intimidade da família e que a lei exige o referido atestado. Dada a confiança do empregado doméstico, já que este permanece praticamente o dia todo na residência da família, até mesmo quando esta está fora. Ocorre muito o fato de empregada doméstica, na primeira oportunidade, furtar a residência da família e depois desaparecer. O atestado de boa conduta tem por objetivo afastar os maus profissionais do mercado; mas, evidentemente, não irá eliminá-los.

O atestado de saúde não é obrigatório para a admissão no emprego, ficando a critério do empregador doméstico exigi-lo. Tem por objetivo verificar se o empregador não é doente, pois vai trabalhar na casa, em contato com roupas e até crianças, podendo transmitir doenças.

Outra determinação bastante válida é a atribuição da responsabilidade civil às agências de empregados domésticos, conforme a Lei 7.195/84. O artigo 1º dessa norma determina que “ as agências especializadas na indicação de empregados domésticos são civilmente responsáveis pelos atos ilícitos cometidos por estes no desempenho de suas atividades”. O artigo 2º declara que, “ no ato da contratação, a agência firmará compromisso com o empregador, obrigando-se a reparar qualquer dano que venha a ser praticado pelo empregado contratado, no período de um ano ”.

Na CTPS do empregado doméstico, serão feitas, pelo empregador, as seguintes anotações:

data de admissão;  salário mensal ajustado ; início e término das férias ; data da dispensa ( artigo 5º do Decreto 71.885/73). Será vedado, portanto, anotar-se na CTPS do empregado qualquer conduta desabonadora ou, mesmo, a existência de justa causa para a dispensa. A CTPS irá comprovar o contrato de trabalho entre as partes, o salário e as anotações de férias, inclusive perante a Justiça do Trabalho.

O empregado doméstico será registrado de imediato, desde o primeiro dia em que passa a prestar serviços ao empregador. Não poderá o empregador posteriormente alegar que não o registrou sob o argumento de que o doméstico não lhe apresentou a CTPS ou não trouxe documentos ou algo parecido, pois qualquer empregado deve ser registrado logo no primeiro dia em que começa a trabalhar, e não em outra oportunidade.

Não há prazo para que o empregador faça as anotações na CTPS do empregado do contrato mantido entre as partes, pois não se aplica a CLT ( artigo 7º, “a”). O mais correto é que a CTPS seja anotada o mais rápido possível e devolvida ao empregado. Para que não existam dúvidas sobre se a empregada apresentou ou não a CTPS, a CTPS é obrigatória para o exercício de qualquer emprego ( artigo 13 da CLT, inclusive o doméstico), para registro e que esta foi devolvida ao empregado, deve o empregador pegar recibo de que devolveu aquele documento ao trabalhador.

Não se exige mais do empregado doméstico menor a autorização dos pais para trabalhar, pois o artigo 417 da CLT não se aplica ao doméstico ( artigo 7º, “a”, da CLT). Inclusive, entende-se que referido artigo foi revogado tacitamente pelo Decreto-Lei  926, de 10-10-1969, ou pela Lei 5.686/71, que previa em sentido diverso, não mais fazendo distinção entre CTPS do trabalhador comum e do menor.  O artigo 417 da CLT falava ainda em documentos para emissão da CTPS. O parágrafo único do artigo 16, com a redação da Lei  5.686, determinava quais eram os elementos para que a CTPS fosse emitida, mencionando na alínea “d” autorização dos pais, o que não é mais exigido na redação do mesmo artigo 16, de acordo com a Lei 7.855/89. Assim, é possível também entender que para o menor trabalhar não se exige autorização do responsável, inclusive para o trabalho doméstico.

Determina o artigo 248 da Lei  8.069/90 que, se a pessoa deixar de apresentar à autoridade judiciária de seu domicílio, no prazo de 5 dias, com o fim de regularizar a guarda. Adolescente trazido de outra comarca para a prestação de serviço doméstico, mesmo que, autorizado pelos pais ou responsável, fica sujeita à pena de multa de 3 a 20 salários de referência, sendo aplicada em dobro no caso de reincidência, independentemente das despesas de retorno do adolescente, se for o caso. O doméstico menor de 18 anos poderá firmar recibo de pagamento. Na quitação, é recomendável que tenha a assistência dos pais, embora não se aplique ao doméstico o artigo 439 da CLT ( artigo 7º, “a”, da CLT).

Tendo o empregador mais de uma residência, como a casa de campo a casa de praia, além da que normalmente vive, o fato de o empregado deslocar-se de uma para outra não implica a existência de mais de um contrato de trabalho doméstico.

Se houver uma sucessão de contratos de trabalho entre o empregado e o empregador doméstico, é inaplicável o artigo 453 da CLT, visando o somatório do tempo de serviço de todos os contratos, pois a CLT não é observada ao doméstico.

Falecendo o empregado doméstico, termina o contrato de trabalho doméstico, pois, para o empregado, o pacto laboral é pessoal, envolvendo certa e específica pessoa na prestação dos serviços.

5. DIREITOS TRABALHISTAS DO EMPREGADO DOMÉSTICO

5.1 Direitos Previstos na Constituição

Nenhuma Constituição brasileira havia tratado de direitos trabalhistas dos domésticos, nem mesmo a ele se referiam.

A Lei Maior determinou, portanto, vários direitos trabalhistas ao empregado doméstico no parágrafo único do artigo 7º, até mesmo não previstos na Lei nº 5.859, que regula o trabalho doméstico. Assim, tem direito o empregado doméstico a : salário mínimo (artigo 7º, IV), que não era previsto na legislação anterior; irredutibilidade salarial ( artigo 7º, VI); décimo terceiro salário ( artigo 7º, VIII), que não estava elencado na Lei nº 5.859; repouso semanal remunerado ( artigo 7º, XV), que também não era previsto na lei do doméstico; férias mais 1/3 ( artigo 7º, XVII); licença à gestante de 120 dias ( artigo 7º, XVIII); licença – paternidade ( artigo 7, XIX); aviso prévio de pelo menos 30 dias ( artigo 7º, XXI), que inexistia anteriormente; aposentadoria ( artigo 7º, XXIV), bem como sua integração à Previdência Social.

6.   BENEFÍCIOS FACULTADOS AOS DOMÉSTICOS

6.1 FGTS

A Medida Provisória nº 1986 de 13/12/1999, e Decreto 3.361, de 10/02/2000, facultou a inclusão do doméstico no Sistema do FGTS, consoante requerimento do empregador, a partir da competência março/2000.

De acordo com o artigo 2º do Decreto 3.361, a inclusão de empregado doméstico no FGTS é irretratável no que tange ao vínculo contratual, sujeitando o empregador às obrigações previstas na Lei 8.036/90.

A inclusão é automática a partir do primeiro depósito na conta vinculada efetivado na Caixa Econômica Federal ou na rede conveniada.

O valor do recolhimento é de 8% ( oito por cento ) do valor do salário ajustado e o recolhimento deverá observar o dia 7 ( sete ) do mês subseqüente ao trabalhado.

6.2 Seguro-Desemprego

O benefício do seguro-desemprego será concedido ao empregado doméstico inscrito no Sistema do FGTS e que além de ter trabalhado em período mínimo de quinze meses nos últimos vinte e quatro meses, tenha sido dispensado do emprego sem justa causa.

O seguro-desemprego terá como valor um salário mínimo, por um período máximo de três meses , de forma contínua ou alternada.[1]

O benefício do seguro-desemprego só poderá ser requerido novamente a cada período de dezesseis meses corridos da dispensa que originou o benefício anterior.

7. INSTITUTOS NÃO OBSERVADOS EM RELAÇÃO AO DOMÉSTICO

7.1 Garantia de Emprego da Gestante

Obrigar uma pessoa a ficar com a empregada quando a confiança deixou de existir é praticamente impossível, principalmente quando essa pessoa trabalha na casa do patrão, o que é ainda pior. Viola a intimidade da pessoa. Não faz jus a empregada doméstica à garantia de emprego de cinco meses após o parto, prevista na alínea “ b” do inciso II do artigo 10 do ADCT, com relação à despedida arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante. Na jurisprudência encontramos orientação idêntica:

Empregada doméstica – Estabilidade da gestante – Inaplicabilidade. A estabilidade provisória à empregada gestante encontra-se assegurada pelo artigo 10, II, “b”, do Alto das Disposições Constitucionais Transitórias, que disciplina, até a edição de futura lei complementar, a garantia contra a despedida imotivada consagrada pelo artigo 7º, I, da novel Carta Magna. O parágrafo único do mencionado artigo 7º da Constituição, ao explicitar quais os direitos constitucionais aplicáveis aos empregados domésticos, excetuou-se o direito contra despedida arbitraria ou imotivada, de modo que, inequivocamente, assentou que essa categoria diferenciada do empregado não tem direito à estabilidade provisória conferida à gestante pelo novo texto constitucional. “Recurso provido”.[2]

“Não faz jus à empregada doméstica à estabilidade de cinco meses, eis que o direito não está incluído naqueles elencados no parágrafo único do artigo 7º da CF”.[3]

Empregada doméstica – Ausência de estabilidade em virtude de estado gestacional. Interpretação do artigo 7º da Carta Magna c/c artigo 10, II, b, do ADCT. A empregada doméstica não goza da estabilidade prevista no artigo 10, II, b, do ADCT, eis que o mesmo tem como destinatárias às empregadas beneficiadas pelo artigo, I, da Carta Magna, não estendido às empregadas domesticas pelo artigo 7º, parágrafo único, também da Carta Magna. Recurso conhecido. Contra-razões não conhecidas por intempestivas. “Recurso desprovido”[4]

7.2  Horas Extras

No que diz respeito à jornada de trabalho, o doméstico pode trabalhar mais de oito horas diárias e 44 semanais, pois não  lhe é aplicado o inciso XIII do artigo 7º da Constituição nem o adicional previsto no inciso XVI ( parágrafo único do artigo 7º da Lei Maior ). Dessa forma, o doméstico pode trabalhar além de referido horário, sem que haja obrigatoriedade de pagamento de horas extras. Terá direito apenas ao repouso semanal remunerado, de preferência aos domingos, que, se não for concedido, ainda que em outro dia, deverá ser pago em dobro. Muitas vezes o empregado doméstico não tem horário para trabalhar, tanto podendo muito como trabalhar pouco, dependendo da realização do serviço que fará, sendo que nem sequer há controle de entrada e de saída no serviço. Outras vezes o empregador nem sequer está na residência e, dada a confiança existente entre as partes, o empregado doméstico desenvolve suas atividades como quer. Em muitos casos o empregado doméstico reside no próprio local de trabalho, na residência do empregador, podendo trabalhar a qualquer hora.

Assim não faz jus o empregado doméstico à horas extras, nem a adicional de horas extras, como se verifica também na jurisprudência: “domésticos – Horas extras. O empregado doméstico não faz jus a horas suplementares, eis que estas não constam do elenco de direitos taxativamente assegurados à categoria pela Constituição Federal de 1988”.[5]

7.3 Adicional Noturno

Não faz jus o doméstico ao adicional noturno, pois a lei que regulamenta o trabalho doméstico é omissa com relação à prestação de serviço em horário noturno. Assim o empregado doméstico poderá trabalhar das 22 às 05 horas, mas não terá direito ao adicional noturno. Na jurisprudência a orientação é a mesma:

“Empregado Doméstico: O parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal não estendeu a essa categoria o direito ao adicional noturno”.[6]

É sabido que certos empregados domésticos trabalham depois das vinte e duas horas, como enfermeiras, baby sitters e outros. Normalmente tem sido ajustado um valor maior pelo trabalho noturno em relação ao diurno, não sendo obrigatório o pagamento de adicional noturno, pelo fato de que a CLT não se aplica ao doméstico.

7.4 Assistência na Rescisão do Contrato de Trabalho

7.5 Multa do § 8º do artigo 477 da CLT

7.6 Higiene e Segurança do Trabalho

7.7 Adicional de Periculosidade e de Insalubridade

7.8 Benefício por Acidente do Trabalho

A Lei nº 6.367, de 19-10-1976, tratou do seguro de acidente do trabalho, excluiu expressamente de suas disposições os empregados domésticos ( artigo 1º, § 2º ). O empregado doméstico que eventualmente sofra acidente do trabalho não terá direito a qualquer prestação da Previdência Social, pois o empregador não recolhe prestação de custeio de acidente de trabalho. O artigo 19 da Lei nº 8.213/91 menciona que o acidente do trabalho é o que ocorre quando o trabalho está a serviço da empresa. Acontece que o empregador doméstico não é considerado empresa e nem tem por objetivo atividade lucrativa. Logo, ainda que exista o acidente do trabalho com o empregado doméstico, este não fará jus a qualquer prestação da Previdência Social, como auxílio-acidente, auxílio-doença acidentário ou aposentadoria por invalidez acidentária. O § 1º do artigo 18 da Lei nº 8.213 dispõe que as prestações de acidente do trabalho somente são devidas aos segurados empregado, especial o trabalhador avulso, excluindo, portanto, o empregado doméstico.

Realmente, é injusto que ocorra o acidente do trabalho e o empregado doméstico não seja beneficiado com prestação acidentária, porém é nesse sentido a disposição da lei.

7.9 Salário-Família

Conclusão

Vislumbra-se que atento ao quadrante jurídico trabalhista Pátrio, no decorrer dos anos o empregado doméstico passou a ter diversos direitos trabalhistas garantidos e reconhecidos pela legislação Pátria, deixando parcialmente de ser excluído ou tratado à margem do ordenamento jurídico.

Descortinou-se que somente a partir da Lei nº 5.859/72, devidamente regulamentada pelo Decreto 71.885 de 09.03.1973, foram estabelecidas  as disposições mestras e os alicerces que regem a profissão dos domésticos.

Denota-se a grande importância da Constituição Federal de 1988, a qual foi um grande avanço na questão, tendo em vista o considerável e louvável aumento no número de direitos  relativos ao empregado doméstico. Representando, portanto, a consagração dos direitos trabalhistas dos domésticos e não sua exclusão do Direito do Trabalho, já que o empregado doméstico é um trabalhador, pelo que deve gozar de direitos e deveres.

Estabelecidas todas estas premissas, verificou-se  a existência de diversos pontos, direitos e benefícios controvertidos e ainda, várias questões polêmicas em relação aos institutos aplicáveis ou não ao empregado doméstico.

Visando uma convivência pacífica entre as partes envolvidas na relação de emprego doméstica, absolutamente pessoal, denota-se que é preferível ao empregador conceder a regra ou norma mais benéfica ao empregado doméstico, do que discutir judicialmente a questão, almejando a pacificação dos litígios e maiores desgastes interpessoais.

Diante de todas estas premissas, revela-se preocupante a imensa divergência jurisprudencial sobre os direitos e benefícios consagrados pela legislação dos domésticos, pelo que a atualização e melhor regularização dos preceitos legais do doméstico deve ser discutida e revista pelos operadores do direito e legisladores, culminado com a promulgação de uma nova lei que regulamente o trabalho doméstico, agregando às disposições da Lei 5859 com os mandamentos insertos pela Constituição de 1988, tornando estes preceitos regulamentadores equânimes, coerentes e sem discrepância de normas, a fim de evitar  dificuldades de interpretação e principalmente divergências de aplicação técnica, tanto pelos operadores do direito, pela doutrina e em especial pela atividade jurisdicional, a qual entrega a prestação jurisdicional de forma antagônica e em flagrante prejuízo dos trabalhadores e de toda a sociedade.

Bibliografia

ANFIP – Associação Nacional dos Fiscais de Contribuições Previdenciárias. Regulamento da previdência social.  3.ed.  Brasília: ANFIP, 2001.

ASSIS, Romeu José.  Guia prático do emprego doméstico.  Curitiba: Juruá, 2001.

MACEDO, Eliane Maria Silva.  Manual do empregador doméstico. 3.ed.  São Paulo: Saraiva, 2001.

MARTINS, Sérgio Pinto.  Manual do trabalho doméstico. 5.ed.  São Paulo: Atlas, 2000.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro.  Curso de direito do trabalho.  16.ed.  São Paulo: Saraiva, 1999.

________.  Iniciação ao direito do trabalho.  26.ed.  São Paulo: LTr, 2000.

OLIVEIRA, Aristeu.  Manual prático do empregado doméstico.  São Paulo: Atlas, 2001.

PESSÔA, Eduardo.  Direito do trabalho doméstico.  São Paulo: WVC Editora, 2000.

RIOS, Josué.  Guia dos seus direitos.  5.ed.  São Paulo: Globo, 1999.

——————————————————————————–

[1] Ac. Da 3ª T. do TRT-9ª Região, RO 1.998/90, Rel. Juiz Ricardo Sampaio, j. 10-4-91, m. v. no mérito, DJPR 24-5-91, p. 154).

[2] Ac. Da 2ª T. do TRT-3ª Região, RO 9.829/91, j. 18-8-92, Rel. Juíza Alice Monteiro de Barros, in LTr 56-11/1.336).

[3] TRT da 3ª R., RO 0490/92, 4ª T., Rel. Juiz Nereu Nunes Pereira, DJ MG 20-3-93, Síntese Trabalhista nº 47/83.

[4] Ac. un. da 3ª T. do TRT-10ª Região, RO 5.214/93, Rel. Juíza Maria de Assis Calsing, j. 17-3-94, DJU 15-4-94, p. 3.894.

