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Advogado representado na OAB tem direito a danos morais?

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 *Eduardo Sens dos Santos –

O problema que nos é apresentado diz respeito a representação de advogado perante o Conselho da OAB (que apura denúncias contra advogados). Terá o advogado que foi representado direito a danos morais, decorrentes de possível dano causado a sua imagem?

          É o que se pretende responder com o presente estudo.

 

1. DEFINIÇÃO DE ATO ILÍCITO.

          Trata-se de responsabilidade civil e, como tal, deve ser fundada em ato ilícito – art. 159, CC – que deve ser entendido como todo fato que, não sendo fundado em Direito, cause dano a outrem.(1) Ato ilícito portanto, é o ato contrário a direito, quase sempre culposo, porém, não necessariamente culposo, do qual resulta, pela incidência da lei e ex lege, conseqüência desvantajosa para o autor.(2) E o Código Civil, em seu já citado art. 159 deixa claro que o principal efeito do ato ilícito é sujeitar seu autor à reparação do mesmo.

          Aí é que vem a pergunta principal: já que o dano moral é fundado em ato ilícito, eis que fere direito de outrem, deve o advogado representado perante Conselho da OAB ser indenizado a título de danos morais?

          A nós não parece que uma resposta afirmativa esteja de acordo com o direito vigente.

 

2. A REPRESENTAÇÃO É EXERCÍCIO LEGAL DE DIREITO?

          De fato, apesar de muitas vezes a representação causar problemas à imagem, ao crédito do advogado, quem a faz exerce seu direito — o direito de representar. Portanto, apesar de quaisquer danos que venha a experimentar o advogado, tal representação não configura ilícito, mormente por força do artigo 160 do próprio Código Civil.

          Art. 160. Não constituem atos ilícitos:

          I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. (…)

 

3. REQUISITOS DA OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR.

          Como um dos requisitos para que se configure uma obrigação de indenizar é o fato antijurídico(3), em não havendo tal, não se deve indenização. Mesmo tendo o dano sido comprovado, não há nem que se vislumbrar uma hipótese de dano moral, eis que um requisito essencial — fato antijurídico — não está presente.

 

4. MÁ-FÉ AO INTENTAR REPRESENTAÇÃO

          Por outro lado, se a representação for intentada com evidente intuito danoso, visando a lesão do patrimônio moral do advogado, sua credibilidade perante clientes, aí sim configurado está o ilícito. O exercício de um direito, embora possa gozar da mais ampla liberdade, não pode ir além de um justo limite. Por isso que todo direito acaba onde começa o direito de outrem.(4)

          Destarte, a representação contra advogado perante o Conselho da OAB, a menos que com evidente má-fé, o que necessita de prova, deve ser considerada exercício legal de direito. À representação que se vislumbra poder-se-ia equiparar a representação criminal, ou a queixa-crime. Sem dúvida são exemplos de exercício legal de direito; ou, se assim não o fosse, toda vez que alguém representasse criminalmente outrem, tendo a sentença final absolvido o réu, a este seria devida indenização a título de danos morais.

          Como já foi dito, mister se faz que haja prova inequívoca de má-fé por parte daquele que representa. Não havendo tal prova não há que se falar em ato ilícito.

 

5. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA.

          A doutrina mais respeitada já se pronunciou a respeito:

          "Porém, joirando as várias fórmulas, o abuso de direito, que dá causa à indenização, constituiu o exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos ou culposos, nocivos a outrem, contrário ao destino econômico e social do direito em geral e, por isso, reprovado pela consciência pública (Plínio Barreto, RT, vol. 79/506 — Carvalho Santos, Cód. Civil, vol. III, pág. 341; Clóvis Bevilacqua, vol. I, pág. 473 e Jorge Americano ‘Abuso de Direito’, pág. 8)" (in Apelação Cível n. 43.812, Rel. Des. Vanderlei Romer)

          Já se entendeu neste sentido:

          "Não configura ato ilícito, a ensejar indenização por dano moral, representação oferecida à OAB contra um dos seus membros, se ausente o propósito de ofender a honra do representado, constituindo tal prática exercício regular de direito" (Tribunal de Alçada de Minas Gerais — RT 707).

          "Responsabilidade civil — danos morais e materiais — inocorrência — Representação contra causídico junto à Ordem dos Advogados do Brasil. A qualquer cidadão, por força de Lei Federal, é assegurado o direito de representação junto à OAB. O simples exercício desta faculdade, mesmo quando improcedente a demanda administrativa, não constitui abuso de direito capaz de justificar pleito indenizatório. Recurso improvido." (Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ap. Cív. 43.812, Capital. Des. Vanderlei Romer).

 

6. CONCLUSÃO

          Portanto, em não havendo má-fé no sentido de difamar o advogado através da representação administrativa, esta configura exercício legal de direito, o que, por ser ato lícito, não enseja responsabilidade civil, muito menos indenização por danos morais.

 

NOTAS

          1 – Carvalho Mendonça, Doutrina e Prática das Obrigações, vol. 2, n. 739.

          2 – Pontes de Miranda. Tratado de Direito Privado. 4ª ed. §28.

          3 – Fernando Noronha. Apostila de Responsabilidade Civil apresentada ao curso de graduação em Direito da UFSC. Item 7.7.

          4 – Carvalho Santos. Código Civil Brasileiro Interpretado. 14ª ed. Pág. 340.

 


Referência Biográfica

Eduardo Sens dos Santos  –  Advogado em Florianópolis (SC)

E-mail: eduardo_sens@yahoo.com

Justiça e Moral

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* Eduardo Sens dos Santos –

1. Introdução

          A discussão acerca da justiça e da moral tem ocupado o pensamento de filósofos, pensadores e juristas por todo o mundo. É uma questão que se refere diretamente ao sentido que cada pessoa dá à palavra. Diante disso, trata-se de argumentação difícil, pois, como exemplifica Jostein Gaarder em "O Mundo de Sofia", a mente humana é por demais complexa, sendo, portanto, mais complexo ainda definir seus limites (1).

          Neste estudo não se tem o objetivo de acabar de vez, ou esgotar o debate "Justiça e Moral". Busca-se sim, chegar a uma ponto de vista simples do significado de tais palavras no âmbito do Direito.

          Num primeiro plano, estuda-se separadamente os conceitos e tendências contemporâneas das palavras Justiça e Moral, para, na parte conclusiva, tratar, breve e simultaneamente, das deduções próprias sobre as obras consultadas.

 

2. A Justiça

          Kelsen (2) identifica a justiça como a felicidade social. Uma explicação que seria quase matemática se o sentido da palavra felicidade não fosse tão complexo quanto o de justiça. Desta maneira, deve-se, portanto, perquirir o sentido da palavra felicidade.

          Miguel Reale tenta esclarecer a relação entre o Direito e a felicidade em sua obra Fundamentos do Direito:

          "Se os homens fossem iguais como igual é a natural inclinação que nos leva à felicidade, não haveria Direito Positivo e nem mesmo necessidade de Justiça. A Justiça é uma valor que só se revela na vida social, sendo conhecida a lição que Santo Tomás nos deixou ao observar, com admirável precisão, que a virtude de justiça se caracteriza pela sua objetividade, implicando uma proporção ad alterum" (3).

          No entendimento, portanto, do Professor Reale, quando todas as pessoas atingissem a felicidade não haveria necessidade de Direito ou Justiça. Entendimento este que ouso divergir, baseado em Hans Kelsen, pois fica evidente não poder existir um ordenamento justo se o que é justo é o que traz a felicidade; e o que é felicidade para um, pode não ser para outro, e freqüentemente não o é.

          Por exemplo, quando duas mulheres brigam pela guarda de uma mesma criança. Se uma delas ficar com tal criança, a outra será infeliz. Caso nenhuma delas fique com o pedaço, ninguém ficará feliz. Assim, nenhum ordenamento pode garantir a justiça de modo que ambas as mulheres fiquem felizes.

          Deste modo, pode-se aferir que a felicidade, de acordo com Kelsen, depende da satisfação das necessidades, o que nenhuma ordem social pode garantir a todos.

          No entanto, certeira é a posição de Miguel Reale quanto às desigualdades humanas. Quando fala que ao se apreciar a natureza humana não devemos apenas atender ao que é idêntico em todos os homens, mas principalmente ao que lhes é diferente. (4)

          A par disso, a definição do filósofo inglês Jeremy Bentham, quando afirma que "uma ordem social justa é impossível, mesmo diante da premissa de que ela procure proporcionar, senão a felicidade individual de cada um, pelo menos, a maior felicidade possível ao maior número possível de pessoas" é de grande valia. Nesse ínterim, contudo, não se aplica ao valor felicidade nenhum sentido subjetivo. Fica clara a objetividade, haja vista pessoas diferentes terem concepções diferentes sobre o que seja felicidade.

          Kelsen afirma, ainda, que o conceito de felicidade deverá sofrer radical transformação para tornar-se uma categoria social: a felicidade da justiça. É que a felicidade individual deve transfigurar-se em satisfação das necessidades sociais. Como acontece no conceito de democracia, que deve significar o governo pela maioria e, se necessário, contra a minoria.

          Neste mesmo sentido, conceituando a Justiça, Miguel Reale escreve que a Justiça geral é a Justiça por excelência, tendo em vista que "o bem comum não se realiza sem o bem de cada homem e o bem de cada um não se realiza sem o bem comum" (5). Assim, considera-se o "bem comum" como o objeto mais alto da virtude da justiça, pois não pode tratar o direito de garantir todas as liberdades individuais em detrimento das liberdades comuns.

          Mas a justiça também depende de uma hierarquia de valores como, por exemplo, os valores vida e liberdade. Qual seria o valor hierarquicamente maior? Uns diriam ser a vida o bem supremo; outros argumentariam ser a liberdade o maior bem, posto que de nada valeria a vida sem liberdade. Neste sentido, poder-se-ia enumerar vários casos em que as hierarquias dos valores seriam diferentes, chegando-se à conclusão de Kelsen: "é nosso sentimento, nossa vontade e não nossa razão, é o elemento emocional e não o racional de nossa atividade consciente que soluciona o conflito". (6) Destarte, o juízo só é válido ao sujeito julgador.

