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Evolução da reparabilidade plena: atecnia do artigo 953 do Código Civil de 2002

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*Gustavo Passarelli da Silva –

A responsabilidade civil no direito brasileiro

            A responsabilidade civil é tema que ganha foro de amplitude em nosso direito, o que de certo modo já ocorria em países como a França e Alemanha desde tempos mais remotos.

            Com efeito, a criação da teoria da responsabilidade civil deve ser creditada, indiscutivelmente, ao direito francês, donde nossos legisladores sempre buscaram inspiração e mesmo auxílio para exercer o poder legiferante, valendo o mesmo para os pretórios, quando da solução dos casos concretos.

            Obviamente que para efeito de escorço histórico, em tempos antigos, o que prevalecia era a vingança generalizada, onde toda a coletividade se sentia lesada pelo ilícito a outrem, e por sua vez, causava dano de igual magnitude ao que foi provocado.

            Posteriormente, houve a vingança pessoal, onde a vítima poderia, em defesa da sua honra ou de seus direitos, fazer o que julgasse adequado com o devedor da obrigação inadimplida, ou ainda, com o causador do ato danoso.

            Com a evolução das relações sociais, notadamente a revolução industrial, o modelo até então utilizado não mais era satisfatório, razão pela qual se fez necessária a intervenção do Estado (Lei Aquilia), que avocou para si o direito de punir os infratores da lei.

            Inicialmente, a regra geral era da responsabilidade subjetiva, em que a prova da culpa era incumbência da vítima, partindo-se ao depois para a aceitação, em determinadas hipóteses, de uma presunção de culpa (que era a idéia original do artigo 1521 e incisos, combinada com a interpretação que em um primeiro momento poderia ser dada ao artigo 1523 do Código Civil de 1916), para modernamente falar-se na responsabilidade objetiva, onde o responsável somente se exime do dever de ressarcir se provar a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito ou força maior. Há ainda aqueles que preconizam, como Aguiar Dias, a teoria do risco-criado, uma espécie de responsabilidade objetiva ainda mais pujante.

            Por certo que existe a tendência, até certo ponto extremamente consonante com o ideal de justiça que informa o instituto, de se conceder a mais ampla indenização possível, levando-se ao ápice a aplicação do princípio de que nenhum direito lesado deve ficar sem a correspondente reparação.

            Vários são os exemplos criados, mas a própria orientação dada pela doutrina e seguida pela jurisprudência, no que diz respeito a interpretação dos dispositivos legais do Código de 1916 que tratam da responsabilidade civil, levam a crer que o caminho da reparabilidade plena e da responsabilidade objetiva como regra era inevitável.

            Tal assertiva é corroborada pela reforma implantada na atual sistemática, onde restou sacramentado, a contrario sensu do Código Civil de 1916, que a regra geral pode ser considerada como da responsabilidade objetiva, o que aliás já constava do Código de Defesa do Consumidor.

            De fato, referida tendência já se mostrava irreversível, de modo claro e insofismável, quando os doutrinadores e julgadores, diante da inexistência em nosso ordenamento jurídico de um dispositivo como o artigo 1384 do Código de Napoleão, por exemplo, tiveram de buscar amparo no artigo 17 Código das Estradas de Ferro, para impor a responsabilidade objetiva em acidente ocorridos nessa modalidade de transporte.

            A ousadia, para a completa satisfação de Aguiar Dias (ferrenho defensor da aplicação irrestrita da reparabilidade civil), restou caracterizada de forma incontroversa quando passou-se a invocar o artigo 17 do Código das Estradas de Ferro não somente em casos de acidente ocorridos em ferrovias, mas também em rodovias e nos mais variados meios de transporte, sendo uma demonstração de qual patamar pode ser atingido pelo exercício teleológico para a satisfação do direito dos jurisdicionados.

            Aceita-se, inclusive, como dá a entender Rui Stoco, dentre outros, que nos casos de acidente de trabalho, ainda que se trate de responsabilidade contratual (artigo 186 da Lei 10.402/02, portanto, que depende da prova de culpa ou dolo), deva tratar-se objetivamente a obrigação de indenizar. Da mesma maneira na responsabilidade médica, em caso de intervenções cirúrgicas estéticas.