[5] TR 3ª R. RO 4.920/92, Ac. 4ª T., j. 2-2-93, Rel. Juiz Pedro Lopes Martins, in LTr 58-04/437.

[6] Ac. um. da 2ª T. do TRT-9ª Região, RO 321/89, Rel. Juiz Euclides Alcides Rocha, j. 12-10-89, DJPR 6-12-89, p. 112).

[7] Ac. un. da 1ª T. do TRT-3ª Região, RO 1.101/89, Rel. Juiz Manoel Mendes de Freitas, j. 13-11-89, Minas Gerais II, 1º-12-89 p. 66.

[8] Ac. do TRT-11ª Região, nº 216/91, RO 415/90, Rel, Juiz Othilio Francisco Tino, j. 5-3-91, in LTr 55-09/1.099.

[9] TRT 4ª R., RO 930195191, ac. 2ª T., j. 28-10-94, Rel. Juiz Carlos Affonso Carvalho de Fraga, in LTr 59-05/684.

[10] 6ª T., RO 8.833-9, Rel. Juiz José Serson, DJSP 10-9-87, p. 61.

[11] [11] Ac. da 3ª T. do TRT da 3ª R., RO 08081/96, Rel. Juiz Roberto Marcos Calvo, j. 18-11-96, DJMG, 7-12-96, p.

[12] Ac. da 6ª T. do TRT da 2ª R., RO 02980437373, j. 14-9-99, Rel. Juiz Fernando Antonio Sampaio da Silva, DO SP 5-10-99, p. 56.


Referências Bibliográficas

André  Luiz Silveira Vieira  –  Advogado, Especialista em Direito e Processo do Trabalho, Professor de Direito do Trabalho nas Faculdades Integradas de Itapetininga-SP.  2005
 
setefkb@ig.com.br

ADOÇÃO: Seu contexto histórico, visão geral e as mudanças trazidas pelo Novo Código Civil

1

* Marcos Vinícius Pereira Júnior –

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente artigo tem como escopo, a analise do Instituo da Adoção, sua evolução histórica, bem como as mudanças sofridas após a vigência do Novo Código Civil.

Serão analisados os requisitos objetivos e subjetivos para adotar, como também seus efeitos. Enfim, buscará analisar o Instituto da Adoção de uma maneira ampla, possibilitando ao leitor ter uma visão completa acerca do tema.

I.   VISÃO HISTÓRICA.

Para um profundo e crítico estudo acerca do instituto da adoção, necessária se faz uma análise do contexto histórico, bem como a posição do legislador e da jurisprudência da atualidade.

Seguindo as lições de Silvio de Sálvio Venosa[1], citando Carbonnier, “a adoção como forma constitutiva de vínculo de filiação, teve evolução histórica bastante peculiar. O instituto era utilizado na antiguidade como forma de perpetuar o culto doméstico. Atualmente, a filiação adotiva é uma filiação puramente jurídica, baseando-se na presunção de uma realidade não afetiva”.

O estudo histórico da adoção, sucintamente deve ser analisado como presente na civilização grega, como forma de culto aos deuses-lares, ou seja, quando alguém não tinha herdeiro adotava para dar seguimento à missão do pater famílias. Tinha ainda como princípio básico o de que a adoção tinha que imitar a natureza, ou seja, o adotado assumia o nome e a posição do adotante e herdava seus bens como conseqüência da assunção do culto.

Já no Direito Romano, duas eram as modalidades, a adoptio e adrogatio. A primeira consistia, anda segundo Venosa na adoção de um sui iuris, uma pessoa capaz, por vezes um emancipado e até mesmo um pater famílias, que abandonava publicamente o culto doméstico originário para assumir o culto do adotante, tornando-se seu herdeiro. A adrogatio, abrangia não só o adotando, mas também sua família, filhos e mulher, não sendo permitida ao estrangeiro, sendo necessária a formalização perante os comícios, pois havia interesse do Estado na adoção porque a ausência de alguém que desse continuidade ao culto doméstico poderia causar a extinção de uma família.

Várias peculiaridades envolveram a adoção desde a época da adoptio e adrogatio do Direito Romano até a Idade Média, período em que a adoção cai em desuso, sob as novas influências religiosas e com preponderância do Direito Canônico.

Na Idade Moderna, sob as fortíssimas influências da Revolução Francesa, que revolucionou o mundo não só no direito, como na história, nas artes, nas lutas, o instituto da adoção volta à baila, sendo posteriormente incluído no Código de Napoleão de 1804.

Sob esse molde francês, foi seguido no Direito Brasileiro, inicialmente com o Código Civil de 1916, posteriormente com a Lei nº 3.133/57. E, principalmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a Adoção no Brasil tomou um rumo positivo, preocupado com a proteção à criança e ao adolescente, tendo sido efetivada com a Lei nº 8.069/90. Agora a inovação legislativa é o novo Código Civil de 2002, que será objeto dos próximos tópicos.

Importante considerar para finalizar esse passeio histórico que, em diferentes níveis a adoção é permitida por quase todas as legislações moderna, acentuando-se o sentimento humanitário e o bem-estar da criança ou do adolescente como preocupação principal, enfatizando a Lei brasileiro que dispõe acerca da proteção integral.

II.   CONCEITO.

A adoção é uma modalidade artificial de filiação que busca ser igual a filiação natural, sendo garantido pela Constituição Federal de 1988 a igualdade de direitos entre os filhos naturais e adotivos, proibindo qualquer distinção na certidão de nascimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente conceitua adoção no artigo 41, nos seguintes termos: “atribui a condição de filho ao adotado”, sendo a mesma definição repetida no artigo 1.626, caput, do Novo Código Civil.

Dessa forma a adoção é uma forma, diferente da natural, de filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação afetiva, ressaltando-se, principalmente afetiva. Juridicamente a adoção é um ato ou negócio que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas, ou seja, uma pessoa passa a gozar do estado de filho de outras pessoas, independentemente de vínculo biológico.

III.    NATUREZA JURÍDICA.

Sucintamente a natureza jurídica da adoção é de um negocio bilateral e solene, sendo admitido o instituto como contrato, pois há necessidade de duas vontades, do adotante, ou dos adotantes, e, do adotado ou mesmo de seu representante legal. 

IV.   ADOÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 1916.

Mesmo com a edição e promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, continuaram em vigor os dispositivos do Código Civil relativos a adoção de maiores de 18 anos[2], pois o Estatuto foi omisso em disciplinar tais matérias.

A grande diferença da atual disciplina acerca do tema é que no Código Civil de 1916, a adoção era feita por escritura pública, sem interferência do magistrado. Agora, após vacatio legis do Código Civil de 2002, o Código Civil de 1916 foi revogado, conforme expressa disposição do art. 2.045 do vigente Código Civil. Infere-se daí que não existe qualquer modalidade de adoção por escritura pública, sem interferência do Juiz, garantindo esse direito que é de ordem pública.

Outra questão interessante é que a adoção no Código Civil de 1916 visava principalmente a pessoa dos adotantes, deixando o adotado em plano inferior, aspecto não admitido na nova visão do direito. Foram observados diversos avanços com a Lei nº 3.133/57, que passou a considerar a adoção sob o prisma assistencial, observando a condição do adotado e, também, do adotando, não analisando aspectos financeiros primordialmente e sim o aspecto afetivo entre adotante e adotado. Em relação à inovação da adoção com a Lei nº 8.069/90 e 10.406/2002, será pormenorizadamente explicitado nos tópicos seguintes.

As características e requisitos da adoção no Código Civil de 1916 eram os seguintes:

1. adotante 16 anos mais velho que o adotando, com mais de 30 anos de idade;

2. se o adotante fosse casado, casamento com duração superior a cinco anos;

3. duas pessoas não podiam adotar conjuntamente se não fossem marido e mulher;

4. adotando com mais de 18 anos;

5. o tutor ou curador podia adotar, depois de prestadas as contas;

6. escritura pública;

7. possibilidade de adoção por estrangeiro sem restrições.    

Feitas as principais observações acerca da adoção regida pelo Código Civil de 1916, para finalizar o tópico e ficar clara a diferença do instituto anterior para o atual, ressalte-se que a Escritura Pública era da substância do ato, de acordo com o art. 134, I, sendo a adoção consumada apenas com a averbação da escritura no registro civil (art. 29, §1º, e, e 102, item 3º, da Lei nº 6.015/73).

V.    ADOÇÃO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 (Lei 10.406/02).

No regime estabelecido pela Lei 10.406/2002, denominada Novo Código Civil, não existe mais a adoção celebrada entre partes, sem a intervenção de magistrado, ou seja, só por sentença poderá constituir-se a adoção, mesmo que seja pessoa maior de 18 anos, de acordo com o art. 1.623 e parágrafo único. A adoção, agora, será sempre assistida pelo Poder Público, o evitando-se sua constituição por escrito particular, como na legislação anterior.

Como já ressaltado anteriormente, não existe mais diferença entre as formas de adoção para maiores e menores de 18 anos, agora, o Novo Código Civil disciplina, também, a matéria em relação a crianças e adolescentes como dispõe os arts. 1.621 e parágrafos, 1.623 parágrafo único e 1.624 

VI.    ADOÇÃO NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

Inicialmente deve ser ressaltado que o Novo Código Civil não alterou, diretamente e explicitamente, o espírito e a estrutura do Estatuto da Criança e do Adolescente, nem sua competência nem instrumentos procedimentais.

Como ressaltou Venosa[3] “no atual Estatuto da Criança e do Adolescente já não há distinção: a adoção dos menores de 18 anos é uma só, gerando todos os efeitos da antiga adoção plena. O estatuto menorista posiciona-se em consonância com a tendência universal de proteção à criança, assim como faz a Constituição de 1988, que em seu art. 6º, ao cuidar dos direitos sociais, refere-se à maternidade e à infância. Nos arts. 227 e 229 são explicitados os princípios assegurados à criança e ao adolescente, descreve que a criança ou adolescente tem direito fundamental de ser criado e educado no seio de uma família, natural ou substituta (art. 1º)”. Importante é considerar que a Lei nº8.069/90 considera a criança e adolescente sujeitos de direito, ao contrário do Código de Menores que os considerava como objeto da relação jurídica.

Foi grande o avanço em relação à matéria com a Constituição de 1988, e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, garantindo a proteção integral[4], fatos estes que não foram modificados pelo Novo Código Civil.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, construído sobre a doutrina da proteção integral, exige obediência estrita à condição peculiar de seus destinatários, pessoas em processo de desenvolvimento, e à garantia de prioridade absoluta. Observe-se que as principais relações jurídicas entre Crianças e Adolescentes ainda encontram-se disciplinadas no Estatuto, como dito anteriormente, e a elas são aplicáveis as normas nele previstas. As normas de Direito Civil e Processual Civil, só devem ser aplicadas em relação às crianças e adolescente quando houver lacuna, e mesmo nestes casos, quando não forem incompatíveis com os seus princípios fundamentais disciplinados na Lei nº 8.069/90.

VII.   DOS REQUISITOS PARA ADOTAR.

VII.I. REQUISITOS SUBJETIVOS.

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente em seu art. 42, só podem adotar, pessoas maiores de 21 anos. Caso seja requerida por cônjuges ou companheiros, admite-se que apenas um deles tenha 21 anos. A grande mudança trazida pelo Novo Código Civil é em relação ao limite, pois sendo a nova maioridade civil fixada em 18 anos, o limite de idade para adoção é reduzido para 18 anos, conforme dispõe o art. 1.618 e parágrafo único. O art. 42 § 3º do Estatuto e art. 1.619 do Novo Código Civil, conservam a necessidade de que o adotante seja pelo menos 16 anos mais velho que o adotado, como já havia previsão no Código Civil de 1916.

A proibição de adoção por ascendentes e irmãos, prevista no art. 42 § 1º do Estatuto da Criança de do Adolescente, não encontra qualquer correspondência expressa no Novo Código Civil, sendo o impedimento mantido na íntegra para adoção de crianças ou adolescentes[5], podendo haver discussão quando a adoção foi de pessoa maior de 18 anos.

Quanto aos divorciados e separados judicialmente, estes podem adotar conjuntamente, desde que acordem sobre guarda e visitas e que o estágio de convivência haja sido iniciado na constância da sociedade conjugal  como dispõe o art. 42, § 4º do Estatuto, o que foi repetido pelo Novo Código Civil em seu art. 1.622, parágrafo único.

O Novo Código Civil determinou em seu art. 1.622, caput, que a adoção só pode ser requerida por duas pessoas quando se trate de marido e mulher, ou que vivam em união estável, eliminando qualquer polêmica sobre a possibilidade de adoção por casais homossexuais, ou mesmo duas pessoas heterossexuais, que não vivam em união estável ou são casadas. Resumindo, o Novo Código vetou qualquer possibilidade de adoção por casais homossexuais, ou mesmo duas pessoas heterossexuais, que não vivam em união estável ou são casadas.

O art. 1.626, parágrafo único, do Novo Código Civil, repete matéria disciplinada no Estatuto da Criança e do Adolescente, rezando que continua possível a adoção pelo cônjuge ou companheiro de um dos pais do adotando, a chamada adoção unilateral. O Novo Código Civil também reconhece a adoção após a morte, em seu art. 1.628, caso este já disciplinado pelo Estatuto e admite que o pedido seja formulado por tutor ou curador, mediante prévia prestação de contas e demonstração da inexistência de débitos, como disposto no art. 1.620 do Novo Código Civil e art. 44 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

De acordo com a disciplina tanto do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Novo Código Civil, qualquer pessoa pode ser adotada, observando-se quanto ao primeiro as regras dos arts. 39 e 40 e do segundo as do art. 1.623. É que a adoção de maior de 18 anos, sem que haja guarda ou tutela anterior a essa idade, não se subordina a qualquer regra restritiva contida no Estatuto; e mesmo a competência vincula-se ao Juízo de Família. Caso haja guarda ou tutela ante de o adotando completar 18 anos, a competência será do Juízo da Infância e da Juventude, como já ressaltado em linhas anteriores.

VII.II. REQUISITOS OBJETIVOS.

Não existe mais a adoção por escritura pública, seja para maiores ou menores de 18 anos, a nova disciplina no Novo Código Civil prevê que só há adoção após processo judicial, ou seja, será sempre assistida pelo poder público, independentemente da idade do adotando como preceitua o art. 1.623 e parágrafo único da Lei 10.406/02.

Outra exigência objetiva é o consentimento do adotando maior de 12 anos, de acordo com o art. 45 § 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente e art. 1.621, caput, da Lei 10.406/02. A adoção também se condiciona ao consentimento dos pais ou do representante legal do adotando como dispõe o art. 45 do Estatuto e art. 1.621 do Novo Código Civil, salvo se tiver sido destituído o poder familiar de ambos os pais e, também, outros familiares não quiserem criar o adotando, pois como ressaltado  pelo Estatuto a preferência é manter a criança ou adolescente em sua família natural. Não havendo poder familiar, o consentimento dos pais será evidentemente desnecessário.     

O § 2º do art. 1.621 do Novo Código Civil resolve problema prático ao permitir a retratação do consentimento até a publicação da sentença constitutiva de adoção. Neste caso, não há decretação de perda do poder familiar, sendo mesmo razoável admitir-se o arrependimento.

O art. 1.624 do Novo Código Civil declara não ser necessário o consentimento do representante legal, se provado tratar-se de criança exposta, ou que os pais sejam desconhecidos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente requer que a adoção represente vantagem para o adotando e esteja fundada em motivos legítimos e o Novo Código Civil exige o “efetivo benefício” para o adotando em seu art. 1.625.

O cadastramento dos interessados em adotar[6], junto ao Juízo da Infância e Juventude, continua vigente para as adoções de crianças e adolescentes, não havendo exigência para adoções de maiores de 18 anos, pois estes são maiores e capazes de decidir se querem e por quem ser adotados. Idêntica solução deve ser utilizada quanto ao estágio de convivência[7], que também ficará restrito às adoções de menores de 18 anos.

VIII.            EFEITOS.

O primeiro e principal dos efeitos da adoção é a atribuição da condição de filho ao adotado, desfazendo os vínculos do adotado com pais e parentes, salvo impedimentos matrimoniais, considerando que a adoção é irretratável. A condição de filho, estabelecida pela adoção, conduz à formação de parentesco entre o adotante e o adotado, e ainda entre aquele e os descendentes deste e entre o adotado e todos os parentes do adotante. Após a adoção o adotado passa a ser filho, tanto quanto os filhos naturais, com os mesmo direito e deveres.

Os efeitos da sentença concessiva da adoção se produzem a partir do trânsito em julgado, exceto no caso da adoção póstuma. Um desses efeitos, porém, é antecipado por força de lei: havendo consentimento dos pais, a simples publicação da sentença concessiva de adoção impede a retratação, não ficando condicionada ao trânsito em julgado.

Como é natural a adoção permite a alteração do sobrenome do adotado e, tratando-se de adotando menor, o prenome também poderá ser alterado, a pedido do adotante ou do adotado, sendo esta uma inovação trazida pelo do art. 1.627 do Novo Código Civil.

IX.   ADOÇÃO INTERNACIONAL.

Ressaltou Venosa[8] que “o envio de crianças brasileiras para o exterior somente é permitido quando houver autorização judicial. Desse modo, na adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do país, aspecto que traz a maior esfera de problemas nessa matéria, nunca será dispensado o estágio, que será cumprido no território nacional, com duração mínima de 15 dias para as crianças com até dois anos de idade, e de no mínimo 30 dias quando se tratar de adotando acima de dois anos, tudo de acordo com o art. 46, § 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente..