          Outro ponto que se deve analisar é o da justiça como um problema de justificação do comportamento humano. É o caso de certos valores serem aceitos por todos dentro de determinada sociedade – a unanimidade sobre um juízo de valor existente entre muitos indivíduos não pressupõe a veracidade desse juízo, isto é, não pressupõe sua veracidade objetiva. Assim, dentro de uma sociedade, por exemplo, a pena de morte poderia ser aceita por todos, o que seria justo. Neste sentido, a justiça estaria justificando o comportamento humano, qual seja, de instituir a pena de morte; em outras palavras, seria justo o comportamento humano que fosse aceito na sociedade.

          Em se tratando de justiça, importante se falar do Direito Natural. Diz Kelsen: "a doutrina do Direito natural afirma existir uma regulamentação absolutamente justa das relações humanas que parte da natureza em geral ou da natureza do homem como ser dotado de razão" (7). Neste aspecto a natureza seria colocada como legislador, sendo que quando dela se fizesse uma análise cuidadosa, sempre se encontraria uma conduta humana correta, justa. Infere-se então, que se o Direito natural deve ser deduzido da natureza do homem enquanto ser dotado de razão, sem se considerar uma origem divina, tem-se um caráter racionalista. Este método não merece credibilidade pois a natureza não é dotada de vontade, não podendo prescrever qualquer comportamento humano definido.

          Hans Kelsen passa também pela discussão absolutismo e relativismo na justiça, ensinando que a razão humana só consegue compreender valores relativos. Logo, nunca se poderá ter um juízo de valor que declare algo justo sem se ter outro juízo que o considere injusto. "Justiça absoluta é um ideal irracional" (8). Não obstante, se numa hierarquia de valores, a paz social é o maior valor, a solução por ela fundamentada (pela paz social), é vista como justa.

          Miguel Reale reconhece que o valor-fim próprio do Direito é a Justiça, não como virtude, mas em sentido objetivo como justo, como ordem que a virtude justiça visa realizar.

          "Todo homem procura o seu bem e como o homem se destina à vida em sociedade, esta é, em um certo sentido, uma ordem na incessante procura do bem, isto é, de todas aquelas coisas que representam um meio para a satisfação dos fins inerentes à nossa natureza de homens, à nossa qualidade de pessoas". (9)

 

2. A Moral

          A palavra moral, para De Plácido e Silva, "designa a parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios de humanidade" (10).

          Num sentido amplo, moral é o conjunto de normas de comportamento, de procedimento, que são estabelecidas e aceitas segundo o consenso tanto individual, como coletivo.

          Para Giorgio Del Vecchio as ações humanas dividem-se em parte subjecti e parte objecti. A primeira diz respeito ao campo da moral, sendo a segunda relativa ao campo do direito. O autor insiste na distinção entre o aspecto exterior do direito (físico) e o aspecto interior (psíquico) da moral.

          Logo de início, portanto, depara-se com esta divisão que irá nortear toda a teoria de Del Vecchio em relação à moral e ao direito, tal seja: a moral ser parte do subjetivo do homem.

          Citando Cristiano Tomásio, Giorgio Del Vecchio concorda que a moral respeita apenas ao foro íntimo, enquanto o direito diz respeito ao foro externo. Discorda, entretanto, da afirmação de que apenas o Direito era coercível, ao passo que a moral não era, relacionando outras sanções inerentes à moral (remorso, sanção da opinião pública…). (11)

          A distinção entre o direito e a moral reside portanto, basicamente, no fato de que a moral impõe ao sujeito uma escolha entre ações que se pode praticar; mas que se refere somente ao próprio sujeito. O direito, é bilateral, pois refere-se ao foro externo do sujeito enquanto ser social. Este, por sua vez, não pode escolher entre obedecê-lo ou não.

          Ainda, para Giorgio Del Vecchio, a moral é unilateral e o direito bilateral. A unilateralidade da moral reside no seu efeito regulador, que só diz respeito ao próprio agente; por exemplo, somente a pessoa que tem como um valor moral a monogamia sentiria sua própria coerção (remorso etc.) perante a bigamia. Por outro lado, a bilateralidade do direito é clara, pois o comportamento do sujeito é sempre levado em consideração perante os outros.

          Kant defende a moral de modo a ser entendida como a diferença entre o "certo" e o "errado", ultrapassando a questão de sentimento, do que cada pessoa tem para si por certo ou errado. Neste ponto concorda com os racionalistas ao dizer que a diferenciação entre certo e errado é algo inerente à razão humana — todas as pessoas sabem o que é certo e o que é errado porque isso é inerente à razão(12).

          Ao argumentar sobre o "certo" e o "errado" Kant identifica uma lei moral universal que vale para todas as pessoas, em todas as sociedades, em todos os tempos. Ela não diz o que se deve fazer nesta ou naquela situação, ela prescreve o comportamento em todas as ocasiões.

          Portanto, de acordo com o pensador prussiano, a lei moral é um imperativo categórico. Categórico porque vale para todas as situações; imperativo porque é uma ordem, absolutamente inevitável.

          Uma das fórmulas do imperativo categórico de Kant é a que diz: devemos sempre agir de modo a podermos desejar que a regra a partir da qual agimos transforme-se em lei geral. Ora, se queremos agir de forma errada (errada perante a sociedade como um todo), devemos esperar que esta forma de agir se transforme em lei geral. Em último caso, a obediência à lei justifica-se pelo fato de ter sido criada pelo próprio homem, pois são os legisladores que se submetem à legislação (ou pelo menos assim deveria ser).

          Hans Kelsen considera o imperativo categórico uma fórmula vazia de justiça. Diz que ao examinarmos os exemplos concretos que Kant utiliza para ilustrar a aplicação do imperativo categórico, constataremos tratarem-se de regulamentos da moral tradicional e do direito positivo da sua época.

          Apesar disso, Kant, na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, delineia os conceitos de vontade e dever. Para ele, o conceito de dever contém em si o de boa vontade. Assim, com base no dever, Kant formula três proposições básicas: 1) a ação é moral quando praticada por nenhuma outra inclinação ou interesse, a não ser obedecer somente à lei do dever; 2) a ação é a que tem o seu valor não no propósito que com ela se quer atingir, mas na máxima que a determina; 3) dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. Desta maneira, Kant afirma que somente o impulso subjetivo que for compatível com a moralidade diz respeito à lei.

          Neste sentido, somente quando os homens fazem alguma coisa por considerar seu dever, sua obrigação seguir a lei moral, é que se pode falar de uma ação moral.

          Pode-se então concluir que o dever contém em si a boa vontade. É a única forma de objetivação da vontade em si mesma. Para Kant, portanto, o imperativo categórico corresponde ao dever.

          O pensamento Kantiano assevera que, afirmar que o homem é livre é admitir que o homem pertence ao mundo sensível e inteligível. O imperativo categórico se prende ao pressuposto de que o ser humano pertença tanto ao mundo sensível quanto ao inteligível. Se não pertencesse ao mundo inteligível, não haveria possibilidade de existir a lei moral, e conseqüentemente, o imperativo categórico, que é a razão pura tornada prática. Se não pertencesse ao mundo sensível não haveria sensibilidade, e não haveria um ser ao qual estabelecer um dever a cumprir.

 

3. Conclusão

          O tema escolhido, como já dito na parte introdutória, é deveras complexo, razão pela qual me restringi a conceituar a justiça e a moral, perante os grandes pensadores do direito, comparando-os.

          Com respeito à justiça, restou forte a conclusão de Kelsen: "é nosso sentimento, nossa vontade e não nossa razão, é o elemento emocional e não o racional de nossa atividade consciente que soluciona o conflito". A frase ajuda esclarecer o sentido da palavra justiça. A justiça é o que é justo ao emocional de quem julga.

          A moral, bem como a justiça, parece ser baseada nos mesmo pressupostos: só é moral do ponto de vista subjetivo de quem julga. Ou seja, pode ser moralmente certo a determinado sujeito matar o próprio filho, enquanto que para a sociedade em si tal atitude é totalmente hedionda. Se cada pessoa pudesse agir apenas de acordo com seus pressupostos morais, teríamos realmente o caos. Daí sobrevém, então o direito, que visando normatizar a moral dominante (o que nem sempre é seguido à risca), para que se tenha estabilidade social.

          Por fim, pode-se dizer que, tanto a justiça quanto a moral, têm caráter extremamente subjetivo, pois depende, tão-só, do juízo do agente a definição destes conceitos. Da mesma maneira, em relação aos fatos que serão julgados, o cidadão julgador terá sempre seus próprios juízos de valor.

 

NOTAS

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia : romance da história da filosofia. São Paulo : Companhia das Letras, 1995. Pág. 355.

KELSEN, Hans. O que é justiça? [tradução Luís Carlos Borges e Vera Barkow]. São Paulo : Martins Fontes, 1997.

REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3a ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1998. Pág. 306.

REALE, Miguel. Op. Cit. Pág. 307.

REALE, Miguel. Op. Cit. Pág. 309.

KELSEN, Hans. Op. Cit. Pág. 05.

KELSEN, Hans. Op. Cit. Pág. 21

KELSEN, Hans. Op. Cit. Pág. 23

REALE, Miguel. Op. Cit. Pág. 306.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 10. Ed. Rio de Janeiro : Forense, 1987.

DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Vol. II. 3a ed. corrigida e atualizada. Coimbra : Arménio Amado Editor, 1959. Pág. 93.

GAARDER, Jostein. Op. Cit. Pág. 344-364.

 

Bibliografia

ALTHOFF, Cláudia Regina. Direito e moral: uma breve reflexão. Revista Jurídica. Blumenau. nº 1/2. Pág. 155-169, 1997.

DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Vol. II. 3a ed. corrigida e atualizada. Coimbra : Arménio Amado Editor, 1959.