            Prova inconcussa de que a reparabilidade plena era o status buscado pelo nosso direito vem da interpretação dada pela jurisprudência e doutrina ao artigo 1521 e incisos, combinada com o artigo 1523 do Código Civil de 1916, ao tratar da responsabilidade por atos de terceiros.

            Inegável que a interpretação literal desses comandos legais não deve ser outra a não ser de que se trata de responsabilidade subjetiva, especialmente pelo que diz o artigo 1523, ao estabelecer que "Excetuadas as do art. 1.521, V, só serão responsáveis as pessoas enumeradas nesse e no art. 1.522, provando-se que elas concorreram para o dano por culpa, ou negligência de sua parte."

            Todavia, como a exegese literal dos artigos que tratam da responsabilidade por ato de terceiro mostrou-se de todo insatisfatória no campo prático, dado que era impossível em muitos casos fazer prova da culpa e da negligência (como se essa última não fosse parte integrante da primeira) do responsável pelo ofensor, e por conseguinte, não conceder a reparação almejada, não houve outra solução a não ser a criação de nova interpretação, transmudando a responsabilidade para objetiva, valendo lembrar o saudoso WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, que considerava não escrito o artigo 1523 do Código Civil.

            Referido entendimento veio a ser consolidado pelo Código Civil de 2002, que em seu artigo 933 dispõe que As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos."

            Os comentários feitos nos parágrafos acima são de relevo, pois torna-se necessário explicitar a clara tendência de nossa doutrina e jurisprudência em verter pela responsabilidade objetiva para regra geral, de forma a atingir a mais ampla reparabilidade, o que denota-se de maneira extremamente clara pela nova disposição dos artigos que tratam da responsabilidade civil no Código Civil de 2002.

 

Dano material e dano moral – noções gerais

            Não mais se admite discussão a respeito da reparabilidade do dano moral, situação essa que vinha se firmando desde antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, sendo ao depois positivada pela atual ordem constitucional e corroborada pelo Código de Defesa do Consumidor. O reconhecimento da indenizabilidade dessa modalidade de patrimônio foi definitivamente esposado pela legislação infraconstitucional, conforme se depreende da leitura do artigo 186 do Novo Código Civil, ao mencionar que "qualquer espécie de dano, ainda que meramente de natureza moral, é passível de indenização".

            Quanto ao dano material, pode-se dizer que é qualquer lesão causada aos interesses de outrem e que venha a lhe causar diminuição patrimonial.

            AGUIAR DIAS, autor que com mais afinco tratou da matéria ensina que "A idéia do interesse (id quod interest) atende, no sistema de indenização, à noção de patrimônio como unidade de valor. O dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente que existe após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não tivesse sido produzido: o dano é expresso pela diferença negativa encontrada nessa operação. (Da Responsabilidade Civil, 7ª Edição, Editora Forense, Volume II, p. 798)

            Quando se fala em dano patrimonial, é possível a divisão em duas subespécies, quais sejam, danos emergentes e o lucros cessantes, sendo o primeiro aquele efetivamente experimentado pela vítima, que pode ser aferido por simples operação aritmética, e o segundo pelo que ela razoavelmente deixou de ganhar em virtude do ato ilícito.

            No caso dos danos emergentes, maiores dificuldades não devem existir para o operador do direito, posto que a simples verificação da diminuição patrimonial é suficiente para conceder a indenização, sendo que a prova também é de maior facilidade.

            O mesmo não ocorre no que se refere aos lucros cessantes, pela própria impossibilidade de previsão quanto a fatos futuros, que independem da vontade das partes. Como forma de se conceder a mais ampla indenizabilidade, passou-se a aceitar, em casos que tais, a prova de perda de acréscimo patrimonial, baseada nas regras gerais da experiência comum, ou seja, em critérios flutuantes, cuja principal característica é a previsibilidade.

            Portanto, quando o prejuízo a ser ressarcido referir-se a lucros cessantes, deve-se considerar a previsibilidade de ganho que a vítima deixou de auferir, ou como diz o artigo 1059 do Código de 1916 (sem alterações pelo novo diploma), o que "efetivamente deixou de ganhar e o que razoavelmente deixou de lucrar".

            Quanto ao dano moral, maiores dificuldades encontraram doutrina e jurisprudência para a fixação de um conceito de ampla aceitação, especialmente em virtude do pensamento daqueles que entendiam pela impossibilidade da indenização desta modalidade de dano.