Nesse contexto, verifica-se a inexistência de regra no Novo Código Civil, dispondo em contrário ao que reza o Estatuto da Criança e do Adolescente. Quanto à adoção de maior de 18 anos não existe disciplina direta estabelecida pelo Novo Código Civil, que remete a uma futura lei e que de acordo com grande parte da doutrina torna inviável tal adoção quando feita por estrangeiro. 

X.    CONCLUSÃO.

De acordo com o passeio histórico feito no início do presente trabalho, bem como após a análise do Instituto da Adoção mesmo depois da mudança trazida pelo Novo Código Civil, percebe-se que a Constituição Federal de 1988 e, posteriormente o Estatuto da Criança e do Adolescente, foram verdadeiramente divisores de águas, garantiram a proteção integral para os adotandos, preocuparam-se com a afetividade, não herdando de legislações anteriores qualquer discriminação de filhos adotivos ou biológicos.

E, tratando-se a Adoção de direito de ordem pública, veio em boa hora a alteração no sentido de exigir a intervenção judicial mesmo para adotandos com mais de 18 anos, impedindo a existência de fraudes ou conchavos para burlar a lei, especialmente em relação ao direito das sucessões.

Por fim, cumpre constatar que a legislação referente à adoção no Brasil é altamente evoluída, garantindo proteção às crianças e adolescentes, cabendo agora haver uma conscientização acerca da importância de adotar uma criança, sendo este um gesto de carinho e amor. E, uma coisa restou comprovada no final do presente trabalho: A legislação facilitou e ao mesmo tempo garantiu a lisura nos processos adoção, não podendo qualquer cidadão dizer que não adota pela dificuldade que levaria o processo, pois segundo informações de Juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Natal/RN, José Dantas de Paiva, o processo leva em média de dois a seis meses para ser concluído, ou seja, menos que uma gestação.

XI.    BIBLIOGRAFIA.

GONÇALVES, Carlos Roberto – Direito Civil: direito de família, volume 2 – 8. ed. Atual. De acordo com o novo Código Civil – São Paulo: Saraiva, 2002.

Novo Código Civil comentado / coordenador Ricardo Fiúza. – São Paulo: Saraiva, 2002.

VENOSA, Sílvio de Sálvio – Direito Civil: direito de família, Volume 6 – 3. edição – são Paulo: Atlas, 2003.

SITE do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte: http://www.tj.rn.gov.br/home/principal.

Notas.

[1] Direito de Família, 3ª Edição, Editora Atlas, 2003. pág. 317.

[2] Ressalte-se que se o adotando estivesse sob a guarda do adotante ao completar 18 anos, a adoção não era a disciplinada pelo Código Civil de 1916 e sim pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

[3] Op. Cit. Pág. 327.

[4] A colocação em família substituta deverá sistematicamente verificar o interesse do menor, que será sempre que possível (§ 1º do art. 28, ECA).

[5] O art. 2º considera criança, para efeitos do estatuto, a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos.

[6] Por informação obtida via e-mail, o responsável pela setor de Cadastramento da 1ª Vara da Infância da Comarca de Natal, informou que existem 68 (sessenta e oito) pessoas para adotar, dentre casais e pessoas individualmente consideradas.

[7] Período fixado pelo juiz para a aferição da adaptação do adotando ao novo lar (art. 46, caput, do ECA).

[8] Op. Cit. Pág. 340.

ANEXO: PRINCIPAIS DÚVIDAS REGISTRADAS PELAS VARAS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DA COMARCA DE NATAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, COM SUAS RESPOSTAS.

01 – O que é adoção nos termos da lei nº 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA?
 
A adoção nos termos da Lei nº 8.069/90 – ECA, é uma das modalidades de colocação de criança ou adolescente em família substituta, sendo de caráter irrevogável, nos termos do art. 48, da citada lei.
 
02 – Quem pode adotar?
 
Nos termos do art. 42, podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente de estado civil, desde que o adotante (pessoa que quer adotar), seja pelo menos dezesseis anos mais velho do que o adotando (pessoa que se quer adotar).

Os divorciados e os judicialmente separados, também poderão adotar conjuntamente, contando que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal.

OBS: Existe a possibilidade de adoção por pessoa com menos de vinte e um anos de idade, quando o cônjuge ou concubino(a) deste, for maior de vinte e um anos, comprovada a estabilidade da família. (art. 42, § 2º).
 
03 – Os avós podem adotar os netos?
 
Não. A lei não permite a adoção por ascendentes (avós, bisavós, etc), nem adoção entre irmãos.
 
04 – Se durante a tramitação do processo de adoção o(s) adotante(s) falecer, o processo é extinto?
 
Não. O art. 42, § 5º, diz o seguinte: “A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.
 
05 – O que é preciso fazer para se adotar uma criança ou um adolescente?
 
O primeiro passo é dirigir-se à 1ª Vara da Infância e da Juventude, situada na Praça André de Albuquerque, nº 27, munido dos documentos e do requerimento (modelo à disposição na própria vara) devidamente preenchido, os quais estão relacionados neste site, para pedir que seja(m) inscritos na lista de pretendentes à adoção.
 
06 – Quanto tempo demora esse procedimento?
 
Este é um procedimento relativamente rápido, pois não se requer audiência para o julgamento do pedido.
As fases processuais neste tipo de procedimento estão resumidas à juntada de documentos, elaboração de relatórios psicológico e social, parecer do Ministério Público e decisão Judicial.
 
07 – Concluído esse procedimento, o(s) pretendente(s) sendo julgados aptos para adotar, o que é que acontece?
 
O pretendente ou os pretendentes são cadastrados numa listagem cronológica de pessoas aptas para adoção, ficando no aguardo de uma criança ou adolescente, que preencha o perfil informado por eles no ato do seu pedido de inscrição.
Estando a criança ou o adolescente apta à adoção, a Equipe Técnica da 1ª Vara da Infância e da Juventude, entrará em contato com os pretendentes cadastrados, pela ordem cronológica, orientando-os para que possam, pessoalmente, conhecer a criança ou adolescente que pretendem adotar.
 
08 – É necessário uma renda mínima?
 
Não, embora no requerimento de inscrição conste um espaço para se colocar o salário, esta informação, não estabelece nenhum tipo de critério de seleção para a adoção, sendo utilizado apenas como referência para relatórios estatísticos.
 
09 – Quanto tempo demora para um casal cadastrado conseguir adotar?
 
Depende exclusivamente do Perfil da Criança que se pretende adotar, pois quanto mais específico for este perfil, maior a dificuldade de encontrá-la. Se, no entanto, existir uma criança com o perfil do cadastrado, ele será chamado a equipe técnica e, de lá, poderá ser encaminhado ao abrigo para conhecer a criança e, no caso de aceitá-la, inicia-se o processo de adoção.
 
10 – E se colocarem uma criança na minha porta, como devo proceder?
 
Este é um caso, a que chamamos de Criança Exposta. O primeiro passo é verificar se entre as coisas deixadas com a criança, há alguma pista para que se encontre os seus pais biológicos, e, no caso de não haver indícios, de quem são eles, e a pessoa querer adotá-la, deve conseguir testemunhas (vizinhos e pessoas que viram a criança abandonada à porta), relacionar todos os documentos que a criança possuía no ato do abandono e procurar um advogado ou um serviço de assistência judiciária gratuita.
 
11 – Posso adotar a (o) filha (o) da (o) minha (meu) companheira (o)?
 
Sim. Se no registro da criança só tiver registrado o nome do companheiro (a), o adotante deverá comparecer a Equipe Técnica da 1ª Vara da Infância e da Juventude, onde um servidor irá fazer requerimento que será assinado pelo adotante da criança. Porém, se o filho (a) estiver registrada, também, no nome do ex–companheiro (a), o processo deverá ser instaurado com a assistência de um advogado, que por sua vez requererá que o ex–companheiro (a) seja ouvido (a) sobre a concordância da adoção; se este não for encontrado, deverá ser feita sua citação através de edital. Caso compareça e não concorde, o filho só poderá ser adotado pelo (a) companheiro (a) se houver a destituição do pátrio poder.
 
12 – Se eu tiver registrado uma criança como se fosse meu filho, sem sê-lo, o que posso fazer para regularizar a situação?
 
Este é um caso de Adoção à Brasileira. Neste caso, deve-se deflagrar o processo de adoção desta criança, solicitando a anulação do registro de nascimento falso, o que deverá ser feito através de um advogado, se não se souber quem são os pais ou se estes não concordarem com a adoção. Se os pais biológicos forem conhecidos deverão ser ouvidos no processo de adoção.
 
13 – Se eu tiver adotado, ainda no regime do Código de Menores (anterior a 1990), esta adoção é válida?
 
Sim, porém é necessário que se atente para o fato de que o Código de Menores possuía dois tipos de adoção, a plena, que desligava o adotado de qualquer vínculo com os pais e parentes, e a adoção simples, nos moldes do Código Civil, trazendo restrições, quanto ao parentesco, pois o adotado neste caso, não pode representar os adotantes na sucessão de familiares deste, pois o seu único parentesco era com os adotantes.
 
14 – No caso de uma pessoa conhecida, quiser me entregar uma criança para que eu adote, como devo proceder?
 
Deve se dirigir a Equipe Técnica da 1ª Vara da Infância e da Juventude, munidos da documentação disponibilizada neste site e, acompanhada dos pais biológicos, para que estes assinem à inicial do processo de adoção, e que os adotantes sejam entrevistados pelo serviço social e de psicologia, para os conscientizarem dos efeitos jurídicos e psicológicos da adoção. È necessário também que os pais sejam ouvidos em audiência e que nela ratifiquem o consentimento da adoção da criança.
 
15 – Posso inscrever a criança que estou adotando em meu plano de saúde?
 
Os planos de saúde têm colocado dificuldades para a inscrição nestes, de crianças em adoção, porém, legalmente, após o deferimento da guarda provisória, nos processo de adoção, já se pode fazer solicitação neste sentido.
 
16 – Tenho direito à licença-maternidade por adoção?
 
Os tribunais superiores em decisões recentes, têm negado este direto às adotantes, alegando não ser necessário à licença, já que muitas vezes a criança adotanda já não é mais amamentada, sendo, portanto, desnecessária a licença. No entanto, tramita no Congresso Nacional projeto de lei estendendo esse direito às mães adotivas.
 
17 – A Adoção é um processo caro e demorado?
 
As adoções por casais cadastrados, além de não serem pagas e, nem incidir sobre elas nenhum tipo de custas, dispensam a presença de advogado. No caso de adoções “inter persona” – àquelas em que os pais biológicos conhecem e concordam com a adoção pelos adotantes, de acordo com o art. 166 do ECA – a inicial é assinada pelos próprios adotantes, cujo procedimento é acompanhado pelo setor jurídico da equipe técnica da 1ª Vara da Infância e da Juventude. O processo demora menos que uma gestação.
 
18 – Quanto tempo demora até que eu possa ficar com a criança? Posso ficar com ela antes de terminar o processo?
 
O adotante poderá obter a guarda provisória, para ter a criança sob a sua responsabilidade, antes do término do processo. Nas adoções de casais cadastrados, como estes já passaram por um procedimento, em que já houve estudos técnicos favoráveis para a adoção, por um psicólogo e um assistente social, a apreciação do pedido de guarda provisória é muito mais célere, pois já se percorreu o caminho que deverá ser trilhado por todos aqueles que desejam a adoção, que é a avaliação psicológica e o necessário estudo sócio-familiar, eis que, somente após esses estudos, é que se apreciará o pedido de guarda provisória da criança.
 
19 – E se a mãe ou o pai biológico depois de iniciado o processo, arrepender-se de ter me entregue à criança e quiser levá-la de volta, como proceder?
 
No caso de criança cadastrada isto é quase que improvável, visto que os pais biológicos, já devem ter sido ouvidos em audiência, onde ratificaram o desejo de entregá-la para adoção. Nas adoções “inter persona”, isso pode ocorrer, antes ou durante a audiência. Se ocorrer será necessário que os adotantes aditem a inicial, requerendo a Destituição de Pátrio Poder da família natural, alegando e provando os motivos pelos quais será melhor para a criança a sua adoção.
 
20 – Quando a criança se tornar adolescente, no caso de ser rebelde, posso devolvê-lo para os pais biológicos ou para o juiz?
 
Não, a adoção estatutária é plena, irretratável e irrevogável, não cabendo a alegação de desconhecimento da lei, com a finalidade de “devolver” a criança. A criança adotiva tem os mesmos direitos de um filho natural.
 
21 – Alguém ficará sabendo que eu adotei? Os pais biológicos terão acesso a alguma informação?
 
O processo de adoção corre em segredo de justiça, somente tendo direito a vê-lo as partes. No caso de pretendentes cadastrados, em adoção de crianças cadastradas, não há perigo algum, já que estas, já tiveram os seus pais biológicos ouvidos em audiência e, portanto, depois do processo julgado, estes não possuem mais o direito de reavê-las. No caso de adoção com destituição de Pátrio Poder, os pais biológicos serão citados para se defenderem e, por conseguinte, tomarão conhecimento de quem está querendo adotar a criança.
 
22 – Posso adotar mais de uma criança?
 
Não há impedimento legal algum para que os adotantes possam adotar mais de uma criança.
 
23 – Posso visitar as crianças no abrigo antes de me inscrever para a adoção?
 
Embora não haja nenhum impedimento de ordem legal, de que, em dia de visita, que é aberta à comunidade, os pseudo-adotantes possam ter contato com uma criança, fato que pode causar uma expectativa de que a adotará. Ocorre,entretanto, muitas frustrações, pois se o casal ou a pessoa ainda não está cadastrado, não está apto para adoção de crianças cadastradas, e, portanto, não podem adotar àquela criança em especial, pois a preferência será dada aos casais cadastrados. Deve ser evitado ainda visitar crianças que não estão aptas à adoção.
 
24 – É necessária a assistência de um advogado, para o processo de adoção?
 
É necessário no caso de crianças expostas e, nos casos onde se pede a Destituição de Pátrio Poder, bem como, quando não se sabe o endereço dos pais biológicos, quando será necessária a citação deles, por edital. Se os pais forem falecidos, tiverem sido destituídos ou suspensos do pátrio poder, ou houverem aderido expressamente ao pedido de adoção, este poderá ser formulado diretamente em cartório, em petição assinada pelos próprios adotantes, sem a necessidade de assistência de advogados.
 
25 – Se eu quiser entregar meu bebê, para adoção, como devo proceder?
 
É necessário que procure a Equipe Técnica da 1ª Vara da Infância e da Juventude, o que pode ser feito por intermédio da Assistente Social da Maternidade, e proceda a inscrição da criança no cadastro de adoção. Feito o cadastro ela será encaminhada para adoção dentre os casais cadastrados na 1ª Vara da Infância.
 
26 – Se alguém me oferecer dinheiro para que entregue minha criança para adoção, o que devo fazer?
 
É oportuno dizer que entregar o filho para alguém a quem não se conhece, em troca de dinheiro, é crime e a criança não poderá ter a sua situação regularizada, eis que a regularização só poderá ocorrer em processo de adoção, nas Varas da Infância e da Juventude. Faz-se necessário ainda que seja feita a denúncia à Equipe Técnica da 1ª Vara da Infância e da Juventude, bem como a Polícia, de que alguém está tentando negociar o seu filho.
 
27 – Se eu entregar minha criança para adoção, posso me arrepender e depois ir buscá-lo?
 
Se os pais biológicos desejam entregar a criança para adoção é necessário que procure a 1ª Vara da Infância e da Juventude de Natal, quando serão ouvidos nos setores jurídico, de psicologia, de serviço social e, posteriormente, pelo Juiz, onde será explicado todas as conseqüências jurídicas e sociais da adoção. Por isso é que quando os pais biológicos entregam o filho para adoção é dado um prazo de trinta dias para que eles possam refletir sobre a decisão que estão tomando. Passado os trinta dias, eles serão ouvidos em audiência, quando deverão ratificar ou não o consentimento para adoção. Se ratificarem o consentimento para adoção, a criança ficará apta e será encaminhada para pretendente cadastrado. Promovido o processo de adoção, pelos os adotantes, e, após o trânsito em julgado da sentença judicial deferindo a adoção, não poderá ser esta alterada, por ser um instituto irrevogável. Assim, concedida à adoção, por sentença judicial, os pais biológicos não poderão mais ter o filho de volta, sequer visitá-lo. A adoção é irrevogável para dar segurança tanto para a criança quanto para os adotantes. 
 


Referência  Biográfica

Marcus Vinícius Pereira Júnior  –  Advogado em Natal/RN, estudante de graduação de Filosofia pela UFRN, Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho/RJ e Pós-graduando em Ministério Público e Cidadania pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte em convênio com a Universidade Potiguar

marcusvp@unp.br

Os poderes do relator no agravo de instrumento

0

* Sylvia Camata Krabbe

De todos os recursos previstos no Código de Processo Civil, nenhum sofreu até hoje modificações tão profundas como o Agravo. Referidas mudanças vêm sendo implementadas desde o advento da Lei 9.139/95, que alterou toda a disciplina desse recurso, cujo texto anterior era o da lei 5.925/73, que também modificava o texto original da lei que instituiu o CPC, tal como se acha em vigor (Lei 5.869/73).  