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia : romance da história da filosofia. São Paulo : Companhia das Letras, 1995.

GRAFF, Adelhard. A moral em Kant. Revista Jurídica. Blumenau. nº 1/2. Pág. 207-217, 1997.

HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1961.

KELSEN, Hans. O que é justiça? [tradução Luís Carlos Borges e Vera Barkow]. São Paulo : Martins Fontes, 1997.

REALE, Miguel. Fundamentos do direito. 3a ed. São Paulo : Editora Revista dos tribunais, 1998.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 22. Ed. São Paulo : Saraiva, 1995

 


Referência Biográfica

Eduardo Sens dos Santos  –  Advogado em Florianópolis (SC)

E-mail: eduardo_sens@yahoo.com

Assédio Sexual: um crime que ninguém quer ver

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* Maria Berenice Dias –

    Indispensável que primeiro se arroste a realidade: 31% das brasileiras assediadas sexualmente perdem o emprego, 30% se calam e apenas 2,6% vão à Justiça, segundo pesquisa realizada pela Revista IstoÉ e publicada em 21/4/99. Sem que se tenha um levantamento sobre o resultado dos processos, inquestionavelmente o número é escasso ou quase nulo, o que deixa à mostra que o assédio sexual, além de não ser criminalizado, não vem sendo punido sequer como delitos outros e nem na esfera civil.

    A necessidade de manter o emprego, a humilhação e o constrangimento levam as mulheres – pois elas são as grandes vítimas – a se calarem e não referir o ocorrido sequer no âmbito familiar, por vergonha de contar o que aconteceu.

    A dificuldade de denunciar, de ir atrás da Justiça decorre de um componente de ordem histórica e cultural, refletido no Código Civil, que é de 1916, e no Código Penal, de 1940. Face à sacralização do conceito de família com uma feição patriarcal, nítida era a hierarquização entre o homem e a mulher. A esta restava o reduto doméstico, com a única função de criar os filhos, enquanto o espaço público era reservado aos homens. A mulher casada tinha sua capacidade reduzida e era desprovida do direito de autodeterminar-se. Sendo considerada como propriedade do marido, devia a ele submissão e respeito. Estava sujeita a uma verdadeira servidão sexual, não podia manifestar qualquer resistência ao contato sexual nem manifestar prazer.

    De outro lado, a preservação da virgindade, como símbolo de castidade e honestidade, era atributo indispensável para o casamento. Assim, os contatos sexuais, ainda que consentidos, ao serem descobertos, eram denunciados como tendo ocorrido mediante violência, como delitos sexuais, com a finalidade de resgatar a reputação da família. Por tal, nos processos decorrentes dos crimes contra os costumes – como eram catalogados -, questionava-se a palavra da vítima, cuja credibilidade restava comprometida.

    Difícil era a aceitação da versão da mulher, valendo em dobro o depoimento do homem.

    Com a evolução da sociedade e a emancipação feminina, quer pelo surgimento dos métodos contraceptivos, quer por sua inserção no mercado de trabalho, veio a Constituição Federal decantar os novos direitos assegurados à mulher, que passaram a ter visibilidade e a ser considerados como direitos humanos. A mulher adquiriu a liberdade de escolher seus parceiros e de decidir sobre seu corpo.

    O aumento da participação da mulher no espaço público deveria colocá-la em condições de igualdade, não se refletindo no âmbito do trabalho as diferenças dos papéis existentes na sociedade, descabendo persistir qualquer resquício de submissão que envolva uma questão de poder.

    Porém, como os homens ainda predominam nas chefias das empresas públicas ou privadas, passaram eles a usar uma nova maneira de obter favores femininos: a ameaça da demissão, da não-ascensão profissional.

    Como o assunto ainda é tabu, as mulheres calam por medo de não serem acreditadas. Além da dificuldade de denunciar, é também difícil comprovar. É a palavra de um contra a de outro, um homem frente a uma mulher, um superior ante um subalterno. Ao depois, existe um grave preconceito de que houve provocação por parte da vítima, acabando-se por investigar o comportamento da denunciante. Confunde-se liberdade sexual com a eliminação do direito de escolha, não se atentando em que as mulheres, por serem livres, não são disponíveis para todos.

    O certo é que as mulheres se calam por falta de mecanismos e espaço social que empreste credibilidade às suas palavras. É mister que o conceito de honestidade feminina não mais seja vinculado à sua atividade sexual e que se passe a acreditar que, quando ela denuncia, é porque foi vítima.

    Assim, impõe que se criminalize o assédio sexual. Também indispensável que haja a adoção de políticas de orientação e prevenção, como forma de inibir os comportamentos indevidos. É importante que os departamentos de recursos humanos das empresas e órgãos públicos sejam capacitados para servir como consultores e orientadores, a estimular a denúncia de fatos que podem caracterizar qualquer espécie de constrangimento ou aproximação indesejada.

    Por enquanto, a única lei que vigora é a lei do silêncio.

   


Referência Biográfica

MARIA BERENICE DIAS  –   Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, sendo Presidente da 7ª Câm. Cível; Membro efetivo do órgão especial do TJ, Professora da Escola Superior da Magistratura, Vice-Presidente Nacional do IBDFam.

www.mariaberenice.com.br

A hierarquia da lei complementar

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza –

          Propõe-se, no presente estudo, a abordagem de tema que capta intensamente a atenção dos doutrinadores pátrios: a existência de hierarquia entre lei complementar e legislação ordinária. Os estudos desenvolvidos sobre o tema conduzem a conclusões divergentes. Respeitáveis estudiosos do Direito utilizam-se de louváveis supedâneos técnicos no patrocínio de seus conflitantes entendimentos.

          Diante de tal fato, a questão reveste-se de maior complexidade; na medida que existem argumentos relevantes a corroborar, tanto com o posicionamento a favor da observância de hierarquia entre as aludidas espécies legislativas, quanto com o pensamento em contrário. Não se limitará, todavia, nesta análise, ao elenco das diversas teses, desenvolvidas na doutrina nacional. Posição esta que, evidentemente, implicará na recepção de determinada linha de raciocínio.

          O processo de inserção de lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro distingue-se, daquele referente à legislação ordinária, somente, no que cerne ao quorum exigido para a aprovação do projeto correlato, nas duas casas legislativas, que compõem o Congresso Nacional. Para a anuência de norma extravagante impõe-se a maioria simples, a qual se perfaz com número de votos correspondente a qualquer fração superior à metade dos presentes à sessão. A aceitação de proposta de lei complementar, contudo, subordina-se à aquiescência da maioria absoluta dos membros, a qual se obtém com a manifestação positiva de mais da metade dos componentes de cada plenário.

          Ao preceituar que determinada matéria dever ser tratada em lei complementar, o Constituinte, em constatando previamente a relevância da questão, impõe maior grau de dificuldade para a aprovação. Com tal medida, tem-se o escopo de se intensificar o comprometimento, o envolvimento e a participação dos congressistas, no processo de discussão e aprovação dos documentos legislativos, dos quais emanem intensas ressonâncias na ordem social, política ou econômica.

          Demonstra-se oportuna, no presente estágio da análise, a elaboração de considerações acerca de outra celeuma, que enseja conflitos doutrinários. Em vários trechos do texto constitucional, utiliza-se o termo "lei", desprovido de qualquer qualificação. Tal fato para juristas, como Paulo de Barros Carvalho(1), implicaria na possibilidade de que, nos casos em que a "grandeza do tema" assim exigisse, o legislador poderia tratar a questão, através de lei complementar. A estipulação das questões que suscitam a formulação de lei complementar, contudo, resulta de uma avaliação axiológica, por parte do legislador constituinte, conforme já foi frisado. Coube a este a tarefa de prever, no texto do diploma legal máximo, os temas que, em face da importância dos mesmos para o ordenamento jurídico, seriam postulados, por meio de lei complementar. Não se confere ao legislador ordinário, nem ao intérprete da norma, o poder de ampliar a enumeração exaustiva dos casos que ensejam lei complementar, por meio de nova análise valorativa da matéria a ser regulamentada. Caso se entenda que determinado tema deve ser tratado em lei complementar e isso não se encontra previsto na Carta Magna, existe o recurso à emenda constitucional. Hipótese esta, cuja execução não se julga adequada, diante do já extenso número de emendas e da patente desproporcionalidade, na situação em estudo, entre os esforços necessários para a alteração do texto constitucional e o resultado prático decorrente.

          Há de se observar, ainda, que no exercício da atividade legislativa, o agente competente, ao traçar os ditames legais norteadores de determinada matéria, usualmente, incide sobre questões que não são próprias da temática principal. Em se verificando hipóteses em que matérias diversas das previstas na Constituição são abordadas no conteúdo da lei complementar, os preceitos correlatos devem ser considerados como norma ordinária. Em decorrência disso, estes dispositivos revogam os preceitos da lei anterior, naquilo que esta disponha de forma diversa daquela. Além disso, os ditames da lei complementar podem, no caso em tela, ser revogados por norma ordinária superveniente.

          Pode-se extrair do acima exposto que a caracterização de lei complementar vincula-se às imperativas adequações de forma e de conteúdo. Na falta de um desses pressupostos não há de se considerar determinado instrumento legal como lei complementar.

          Com base em tais assertivas, pode-se conduzir à conclusão do saudoso doutrinador Geraldo Ataliba, o qual assevera, em sua obra "Lei Complementar na Constituição", que "a lei complementar fora de seu campo específico –que é aquele expressamente estabelecido pelo constituinte– nada mais é que lei ordinária." (2).

          Ao citar o ensinamento acima exposto, em artigo de sua autoria, intitulado "Posição Hierárquica da Lei Complementar", o mestre Hugo de Brito Machado manifestou sua absoluta rejeição aos mesmos. Segundo este ilustre doutrinador, este pensamento "presta-se para desprestigiar a lei complementar, reduzindo-lhe o âmbito de sua supremacia relativamente à lei ordinária, e compromete a segurança jurídica, na medida em que torna questionável, em muitos casos a superioridade hierárquica da nova espécie normativa." (3).