            Vale novamente a menção ao ensinamento de AGUIAR DIAS, ao dizer que "Com os danos não patrimoniais, todas as dificuldades se acumulam, dada a diversidade dos prejuízos que envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não serem patrimoniais." (ob. cit., p. 812)

            YUSSEF SAID CAHALI, invocando lição de DALMARTELLO, aduz que "Parece mais razoável, assim, caracterizar o dano moral pelos seus próprios elementos; portanto, ‘como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos"(Dano Moral, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, p. 20).

            Com efeito, aqueles que preconizavam a inviabilidade do dano moral, apegavam-se a argumentos que atualmente não mais encontram eco nem sustentação, tais como a inestimabilidade do patrimônio moral (devido a subjetividade dos critérios a serem observados), a situação vexatória de trazer a público assuntos de íntimo interesse, a possibilidade de locupletamento, extremado arbítrio concedido ao julgador para fixação do quantum, dentre outros, que restaram completamente soterrados pela nova concepção a respeito da responsabilidade civil, bem como pelos diplomas que atualmente tratam do assunto.

            A aceitação do dano moral passou por vários momentos, valendo ressalva para o entendimento de que este dano somente poderia existir quando houvesse reflexos patrimoniais, o que seria o mesmo que negar sua existência.

            Com efeito, referido posicionamento restou sufragado pela edição da Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, onde reconheceu-se, de forma definitiva, a independência entre o dano moral e material.

            Assim, o dano moral é amplamente indenizável, valendo menção ao Código Civil de 2002, que em seu artigo 186 (Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito) reconhece expressamente sua existência, antes citada apenas no Código de Defesa do Consumidor, no que foi precedido pela Constituição Federal.

 

O artigo 1547 e parágrafo único do Código Civil de 1916:

            Apesar da inexistência de diplomas legais que tratassem diretamente do dano moral antes do advento da Constituição Federal de 1988, doutrina e jurisprudência nunca se mostraram insensíveis à existência desse patrimônio que não se poderia reduzir a números através de simples operação aritmética, buscando a interpretação de dispositivos de lei que assegurassem a indenização em casos tais.

            Exemplo clássico dessa situação é o artigo 1547 e parágrafo único do Código Civil de 1916, ao tratar da responsabilidade pela injúria e calúnia. Com efeito, o dispositivo alude, em seu caput, para a expressão dano, que será passível de ressarcimento, sem contudo, especificar de qual espécie de dano estaria a se referir.

            A justificativa é óbvia, pois no momento em que foi produzido aquele diploma, não era reconhecida a possibilidade de indenização do dano meramente moral, sendo que essa espécie de patrimônio sequer era reconhecida pelo mundo jurídico, resguardando-se somente ao campo da moral.

            Todavia, o parágrafo único do artigo 1547, em sua redação, delimita que "Se este não puder provar prejuízo material, pagar-lhe-á o ofensor o dobro da multa no grau máximo da pena criminal respectiva", podendo-se dizer que se trata de conhecimento reflexo da existência do dano moral, como de resto se verifica em vários outros artigos do Código Civil de 1916 (1.537, 1.543, 1.548, 1.549 e 1.550).

            Com efeito, ao autorizar que a parte poderia ser indenizada, ainda que não restasse provado o prejuízo material, intentou o legislador uma forma reflexa de conceder indenização por dano estritamente moral para alcançar a reparabilidade plena, pois havia casos em que a prova do dano se tornava extremamente difícil para a vítima, o que, em última instância, ocasionava a impossibilidade de pacificação social através da negativa da tutela jurisdicional.

            Assim, doutrina e jurisprudência sempre foram categóricas em aceitar que o parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil de 1916, era uma forma de reconhecimento, ainda que indireto, da possibilidade de indenização por dano moral, o que era plenamente aceitável, tendo em vista o princípio da reparabilidade plena e os ideais de justiça que norteiam a responsabilidade civil, segundo os quais não se poderá deixar uma lesão a direito alheio sem o devido ressarcimento.

            J. M. CARVALHO SANTOS aduz que "Não seria possível tolerar que o dano material não fosse indenizado integralmente. Nem se poderia admitir que tamanho absurdo fosse acolhido conscientemente pelo legislador. Pelo que se impõe a conclusão: o intuito da lei foi determinar que a indenização, no caso de ter resultado prejuízo material, nunca poderia ser inferior ao valor da multa, ainda que efetivamente o valor do dano não atingisse a importância em que foi ela arbitrada na condenação. O excesso é concedido ao ofendido a título de indenização de dano moral." (Código Civil Brasileiro Interpretado, Editora Freitas Bastos, Volume XXI, p. 354)

            Alguns autores, contudo, como é o caso de AGOSTINHO ALVIM, entendem o parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil está a criar uma espécie de forfait, ou seja, criou um dano material presumido.