Primitivamente, o agravo era interposto no prazo de cinco dias perante o juízo “a quo”, devendo o instrumento ser formado com as peças a serem trasladadas, que passavam por conferência, seguida de intimação ao agravado para também indicar peças para traslado, vistas à parte contrária em caso de juntada de documento, intimação do agravado para resposta, enfim, uma série de atos processuais dispendiosos e pouco eficazes, que só prejudicavam a efetividade e a celeridade processual.  

O projeto do que viria a se tornar a Lei 9.139/95 teve longa tramitação no Congresso Nacional, por conta das amplas e polêmicas mudanças sugeridas, que viriam a alterar substancialmente a disciplina do recurso de agravo. As mudanças implementadas, todavia, serviriam (como de fato serviram) para dar maior celeridade em sua tramitação e efetividade quanto ao resultado pretendido.  

Ao relator do agravo de instrumento, na forma como originariamente previsto, não cabiam muitas atribuições, a não ser o indeferimento, em caso de “manifesta improcedência”, ou ainda, a conversão em diligência na hipótese de estar insuficientemente instruído, conforme primitiva redação do artigo 557 do CPC.  

A partir da vigência da Lei 9.139/95 e as profundas modificações por ela inseridas na disciplina do agravo, mormente o de instrumento, o relator passou a ter uma série de poderes, expressamente elencados no artigo 527 do CPC, tais como o de, liminarmente,  negar seguimento ao recurso ou atribuir-lhe efeito suspensivo (hipótese que anteriormente era perseguida com a impetração de Mandado de Segurança).  

Hodiernamente, após a edição da Lei 10.352/01, o agravo de instrumento novamente sofreu modificações substanciais, em especial quanto aos poderes atribuídos ao relator do recurso, tendo o texto do artigo 527 do CPC sido profundamente alterado.  

Agora, incumbe ao relator, além das atribuições já citadas, a possibilidade de converter o agravo de instrumento em agravo retido (inciso II) e deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal (inciso III).  

Passemos a analisar essas inovações:  

a)   conversão do agravo de instrumento em agravo retido  

O texto do inciso II atribui ao relator do agravo de instrumento a possibilidade de “(…) converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente;”  

Importante ressaltar que a opção pela forma de interposição do agravo é da parte, à exceção das hipóteses expressamente determinadas por lei, tal como as  previstas no parágrafo 4º do artigo 523, casos em que o agravo será obrigatoriamente retido.  

Assim, achando-se a parte diante de questão passível de reforma urgente, deve valer-se do agravo na forma de instrumento; já se a decisão não resultar em lesão grave ou de difícil reparação, de acordo com o juízo de valor da parte, ressalte-se, poderá agravar na forma retida nos autos, apenas para evitar a preclusão, deixando a questão para apreciação posterior em caso de apelação.  

Agora, com a alteração das disposições do artigo 527 do CPC, incumbe ao relator verificar e, de acordo com o seu juízo de valor, processar ou não o agravo na forma de instrumento. Não estando presentes, sob a ótica do relator, a urgência e a possibilidade de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, poderá este converter o agravo de instrumento em agravo retido, determinando a remessa dos autos ao juízo de origem, para apensamento aos autos principais.  

Evidentemente, tamanho poder atribuído ao relator não poderia deixar de ser passível de recurso, expressamente previsto no texto do inciso II do citado artigo, que admite a interposição de agravo, esse dirigido ao órgão colegiado competente, no prazo de cinco dias.  

Parece-nos evidente também que na maioria absoluta das vezes, para não dizer em todas as hipóteses que a conversão ocorrer, haverá a interposição de recurso, tendo em vista que o juízo de valor da parte em relação à necessidade urgente de reforma da decisão conflitará com o juízo de valor do relator, o que irá comprometer ainda mais o já tão atravancado procedimento recursal.  

O que se conclui é a clara intenção do legislador em privilegiar o agravo retido e reduzir a utilização do agravo de instrumento, invertendo-se a ordem que vigorava até então, limitando e criando embaraços à parte na hora de optar pelo regime do agravo a ser interposto.

b)    Antecipação de tutela, total ou parcial, em relação à pretensão recursal

Na anterior redação do inciso II do artigo 527 do CPC,  ao relator do agravo de instrumento já era permitido atribuir efeito suspensivo ao recurso, desde que mediante prévio requerimento do agravante e nas hipóteses elencadas no artigo 558 do mesmo diploma legal.

Na prática, porém, surgiram situações nas quais não estaria a se pretender a atribuição de efeito suspensivo, já que a decisão agravada era negativa, ou seja, era pela “não concessão” ou pela “não realização” de determinado ato processual, como por exemplo, na hipótese de indeferimento de liminar.

Começou-se a aplicar então o que a doutrina veio a chamar de “efeito suspensivo ativo”, ou seja, era a possibilidade de antecipar, em sede recursal, os efeitos da decisão recorrida, cuja providência foi negada no juízo de origem. A aplicação desse “efeito suspensivo ativo” foi controvertida no início, passando a jurisprudência a acatá-lo como mais uma forma de diminuir a impetração de mandados de segurança contra ato judicial, mediante interpretação teleológica do artigo 558 do CPC.

O que se fez então, na nova redação do inciso II do artigo 527, foi apenas regulamentar o que na prática já ocorria, passando o chamado “efeito suspensivo ativo” a ser tratado como antecipação de tutela, possibilitando ao relator a sua concessão na forma total ou parcial e determinando seja o juiz comunicado da decisão.

Destarte, cumpre salientar que, embora hajam controvérsias em sede doutrinária, não é passível de recurso a decisão do relator que defere ou indefere efeito suspensivo ou antecipação de tutela no agravo de instrumento, conforme jurisprudência extraída da obra de Theotônio Negrão (Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor – 35ª edição – Edit. Saraiva – p. 583) :  

“A decisão do relator que indefere efeito suspensivo a agravo de instrumento é irrecorrível” (JTJ 202/288); no mesmo sentido: JTJ 203/229. Contra ela também não cabe mandado de segurança (JTJ 187/145).  

Também não comporta recurso algum a decisão liminar concessiva de efeito suspensivo ao agravo (RF 338/309). Contra tal decisão, não cabe medida cautelar perante o STJ (RSTJ 149/82).  

“Não cabe agravo regimental das decisões atinentes à agregação de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, bem como daquelas em que o relator deferir antecipação de tutela ou tutela cautelar” (6ª conclusão do CETARS). Neste sentido, quanto ao não cabimento de agravo regimental contra decisão do relator que concede ou nega efeito suspensivo a agravo: JTJ 185/239, 205/277, RJTJERGS 187/166.

Por fim, resta a nós, operadores do direito, aguardarmos os desdobramentos da aplicação dos novos dispositivos concernentes ao agravo, em especial a posição a ser tomada pela jurisprudência, a fim de tecermos maiores comentários acerca da efetividade das medidas implementadas.


BIBLIOGRAFIA 

NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 35ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.  

NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 6ª ed., rev., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de Processo Civil Anotado. 2ª ed., rev., ampl. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 1996.  

TUCCI, José Rogério Cruz e. Lineamentos da Nova Reforma do CPC. 2ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.  

WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários à 2ª Fase da Reforma do Código de Processo Civil. 2ª ed., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 

WAMBIER, Luiz Rodrigues; CORREIA DE ALMEIDA, Flávio Renato; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 5ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1, 2002.  

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC Brasileiro. 3ª ed., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.  

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; NERY JÚNIOR, Nelson (coords.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis de acordo com a Lei 9.756/98. 1ª ed., 2ª tir., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

 


Referência  Biográfica

Sylvia Camata Krabbe –  Advogada, administradora de empresas, especialista pela PUC/SP, professora de Direito Processual Civil, Prática Processual Civil e Introdução ao Estudo do Direito Civil e de Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas.

advocaciakrabbe@aasp.org.br

Tortura: distinção lógico-sistemática com o crime de maus tratos

1

* Rosa Maria Abade 

1. Considerações Preliminares

Da análise de diversos estudos existentes sobre a tortura, conclui-se que se trata de uma das práticas mais bárbaras da espécie humana, que foi utilizada ao longo da história pela maioria das civilizações conhecidas, chegando em algumas épocas a ser elevada à categoria de prática judicial lícita.

Apenas ao longo dos anos, paulatinamente, é que se passou a proibir a tortura e outras penas cruéis, desumanas ou degradantes do ordenamento jurídico internacional.

O homem passou a ter direitos no âmbito internacional, obtendo a tutela de organismos internacionais, através dos tratados e convenções internacionais, destacando, dentre tais instrumentos jurídicos, a Convenção de 1984, proclamada pelas Nações Unidas, que definiu a tortura como crime especial.

No Brasil, tortura não era tida como um crime autônomo, passando a ser  diante de um fato de suma gravidade, como o da Favela Naval, de Diadema, na Grande São Paulo, sendo  elaborada a lei 9544 de 07 de Abril de 1997, a Lei da Tortura.

Apesar de elaborada com poucos artigos, a lei 9455/97,  prevê várias e distintas condutas e as pune com severidade, mas, dada a forma célere com que foi elaborada, votada e sancionada, apresenta-se repleta de defeitos que têm se tornado objeto de inúmeras críticas e análises doutrinárias,  principalmente diante de vários conflitos havidos entre o novo ordenamento e as leis anteriores.

Cabe aqui uma análise direcionada, além das demais, sobre o inciso II, do art. 1º, o qual prevê “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”.

 Efetua-se para tanto uma análise  do crime de tortura sob este aspecto estabelecendo um paralelo e um confronto com o crime de maus tratos.  E para tanto necessário se faz um esboço analítico do artigo 136 do Código Penal.

O assunto teve despertar com notícias, que comumente deparamos, de babás que espancam crianças, idosos, enfim aqueles que necessitam de cuidados, e diante de dúvidas e críticas surgidas sobre o correto enquadramento legal. E nesta busca,  verificamos que esta deve ser analisada no caso concreto, já que “ não deixa de ser uma norma de definição em aberto a ser complementada, pois diversas são as formas de tortura, bem como diversos podem ser os resultados.”1

O estudo em tela nos permite  concluir que a diferença entre o crime de tortura e o crime de maus tratos está no elemento normativo da tortura, contido no inciso II, do art. 1º da Lei 9455/97, que exige que a vítima tenha um intenso sofrimento físico ou mental.

2. Tortura Conceituação

Segundo o dicionário Aurélio “Tortura significa o suplício ou tormento violento infligido a alguém.”

Em análise jurídica, a tortura é formada pelas condutas: “constranger”, “submeter” e  “omitir”.            

Na tipificação legal não há definição  para o vocábulo ‘tortura’, apenas diz o que constitui o crime de tortura, cujo objeto jurídico protegido é a dignidade humana.

Conforme professa  Plácido e Silva2 : “tortura é o sofrimento ou a dor provocada por maus tratos físicos ou morais. É o ato desumano, que atenta à dignidade humana. É o sofrimento profundo, angústia, dor. Torturar a vítima é produzir-lhe um sofrimento desnecessário. É tornar angustioso o sofrimento.”        

A Convenção de 1984 utilizou-se, no artigo 1º, dos verbos infligir, obter, castigar, intimidar e coagir. Todos eles apontando para o abuso, para o autoritarismo e para a ilegalidade.  

Assim, tortura é algo degradante da condição humana e não pode ser aplicada dentro do Estado de Direito que respeite as garantias individuais.

É por esta razão que a nossa Carta Magna, no artigo 5º, III, deixa claro que, “Ninguém será submetido à tortura”, excluindo assim esta como meio possível de aplicação.

3. A TORTURA NA  LEI 9455/97

O Art. 1º  prevê o que constitui crime de tortura. Em análise ao contido no inciso I, verificamos que condiciona a tipificação do crime de tortura ao preenchimento de três elementos, sendo uns objetivos do tipo e outros de caráter subjetivo. Os dois primeiros encontram-se no próprio inciso, enquanto o terceiro está presente nas suas alíneas "a", "b", e "c".

Esses elementos são: o meio empregado; as conseqüências sofridas pela vítima, e a finalidade pretendida (dolo específico) ou o motivo.

As conseqüências são de duas ordens, o constrangimento e o sofrimento físico ou mental causados. É, assim, necessária a ocorrência concomitante de ambas. Só se tipificará o crime se a vítima for constrangida pelo emprego de violência ou grave ameaça, e que este lhe cause sofrimento físico ou mental, pois pode acontecer que, apesar da violência, em sentido amplo, a vítima não se sinta constrangida ou não tenha sofrimento de qualquer ordem.

Por derradeiro, vêm as finalidades ou o motivo: são três, devendo, no entanto, ser preenchida apenas uma, para a tortura se caracterizar. Na alínea "a", o fim é a obtenção de informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa.

A vítima a que se refere a lei é a do crime de tortura. Ocorrerá também o delito quando as informações, declarações ou confissão forem prestadas por terceiro. A expressão "terceira pessoa" não ficou bem colocada, já que a mesma só realizará uma das condutas descritas se esta se encontrar constrangida, de forma que o sofrimento mental seja possível de resistir. Ora, ocorrendo isso, o terceiro estará torturado, posto que foi constrangido, com emprego de grave ameaça, e lhe foi causado sofrimento mental. Portanto, a dita terceira pessoa também é vítima.

A alínea "b" traz como finalidade "provocar ação ou omissão de natureza criminosa". Constitui tortura obrigar a vítima a praticar um crime, mediante ação ou omissão. É necessário, que a ação ou a omissão criminosa seja praticada em virtude de ter sido a vítima constrangida a tanto, ou seja, que, através do emprego de violência ou grave ameaça, a ela tenha sido causado sofrimento físico ou mental suficiente para constrangê-la à prática delituosa.

A alínea "c" aduz ser motivo da violência ou grave ameaça a discriminação racial ou religiosa, afastando  aqui, demais  discriminações, tais como, em razão de ideologia política ou em razão de preferência sexual. Nestas, mesmo estando presentes o constrangimento, a violência ou grave ameaça e o sofrimento físico ou mental, não se poderá falar em tortura, pois, em sendo taxativa a enumeração, não se estende a outros fatos além daqueles expressos na lei, em virtude da interpretação restrita das normas penais.

O inciso II   do artigo 1° da Lei 9455/97  prevê a prática do delito daquele que tem a vítima  sob sua guarda, poder ou autoridade, que com emprego de violência ou grave ameaça, submete-lhe a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar o castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.  O sujeito ativo é, assim, próprio, pois só poderá incorrer no crime as pessoas detentoras daqueles atributos. Também é próprio o sujeito passivo. O sofrimento deve ser intenso, não compreendendo, no entanto, a lesão corporal de natureza grave, já que esta está prevista no § 3º do art. 1º. O dolo específico se caracteriza na aplicação de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

A pena imposta ao delito de tortura simples (art. 1º, I e II) é de reclusão de dois a oito anos. A pena é mais elevada que as previstas nos delitos de constrangimento ilegal,  de maus-tratos, cuja previsão é detenção, de três meses a um ano, ou multa, e de detenção de dois meses a um ano, ou multa, respectivamente.

O § 1° do artigo 1° da Lei da Tortura, refere-se a tortura  do preso ou de pessoa sujeita a medida de segurança, sendo o sujeito passivo, aquelas pessoas que se encontrem sobre tais condições.  Aqui o meio utilizado é mais abrangente, pois, não se referindo à violência ou grave ameaça, aumentou a esfera de atuação do sujeito ativo. Mas, ao mesmo tempo, condicionou essa tipificação, já que é necessário que o meio empregado não esteja previsto em lei e que não seja resultante de medida legal. Desta forma, a colocação do preso nas denominadas "solitárias", desde que efetuadas  nos termos do art. 45, e seus parágrafos, e 53, IV, da LEP, não constitui tortura por ser previsto em lei.

A finalidade do § 1° do artigo 1° é a proteção do direito individual constitucional previsto no art. 5º, XLIX, no qual "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". A pena imposta é a mesma do caput , reclusão, de dois a oito anos.

Já  § 2° do mesmo artigo prevê a conduta omissiva. Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. Este artigo contém um equívoco, já que tipifica como conduta menos grave a conduta de quem o dever de evitar a tortura e deixa de fazê-lo.  Este parágrafo somente será aplicado àquele que tem o dever jurídico de apurar a conduta delituosa e não o faz (  o art. 13,§ 2º, do CP).

O  § 3º do artigo 1° trata da  tortura qualificada pelo resultado. Prevê este como figura preterdolosa.  A lesão corporal e a morte são conseqüências culposas da tortura. Não são desejadas pelo autor, que age com dolo no antecedente (tortura) e culpa no conseqüente (lesão corporal grave ou gravíssima ou morte, resultados não pretendidos).

Outras figuras qualificadas estão presentes no § 4° da Lei da Tortura. Este dispositivo, traz causas de aumento de pena e estão dispostas em três incisos I, II e III. O inciso I trata de qualidade inerente ao sujeito ativo, ser agente público.

O inciso II aufere qualidades do sujeito passivo. Dessa forma, será qualificada a tortura quando o crime for cometido contra criança, gestante, deficiente e adolescente. Criança é o menor de 12 anos. Quanto às gestantes exige-se que tenha ciência da gravidez. Quanto a deficiência da vítima pode ser a física ou a mental.