          Ousa-se discordar das palavras deste eminente jurista. A princípio, há de se contestar a pretensa superioridade da lei complementar, em face da legislação extravagante. Adita-se que eminentes estudiosos do Direito, como Ives Gandra da Silva Martins e Raul Machado Horta, coadunam-se à corrente, defendida por Hugo de Brito Machado. Contrariando os ensinamentos destes renomados operadores do Direito, na presente exposição, entende-se que para se estabelecer gradação hierárquica entre modalidades de instrumento legal, faz-se imprescindível a inserção, na universalidade de preceitos da norma proeminente, das diretrizes que conferem validade à espécie normativa subjugada.

          Com o escopo de conferir contornos sólidos, acerca dos requisitos necessários para a caracterização de desnível hierárquico, compilar-se-á a palavra do jurista Celso Ribeiro Bastos, sobre a questão. Tal estudioso do Direito ressalta que "na hierarquia o ente hierarquizado extraí a sua existência do ser hierarquizante, (…) a espécie inferior só encontra validade nos limites traçados pelo superior." (4). Encontra-se o patrocínio de tese uníssona à ora explanada, na respeitável obra doutrinária de Michael Temer; o qual afirma que "hierarquia, para o Direito, é a circunstância de uma norma encontrar sua nascente, sua fonte geradora, seu ser, seu engate lógico, seu fundamento de validade, numa norma superior." (5). Com supedâneo em tais ensinamentos, verifica-se a inexistência de hierarquia entre lei ordinária e complementar. Obtém-se tal conclusão ao se considerar que tratam-se, ambas, de espécie normativas, cujos contornos essenciais são ditados na Constituição; sendo que, não se insere no conteúdo de nenhuma das mesmas o fundamento de validade da outra.

          Ressalta-se, que são expressamente indicados na Constituição, os temas a serem postulados, por meio de lei complementar. Tal conjunto de matérias não pode ser objeto de lei extravagante, sob pena de se recair em inconstitucionalidade. No caso de invasão do campo destinado à legislação ordinária, por meio da edição de lei complementar, conforme já exposto, esta é tratada como norma extravagante. Em se assimilando tais assertivas, os campos de atuação de tais modalidades normativas demonstram-se perfeitamente distintos. Constatação esta que torna inviável suposto conflito entre tais espécies normativas e exaure o interesse pragmático nos estudos sobre a gradação hierárquica entre lei ordinária e complementar.

          Torna-se imperioso enfatizar, por fim, que a linha de raciocínio defendida no presente estudo não representa, em absoluto, ameaça à segurança jurídica. Ao contrário, ao se defender o respeito ao campo destinado na Carta Magna, tutela-se o imperioso respeito ao campo de atuação reservado à lei complementar no texto constitucional, base de sustentação de todo o ordenamento jurídico pátrio.

 

NOTAS

CARVALHO, Paulo de Barros: Curso de Direito Tributário. 7ª edição, São Paulo: Saraiva, 1995, p.136.

ATALIBA,Geraldo: Lei Complementar na Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1971; p. 36.

MACHADO, Hugo de Brito. "Posição Hierárquica da Lei Complementar". Revista Panorama da Justiça. Ano 4, nº 23. São Paulo, 2000, p. 20.

BASTOS, Celso Ribeiro: A inexistência de Hierarquia entre Lei Complementar e as Leis Ordinárias. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: RT, vol. 26/19-20.

TEMER, Michel: Elementos de Direito Constitucional. 16ª edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2000; p. 146

 


Referências Bibliográficas

Marcos Antonio Cardoso de Souza  –  Bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife
 
E-mail: souzamac@uol.com.br

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Visão hodierna dos contratos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH)

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza –

         As ações judiciais movidas pelos mutuários, que têm como objeto as cláusulas dos financiamentos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), multiplicam-se vertiginosamente nos órgãos jurisdicionais competentes. Nestas lides, a Caixa Econômica Federal (Caixa), por ser a gestora dos recursos do SFH, configura como sujeito passivo.

          O grande número de litígios e as óbvias implicações dos mesmos na condução dos contratos do SFH atraíram de forma substancial a atenção da imprensa. A abordagem da mídia sobre a questão, contudo, nem sempre se reveste do necessário embasamento econômico e jurídico. A complexidade que cerca a problemática inviabiliza a emissão de qualquer parecer, em benefício de quaisquer dos pólos da relação contratual, sem que se proceda uma análise precisa dos instrumentos legais que regulam a matéria. Há de se considerar, também, as influências da conjetura econômica do país.

           Antes de se dar continuidade à presente análise, faz-se indispensável acentuar que não se objetiva o patrocínio dos interesses de nenhuma das partes envolvidas. Pretende-se somente elencar dados relevantes sobre a questão, inseridos no atual quadro econômico, de forma desprovida de qualquer parcialidade.

          Isto posto, a princípio, deve-se acolher o entendimento de que as condições impostas aos mutuários, hodiernamente, demonstram-se insuportáveis. O valor das prestações vem onerando de forma crescente a renda familiar dos devedores do SFH. Além disso, o montante do saldo devedor não sofre uma amortização que conduza à extinção da dívida no prazo previsto. Para agravar ainda mais o quadro, o país encontra-se imerso em profunda recessão e as estatísticas indicam altos índices de desemprego. Ao se direcionar os efeitos de tais indicadores econômicos aos financiamentos do SFH , constata-se, como conseqüência imediata e inevitável, o aumento da inadimplência. A impontualidade do pagamento, por sua vez ocasiona a incidência de juros moratórios, dentre outros, que dilatam, ainda mais, o valor da dívida.

          A notoriedade da difícil situação dos mutuários, como suso revelado, torna desnecessário o prolongamento de sua exposição. No que cerne à apuração da responsabilidade da Caixa, entretanto, vincula-se nos meios de comunicação, que a culpa integral pelo presente cenário reside na imperícia da referida instituição financeira no cumprimento das funções a ela atribuídas. Acontece que tal acusação não pode subsistir, sem que se indique os necessários supedâneos técnico-jurídicos a lhe oferecer suporte.

          Os contratos, cujas prestações estão sendo submetidas à apreciação do Poder Judiciário, consistem naqueles regidos pelos Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional, PES-CP,(Lei nº 8.004/90 e 8.100/90) e Plano de Equivalência Salarial por Comprometimento de Renda, PES-CR (Lei nº 8.692/93). Assim, nos contratos assinados nas condições do PES-CP, as prestações só poderiam sofrer elevação no caso de ocorrência de aumento salarial para a categoria profissional do mutuário. Já nos contratos, em que se inseriu as normas do PES-CR, as prestações não poderiam comprometer o rendimento do devedor em níveis superiores à 30% (trinta por cento).

          A correção do saldo devedor representa o ponto de interseção entre essas duas modalidades de financiamento. Em qualquer dos instrumentos, o valor da dívida submete-se aos mesmos índices de atualização aplicados sobre a fonte dos recursos do empréstimo. Como os empréstimos do SFH têm lastro nas contas do FGTS ou na caderneta de poupança, deve-se fazer incidir sobre o saldo devedor o índice aplicável sobre estes fundos. Elucida-se que todas as instituições financeiras aplicam sobre a poupança a TR e juro de 6% ao ano; enquanto para o FGTS, TR e juro de 3% ao ano. A determinação contratual que atrela a dívida aos índices correspondentes do lastro da operação demonstra-se coerente, haja visto ser imperativo, que a mesma recupere o valor liberado no empréstimo acrescido da correção da poupança ou do FGTS, conforme o caso. Cabe ressaltar ainda, quanto à questão, que o titular da poupança e do FGTS percebe os valores decorrentes dos rendimentos inerentes a estas contas; sendo a Caixa a responsável por estas quantias adicionais.

          Decorre, dessa maneira, que, ao se atrelar o débito do financiamento aos índices do citado fundo, em respeito à previsão contratual, a Caixa não obtém nenhuma vantagem econômica. A remuneração do ente bancário é obtida mediante a apuração dos juros pactuados no contrato.

          Ações na justiça são propostas, com o escopo de se obter a declaração de nulidade das cláusulas que inserem a forma de correção do saldo devedor. Fundamenta-se tal pedido na alegação de que a imposição dos índices de reajuste contraria princípios do direito contratual.

          Nos julgamentos acerca da regularidade da atualização do valor das dívidas com base na TR, que corrige a poupança, revela-se clara divergência jurisprudencial. Com o objetivo de evidenciar a existência de decisões conflitantes, mencionar-se-á uma série de acórdãos de órgãos jurisprudenciais distintos e de diferentes instâncias. O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela legalidade da aplicação da TR nos contratos do SFH, quando a matéria foi suscitada no Recurso Especial de número 1998/0030135-6. De forma diversa, os membros do Supremo Tribunal Federal, ao proferir decisão para a ADIN-493/DF, entenderam ser inconstitucional a imposição do citado índice. No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, a questão também não se demonstra pacífica. A título de ilustração, no Tribunal Regional Federal da 1º Região; existem, registros jurisprudenciais, que consagram a adequação da incidência da TR sobre os financiamentos do SFH (TRF 1º Região – AC 1999.01.00.019101-0 – BA – 3ª Turma – Rel. Juiz Orlindo Menezes – DJU 18.12.1998 – p. 1435) e outros que determinam o contrário, ou seja, sua inaplicabilidade sobre o saldo devedor (AC. 96.01.47386-6/GO, p. 43, j. 02.06.98, unânime).

          Faz-se oportuno, em benefício de uma análise desprovida de posicionamento tendencioso, atentar-se novamente para a situação dos mutuários. Os devedores do SFH, mesmo pagando os encargos devidos, não conseguem sequer diminuir de forma considerável o valor total do débito, por força da incidência da TR sobre a dívida. Para que se adquira noção do caráter nocivo desta taxa para os empréstimos do SFH, proceder-se-á breve exposição dos motivos de sua criação.

          Com a implantação do Plano Real, a inflação sofreu uma redução gradativa, fato este que beneficiou vários setores produtivos. Em contrapartida, a poupança, que no período inflacionário representava recurso a impedir a perda do valor aquisitivo da moeda, apresentou queda significativa no volume de investimentos. Tal indicador consiste,para qualquer nação, uma ameaça à estabilidade das contas do Estado; uma vez que o montante depositado na poupança é repassado para o Governo. Isto significa dizer que, em um país que apresenta elevados recursos nas contas da poupança, o Estado dispõe de recursos a custos (juros) mais baixos, do que daqueles angariados por outros meios viáveis. Destarte, a diminuição do interesse, do apelo, popular pela poupança, teve implicações diretas nas finanças estatais.

          Diante deste quadro, o Governo, através da Lei nº 8.177/91, editou normas para a estipulação de um índice que revitalizasse a poupança: a TR. A mesma, justamente por sua função teleológica, excede a simples correção monetátia, a fim de oferecer benefício ao poupador e, assim, incentivá-lo a fazer uso desta modalidade de investimento. Acontece que, ao se privilegiar o titular da poupança, onerou-se excessivamente o mutuário do SFH, já que a dívida deste se encontra vinculada aos índices da poupança e, consequentemente, do FGTS.

          Com a finalidade de se compreender tal fato esdrúxulo, deve-se considerar as constantes e inaceitáveis variações na política salarial do país. No momento da celebração dos contratos, no início da década de noventa, as categorias profissionais recebiam aumentos periódicos, para compensar as perdas decorrentes da inflação. Atualmente, contudo, devido à recessão econômica e à política governamental, há anos não são atribuídos aumentos salariais substanciais aos trabalhadores, do setor público e da grande maioria do setor privado.

          Com relação aos financiamentos do SFH, os reflexos destas alterações, que resultaram na estagnação dos salários, são facilmente identificados. Conforme anteriormente exposto, as leis que regiam tais empréstimos vinculavam o reajuste das prestações aos aumentos salariais da categoria profissional do mutuário ou a percentual de comprometimento da renda do mesmo. Se as regras salariais não tivessem sofrido alteração, a variação do salário, e conseqüente alteração do valor da prestação, poderia acompanhar a correção da poupança ou do FGTS, de acordo com o caso. Cumpre observar que obviamente os termos contratuais foram elaborados com base na realidade político-econômica do país à época da promulgação das leis, que determinaram o conteúdo das cláusulas. As modificações na política salarial e na economia brasileiras, realizadas ao longo dos anos seguintes à assinatura dos contratos, provocaram efeitos danosos ao equilíbrio das relações contratuais.

          Em função da inércia dos salários, as prestações restariam congeladas; enquanto o saldo devedor, em contínuo crescimento, por estar, o mesmo, atrelado à correção do fundo lastrador correlato.

          Como tentativa de contornar a questão, a Caixa, considerando que, nos contratos em tela, a prestação deveria ser relacionada com o saldo devedor, promovia a alteração do PES-CP e do PES-CR pelo SACRE, nos caso de assinatura do termo de renegociação da dívida. Mediante esta sistemática, a Caixa efetiva reajustes anuais nas prestações, visando possibilitar a amortização da dívida.

          Ao elevar as prestações, sem anterior aumento dos rendimentos dos mutuários, o mencionado ente bancário compromete de forma insuportável estes devedores, o que tem ocasionado uma avalanche de processos em razão desta conduta.

          Em resumo, há de se apreciar dois aspectos referentes aos empréstimos em questão: o índice da poupança e a política salarial. A instituição da TR, taxa fixada em índice acima da inflação, em conjunto com a paralisação dos aumentos salariais, provocou o atual e preocupante quadro.

          Quanto às prestações, os mutuários estão recorrendo à justiça com o escopo de lograr a redução dos valores cobrados. A análise da questão, todavia, revela que o acolhimento judicial de tal pretensão não seria benéfico para nenhuma das partes litigantes. Se for determinada a diminuição das prestações, para o valor cobrado na data da verificação do último aumento salarial, a dívida assumiria caráter perpétuo. O montante da prestação, neste caso, não possibilitaria a amortização do saldo devedor. Assim, mesmo na hipótese de que o mutuário honrasse em dia seus pagamentos, sua dívida só se dilataria.

          Também para a questão da forma de atualização do saldo devedor, não se vislumbra meio idôneo a dirimir o conflito de interesses entre a instituição bancária e os devedores. Se por um lado, os mutuários são submetidos à aplicação de índice especulativo sobre o débito. De outro, a incidência da TR, revela-se indeclinável para a estabilidade financeira do SFH e, consequentemente, da Caixa.

          Em respeito ao que se comprometeu com a presente exposição, não se indicou na mesma a solução para a celeuma, ou se protegeu uma parte em detrimento da outra; mas tão somente se elencou aspectos relevantes sobre a questão.

          Há de se aditar ao final nota a lamentar o fato de que, em um país como o Brasil, no qual existe um gigantesco déficit habitacional, os financiamentos do SFH estejam inseridos em um contexto tão caótico. Tais empréstimos são obtidos mediante juros subsidiários, em nome da função social dos mesmos. Mesmo assim, encontra-se estabelecida a discussão judicial acerca da regularidade das condições contratuais. Cabe aos jurisprudentes a emissão das decisões definitivas acerca do problema, para que se conduzam os casos concretos a um desfecho em consonância com a vigente noção de justiça

 


 
Referências Bibliograficas
 
Marcos Antonio Cardoso de Souza
  –  Bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife 
 

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A legislação e a Internet

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* Marco Antonio Cardoso de Souza –

         Trata-se de característica fundamental do ordenamento jurídico, o dinamismo de seus preceitos, que permite a adequação das normas jurídicas às constantes evoluções nos diversos campos da atividade humana. Seria temerário se o Poder Legislativo restasse inerte aos relevantes fenômenos sociais; por não editar os ditames legais a reger as novas situações de fato.

         Ressalva-se que, evidentemente, seria impossível abranger no texto legal todos casos que se possam verificar em concreto. Por este motivo, nos casos de lacunas na legislação, o próprio ordenamento dita os meios a supri-lo; uma vez que o judiciário não pode escusar-se de apreciar a questão sob a alegação de falta de disposição legal quanto à matéria. Não se demonstra coerente, porém, que os operadores do direito vejam-se obrigados a utilizarem, por longo lapso temporal, as fontes subsidiárias para a resolução das celeumas. A necessidade de criação da norma pode ser indicada por diversos fatores, dentre estes, a conjectura econômica, política ou social do país.

         Diante destas considerações iniciais, propõe-se breve análise da atuação do legislador pátrio, no que se refere a das maiores revoluções na comunicação em toda a história da humanidade: a Internet. Recente lei (L. nº 9.800/99) preceitua sobre a possibilidade do envio de petições para o Poder Judiciário, através de mensagens eletrônicas. Encontra-se, também, em tramitação no Congresso Nacional, projeto de lei (nº 1589/99), o qual versa sobre o "spam", ou seja, mensagens indesejadas ou não solicitadas, via "e-mail". O conteúdo do referido projeto de lei revela-se satisfatório; já que determina que aqueles que optarem por esta modalidade de envio, devem informar sobre o que a mensagem aborda. A breve recepção do citado projeto no ordenamento jurídico demonstra-se salutar; na medida que, observa-se atualmente a proliferação do acesso gratuito à rede mundial. Revela-se notório que a percepção dos lucros por parte das empresas que disponibilizam este serviço dar-se-á por meio da vinculação de propaganda. Assim, nada mais conveniente do que regularizar a forma de envio das mensagens aos usuários da Internet.

         O Projeto de Lei nº 22 do Senado dispõe acerca dos documentos produzidos e armazenados em meio eletrônico. Outro Projeto de Lei, PL nº 148, trata da assinatura digital e fatura eletrônica. Os temas de ambos os Projetos de Leis correspondem a aspectos fundamentais para a validade jurídica dos documentos formulados e subscritos na Internet.

         As medidas do legislativo, adotadas até o momento, contudo, revelam-se absolutamente insuficientes para atribuir solidez às relações travadas por meio da rede.

         Certo que diversos diplomas legais podem ser perfeitamente aplicáveis nas relações em tela. A título de ilustração, cita-se o Código de Defesa do Consumidor e as regras de direito autoral. A tendência mundial, entretanto, consiste na formulação de regras específicas; uma vez que os países desenvolvidos, bem como os vizinhos argentinos, já possuem regras jurídicas próprias para os serviços "on- line".

 

         Em excelente artigo intitulado "A Lei e o Comercio Eletrônico", o advogado Gustavo Testa Correia menciona: "há mais de 4 anos estão sendo realizados congressos com a participação de todos os setores da sociedade, dentre estes um comitê formado por 43 Estados norte-americanos e a American Bar Association (espécie de Ordem dos Advogados), objetivando, em conjunto, a elaboração do UNIFORM COMPUTER INFORMATION TRANSACTIONS ACT " (Lei Uniforme Para Transação de Informações no Computador). Intenta-se, através da elaboração da citada lei, não só a regulamentação dos atuais meios de exploração comercial da Internet, como também analisar as potencialidades do comercio eletrônico. Trata-se indiscutivelmente de proposta louvável por parte das instituições americanas acima citadas; mas se deve ressaltar a complexidade envolvida para a consecução plena dos objetivos apontados. As dimensões da rede mundial e a quantidade de informações nela contidas consubstanciam-se em empecilhos a um controle mais rígido das relações travadas em seu ambiente.A superveniência de normas com a função teleológica de impor uma maior fiscalização, um maior controle sobre as operações na Internet, pode resultar na ineficácia da lei correspondente; tendo em vista as características dessa forma revolucionária de comunicação. Em ocorrendo tal hipótese os esforços no sentido de a Web podem ser inúteis.