O inciso III do § 4°,  qualifica o delito se for cometida mediante o seqüestro. Este dispositivo somente será aplicado quando houver privação da liberdade por tempo prolongado, absolutamente desnecessário, ou quando houver deslocamento da vítima para local distante.

Os efeitos da condenação estão dispostos no § 5°. Atingem os servidores públicos em sentido amplo, envolvendo os detentores de cargo, função ou emprego público.   Esses servidores, além de perderem seus cargos, funções ou empregos, ficam interditados para exercê-los pelo dobro do período da pena aplicada. Não podem, assim, voltar ao serviço público enquanto não ultrapassado aquele lapso temporal.

Uma vez preso em flagrante, não caberá fiança ao acusado da prática de tortura. Só será posto em liberdade se provar irregularidade no flagrante, caso em que será ilegal a sua prisão (§ 6° do artigo 1° da lei 9455/97)

Não pode, da mesma maneira, ser concedida graça ou anistia. Também o indulto não pode ser concedido, tendo em vista o que dispõe a Lei 8.072/90, em seu art. 2º, I.

A inclusão deste dispositivo foi feita como forma de reforçar a sua aplicação, pois já há previsão, na Lei de Crimes Hediondos, art. 2º, I e II, toda a matéria aqui disciplinada. No que diz respeito às hipóteses restantes tratadas na Lei de Crimes Hediondos, referentes à tortura, permanecem em vigor, naquilo que não contrariam a Lei 9.455/97.

Também não pode ser concedida liberdade provisória aos acusados por crime de tortura (art. 2º, II, Lei 8072/90).

O §2º, do art. 2º, da Lei dos Crimes Hediondos, determina que, em caso de condenação, o juiz decidirá, fundamentalmente, se o réu poderá apelar em liberdade. Há uma inversão da regra geral de que se deve fundamentar para prender, e não para se deixar em liberdade. Por essa razão, o condenado por prática de tortura, mesmo primário e de bom comportamento, deverá ser recolhido imediatamente, não havendo necessidade, para tanto, que se espere o trânsito em julgado da sentença. E mais, não precisa o Juiz fundamentar, pois a gravidade do delito já é o seu próprio fundamento. A contrário senso, se entender o Juiz que o condenado deve aguardar o trânsito em julgado em liberdade, terá que fundamentar sua decisão. Se não o fizer, é nula, tendo como conseqüência a prisão do réu.

O § 7° da Lei 9455/97  derrogou o § 1º do art. 2º, da Lei dos Crimes Hediondos. Este dispunha que a pena, pelos crimes previstos no referido artigo, seria cumprida integralmente em regime fechado, não se respeitando a progressão de regimes. A Lei de Tortura modificou esse panorama, determinando, no seu art.1º, § 7º, que o cumprimento da pena iniciaria em regime fechado, admitindo-se a sua progressão.  A única exceção é a hipótese do § 2º, que imputa pena inferior a quem se omitiu de apurar ou evitar tortura. Aplica-se a eles o disposto no Código Penal, art. 33, § 2º, "c", que determina a possibilidade de o início do cumprimento da pena ser em regime aberto, em caso de não reincidência.

A extraterritorialidade da lei está disposta no art 2° da Lei 9455/97. Para que este dispositivo seja aplicado é necessário,  que ocorra uma das hipóteses: que a  vítima seja brasileira ou que o autor da tortura esteja em local em que a legislação pátria é aplicável.

Por fim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art.233, cominou pena para a prática de tortura contra criança, restando este dispositivo inaplicável, por falta de definição legal acerca do referido crime.

Com o advento da Lei de Tortura, que disciplina as suas figuras típicas, incluindo, entre os casos de aumento especial de pena, o fato de o delito ser praticado contra criança, levou abaixo o disposto no artigo citado. É que, tendo o legislador fixado pena diversa, o art. 233, do ECA, tornou-se incompatível com a nova lei.  Para evitar dúvidas, preferiu-se expressamente revogá-lo.

CONFRONTO ENTRE O CRIME DE TORTURA E O DELITO DE MAUS TRATOS

O tema da tortura há muito preocupa estudiosos, humanistas e pregadores dos direitos humanos e vem provocando incessante luta  diante das barbáries cometidas contra as pessoas fragilizadas pelas condições fiísicas ou sociais.

Contra as crianças, especificamente,  a violência normalmente ocorre em casa e são situações vivenciadas no cotidiano.

Os direitos da criança e do adolescente são protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90), o qual reconhece os direitos próprios de toda criança e adolescente, necessários à sua total proteção (art. 1º).   O art. 18 do mesmo Estatuto, contextualizado no Cap. II, que trata “Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade”, impõe que “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.

Os abusos que caracterizam violência contra crianças e adolescentes se apresentam, sob forma de agressão física, sexual, psicológica.  A partir da prática de tais atos, e com dificuldade probatória na maioria das vezes, é que se poderá verificar se constituem simples crime de maus tratos previsto no art. 136, do Código Penal ou tortura-castigo, inserida no inciso II, do art. 1º da Lei 9.455/97.   

Para uma análise inicial, verificamos que tanto o delito previsto no artigo 1º , II da Lei 9455/97 e o delito de maus tratos, previsto no artigo 136 do Código Penal, assemelham-se em vários aspectos.  A  objetividade jurídica   de  ambos delitos também  assemelham-se: são a vida e a dignidade humanas.

Ambos os crimes são próprios, sendo o sujeito ativo a pessoa que exerce a guarda, a vigilância ou autoridade sobre outra (sujeito passivo).  Há, assim, uma relação jurídica preexistente entre o sujeito ativo e o passivo. Só quem tem a legitimação especial de autoridade, ou titular de guarda ou vigilância poderá cometer o crime.

ANA PAULA NOGUEIRA FRANCO3, ensinou que "ao analisar as ações nucleares dos tipos começam a surgir as diferenciações”.

No delito de maus-tratos a ação é a exposição ao perigo através das modalidades: a) privando de cuidados necessários ou alimentos; b) sujeitando a trabalho excessivo; c) abusando de meio corretivo. Já no art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97, a ação se resume em submeter alguém (sob sua autoridade, guarda ou vigilância) a intenso sofrimento físico ou mental com emprego de violência ou grave ameaça.

Verificamos ainda que no crime de maus-tratos o agente abusa de seu ius corrigendi para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. No crime de tortura,  o agente pratica a conduta como forma de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

Não se deve esquecer, outrossim, que o sofrimento físico está intimamente ligado ao conceito de dor, tormento, ao passo que o sofrimento mental relaciona-se com a angústia, o temor, a violação moral ou psicológica; se não estiverem presentes quaisquer destes elementos a conduta será atípica pelo menos em relação à Lei n. 9.455/97.

O art. 1º, II, da Lei nº 9.455/97,  entra em conflito com as modalidades instantâneas do art. 136 do CP (b) sujeitando a trabalho excessivo e c) abusando de meio corretivo), pois o meio utilizado pode ser uma violência física ou moral.

Na tortura, o fim a que se presta a guarda, poder ou autoridade não está especificado, sendo, por isso, mais abrangente. Nos maus-tratos, a ação do sujeito ativo é de conteúdo ainda mais variável, pois se pode manifestar de diversas maneiras, entre as quais estão incluídas aquelas previstas na tortura, meios de correção ou disciplina (prevenção). Nestes, a vida ou a saúde da pessoa é exposta a perigo, enquanto que naquela, alguém é submetido a intenso sofrimento físico ou mental.

A distinção entre os crimes de maus tratos e tortura deve ser encontrada não só no resultado provocado na vítima, como no tipo subjetivo, onde se o agente  abusa do direito de corrigir para fins de educação, ensino, tratamento e custódia, haverá maus tratos. Caracterizará tortura quando a conduta for praticada como forma de castigo pessoal, objetivando fazer sofrer, por prazer, por ódio ou qualquer outro sentimento vil.

Para tanto, deve o juiz analisar o caso concreto, ao auferir o enquadramento no delito de maus tratos ou na figura delituosa mais gravosa, verificando assim, antes de tudo o elemento volitivo do agente.

Conclusão

O crime de tortura, portanto,  tendo como vítima criança, adolescente (aliás, qualquer pessoa) restará consumado se, da violência ou grave ameaça, aplicadas como forma de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo, causar intenso sofrimento físico ou mental.

A  questão dos maus-tratos e da tortura deve assim ser resolvida verificando-se a vontade do  agente. Se o que motivou o agente foi o desejo de corrigir, embora o meio empregado tenha sido desumano e cruel, o crime é de maus tratos. Se a conduta não tem outro móvel senão o de fazer sofrer, por prazer, ódio ou qualquer outro sentimento vil, então pode ela ser considerada tortura.

Ao analisarmos, mormente a hipótese de criança entregue regularmente aos cuidados de sua ama, de sua babá, enquanto os pais trabalham ou realizam uma viagem, onde muitas vezes, por vil prazer, agridem praticando espancamentos, sem qualquer finalidade corretiva, deve ser imputada a conduta mais gravosa e não incluí-las entre os sujeitos do art. 136 do Código Penal, como têm ocorrido.

NOTAS

1. NOGUEIRA, Paulo L. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. Editora Saraiva. 1991. P.303.

2. SILVA , Oscar José de Plácido e, Vocabulário Jurídico, 11ª ed, Rio de Janeiro. Forense, 1991.

3. FRANCO, ANA PAULA NOGUEIRA, Distinção entre Maus-Tratos e Tortura e o art. 1º, da Lei de Tortura, in Boletim do IBCCrim, n. 62/Jan-98, p. 11.

BIBLIOGRAFIA

FERNANDES, Paulo Sérgio Leite e FERNANDES, Ana Maria Babette Bajer. Aspectos jurídico-penais da tortura. 2. ed. Editora Ciência Jurídica, 1996.

FRANCO, Alberto Silva. Tortura. Breves Anotações sobre a Lei n. 9.455/97. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.19, São Paulo : RT, 1997.

FRANCO, Ana Paula Nogueira Franco. Distinção entre Maus Tratos e Tortura e o art. 1º da Lei da Tortura”. Boletim do IBCCrim. N. 62, Jan. de 1998, p. 11).

GOMES, Luiz Flávio. Estudos de Direito Penal e Processo Penal – Tortura. São Paulo : RT, 1999.

JURICIC, Paulo, CRIME DE TORTURA, Ed. Juarez de Oliveira, 1999

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Tortura: notas sobre a Lei 9.455/97. RT/Fasc. Pen. Ano 86, v. 746. Dezembro de 1997. p. 476-482.

SCHECAIRA, Sérgio Salomão. Algumas notas sobre a nova Lei de Tortura. Boletim IBCCrim, n. 54. Maio de 1997. p. 02.

 


Referência  Biográfica

Rosa Maria Abade  –  Advogada; Professora de Direito Penal e Processo Penal na UnG e UNICSUL;. Especialista em Processo Penal e Mestranda na PUC-SP.  2003

rosamariaabade@terra.com.br

A Usucapião Coletiva no Novo Código Civil

0

* Marina Câmara Albuquerque

I. Introdução

            Para uma obra de tamanha relevância social e sob a óptica da mais desvelada e sensível crítica, o Código Civil brasileiro de 1916 vigorou dignamente até o alvor do novo milênio. Isso a despeito de haver sido o direito homônimo, conforme lapidarmente observa o Professor Otavio Luiz Rodrigues Junior, provavelmente "a província jurídica que mais padeceu com as transformações do último século, envolto que estava nas púrpuras romanas, incensado pelas orações medievas e sensibilizado pelas homenagens que lhe prestara o Oitocentos" (1).

            A primorosa obra cujo anteprojeto foi concebido por Clóvis Beviláqua, enfim, sucumbiu a uma nova codificação, o que veio a ser a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Após um quarto de século de tramitação do projeto e um ano de vacatio, o novel diploma passa agora a ser, de modo mais contundente, objeto do crivo da comunidade jurídica nacional.

            Muitas de suas mudanças parecem refletir uma concepção das relações humanas decerto menos patriarcal, menos formal e, sobretudo, menos liberal. Com efeito, o legislador de 2002 é avesso ao individualismo arraigado à vida privada passada. Em meio a preceitos outros vários, essa mentalidade restou particularmente condensada no destaque dado à função social da propriedade.

            Dessarte, comandos sem correspondentes no Código de 1916 foram formulados para servir à concreção do fim social do domínio. A respeito, é merecedor de uma análise especial o inusitado conteúdo dos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo diploma. Convém, de início, transcrever o que anuncia o referido dispositivo:

            "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

            § 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

            § 2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

            § 3º. O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.

            § 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

            § 5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores."

            Foi disposto tal preceito na Seção I, das "Disposições preliminares", do Capítulo I, da "Propriedade em Geral", do Título III, da "Propriedade", por seu turno integrante do Livro III da parte especial, do "Direito das coisas". De plano se percebe que, com o viso de reverenciar o caráter social da propriedade, o legislador impropriamente versou sobre modos de sua perda em apêndices de um preceito geral.

            Na opinião do Professor Miguel Reale, que coordenou o projeto, os §§ 4º e 5º do referido art. 1.238 consagram uma "inovação do mais alto alcance, inspirada no sentido social do direito de propriedade, implicando não só um novo conceito desta, mas também um novo conceito de posse, que se poderia qualificar como sendo de posse-trabalho" (2).

            Sobre a construção teórica desses mesmos dispositivos, Carlos Alberto Dabus Maluf narra que "o relatório Fiuza, recepcionando por sua vez o relatório Ernani Satyro, acolhe os argumentos do Prof. Miguel Reale quando afirma que se trata de um dos pontos mais altos do Projeto, no que se refere ao primado dos valores do trabalho como uma das causas fundantes do direito de propriedade" (3).

            No transcorrer do presente estudo, serão oportunamente perquiridos os seguintes pontos acerca da novidade em liça: natureza jurídica, aspectos comuns e divergentes com a usucapião (4) coletiva urbana, constitucionalidade e modos de argüição em juízo.

II. Natureza jurídica

            Uma primeira indagação surge da leitura dos §§ 4º e 5º do sobredito art. 1.238: qual a natureza jurídica dessa forma de "privação da coisa"? Seria uma desapropriação implementada por particulares, em substituição ao poder público, ou uma usucapião coletiva condicionada à obrigação de indenizar? (5) Ou, ainda, seria um instituto completamente novo, a galgar autonomia conceitual?

            No longínquo ano de 1972, o mestre Caio Mário da Silva Pereira vaticinou a controvérsia que o preceito viria a suscitar em crítica ao Anteprojeto do vigente Código Civil. Relata Jackson Rocha Guimarães que o grande civilista concebeu o instituto como "inconstitucional, irrealizável e inconveniente. Inconstitucional porque a desapropriação está subordinada a cânones constitucionais. Não cabe à legislatura ordinária criar mais um caso de desapropriação, e muito menos sem ‘prévia’ indenização. Irrealizável, porque não ficou definido quem irá pagar: os ocupantes obviamente não podem ser, porque a hipótese tem em vista a invasão por favelados e pessoas sem resistência econômica; o Estado não pode ser compelido a desapropriar, pois que ao Executivo e não ao Judiciário é que compete a fixação das linhas de orientação econômica do governo. Inconveniente, conclui o professor de direito civil da Universidade Federal do Rio de Janeiro, porque fixa esta modalidade esdrúxula de desapropriação sem controle do Executivo, sem fiscalização do Legislativo, apreciada pelo juiz, cujas convicções podem ser deformadas por injunções que a sua própria atividade jurisdicional não tem elementos para coibir" (6).

            Informa ainda aquele autor que, em resposta, o Professor Miguel Reale, ferrenho defensor da nova codificação, asseverou que, em rigor, não se tratava de "um ato expropriatório, mas antes uma forma de pagamento da justa indenização devida ao proprietário, impedindo que esse se locuplete com o fruto do trabalho alheio" (7).

            Jackson Rocha Guimarães fortalece a corrente do mestre Caio Mário, além de censurar a ambigüidade daquele autor quando noutra passagem afirmou: "… abre-se, nos domínios do direito, uma via nova de desapropriação, que não se deve considerar prerrogativa dos Poderes Executivo ou Legislativo" (8).

            Operando uma certa miscelânea entre os institutos da desapropriação e da usucapião, o Deputado Ricardo Fiuza, relator do projeto na Câmara dos Deputados, propugnou o que adiante se transcreve:

            "Os múltiplos casos de ‘desapropriação indireta’, que são casos típicos de ‘desapropriação pretoriana’, resultantes das decisões de nossos tribunais, estão aí para demonstrar que o ato expropriatório não é privilégio nem prerrogativa exclusiva do Executivo ou do Legislativo. Nada existe que torne ilegítimo que, por lei, em hipóteses especiais, o poder de desapropriar seja atribuído ao juiz, que resolverá em função das circunstâncias verificadas no processo, em função do bem comum. Sobretudo depois que a lei de usucapião especial veio dar relevo ao trabalho como elemento constitutivo da propriedade." (9)

            Para os processualistas Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, o mencionado dispositivo "cria a desapropriação judicial", o que definem como "o ato pelo qual o juiz, a requerimento dos que exercem a posse-trabalho, fixa na sentença a justa indenização que deve ser paga por eles ao proprietário, após o que valerá a sentença como título translativo da propriedade, com ingresso no registro de imóveis em nome dos possuidores, que serão os novos proprietários" (10).

            O Professor Miguel Reale considera ser "revolucionária" a novidade trazida pelos §§ 4º e 5º do Código de 2002, pois acredita que assim o magistrado deterá, em caráter inédito, competência para desapropriar. (11) Nessa mesma linha, Maria Helena Diniz afirma ser essa uma "hipótese em que se dá ao Poder Judiciário o exercício do poder expropriatório em casos concretos" (12).

            Com a devida vênia, o entendimento dos doutrinadores supracitados parece ter sido fora de propósito. Uma mais detida reflexão conduzirá ao reconhecimento de que a desapropriação, por ser um instituto de Direito Administrativo, não pode ser transfigurada ao ponto de possibilitar a legitimação ativa de particulares na relação jurídica material subjacente.

            Pontifica Hely Lopes Meirelles que a desapropriação, como uma ato de intervenção do Estado na propriedade, "é a mais drástica das formas de manifestação do poder de império" (13), poder esse cuja iniciativa é naturalmente exclusiva do Estado. Ademais, é o procedimento expropriatório composto por uma fase declaratória e uma outra executória, que por seu turno pode ser administrativa, em caso de acordo, ou por vezes necessariamente judicial.

            Logo, absolutamente impertinente se coloca o comentário de que a usucapião ora estudada, por depender de uma declaração judicial, seria uma "desapropriação judicial", ou de que o magistrado deteria o poder de desapropriar. Notadamente porque a jurisdição que lhe é afeta apenas compreende o poder de dizer o direito pertinente ao caso concreto. O que ainda, por força do princípio da inércia jurisdicional, somente permite que as partes dêem início ao processo.

            Em rigor, guarda o instituto perfeita correspondência com a usucapião, entendida como o "modo de aquisição do domínio, através da posse mansa e pacífica, por determinado espaço de tempo, fixado na lei" (14). A propósito, impende notar que a usucapião tem "existência filiada aos efeitos que o tempo exerce na relação jurídica, acarretando a sua extinção (prescrição extintiva) ou a sua transformação numa relação de outra natureza (prescrição aquisitiva ou usucapião). A usucapião, segundo Ebert Chamoun, não é senão a transformação da posse em propriedade pelo decurso do tempo" (15).

            Cabe destacar que a usucapião empresta base jurídica a situações de fato, funcionando como um prêmio a quem atribui prestabilidade socioeconômica ao bem, assim como, de outro passo, consubstancia uma sanção ao proprietário inerte.

            Outrossim, há uma questão fundamental no que toca à natureza do instituto ora pesquisado, qual seja, a previsão de indenização do proprietário, que é elementar na desapropriação e tradicionalmente ausente na usucapião. Tal questão concorreu para o estabelecimento da indigitada confusão de conceitos sobre o tema.

            A razão dessa usucapião coletiva, em realidade, é a mesma que move tanto a desapropriação de imóveis rurais por interesse social para reforma agrária, prenunciada no art. 184 da Constituição Federal de 1988 e disciplinada pela Lei Complementar nº 76/1993, como a desapropriação para a implementação das metas traçadas nos incisos I e III do art. 2º da Lei nº 4.132/1962, que considera de interesse social: "I – o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico;" e "III – o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola".

            De certa forma, assim, essa nova modalidade de usucapião coletiva acaba por ser um "atalho", um caminho mais curto em que o Estado-Administração se ausenta, para dar lugar a que a própria população persiga o mesmo resultado de específicas desapropriações, de tão elevado interesse social e econômico, assim em regiões rurais como em cidades.

            Daí se extrai que a precitada norma traz uma nova modalidade de usucapião, aqui intitulada de usucapião coletiva pro labore, diversa das já previstas na Constituição da República, no próprio Código e na legislação extravagante. Portanto, não se cuida da usucapião ordinária (CC/2002, art. 1.238) ou da extraordinária (CC/2002, art. 1.242), tampouco da usucapião constitucional rural (CF/1988, art. 191, e CC/2002, art. 1.239, que derrogaram a Lei nº 6.969/1981) ou da constitucional urbana (CF/1988, art. 183; CC/2002, art. 1.240; e Lei nº 10.257/2001, art. 9º), também intituladas de usucapião especial, pro labore ou pro misero, muito menos da usucapião indígena de que cogita do art. 33 da Lei nº 6.001/1973.

III. Usucapião coletiva urbana

            Importa atentar, por fundamental, para a aproximação dessa nova usucapião com a também recente usucapião coletiva urbana, comumente chamada de "usucapião favelada", disciplinada em pormenores no art. 10 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que instituiu o Estatuto da Cidade. Convém transcrever o inteiro teor da norma em referência:

            "Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

            § 1º. O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

            § 2º. A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.

            § 3º. Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

            § 4º. O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

            § 5º. As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes."

            É bastante provável que o novo Código e o Estatuto da Cidade não tenham sido cotejados durante os respectivos estudos e as tramitações parlamentares. Logo, apenas depois pôde ser notada a similitude de suas indicções no que toca à usucapião coletiva. Nada obstante, algumas particularidades destacam e justificam a diversidade desses comandos normativos.

            A usucapião de que cuida o Estatuto da Cidade apenas tem por objeto as áreas urbanas. Já a usucapião coletiva do Código tem ganas de abranger terrenos tanto urbanos quanto rurais. A primeira pressupõe que a área seja maior que duzentos e cinqüenta metros quadrados, enquanto a segunda usa o conceito vago de "extensa área". Quis o legislador delegar à doutrina e à jurisprudência, sobretudo, a tarefa de definir o significado de uma extensa área, o que logicamente deve resultar na definição de parâmetros diversos para os centros populosos e os sítios interioranos.

            Ademais, o art. 10 da Lei nº 10.257/2001 estabelece um número maior de requisitos: os posseiros devem formar uma população, na acepção de grupo de indivíduos que vivem no mesmo local; a comunidade deve ser de baixa renda; o lugar deve servir à moradia dos posseiros; o conhecimento dos lindes ocupados por cada indivíduo ou por sua família deve ser impossível ou bastante dificultoso; e, finalmente, os ocupantes não podem ser proprietários de qualquer outro imóvel urbano ou rural.

            Em contrapartida, o § 4º do art. 1.238 do Código dispõe que os pretendentes haverão de ser um "considerável número de pessoas", expressão essa tão imprecisa quanto à acima referida "extensa área". A norma ainda assume um maior grau de vaguidão na medida em que se busca raciocinar o que seja um considerável número de pessoas numa extensa área. Como apontar, pois, onde termina a discricionariedade e começa a arbitrariedade do magistrado que decidir um impasse em um caso concreto sobre o tema?

            Para o legislador de 2002 não interessa a classe social ou a capacidade econômica das pessoas, se paupérrimas ou afortunadas, se carentes de um teto ou proprietárias de outros domínios. Basta que as numerosas pessoas tenham, em conjunto ou separadamente, levantado obras e prestado serviços "de interesse social e econômico relevante", cujo delineamento consistirá em mais um teste de bom senso para o julgador. Impende ainda salientar – nada obstante pareça evidente – que o direito de usucapir apenas deverá ser reconhecido acaso satisfeitos forem dois pressupostos adicionais: se o aludido interesse for atual, ou seja, se estiverem em plena operacionalidade as obras e os serviços realizados, e se o respectivo complexo socioeconômico não puder ser deslocado sem grave sacrifício desse mesmo interesse.

            De resto, foi lacônico o Código Civil sobre outras peculiaridades dessa usucapião coletiva pro labore, a qual reclama maiores esclarecimentos que as modalidades tradicionais do instituto. A respeito, interessa considerar a sua íntima ligação com a usucapião coletiva urbana, também inspirada em emblemas do mais alto grau de socialidade. A propósito, Sílvio de Salvo Venosa nota que essa forma de aquisição solidária da propriedade "apresenta-se sob a mesma filosofia e em paralelo ao art. 1.288, § 4º, do Novo Código Civil (…). Em ambas as situações encontramos a busca pelo sentido social da propriedade, sua utilização coletiva" (16).

            A propósito, assevera Vicente Ráo que "para que a analogia seja perfeita e certa a sua solução, é preciso que a semelhança entre o caso previsto e o não previsto pela lei consista no fato de possuírem, ambos, como termo comum de referência, a razão suficiente da própria disposição: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio. A ratio legis deste brocardo mais não indica senão a razão suficiente da lei" (17).

            Por conseguinte, é mister invocar a aplicação à usucapião coletiva do novo Código, por analogia, da disciplina relativa à impossibilidade – ou mesmo à grande dificuldade – de definição dos limites das numerosas posses e à conseqüente formação de um condomínio indiviso especial, a configurar a unidade do referido complexo socioeconômico, conforme prevêem o caput e os §§ 3º a 5º do art. 10 do Estatuto da Cidade.

            Impende reconhecer, nada obstante, que esse condomínio necessário será decerto alvo de incompreensões e de complicações práticas, haja vista a própria desordem inerente ao crescimento e à conformação dos aglomerados populares.

            Justamente por isso se prescinde da identificação da extensão das posses individuais, porquanto, por expressa ordem legal, cada ocupante será dotado de igual fração ideal. Assim, vale clarificar, apenas através de um acordo formal poderão os condôminos estabelecer cotas discrepantes, consoante a amplitude das posses ou dos esforços dedicados em prol do interesse econômico e social judicialmente reconhecido.

            Consectário do estabelecimento dessa propriedade será a repartição entre os condôminos, conforme consintam em assembléia, dos ônus fiscais incidentes sobre o imóvel. O que torna, convém reparar, quase que impraticável a execução forçada dos respectivos créditos pela Fazenda Pública competente.

            Independentemente de tais considerações, aplicam-se à usucapião coletiva as causas que obstam, suspendem e interrompem a prescrição, ex vi do preceito geral inscrito no art. 1.243 do Código de 2002.

            O diferencial da usucapião coletiva codificada reside no elemento trabalho como meio para a proporção de benefícios econômicos e sociais, bem como no direito de indenização do expropriado. Direito esse impulsionado pela contraposta necessidade de preservação do direito de propriedade, dado os largos horizontes de aplicabilidade do novo instituto.

            Sob outra perspectiva, causa estranheza que a prescrição aquisitiva, concebida como resultado da inércia do titular do direito de propriedade conjugada com o decurso do tempo, nesse específico caso faça nascer o direito à recomposição em pecúnia da perda sofrida. Assim, deve a previsão desse direito, por força do caráter como que punitivo da privação do domínio por usucapião, ser interpretada restritamente, de modo que a indenização não haverá de ser necessariamente prévia. A justiça do quantum correspondente, outrossim, exigirá o abatimento do valor agregado ao imóvel em razão do trabalho dos ocupantes.

IV. Constitucionalidade da usucapião coletiva

            Superado o impasse concernente à conceituação do instituto, cumpre examinar se dita usucapião coletiva pro labore – em suas origens severamente objurgada pelo mestre Caio Mário – tem alicerce jurídico, sobretudo principiológico, em nosso sistema constitucional.

            A quaestio ora em liça foi estudada na Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ocorrida nos dias 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação do Excelentíssimo Senhor Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do Superior Tribunal de Justiça. O que resultou na edição do Enunciado de nº 82: "É constitucional a modalidade aquisitiva de propriedade imóvel prevista nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do novo Código Civil".

            Também é essa a posição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, para quem "a norma é constitucional porque resolve a aparente antinomia entre o direito de o proprietário reinvidicar a coisa de quem injustamente a possua e a função social da propriedade, com a manutenção do bem com aquele que lhe deu função social com a posse-trabalho" (18).

            Quanto à usucapião coletiva urbana, após a tachar de "revolucionária", Sérgio Ferraz paradoxalmente enfatiza a constitucionalidade do instituto:

            "Se há propriedade condominial, coletiva pois, não há razão para se inadmitir a aquisição coletiva de propriedade, inclusive pela via do usucapião, inexistindo vedação a isso no inciso XXII do art. 5º da Constituição.

            "Doutra parte, a superação da deterioração urbana e das patologias favelares, com lastro na principiologia constitucional (particularmente, mas não só: função social da propriedade, art. 170, II e III; defesa do meio ambiente, idem, inciso VI; redução das desigualdades sociais, idem, inciso VII; garantia do bem-estar dos habitantes da cidade, art. 182, caput; harmonia social, "Preâmbulo"; dignidade da pessoa humana, art. 1º, III; justiça e solidariedade sociais, art. 3º, I; erradicação da pobreza e da marginalização, art. 3º, III), confere inequívoco lastro jurídico à inovação do usucapião coletivo, na busca de soluções para a questão da submoradia.

            "Dessa sorte, e em definitivo, parece-nos insensato e infundado divisar ‘suspeita de inconstitucionalidade’ no usucapião coletivo." (19)

            Opostamente, Carlos Alberto Dabus Maluf repele ambos os comandos normativos, os quais acoima de ofensores ao direito de propriedade insculpido na Magna Carta. Vale conferir as suas razões:

            "As regras contidas nos §§ 4º e 5º abalam o direito de propriedade, incentivando a invasão de glebas urbanas e rurais, criando uma forma nova de perda do direito de propriedade, mediante o arbitramento judicial de uma indenização, nem sempre justa e resolvida a tempo, impondo dano ao proprietário que pagou os impostos que incidiam sobre a gleba. As regras esculpidas nesses parágrafos são agravadas pela letra do art. 10 e seus parágrafos da Lei nº 10.257, de 10.07.2001, conhecida como o Estatuto da Cidade, uma vez que nela é permitido que essa usucapião especial de imóvel urbano seja exercida em área maior de duzentos e cinqüenta metros, considerando área maior do que essa ‘extensa área’. Prevê também que a população que a ocupa forme, mediante o requerimento da usucapião da usucapião, um condomínio tradicional; e mais, não dá ao proprietário o direito à indenização. Tal forma de usucapião aniquila o direito de propriedade previsto na Lei Maior, configurando um verdadeiro confisco, pois, como já dissemos, incentiva a invasão de terras urbanas, subtrai a propriedade de seu titular, sem ter ele direito a qualquer indenização." (20)

            Por fim, apresenta o autor uma solução para o suposto estorvo: "Essas regras, a do novo Código Civil e a do art. 10 e seus parágrafos da Lei nº 10.527/2001, devem ser modificadas por um projeto de lei específico, evitando-se, assim, que o Judiciário seja obrigado, por intermédio de inúmeras ações que haverão de surgir, a declará-las inconstitucionais" (21).

            Todavia, uma mais atenta ponderação sobre a polêmica conduz, primeiramente, à ilação de que o termo revolucionário é inidôneo para qualificar a usucapião coletiva do novo Código, sobretudo porque não poderia coerentemente o ser sem farpear a ordem constitucional estabelecida. Preferíveis são, pois, as palavras de Silvio Rodrigues, que com certa cautela afirmou ser a figura "realmente audaz e inovadora" (22).

            Noutro passo, diante da incomum elasticidade dos elementos normativos veiculados nos §§ 4º e 5º do notável art. 1.228, é plausível o prognóstico de que o Supremo Tribunal Federal venha a optar por uma interpretação conforme a Constituição, em sede de controle abstrato ou difuso de tais comandos.

            A mencionada técnica interpretativa, consoante a sedimentada jurisprudência do Pretório Excelso, "só é utilizável quando a norma impugnada admite, dentre as várias interpretações possíveis, uma que a compatibilize com a Carta Magna, e não quando o sentido da norma é unívoco". (23) Desta mercê, deverão imperar os esforços em extrair a acepção normativa harmônica com a Lex Mater, ainda que necessária seja a redução do alcance da expressão literal dos dispositivos em debate.

            Em rigor, as teses sobre a inconstitucionalidade das normas sobre a usucapião coletiva urbana e a usucapião coletiva pro labore têm uma essência acentuadamente egoística. Sob uma óptica mais transigente, em realidade, é possível inferir a fidelidade de seus comandos aos princípios magnos, o que restou patenteado pela autorizada doutrina acima referida.

            Convém advertir, nada obstante, que como muitos outros direitos subjetivos, a usucapião coletiva está sujeita a ser um veículo de abusos, o que deve ser oportuna e energicamente reprimido pelos poderes constituídos competentes. Sobre o perigo de institucionalização de atos de vandalismo premeditado, alerta Sílvio de Salvo Venosa: "Em que pese a boa intenção do legislador, teremos que lidar com fraudes a esses dispositivos e com os costumeiros atravessadores que se valem da massa coletiva para obter vantagens econômicas, além de dividendos políticos" (24).

            Sobredita ameaça, no que tange à usucapião coletiva pro labore, emerge de modo mais denso nos domínios campestres. Se os programas nacionais de reforma agrária traspassam já incontáveis intempéries (conflitos fundiários, invasões de terras produtivas, carência de infra-estrutura, cultivo ilegal de plantas psicotrópicas nas áreas expropriadas, etc.), o manejo livre do novo instituto arrisca tumultuar esse quadro.

            Com efeito, a possível difusão de pretensões coletivas de usucapir dessa maneira abrirá alas, a seu tempo, a conflitos internos por posses, já que não serão as terras loteadas, mas compartilhadas em regime condominial. Esse problema induvidosamente reclama, além da escrupulosa aplicação dos comandos normativos ordinários, a busca de uma política agrária responsável, que concentre redobrada atenção nos planos de desapropriação de imóveis rurais que não sejam socialmente funcionais. Afinal, não se pode olvidar, a má distribuição de renda é um problema mais social que jurídico propriamente dito.