         Se positivos forem os resultados do aludido esforço conjunto das entidades dos EUA, poder-se-ia utilizar as conclusões obtidas como base para a formulação dos preceitos aplicáveis no território nacional. Em razão disto, parecer ser relevante o acompanhamento dos debates e a observação dos efeitos e a reação do meio correlato às soluções que surgirem da elogiável iniciativa americana.

         O crescimento da rede, a nível global, iniciou-se por volta de 1995 e, desde então, segue em contínuo e vertiginoso crescimento. Os dados estatísticos, veiculados nos vários setores da mídia, expressam a progressiva representatividade da Internet para o comércio mundial ("e-commerce"). Na era da globalização, profetiza-se como sendo, a "World Wide Web", a ferramenta do futuro. Destarte, as empresas de todos os setores da economia investem maciçamente na divulgação se seus produtos e serviços e na comercialização dos mesmos através da rede mundial de computadores.

         Cumpre acentuar que, no Brasil, a exploração da "Web" consiste em um mercado bastante promissor. O país apresenta um dos maiores contingentes de internautas de todo o mundo e um considerável número de usuários em potencial. Ao contrário do que ocorre em países europeus e asiáticos, nos quais existem resistências à aceitação da rede, em função da língua dominante no meio ser o inglês, não existe entre os brasileiros qualquer rejeição desta natureza. O principal empecilho à massificação da rede, na nação, continua sendo o elevado custo dos computadores e a baixa renda da maioria da comunidade. Tais fatores, porém, não prejudicam as perspectivas amplamente favoráveis ao desenvolvimento da Internet. Ameaça real as projeções positivas representa, a defasagem da legislação pátria com relação a dos demais países com expressão mercadológica internacional.

         No que cerne à tributação dos serviços e produtos disponibilizados no ciberespaço, vêm-se tentando fazer incidir a legislação fiscal vigente, fato este que gera inúmeras discussões sobre a regularidade desta exação. A princípio pode parecer favorável ao empresário a falta de disposição tributária quanto à Internet; já que seria possível a este se escusar do não-pagamento em face da falta de disposição expressa. Porém, com o contínuo desenvolvimento da Internet e, conseqüente, deslocamento de maciços investimentos para este setor, aumentará de forma crescente, o interesses dos entes estatais na tributação da atividades, ora em foco. Dessa forma, a falta de lei específica possivelmente concederia margem à incidência bitributação, bis in idem ou cobrança indevida de impostos, diante da incerteza sobre a titularidade da competência tributária para a taxação dos lucros da atividade, ora em apreço. Diante de tais questões, a incursão da celeuma na esfera do Judiciário será inevitável. Há de se considerar que, além de ser dispendioso e lento, o litígio causa constrangimentos para ambas as partes litigantes

         Outro ponto que merece destaque no presente estudo, refere-se aos crimes praticados através da Internet. Alguns dos atos ilícitos e típicos efetivados na rede podem ser caracterizados como um dos crimes previstos no vigente Código Penal. Recentemente, contudo, um preocupante ataque de "hackers", representou alerta para todos aqueles que investem seus rendimentos e a própria carreira na Internet. Mister torna-se a previsão legal da transgressão descrita. O ataque clandestino aos dados de uma empresa ou corporação pode ter implicações danosas um extenso número de indivíduos. Não há como qualificar de forma idônea a ação dos "hackers" com algum dos tipos penais inseridos no Código Penal. O legislador deve considerar o grau de ofensa da conduta correlata e cominar os limites da penalidade a qual será submetido o agente. Assim ao se estipular punição severa a estes criminosos, pode-se coibir a atuação dos "piratas da Internet".

 

         Em face do exposto, não pode, o Legislativo, omitir-se na regulamentação das relações celebradas por meio da Internet, nos mais diversos fins, para os quais a mesma vem sendo utilizada. A inexistência de leis extravagantes, inevitavelmente aumenta a incidência de lides, em face das imprecisões que ainda cercam a matéria. Com a normatização das operações em tela, atribuir-se-ia maior segurança às mesmas, fator que propiciaria a captação de novos investimentos para o setor. Além disso, os profissionais do direito não teriam que utilizar de criatividade e princípios gerais do direito para defender os interesses de seus constituintes, nas causas que versam sobre a rede mundial de computadores. Urge-se, assim, breve iniciativa das autoridades competentes; a fim de que, sejam elaborados e discutidos novos projetos de lei voltados à regência das operações via Internet, este inovador e fantástico veículo de informações.

 


Referência Biográfica
 
Marcos Antonio Cardoso de Souza
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Da utilização de normas do direito privado nas causas tributárias

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

           A relevância da questão, a ser objeto da presente análise, surge do reiterado emprego, por parte dos profissionais do direito, de dispositivos pertencentes ao campo do direito privado em lides tributárias, nos casos de omissão da legislação específica. Encontra-se alusão às normas civis em discussões de matéria tributária, em pareceres e instrumentos processuais disponíveis através da Internet ou nos meios jurídicos. Tal prática faz surgir a necessidade de uma apreciação acerca de sua idoneidade e legalidade. 

          Há de se iniciar o presente estudo com a recepção do posicionamento da impossibilidade, a princípio absoluta, de se adotar normas de direito privado para regular questões tributárias. Para que reste patente tal assertiva, torna-se imprescindível a formulação de breves noções de direito público e privado. O traço essencial para a distinção entre estes campos da ciência jurídica consiste na posição de superioridade conferida ao Estado, no conjunto de normas do direito público, sob a justificativa de que o mesmo representa os interesses de toda uma coletividade. Em contrapartida, no direito privado, os pólos da relação jurídica encontram-se em igualdade, determinada pelo princípio constitucional da isonomia.

          Isto posto, ao se analisar a própria essência dos preceitos de direito privado e tributário, nota-se a impossibilidade do vislumbre de qualquer ponto de intercessão no campo de aplicação de normas de fundamentos e escopos tão distintos. Os ditames legais de direito civil foram elaborados com o fim de regular as relações entre as pessoas físicas ou as jurídicas de caráter privado. A formulação do conteúdo das normas privadas preza pela igualdade dos indivíduos, sem qualquer consideração à supremacia do interesse coletivo, cuja tutela está resguardada mediante a coercibilidade dos princípios e leis do direito público.

          No Direito Tributário, ramo do direito público, o Estado interfere no patrimônio e na renda das pessoas físicas e jurídicas, mediante a cobrança de tributos, nos limites impostos pelo ordenamento jurídico. A concessão de tal poder aos entes estatais decorre da necessidade de se financiar os serviços públicos, os quais se revelam de fundamental importância para a consecução dos fins precípuos do Estado. Dessa forma, observa-se que os interesses envolvidos nos litígios de matéria tributária não se restringem àqueles inerentes ao ente público competente e ao contribuinte; uma vez que, os efeitos da decisão jurisdicional manifestar-se-ão em toda coletividade. Deve-se considerar que os membros da sociedade dependerem da prestação dos serviços essenciais. Constata-se, assim, a amplitude e relevância do direito tributário.

          Ao se assegurar a validade dos termos da legislação subjetiva civil, nas causas envolvendo tributos, estar-se-ia extirpando o poder de imperium do Estado e, conseqüentemente, o interesse público seria nivelado ao dos particulares. Com isso, a hipótese de utilização de dispositivos de direito privado em matéria tributária contrapõe-se aos princípios fundamentais do direito público, no qual se encontra inserido o direito tributário.

          Imperioso torna-se frisar que a tutela dos princípios próprios de cada campo da ciência jurídica adquire maior relevância, do que a defesa de normas isoladas; visto que, os mesmos concedem as diretrizes para elaboração de todo o sistema normativo correspondente. Assim, por não estarem em consonância com os princípios basilares da matéria jurídica, como o da supremacia do interesse da coletividade, as normas civis restam inadequadas a produzir qualquer efeito nas relações litigiosas travadas em questões tributárias.

          Os casos de verificação de lacunas na lei tributária, inevitavelmente, ocorrem na prática forense; já que, o legislador não esgota toda as possibilidades no texto legal. As omissões das normas tributárias pode ser supridas com a observância da analogia, da equidade e dos princípios de direito tributário e direito público. O Código Tributário Nacional, em seu art. 108, consagra tais fontes subsidiárias e dita a ordem em que as mesmas devem ser empregadas pela autoridade competente para a aplicação da legislação tributária.

          Cabe acentuar-se que nem mesmo mediante recurso às técnicas da analogia ou da equidade, viabilizar-se-ia a utilização de normas privadas em matéria tributária. A analogia, nas palavras do eminente doutrinador Marcus Cláudio Acquaviva em sua obra Dicionário Jurídico Brasileiro, trata-se de "operação que consiste em aplicar, a um caso não previsto, norma jurídica concernente a uma situação prevista, desde que entre ambos exista semelhança e a mesma razão jurídica para resolvê-los de igual maneira". Ocorre que as diferenças entre as relações de direito público e direito privado, já enfocadas anteriormente e que se manifestam até mesmo nos pólos processuais, impedem a obtenção, através da analogia, de um ponto comum na aplicação destas modalidades de lei.

          A equidade, em conformidade com a ordem de preferência estabelecida no suso indicado artigo do CTN, consiste em meio residual a suprir as lacunas da legislação tributária. Com isso, somente se todas as demais fontes demonstrarem-se falhas, pode-se fazer uso deste instituto jurídico. A definição de equidade, pode conduzir ao vislumbre da única possibilidade de utilização do direito privado, nas lides tributárias. Através da equidade, o jurisprudente pode e deve adequar a normas à situação concreta, com o escopo de se evitar injustiças. Destarte, transpondo esta noção para a matéria da presente análise, constata-se ser viável a argüição de preceitos do direito civil nas questões entre o Fisco e os contribuintes ou responsáveis pelos tributos, em casos nos quais a lei específica for omissa e todos os outros meios legais a supri-la foram inidôneos. A condição de validade para este fato excepcional seria a atuação do aplicador da norma, no sentido de moldá-la à relação tributária e às peculiaridades da mesma. Deve-se aceitar tal possibilidade, até mesmo, em benefício da certeza da prestação jurisdicional; uma vez que nenhum caso concreto poderá deixar de ser julgado por falta de dispositivo legal a regê-lo. 

          Reserva-se papel fundamental aos órgãos jurisdicionais, pois se assegura aos mesmos o poder de, em suas decisões, manifestarem-se pela impossibilidade da aplicar a lei civil em matéria tributária, com ressalva a exceção acima disposta. Com a consolidação deste julgamento nos tribunais pátrios, a questão adquirirá previsão jurisprudencial, o que servirá como fonte para acórdãos supervenientes. Dessa maneira, as decisões assumiram contornos satisfatórios e condizentes com as diretrizes básicas do direito tributário e do direito público.

          Se a jurisprudência dos tribunais superiores consagrar possibilidade em contrário, conceder-se-ia temerosa prerrogativa aos devedores do Fisco. Outra não pode ser a conclusão, na medida que, nesta hipótese, seria permitida a invocação de normas da lei substantiva civil, que não inserem a superioridade do Estado e do interesse público perante o particular.

          Faz-se referência, por fim, à alusão do art. 1º, da Lei nº 6.830/80, referente ao acolhimento, de forma subsidiária, dos termos do Código de Processo Civil, nos procedimentos de execução fiscal. Tal previsão não parece ocasionar nenhum prejuízo. Na falta de um diploma processual próprio, a lei adjetiva civil representa uma fonte hábil e adequada para reger o processo nas lides tributárias, naquilo em que a legislação extravagante revelar-se lacunosa

 


Referência Biográfica

Marcos Antonio Cardoso de Souza  –  bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife
 
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Cheque pré-datado: enfoque legal e moral

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

             A relevância da questão, ora proposta, subsiste em razão da corriqueira emissão de cheques, como meio a viabilizar compras à prazo. Esta forma de transação comercial encontra-se de tal maneira difundida nas relações de consumo, que representa uma das principais modalidades de parcelamento de débitos no comércio.

          Outro fator que comprova a consagração do cheque pré-datado, revela-se na propagação de empresas com o intuito precípuo de viabilizar, aos empresários que trabalham com os mesmos, permutá-los de imediato por dinheiro, em troca de desconto percentual sobre o valor do títulos. Faz-se referência às empresas de factoring. Atividade esta, altamente lucrativa, em razão do montante de recursos movimentados por meio de cheques pré-datados. Cabe neste momento ressalvar que tais entidades jurídicas têm várias obrigações legais para sua constituição e desenvolvimento. Acontece que, notoriamente, as empresas de factoring que deveriam desenvolver uma série de serviços, a fim de fomentar as atividades mercantis, atualmente, limitam-se a lidar com os citados títulos de créditos.

          Pode-se claramente observar, portanto, que os cheques pre-datados, além de amplamente difundido entre a população, também, são objetos de negociação de um representativo número de empresas no país.

          Tais dados, quando analisados de forma isolada não concederiam motivo para qualquer controvérsia, na medida que, através desta prática, estimula-se a circulação de riquezas e o desenvolvimento comercial. O cheque pré-datado consubstancia-se como forma hábil e ágil de concessão de crédito. Ao ser defrontar, porém, a emissão destes títulos com a legislação vigente, observa-se seu caráter ilegal.

 

          A Lei do Cheque, L. nº 7.357 de 2 de setembro de 1985, preceitua o seguinte em seu art. 32, in verbis:

          "Art. 32. O cheque é ordem de pagamento à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrato.

          Parágrafo único. O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação."

          A norma determina, com isso, que o cheque pode ser, a qualquer momento, descontado na entidade bancária corresponde. Destarte, a emissão de cheque pré-datado não tem qualquer suporte legal. Em face do dispositivo acima trascrito, a data expressa no documento, quando posterior ao dia de apresentação, não produz qualquer restrição ao imediato pagamento da quantia prevista no instrumento. 

          Todavia, em recente acórdão o Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de seus membros, (Resp 223486) julgou procedente ação de indenização movida por particular contra sociedade comercial, que descontou cheque pré-datado antes da data, previamente, estipulada. Em razão desta conduta, a emitente foi incluída em sistema de proteção ao crédito, sob a justificativa de o cheque não possuía a devida provisão de fundos.

          Trata-se de decisão polêmica, já que a parte ré foi condenada por ato, que, conforme anteriormente ventilado, admite-se como legítimo no ordenamento jurídico vigente. A lei concede ao portador do título a prerrogativa de, em observados os prazos para a apresentação, descontá-lo a qualquer momento.

          A manifestação do mencionado tribunal superior revela a ineficácia da norma que impõe a utilização do cheque como ordem de pagamento à vista. Além desta disposição ser inobservada de forma reiterada e habitual pela comunidade, a corte máxima para questões infraconstitucionais ora registra precedente jurisprudencial em absoluta oposição a tal preceito.

          Questionamentos podem ser formulados acerca da regularidade do posicionamento do STJ. Tal decisum, contudo, não se encontra eivado de vício; pois adequou-se, através do mesmo, a norma positivada à vigente noção de justiça. A justa prestação jurisdicional representa a razão de ser, a finalidade, o objetivo do direito. Não se pode, sob a escusa de uma obediência cega e irrestrita a legislação, macular os princípios de justiça.

          Ao disponibilizar compras por meio de cheques pré-datados, o comerciante, ou prestador de serviço, propõe e aceita utilização deste título para fins diversos daquele previsto na legislação. Dessa forma, observa-se ser totalmente incoerente e inaceitável que o mesmo pólo da relação ofereça, de forma desprovida de qualquer supedâneo legal, a possibilidade de pagamento mediante cheque pré-datado e, paradoxalmente, exija a observância da lei, no que diz respeito ao desconto correlato.

          Acentua-se, ainda, que aquele que recebe o cheque pré-datado compromete-se, moralmente, a somente apresentá-lo na data indicada no documento. Quando age de forma diversa do ajustado, o portador do cheque, frustrando expectativa do emitente, adota comportamento ardiloso, contrário aos preceitos morais e aos usos e costumes do comércio. Configura-se, nesta hipótese, traição à confiança depositada no detentor do título. Deste ato podem decorrem sérias conseqüências para o correntista, como a vexatória inclusão do seu nome no sistema de proteção ao crédito.

          Diante do exposto, urge-se um posicionamento expresso dos legisladores. Cumpre ao Poder Legislativo editar normas que regulem este costume comercial, que se reveste de incertezas e imprecisões. Deve-se analisar os benefícios e as temeridades da consagração legal do cheque pré-datado. A celeuma pode ser resolvida com a revogação das vigentes disposições atuais, ou com a manutenção das normas atuais; mas que, neste caso, cominem-se penalidades àquele que oferecer ou aceitar esta forma de pagamento. Faz-se necessário que, em sua decisão, o legislador pátrio considere a existência da, já mencionadas, empresas de factoring, as quais dependem dos cheques pré-datados para manutenção de suas atividades. Há de se ponderar, ainda, sobre a enorme incidência de operações mediante os cheques pós-datados, denominação esta preferida pelos doutrinadores. Dúvidas não subsistem com relação a um aspecto da questão, o legislador pátrio, em função da notoriedade da inobservância das regras enfocadas, não pode permanecer omisso

 


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Marcos Antonio Cardoso de Souza  –  Bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife
 
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Sigilo das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas e órgãos públicos

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

            Inicia-se a presente abordagem com menção aos recentes relatados da ação de "hackers", que se utilizam de recursos tecnológicos dos escritórios em que trabalham, como meio a viabilizar suas práticas condenáveis. Através dos computadores de empresas e órgão públicos, os mencionados criminosos invadem banco de dados, destroem arquivos e propagam vírus de efeitos devastadores.

            Diante destes precedentes, o acesso aos "e-mails" dos empregados das repartições representaria meio eficaz no auxílio à prevenção e detecção dos crimes praticados no ambiente virtual. Registra-se que, na Inglaterra, tal medida já se reveste de licitude.

            Em nosso país, iniciam-se as discussões, acerca da possibilidade jurídica de se conferir, através de instrumento normativo, prerrogativa aos responsáveis por empresas e órgãos públicos, no sentido de devassar o correio eletrônico de seus funcionários.

 

            Para a apreciação da matéria, ora sugerida, torna-se indispensável a análise de preceitos constitucionais, os quais se encontram inseridos no Título II, da Carta Magna, o qual é intitulado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais". Reservou-se tal seção do referido diploma legal para a tutela do particular contra a ação infundada, ou lesiva, do Estado e dos demais membros da coletividade. A tutela do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5° , XII, CF) representa dispositivo fundamental para a consecução de um Estado de Direto, com respeito às prerrogativas do indivíduo. Temerária, contudo, seria a hipótese em que esta garantia fosse imposta de forma absoluta. Os direitos individuais devem ceder em face de interesses mais abrangentes, que repercutem em toda a sociedade. Assim, a própria norma constitucional, in fine, prevê exceção (art. 5° , XII, parte final) à exigibilidade do sigilo dos dados mencionados.

            "Art. 5° . (omissis)

            (…)

            XII. é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;"

            Divergências doutrinárias existem quanto à amplitude da ressalva à garantia inserta na Carta Magna. Dúvidas, não subsistem, contudo, no que cerne à circunstância, em que tal hipótese pode ser aplicada: para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Tão-somente com este escopo, pode-se denegar a alguém o direito ao segredo das informações indicadas no texto legal.

            Tendo em vista os argumentos expostos, reveste-se de patente inconstitucionalidade, qualquer norma ordinária, que disponha sobre faculdade, atribuída de forma genérica às empresas, de violar o conteúdo das mensagens eletrônicas de seus funcionários. Ao se corresponder, por meio do correio eletrônico, o usuário do serviço compartilha, com o receptor, informações de cunho pessoal, as quais não podem ser violadas, sob pena de se incorrer em mácula ao direito de privacidade. A Lei Máxima tutela expressamente a intimidade e a vida privada, de cada indivíduo.