            De tão imprecisos que são os termos do § 4º do art. 1.228 do Código de 2002, os vindouros problemas sobre o tema em regra quedar-se-ão adstritos à apreciação dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça. Isso por força do óbice enunciado na Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal e na Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, que de todo impedem a reapreciação de matéria de fato nas instâncias excepcionais dos recursos extraordinário e especial.

            Nada obstante, é crédula a espera de que a desejada interpretação conforme à Constituição do mencionado dispositivo não desvaneça no jogo de palavras. Que sirva, dessarte, de bom estalão para a magistratura nacional.

V. Argüição em juízo

            Uma derradeira preocupação repousa sobre as fórmulas processuais aplicáveis à usucapião coletiva pro labore. A lei não é clara quanto à imprescindibilidade de propositura da ação de usucapião, de acordo com o rito estabelecido nos arts. 941 a 945 do Código de Processo Civil.

            Decerto movidos pela assentada possibilidade de argüição da usucapião em defesa, quiseram os mentores do projeto que o juiz fixasse a indenização devida e determinasse a transcrição do domínio no bojo da ação reivindicatória. Assim propugnou um de seus relatores: "Para atender a esse conflito de interesses sociais, o Projeto prevê que o juiz não ordene a restituição do imóvel ao reivindicante, que teve êxito na demanda, mas que lhe seja pago o justo preço" (25).

            Nessa esteira, Sílvio de Salvo Venosa procura demarcar pontos de desencontro entre a usucapião coletiva urbana e a usucapião coletiva pro labore no que toca aos modos de argüição em juízo:

            "No primeiro caso de usucapião coletivo, os habitantes da área adiantam-se e pedem a declaração de propriedade. No segundo caso, eles são demandados em ação reivindicatória pelo proprietário e apresentam a posse e demais requisitos como matéria de defesa ou em reconvenção, nesta pedindo o domínio da área. Na situação enfocada do Código Civil, porém, a aquisição aproxima-se da desapropriação, pois de acordo com o art. 1.228, § 5º, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, a sentença valerá como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. Nessa situação, o Código Civil menciona que a ocupação deve ser de boa-fé, por mais de cinco anos. Haverá, sem dúvida, um procedimento custoso na execução, pois cada possuidor deverá pagar o preço referente a sua fração ideal do terreno, ou outro critério de divisão que se estabelecer na sentença." (26)

            Em continuidade, o mencionado autor cuida de suprimir, por completo, a possibilidade de a pretensão subjacente ao referido instituto ser processada conforme o rito próprio da usucapião: "Destarte, se o proprietário não desejar ter contra si uma ação de usucapião, deverá reivindicar a área para lograr obter indenização" (27).

            Essa proposição, todavia, não está bem-acabada. A esdrúxula idéia de transfigurar-se a ação reivindicatória em uma dita "desapropriação judicial", para assim condicionar o direito a uma justa indenização à iniciativa do titular do domínio, não condiz com o mínimo senso de razoabilidade. Jamais poderia o magistrado fazê-lo de ofício, por força do já aludido princípio da inércia jurisdicional. A atecnia do legislador em situar o instituto em seu devido lugar, tal como uma nova modalidade de usucapião, não é apta a produzir reflexos também desastrosos no processo.

            Logo, deve a usucapião coletiva pro labore, assim como determina o Estatuto da Cidade no que tange à usucapião coletiva urbana, ser normalmente declarada na sentença da correlata ação de que tratam os arts. 941 a 945 da Lei Adjetiva. Excepcionalmente, e porque assim o vêm admitindo a doutrina e a jurisprudência, a pretensão de usucapir poderá ser deduzida em reconvenção ou em ação declaratória incidental propostas no âmago da ação reivindicatória (28), apesar da intuitiva incompatibilidade de procedimentos. Frise-se, por essencial, que nessa última sede deverá o pedido contraposto ser expresso, sob pena de ofensa ao elementar princípio da ação.

            De uma ou de outra forma, a indenização é devida ao proprietário, pois foi o que dispôs o legislador, sem fazer alusão a distinção alguma: "ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus". De outra parte, é axiomático que aqui, opostamente ao que décadas atrás prelecionava o civilista Caio Mário, caberá aos prescribentes o dever de indenizar. Absolutamente nenhuma ingerência ou participação tem a Administração Pública nessa relação jurídica.

            Assim, há de ser cauteloso o magistrado na condução da execução forçada do cumprimento da obrigação de indenizar, dado que a resistência ilegítima de "um considerável número de pessoas" – naturalmente sem a liquidez e a capacidade econômica do Estado – não deverá dar azo a que seja elidida a imposição legal de que seja a indenização essencialmente justa.

            Em juízo, deverão os posseiros ser representados por uma associação regularmente constituída, tal como racionalmente o exige o inciso III do art. 12 da Lei nº 10.257/2001, ou ainda pelo Ministério Público, na defesa de um direito coletivo, quiçá inclusive difuso, conforme a relevância do interesse econômico e social em debate. O Parquet, aliás, deve necessariamente intervir em todos os termos do feito na condição de custos legis, por aplicação analógica do § 1º do referido artigo ou mesmo diante da presença do interesse público a que se refere o inciso III do art. 82 do Código de Processo Civil.

VI. Conclusões

            A partir das ponderações expendidas, são estas, em suma, as conclusões elementares do presente estudo:

            a) a novidade contida nos §§ 4º e 5º do Código Civil de 2002 consubstancia uma excepcional modalidade de usucapião, intitulada de usucapião coletiva pro labore;

            b) essa usucapião é movida pela mesma ratio legis de determinadas desapropriações previstas na legislação específica, em benefício de relevantes interesses econômicos e sociais, embora o Estado, nesse último caso, não participe da relação jurídica material subjacente;

            c) diante da imprecisão das expressões e das lacunas existentes na disciplina do novel instituto codificado, invoca-se a aplicação analógica das regras dispostas no Estatuto da Cidade para a usucapião coletiva urbana, no que evidentemente não houver incompatibilidade;

            d) a usucapião coletiva pro labore é constitucional, assim entendida se devidamente reduzido for o alcance demasiado genérico de seus elementos normativos, de modo que se lhe dê uma interpretação conforme a Magna Carta, em respeito ao direito de propriedade insculpido no seu art. 5º, inciso XXII;

            e) a usucapião coletiva pro labore pode ser regularmente argüida em juízo por meio do exercício da ação de rito especial de que tratam os arts. 941 a 945 do Código de Processo Civil ou, ainda, em sede de reconvenção ou de ação declaratória incidental propostas em ação reivindicatória; e

            f) o titular do domínio sempre terá direito à indenização legalmente prevista, que haverá de ser justa, embora não necessariamente prévia.

            Por fim, é forçoso reconhecer, a exemplo do que fez o Deputado Ricardo Fiúza, último relator do novo Diploma: "É claro que há imperfeições, falhas, omissões. Mas essas imperfeições são justamente o apanágio de toda a obra humana e daquele princípio que é um dos mais verdadeiros da sabedoria popular: ‘É melhor ter o bom do que esperar o ótimo’, porque raramente se tem o ótimo" (29).

NOTAS

            01. Revisão Judicial dos Contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002, p. 22-23.

            02. Apud in NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 5. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 419.

            03. Novo Código Civil Comentado. Coordenado por FIUZA, Ricardo. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1.097.

            04. Ao oposto do que fez o legislador de 1917, na nova codificação a palavra usucapião foi apropriadamente colocada no gênero feminino. Sobre a etimologia, a grafia e o gênero da palavra, bem como sobre o dissenso existente em torno do tema, conferir RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p. 163-179.

            05. No Código Civil de 2002, tratam da usucapião os arts. 1.238 a 1.244, no capítulo afeto à aquisição da propriedade imóvel. Já a desapropriação recebeu referência expressa no inciso V do art. 1.275 do Código Civil. Conforme mencionado, o instituto sob enfoque foi ineditamente disposto no art. 1.228 do novel diploma.

            06. O novo Código Civil e o Direito das Coisas. Revista dos Tribunais nº 798 – abril de 2002, p. 56.

            07. Idem, ibidem.

            08. Idem, p. 57.

            09. Citação de Carlos Alberto Dabus Maluf in Novo Código Civil Comentado. Coordenado por FIUZA, Ricardo. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1.097.

            10. Obra citada, p. 419.

            11. Prefácio do Novo Código Civil Brasileiro, 2. ed. São Paulo: RT, p. XV.

            12. Curso de Direito Civil Brasileiro, 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, p. 178.

            13. Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 569.

            14. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p. 105.

            15. RIBEIRO, Benedito Silvério. Obra citada, p. 182.

            16. Direito civil: direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 205.

            17. O direito e a vida dos direitos, 5. ed. São Paulo: RT, 1999, p. 505.

            18. Obra citada, p. 419.

            19. Estatuto da Cidade – Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001. Coordenado por DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 144.

            20. Obra citada, p. 1.098.

            21. Idem, ibidem.

            22. Direito Civil, 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p. 107.

23. Pleno. Medida liminar na ADI nº 1.344-1/ES. Relator o Excelentíssimo Senhor Ministro Moreira Alves. DJU de 19.04.1996, p. 12.212.

            24. Obra citada, p. 206.

            25. Novo Código Civil Comentado. Coordenado por FIUZA, Ricardo. São Paulo: Saraiva, 2.002, p. 1.097.

            26. Obra citada, p. 205-206.

            27. Idem, p. 206.

            28. Ver, por todos, NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade, obra citada, p. 799, e aresto da Quarta Turma do STJ, Resp nº 45.374/MG, Relator o Excelentíssimo Senhor Ministro Barros Monteiro, DJU de 23.09.1996, p. 35.111. Nada obstante, Theotônio Negrão noticia a existência de julgados no sentido de que a "usucapião, na reivindicatória, é matéria de contestação, não de reconvenção" (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 30. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 372), o que se baseia na absurda premissa de possuir a referida ação real o caráter dúplice.

            29. Obra citada, p. XXXI.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (coord.). Estatuto da Cidade – Comentários à Lei Federal nº 10.257/2001, São Paulo: Malheiros, 2002.

            DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 18. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4.

            FIUZA, Ricardo (coord.). Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.

            GUIMARÃES, Jackson Rocha. O novo Código Civil e o Direito das Coisas. Revista dos Tribunais nº 798 – abril de 2002.

            MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

            NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor, 5. ed. São Paulo: RT, 1999.

            RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos, 5. ed. São Paulo: RT, 1999.

            RIBEIRO, Benedito Silvério. Tratado de Usucapião, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1.

            RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão Judicial dos Contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. São Paulo: Atlas, 2002,

            RODRIGES, Silvio. Direito Civil, 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5.

            VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 


Referência  Biográfica

Marina Câmara Albuquerque:   Bacharela em Direito da Universidade Federal do Ceará e Assessora Jurídica da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Ceará.

marinacam@bol.com.br

Valores éticos no exercício da advocacia

0

* Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas

Sumário: 1. Introdução; 2.  A Logosofia Como Ciência Auxiliar do Direito; 3.  O Exercício da Profissão e a Atuação das Deficiências Psicológicas; 4. Convivência humana;  5.  Valores éticos na convivência;  6. Conclusão.

 


INTRODUÇÃO

                           O saudoso professor JOSÉ OLYMPIO DE CASTRO FILHO em seu livro PRÁTICA FORENSE[1], falando da atividade diária do advogado, lembrou o emérito EDUARDO COUTURE, numa das mais belas páginas de deontologia jurídica, Os Mandamentos do Advogado, digna de figurar entre os livros clássicos sobre o assunto, como O Advogado, de Henri Robert, Das Boas Relações entre os Juízes e os Advogados, de Calamandrei, El Abogado, de Ossorio, a Oração dos Moços, de Rui Barbosa, e, mais recente, a obra de Carvalho Neto, Advogados – Como Aprendemos, Como Sofremos, Como Vivemos, livros que, juntamente com o Código de Ética Profissional, aprovado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados, em 25 de junho de 1954, repassados de sabedoria, deveria figurar obrigatoriamente à cabeceira de todo lidador da advocacia. Ouçam-se as palavras de COUTURE:  

                           "Aquele que deseje saber em que consiste o trabalho do advogado, há que explicar o seguinte: de cada 100 assuntos que passam pelo escritório de um advogado, 50 não são judiciais. Trata-se de dar conselhos, orientação e idéias, em matéria de negócios, assuntos de família, prevenção de futuros litígios etc. Em todos esses casos, a ciência cede lugar à prudência. Dos dois extremos do dístico clássico que define o advogado, o primeiro predomina sobre o segundo, e o "homem bom" se sobrepõe ao "sabedor do direito".  

                           Dos outros 50, 30 são de rotina. Trata-se de gestões, tramitações, obtenção de documentos, questões de jurisdição graciosa, defesas sem dificuldades ou causas julgadas sem contestação da parte contrária. O trabalho do advogado transforma aqui o seu gabinete em escritório de despachante. Seu lema poderia ser como o daquelas companhias norte-americanas, que produzem artigos de conforto: "more and better service for more people".  

                           Dos 20 restantes, 15 representam alguma dificuldade e exigem um trabalho mais intenso. Trata-se, porém, dessa classe de dificuldades que a vida nos apresenta a cada passo e que a concentração e o empenho de um homem diligente estão acostumados a levar de vencida. 

                           Nos restantes cinco reside a essência da advocacia. São os grandes casos profissionais. Grandes, não certamente, pelo seu conteúdo econômico, senão pela magnitude do esforço físico e intelectual que o seu trato exige. Causas aparentemente perdidas, através de cujas fissuras filtra um raio de luz que serve de guia ao advogado para abrir a sua brecha; situações graves, que é preciso sustentar por meses e meses, e que exigem um sistema nervoso a toda prova, sagacidade, aprumo, energia, visão longínqua, autoridade moral, fé absoluta na vitória."  

                            A vida profissional é rica em oportunidades de convivência. Por dever de ofício, somos levados a  conviver com as mais variadas pessoas, serventuários, colegas advogados, juízes, secretários, etc.  

                           E essa convivência para ser harmônica e saudável exige de nós uma conduta ética elevada.

                           Esse tema é atualíssimo, basta dizer que a 2ª Câmara do Conselho Federal da OAB, ocupa-se do assunto e anuncia " um novo manual de ética do advogado". Segundo o veiculado pelo OAB NACIONAL, Órgão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, de outubro-98, sob o título "Vem aí o novo manual de ética", "depois de preparar a estrutura da OAB para a apuração do processo ético-disciplinar, o órgão passará a discutir o novo manual com os conselheiros, presidentes de Seccionais, membros dos tribunais de ética e demais integrantes da Ordem. "Essa Segunda fase terá um caráter didático-pedagógico, define Carlos Tork. Segundo ele, mais do que propor alterações no processo interno de julgamento da conduta dos advogados, o importante é despertar novamente o debate na classe sobre a importância dos procedimentos éticos no exercício da profissão."  

                           "Precisamos da participação de todos para dar ênfase nessa discussão", defende Tork.  "Somos uma referência para todo o País e por isso não podemos descuidar nenhum pouquinho dessa área", acrescenta. "Hoje a questão ética é a maior preocupação dos advogados brasileiros", conclui." [2]        

                            A boa educação recebida no lar é básica e é útil a essa convivência.

 

                           Entretanto, devemos estar sempre atentos, pois ao atuarmos podemos eventualmente agradar alguns e desagradar outros. Entrar em atritos, pois nessa convivência as falhas caracterológicas se manifestam dificultando o bom relacionamento.

                           Algumas dessas deficiências, pela natureza da atividade forense, encontram campo propício para atuar em nossa mente e assim são as responsáveis por atuações, por vezes desastrosas e desagradáveis, como veremos, no correr desta exposição.  

                           Para nosso alívio, nem só de deficiências é formada a nossa psicologia, há nela valores e pensamentos construtivos que são eficientes colaboradores nessa maravilhosa e difícil arte de conviver.  

                           Mas esses valores, quando não se manifestam espontaneamente em nossas atuações diárias, podem ser criados e cultivados.  

                           O exercício da observação quando a utilizamos para o nosso aperfeiçoamento, nos permite burilar a própria psicologia, quando nos dispomos a fazer um bom uso do que é fruto dessa observação. Ao observar o que de ruim eu vejo no outro e ao invés de criticar a conduta alheia, para menosprezar, eu volto para dentro de mim e me pergunto se eu agiria daquela forma, o resultado é outro, porque nesse instante, nessa análise da conduta do semelhante eu me dou conta de que todos nós seres humanos podemos a cada dia melhorar o nosso comportamento, tornando-o mais agradável e tolerável.  

                             Todas as profissões têm um Código de Ética imprescindível ao exercício da atividade profissional, porque, em todas elas, estamos lidando com o nossos semelhantes, estamos CONVIVENDO.

 

                             O trato cordial é norma iniludível. O respeito não deve faltar nesse relacionamento, nesse CONVIVER.

                                   

                             O citado professor JOSÉ OLYMPIO DE CASTRO FILHO  ensina que:

                             "Dentre as normas do Código de Ética, que estão a reclamar exame e comentário adequado que pudessem servir de esclarecimento e repertório de deontologia para os profissionais, inclusive com a coletânea e a divulgação de decisões do Conselho Federal da Ordem dos Advogados, as que disciplinam as relações pessoais com o cliente e as relações em Juízo estão a merecer especial atenção.