            "Art. 5° . (omissis)

            (…)

            X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"  

            Cumpre ressaltar que o estudo da questão não deve se limitar à interpretação dos ditames legais pátrios. Os problemas decorrentes da fabulosa e contínua expansão da Internet demonstram-se comuns a todas as nações. Com isso, não só é viável a realização de um esforço global; como também tal medida revela-se imprescindível, para a consecução de eficazes normas, a punirem os agentes dos denominados "ciber crime".

            Para se atestar a procedência da assertiva acima formulada, propõe-se a formulação de caso hipotético, com base em fato mencionado no início do presente texto. Legalizou-se na Inglaterra a violação das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas por seus patrões. Esta determinação tem a finalidade de facilitar o procedimento investigatório das transgressões, promovidas por intermédio da Internet. Acontece que, constata-se ser bem mais provável que os ataques aos computadores ingleses sejam originários de quaisquer outras localidades do mundo. Com isso, nas situações de maior incidência, as normas inglesas restariam inócuas; na medida que não se pode, a princípio, submeter os cidadãos de outras nacionalidades aos ditames legais da Inglaterra.

            Resta claro, portanto, que iniciativas isoladas de determinados países, provavelmente, produziram efeitos pífios, ou, até mesmo, nulos. Faz-se necessária a promoção de amplas discussões internacionais, as quais conduzam à assinatura de tratados, que versem sobre matérias relativas à grande rede.

            Ao se transpor a conclusão acima para o objeto desta exposição, verifica-se que, mesmo que se determine através de acordos multinacionais a possibilidade de se violar o conteúdo dos "e-mails" de um indivíduo, persistiria a inconstitucionalidade do dispositivo correlato. Isto decorre o fato de que tal dispositivo representaria exceção ao sigilo das correspondências, o qual se consubstancia em garantia fundamental do particular, prevista no diploma pátrio de máxima hierarquia. No que cerne à relação entre os tratados internacionais e os direitos e garantias, estipuladas no art. 5° , da Carta Magna , o legislador constituinte dispôs da seguinte forma

            "Art. 5° . (omissis)

            (…)

            § 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte."

 

            Desta forma, através da interpretação gramatical do dispositivo compilado, observa-se que, com o emprego da expressão "não excluem outros decorrentes (…) de tratados internacionais", concede-se margem à inclusão de direitos e garantias não previstas nos incisos do art. 5º, da Constituição Federal. Não se coaduna, contudo, com o teor do parágrafo acima, o estabelecimento, por força de instrumento de Direito Internacional, de restrições ao exercício das garantias fundamentais do indivíduo, tais como o sigilo de correspondência. As ressalvas, nesta esfera, somente se caracterizam como constitucionais, caso indicadas expressamente no texto da Lei Máxima.

            Em conclusão, revela-se incompatível com as hodiernas diretrizes do Direito nacional qualquer estipulação normativa, que venha a legalizar a quebra do sigilo das mensagens eletrônicas, dos funcionários de empresas e repartições, em circunstâncias diversas daquela prevista na Constituição

 


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Marcos Antonio Cardoso de Souza
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Lei dos genéricos: Implicações e perspectivas

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* Marcos Antonio Cardoso de Souza

          A vigência da Lei dos Genéricos (Lei 9787/99) demarca o início de uma nova fase para industria farmacêutica. Se as alterações promovidas pelas novas normas serão benéficas para os laboratórios e consumidores, não se pode afirmar com certeza. Pode-se, contudo, ao proceder a análise das implicações imediatas, delinear as perspectivas quanto à imposição das regras para a comercialização de medicamentos no país.

          Antes de se dar continuidade a análise, que ora se propõe, faz-se indispensável elucidar determinação do mencionado ditame legal, a qual, atualmente, vem sendo objeto de ampla discussão. Impõe-se, mediante a Lei do Genéricos, que o princípio ativo dos remédios seja indicado no rótulo e na embalagem do mesmo. Verificando-se ser imperativo que o nome genérico seja 50% (cinqüenta por cento) maior, no rótulo da embalagem, do que o nome de fantasia.

          Com relação às obrigações para o profissional da área médica, revela-se oportuna referência à nota oficial proferida pela Associação Médica Brasileira (AMB), a qual se manifestou acerca do assunto por intermédio de seu presidente, Eleuses Vieira de Paiva. Neste documento, publicado no respeitável periódico "Medicina – Conselho Federal" (Ano XIV, nº 111, novembro de 1999), delimita-se como obrigação ética e profissional do médico a prescrição de "medicamentos de qualidade, que garantam segurança ao paciente e a eficácia do tratamento". Antes da vigência da nova lei, no ato da consulta, o médico fazia referência ao nome de fantasia da droga. Agora, médicos e pacientes têm a disposição a alternativa de utilização dos genéricos.

          O enfoque da questão, com referência aos fabricantes de remédios, indica a existência de duas realidades e posicionamentos distintos. De um lado existe os grandes laboratórios; enquanto, no outro pólo, figuram, os fabricantes de menor expressão mercadológica. Aqueles observam a Lei dos Genéricos de forma absolutamente negativa. Fundamenta-se tal ponto de vista no fato de que a qualidade dos produtos decairia de forma temerária; vez que laboratórios de pequena dimensão, mesmo não dispondo de estrutura adequada para a manipulação dos remédios, teriam a oportunidade de obter maior notoriedade e, conseqüentemente, maior penetração popular. Deve-se considerar, ainda, que os "laboratórios de grife" destinam recursos substanciais para a pesquisa e aperfeiçoamento de seus medicamentos. Este fato, inevitavelmente, torna mais onerosa a produção e ocasiona a elevação do preço ao consumidor. A situação agrava-se ao se conceder relevo aos gastos com publicidade. Para que uma marca seja reconhecida pela população, surge a necessidade de investimentos destinados à propagação da mesma. Destarte, os fabricantes de renome não teriam como concorrer com os preços ofertados pelos pequenos produtores, que não possuem os aludidos custos adicionais.

          Os pequenos laboratórios, por sua vez, defendem a lei em questão e ressaltam que, através da mesma, viabilizar-se-ia considerável redução dos valores cobrados pelos medicamentos. Os grandes grupos e organizações restariam forçados a diminuir seus preços, em função da concorrência. Quanto a estas assertivas, não há como se contestar que, em uma economia de mercado, a concorrência trata-se de fator fundamental para o desenvolvimento harmônico do sistema produtivo e das relações de consumo. A título de ilustração, pode-se associar a livre concorrência com o combate aos cartéis, ou seja grupos restritos de produtores que, por meio de conluio, controlam de forma ardilosa e reprovável o valor venal dos produtos que fabricam. A conseqüência imediata desta prática se consubstancia na freqüente elevação dos preços, de acordo com os interesses dos partícipes dos cartéis.

          Recente pesquisa de mercado, vinculada nos meios televisivos, demonstrou que a diferença de preço do mesmo produto entre marcas diferentes chega a dimensão de 300% (trezentos por cento). Conclusões alarmantes são obtidas, também, ao se expor as estatísticas em que se relaciona o acesso aos remédios com o poder aquisitivo. Segundo pesquisa vinculada no já mencionado manifesto da AMB, apenas 15% (quinze por cento) da população, parcela esta composta por indivíduos que percebem mais de 10 salários mínimos mensais, consome mais da metade dos medicamentos. Decorre, com isso, que somente uma pequena parcela da comunidade dispõe de recursos financeiros para custar os necessários tratamentos medicamentosos, por força do elevado valor cobrado sobre os remédios. Diante de dados como estes, vislumbra-se a caracterização da lei, ora em estudo, como meio idôneo a atenuar as discrepâncias, indicadas nas pesquisas acima expostas.

          No que cerne aos aludidos efeitos sobre o preço dos produtos farmacêuticos, não subsistem meios a refutar a tese da redução dos valores cobrados ao consumidor. Tal implicação parece ser inevitável, em virtude da lei natural de mercado, segundo a qual o aumento da oferta, das opções de compra, provoca subsequente redução dos preços. O comprador poderá escolher entre as marcas que oferecem a substância (droga), da qual necessita para seu tratamento. Esta faculdade não era atribuída ao consumidor, na medida que, antes da vigência da Lei dos Genéricos, o médico indicava o produto pela marca e não pelo termo científico, conforme já ventilado.

          A alegação quanto a queda de qualidade, em decorrência da nova legislação, a princípio, não parece ser revestida de procedência; uma vez que haveria um rígido e constante controle por parte dos órgãos estatais responsáveis. Acontece que, nem sempre, a instituição de órgãos fiscalizadores representa uma garantia para os consumidores. Não são poucos, no passado da nação, os exemplos, que concedem margem a este fundado receio.

          No caso dos genéricos, contudo, as condições, que estão sendo impostas às empresas interessadas na comercialização dos mesmos, podem conferi-los confiabilidade e segurança. Exige-se, para a concessão do uso do nome genérico, que se procedam provas hábeis a demonstrar a bioequivalência e a biodisponibilidade da droga. A AMB define bioequivalência como sendo característica de produto que, em dosagens idênticas, produz os mesmos efeitos do medicamento original. Assim, relaciona-se a sua eficácia no combate à doença correspondente. Já a biodisponibilidade diz respeito à velocidade e à extensão da absorção pelo organismo, que devem ocorrer na mesma concentração verificada no produto de referência.

          Por fim, cabe acentuar a esperança de que os aspectos positivos da Lei dos Genéricos não se restrinjam à redução do dispêndio econômico dos consumidores; pois a manifestação isolada deste fenômeno pode não representar benefícios para os mesmos. Afinal, trata-se de questão de saúde coletiva e não de um simples produto de consumo. A qualidade dos medicamentos deve ser frequentemente fiscalizada, a fim de assegurar a confiabilidade nos mesmos. Em função da atuação deficitária dos órgãos governamentais, a população deve exercer seus direitos, adotando postura a exigir excelência dos produtos e a punição dos infratores da legislação em vigor

 


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Marcos Antonio Cardoso de Souza:   Bacharel em Direito em Teresina (PI), pós-graduando em Direito Empresarial em Recife

 
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