                             Não se catalogaram jamais, e talvez jamais se apresentem exaustivamente enumerados os cuidados a respeito, que vão desde a necessidade de apreender a personalidade do cliente e do juiz, para saber como se conduzir diante um ou outro, seus hábitos, suas virtudes e deficiências, até inúmeros aspectos a considerar no capítulo cada dia mais complexo e difícil das comunicações humanas.

                              Sem embargo, um ponto parece certo, e dele bem possivelmente decorrerão, naturalmente, consequências que irão repercutir em tudo o mais: hão de existir, à custa de quaisquer esforços e sacrifícios, entre o advogado e o cliente, assim como entre o advogado e o juiz, a compreensão e o respeito, mútuos."[3]                                         

A LOGOSOFIA COMO CIÊNCIA AUXILIAR DO DIREITO

                            Nesta exposição vou me valer de uma das ciências auxiliares do Direito.                                

                               Segundo o ilustre Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Dr. JOSÉ ANTÔNIO ANTONINI, em memorável aula inaugural realizada na "Faculdade de Direito do Sul de Minas", em Pouso Alegre, "se o Direito tem como ciências auxiliares a Medicina, a Psicologia, a Psiquiatria, a Cibernética, a Informática, etc, agora é chegada a vez de passar a contar com mais uma: a LOGOSOFIA".

                               "Essa nova geração de conhecimentos tem por campo experimental região pouco conhecida – acrescenta o festejado Professor ANTONINI -, mal transitada, senão totalmente desconhecida: o próprio mundo interno de cada vida humana. Esse mundo onde cada um vive e convive consigo mesmo protegido, à discrição, da incursão alheia. Ninguém penetra nesse mundo sem permissão de seu titular e ainda quando permitido, não além das partes que autoriza o possuidor desse domínio."

                                "Para a exploração, estudo, investigação e conhecimento desse mundo interno é que se dirige essa nova linha de conhecimento, mediante a utilização de um método e uma técnica que lhe são próprias."

                                "Inobstante o vertiginoso avanço das ciências ditas exatas e humanas, não se conseguiu até o presente encontrar ou forjar a chave do problema humano e oferecer uma explicação satisfatória sobre o nosso mundo interior."

                                 "O investigador mede a trajetória dos astros e desconhece a de sua própria vida; segue as modificações do átomo e descuida as de seu pensamento; estuda e analisa tudo, menos o que diz respeito ao próprio  conhecimento da  mente, que é a que lhe permite  discernir e pensar, enquanto se capacita para conhecer a origem e evolução de seu próprio pensamento; lê e comenta mil biografias e treme pensando como terminará a sua; descreve maravilhas sobre a organização das formigas e das abelhas, e quando é instado à organização de seus valores pessoais, vacila ante cem conselhos antagônicos.

                                   Assim, o estudioso, o universitário, ou simplesmente o homem que cuida de sua instrução, encontra-se frente a livros que tratam sobre a essência da história, da filosofia das matemáticas ou a evolução da mitologia, mas nada de certo pode saber a respeito da essência de seu próprio ser, a filosofia de sua condição humana ou a evolução de seu caráter, não obstante constituir tudo isso a primeira e última realidade de sua existência." (Biognose-74).[4]

                                A LOGOSOFIA, no dizer de seu autor, o humanista CARLOS BERNARDO GONZÁLEZ PECOTCHE:

                                "Abarca todos os conhecimentos humanos e transcende para conhecimentos maiores."

                                 Configurando-se em ciência e cultura ao mesmo tempo, a Logosofia ultrapassa a essa esfera comum e, destina-se "a nutrir o espírito das gerações presentes e futuras com uma nova força energética – por excelência mental – necessária e imprescindível ao desenvolvimento das aptidões humanas".[5]                             

                                    Logo, a fonte é inesgotável e oferece generosamente uma gama infinita de elementos úteis ao aperfeiçoamento dos demais ramos do saber existente.

                                    O conhecimento logosófico "encara todos os pontos de estudo que possam interessar ao homem, ajudando-o a cultivar seu espírito com miras a uma superação."

                                    Entendemos que a nova cultura, preconizada pela Logosofia, contém as bases sólidas em que se haverão de fundamentar as normas jurídicas, pois, sendo o Direito uma ciência social, por excelência, está sofrendo, também, as consequências da inevitável decadência da atual cultura vigente.

O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO E A ATUAÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS PSICOLÓGICAS

                                    Alguma deficiências psicológicas comprometem o bom desempenho da atividade profissional do advogado. Enunciarei algumas:

A IMPULSIVIDADE

                                 É um pensamento impetuoso que provoca a reação imediata da mente ante qualquer incitação ou motivo que surja excitando. Em todos os casos se manifesta como ato irreflexivo do indivíduo.

                                   Essa falha psicológica altera o ânimo e principalmente a paz interior.

                                   O impulso irrefletido leva, às vezes, a expressar o que se sente ou se pensa em relação a pessoas, assuntos ou coisas, apesar do propósito que se tinha de mantê-lo em reserva. Nesse momento surge outra deficiência, a indiscrição. Claro, as dificiências não atuam sozinhas, atuam em bando, daí a dificuldade em combatê-las. A antideficiência, o antídoto aconselhável, é usar a CONTENÇÃO, conter o impulso. Significa nada menos que o domínio de reação, sempre arbitrária, com efeito deprimente sobre o ânimo.                                  

A SUSCETIBILIDADE  

                                    "O suscetível é uma pessoa predisposta a ver no próximo uma segunda intenção, o que dá lugar a que se melindre ou se ofenda com extrema facilidade."

                                    Para contrapor a essa falha, nada melhor que a EQUANIMIDADE, ou seja, "o sentido da justiça e ao mesmo tempo, a medida exata com que se ajuízam os valores opostos. Ela mantém o homem protegido das atitudes extemporâneas de suscetibilidade, que surgem impulsionadas pelas ligeirezas de juízo."

                                    A AFABILIDADE é o mel que, derramado sobre o vinagre psicológico, melhora seu sabor.

A ASPEREZA

                                    Essa falha temperamental contrai a sensibilidade, sufocando os sentimentos.

                                    "A aspereza torna o caráter acre e sombrio; impele ao isolamento. O ser foge do contato com seus semelhantes e este, do seu, porque a ninguém agrada uma modalidade áspera e pouco amistosa. Seja no lar, junto aos seus, seja fora dele, sua atitude, oposta a toda demonstração jovial ou afetuosa, provoca rechaço, pois sua presença se recebe sempre com escassa mostra de satisfação."

                                     "Não aguenta seu gênio", costuma-se dizer para desculpá-lo. Perguntamos: não tem inteligência e vontade para lutar contra essa insociável deficiência?" [6]

                                      O remédio nesse caso será, também,  cultivar a AFABILIDADE.  

                                    A LOGOSOFIA faz uma grande descoberta ao dar a conhecer o conceito transcendente de PENSAMENTO, definindo-o como os agentes causais do comportamento humano. Eles são a causa de nossos atos e ações. Mudando-se os pensamentos, muda-se a vida.

                                    E as deficiências psicológicas se constituem falhas caracterológicas e são originárias do enquistamento de pensamentos na mente. A ciência logosófica define a deficiência como sendo "o pensamento dominante que, por sua vez, que enquistado na mente, exerce forte pressão sobre a vontade do indivíduo, induzindo-o a satisfazer seu insaciável apetite psíquico."

                                     Em sua aula o festejado professor JOSÉ ANTÔNIO ANTONINI, ensina que: "é tal a influência e gestão dos pensamentos na vida do homem que este chega a ser apelidado pelo nome do pensamento de que é portador. Se de natureza construtiva e cultivada, são gênios, sensatos, ilustres, mestres; se são vítimas de pensamentos dominantes ou obsessivos, como o são os portadores de deficiências psicológicas, pelo nome do pensamento-deficiência que o caracteriza: é chamado de vaidoso, rancoroso, egoista, teimoso, intolerante, etc., havendo os que são tomados por outros de mais baixo nível, passando a ser chamados de ladrão, fraudador, falsário, larápio."

                                    Observou o referido professor ANTONINI que: "estudando e experimentando os conhecimentos logosóficos advertiu que GONZÁLEZ PECOTCHE estaria para esse benefício humanitário no campo da vida bio-psico-espiritual, assim como PASTEUR no campo da biologia. Ambos haviam feito descobertas fundamentais: uma incursionando na realidade física do corpo humano, outra na realidade anímica do espírito humano. Os elementos in natura, em um e outro campo existiam, mas, não haviam sido descobertos, nem se havia, por isso mesmo, desenvolvido técnicas para tratar com eles. 

                                      Essa diferenciação entre a mente e o pensamento e entre tais entidades existentes in natura e a vontade, etc, permite uma nova observação da realidade nos cumprimentos das apreciações e decisões emanadas no campo do Direito." [7]                                                                 

CONVIVÊNCIA HUMANA

                                      O estudo de meu organismo mental e psicológico, me capacita para penetrar nas causas de minhas próprias limitações, descobrir a origem de meus erros e deficiências, como também conhecer meus próprios valores e condições, a fim de aumentá-los progressivamente à medida que vou conseguindo os conhecimentos que me permitam encarar a vida com acerto e conquistar uma efetiva superação em todas as ordens da vida humana. Comprovo, também, que as relações comigo alcançam sua mais ampla efetividade quando consigo manter a harmonia entre o pensar, o sentir e o atuar: quando adquirindo plena consciência de minha responsabilidade, esta se traduz espontaneamente na conduta que observo comigo e com os demais.

                                        A convivência não é a finalidade, mas uma das conseqüências naturais do auto-aperfeiçoamento.                              

                                          Neste ponto cabe o relato de algumas vivências de nosso dia-a-dia, tanto no Fórum como em outras Repartições Públicas. Ficamos esperando no balcão para sermos atendidos e o serventuário vem tranquilamente atendendo aos que se encontram em nossa frente, depois de algum tempo de espera, está na sua hora de tomar o cafezinho, pois ninguém é de ferro, e continuamos ali esperando a nossa vez. Por várias ocasiões fiz interessantes observações, uma delas é o prurido que todos têm de ser "do contra", quanto mais pressa tem o que quer ser atendido, mais devagar o serventuário que está ali o atende.

                                          De outras vezes, quando vou preparado para enfrentar um balcão de uma Secretaria do Foro, sou atendido prontamente e saio dali tranquilo. Quando vou sem realizar um mínimo preparo interno para não me deixar envolver pelos pensamentos de pressa e de intolerância que rondam esses ambientes, sou vítima deles e me vejo incomodado, irritado e saio com a sensação de que não fui bem atendido e perdi muito tempo naquela repartição. Isso não acontece conosco em nossas atividades? Tudo, então, depende de nosso estado de ânimo interno. A causa dessa irritabilidade está dentro de nós mesmos e a forma de eliminá-la não é outra, senão trabalhar internamente para evitar que esses momentos desagradáveis e que afetam nossa tranquilidade tomem conta de meu ser e me veja no final do dia esgotado, extenuado.       

VALORES ÉTICOS NA CONVIVÊNCIA  

                                           Alguns dos valores éticos da convivência apontados pela Logosofia, são o respeito, a paciência, a tolerância, o exemplo.

                                          Esses valores respondem sempre ao interno do ser, ou melhor, têm uma correspondência no interno.  

                                           É preciso, portanto, que haja um cultivo interno desses valores para que eles se exteriorizem em forma de conduta no trato com o semelhante, em ÉTICA.

                                          O conhecimento dos pensamentos e sentimentos têm grande influência no cultivo desses valores éticos aqui assinalados.

                                           A reeducação sugerida pelo conhecimento transcendente contribui para uma revisão de conceitos, visto que eles se encontram desvirtuados. Houve, através dos tempos na humanidade, um grande desvio de conceitos e uma flagrante inversão de valores. É preciso, portanto, repensar, se é que temos pensado alguma vez, sobre essas coisas.

                                           O estudo das deficiências psicológicas me tem permitido conviver melhor, porque ao tomar contato com as falhas caracterológicas de meu temperamento, passo a ser mais comedido e equânime em meus juízos sobre os demais.

                                            Ao verificar que "o intolerante cria em seu redor um ambiente hostil, que o impede de levar uma vida grata", me esforço por afastar de mim esse pensamento e contrapor a ele a"tolerância, considerada por nós elemento indispensável à convivência harmônica". [8]

                                            O interessante é que a intolerância jamais se manifesta para com os de cima, nem contra aqueles de quem se espera tirar partido. Mas ela está presente de forma às vezes constante no trato com os seres mais queridos.

                                             O que se pode dizer quando se aprende que " o suscetível é um indivíduo predisposto a ver no próximo uma segunda intenção, o que dá lugar a que se melindre ou se ofenda com extrema facilidade". E, no combate a esse defeito passamos a utilizar a equanimidade que é o sentido da justiça e a medida exata com que se ajuizam os valores opostos, associado a esse esforço o cultivo da afabilidade.

                                             O uso da observação é um meio eficaz de combater as deficiências, tão detestáveis inimigos da sensibilidade humana. Observação de deficiências em nossos semelhantes, observação essa que se fará sem perder de vista as próprias, sobretudo quando se trate de irregularidades que se assemelham às que se tem empenho em neutralizar. No efeito desagradável que nos produzem as más atuações alheias, pode-se avaliar o que causamos em circunstâncias análogas, surgindo de tão singelo confronto, com maior vigor que antes, a resolução de nos tornarmos mais gratos e suportáveis.

                                             Deve-se ter o cuidado também de observar a ótima impressão que produzem as virtudes do próximo. "Eis o estímulo natural que nos deve inspirar a desenvolver iguais virtudes e a nos converter em exemplos vivos de captação e assimilação de valores espirituais e éticos, valores que a sensibilidade e a consciência reclamam como indispensáveis para mover e ativar as próprias bases internas de superação" .[9]

CONCLUSÃO  

                                            Para terminar, fazemos nossas as seguintes palavras do criador da Ciência Logosófica, publicadas na revista LOGOSOFIA : [10]

                                             "Uma nova era deverá começar para este mundo alquebrado e submerso em tanta desgraça: a era da reconstrução em todas as ordens em que a vida se desenvolve; a era de uma nova concepção da vida que abra aos espíritos as portas de um futuro melhor. Desta maneira haverá terminado a era sombria do desprezo ao semelhante e do desprezo a todo o justo, nobre e bom.

                                               "A nova era terá que se caracterizar, pois, por uma ampla compreensão dos problemas humanos e pelo respeito mútuo, consagrado universalmente; o respeito à vida, à família, aos povos e a quanto constitua a razão da existência. Só assim voltará a humanidade a se humanizar e a alcançar, mais além, cumes no aperfeiçoamento".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.  CASTRO FILHO, José Olympio. Prática Forense. Rio de Janeiro: Forense, (s/d), 483 p.

2 . REVISTA JURÍDICA MINEIRA. Belo Horizonte, V. nº 89, Dez., ano 1990, 243 p.

3. GONZÁLEZ PECOTCHE, Carlos Bernardo. Introdução Ao Conhecimento Logosófico. São Paulo: Editora Logosófica, 1996, 491 p.

4.  GONZÁLEZ PECOTCHE, Carlos Bernardo. Biognose. São Paulo: Editora Logosófica, 1996, 174 p.

5. GONZÁLEZ PECOTCHE, Carlos Bernardo. Deficiências e        Propensões do Ser Humano. São Paulo: Editora Logosófica, 1989, 204 p.              

6.  REVISTA JURÍDICA MINEIRA. Belo Horizonte, V. nº 67, Nov. .ano 1989. 273 p.

7       GONZÁLEZ PECOTCHE, Carlos Bernardo. Diálogos. São Paulo:.Editora Logosófica, 1995, 211 p.

NOTAS

[1] CASTRO FILHO. Prática Forense.,p. 31

[2]OAB Nacional, Órgão do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Ano IX nº 66-Out-98

[3] CASTRO FILHO, Prática Forense, p. 119.

[4] ANTONINI, José Antônio. A Logosofia como cência auxiliar do Direito. Revista Jurídica Mineira, Ano VII – Vol. Nº 80- Dez/90, p. 44

[5] CHAGAS, Marco Aurélio Bicalho de Abreu. Uma nova concepção do Direito, Revista Jurídica Mineira, Ano VI – Vol. Nº 67 – Nov/89, p. 07

[6] PECOTCHE, Carlos Bernardo González, Deficiências e Propensões do Ser Humano, p.105

[7] ANTONINI, José Antônio, A Logosofia como ciência auxiliar do Direito, Revista Jurídica Mineira, Ano VII- Vol. Nº 80 – Dez/90, p.50

[8] PECOTCHE, Carlos Bernardo González, Deficiência e Propensões do Ser Humano, p. 139

[9] PECOTCHE, Carlos Bernardo González, Deficiência e Propensões do Ser Humano, p. 25

[10] PECOTCHE, Carlos Bernardo González, Revista Logosofia, nº 53, p. 26

 

Referência  Biográfica

Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas  –  Advogado em Belo Horizonte (MG) –  Palestra proferida na 3ª Semana Jurídica sob o patrocínio do CAHTJ da Universidade do Estado de Minas Gerais-UEMG – Ituiutaba-MG, no dia 29 de outubro de 1998.

E-mail: marcoaureliochagas@zipmail.com.br

Home-Page: www.terravista.pt/Enseada/1042/início.htm