            Todavia, esse não é o entendimento mais adequado, com o respeito que merece o jurisconsulto, no que nos acompanha parcela majoritária da doutrina, entrevendo na hipótese em comento uma indenização por dano moral, reconhecido de forma reflexa. É o que diz YUSSEF SAID CAHALI, invocando o escólio de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, ao aduzir que "com esse dispositivo prevê o Código a indenização do dano moral; em muitos casos, adotado referido critério, o ressarcimento não corresponderá à intensidade do mal. Na falta de outro, porém, adotou-se o referido critério, a fim de subtrair o aplicador da lei ao indeterminado e arbitrário." (ob. cit., p. 304)

            Não é discrepante o entendimento de RUI STOCO ao prelecionar que com a letra do parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil "Estava consagrada a existência e a indenizabilidade do dano moral." (Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial, Editora Revista dos Tribunais, 4ª Edição, p. 690).

            A razão pela qual o entendimento de que o parágrafo único trata de indenização por dano extrapatrimonial é por demais simples, podendo ser resumida da seguinte forma: o Código Civil de 1916 não previa a indenização pela dor moral, no que era acompanhado pelo maciço entendimento doutrinário e jurisprudencial da época, contemplando tão somente os atos ilícitos que provocassem diminuição no patrimônio da vítima. Como havia casos em que a prova do prejuízo era por demais difícil ao lesionado, o que acabava por conduzir ao julgamento de improcedência do feito, em absoluta dissonância com ideais que norteiam a responsabilidade civil, a solução foi criar uma possibilidade de se indenizar a vítima, em casos de calúnia e injúria, ainda que não houvesse efetiva comprovação do evento.

            Deve-se esclarecer que a maioria, senão a totalidade, dos casos de indenização por calúnia ou injúria refere-se a lucros cessantes, ou seja, a perda de rendimentos que a vítima tenha experimentado em virtude do ato ilícito, verbi gratia, o profissional liberal que tenha sua clientela reduzida ou que não consiga ampliá-la em virtude de propagação de ofensas injustificadas que denigram sua imagem.

            Vale a ressalva, neste caso, de que o lucro cessante, pela própria dificuldade natural de prova, admite a previsibilidade do dano, o que se pode extrair da leitura do artigo 1059 do Código Civil de 1916, quando utiliza-se da expressa "do que razoavelmente deixou de lucrar".

            Portanto, não é necessária a prova inconcussa do prejuízo material para que se receba a correspondente indenização por lucros cessantes, bastando tão somente a demonstração, de modo razoável, do ganho que se deixou de auferir.

            Outra situação de importância, ainda referente ao parágrafo único do artigo 1547 do Código Civil, diz respeito ao fato de que é autorizada a indenização, mesmo que não exista prova do dano (sendo que nos lucros cessantes esse onus probandi é deveras amenizado), o que somente é aceitável em um sistema legal que visa o mais amplo ressarcimento, sem contudo contar com todos os meios necessários, que era o caso da sistemática antiga, no qual não existia a previsão para o dano moral.

            Conclui-se, portanto, que no contexto do Código Civil de 1916, era plenamente justificável a manutenção do parágrafo único do artigo 1547, dado que se trata de uma forma de reconhecimento da possibilidade de indenizar-se o dano moral, sendo de se ressaltar que a reforma do Projeto de 1975 não andou bem na alteração que introduziu em nosso ordenamento positivo.

O artigo 953 do Código Civil de 2002 – atecnia do legislador e problemas para a fixação do quantum indenizatório:

            O novo Código Civil trouxe inovação ao artigo 1547 do diploma de 1916, que de fato encontrou muitos problemas para a fixação da indenização prevista no parágrafo único, posto que havia dificuldades para a aferição em decorrência da aplicação da multa no direito penal.

            A nova redação, ao menos aparentemente, veio a resolver os problemas dantes verificados quanto ao arbitramento da indenização de acordo com o direito penal, ao estatuir, no parágrafo único, que "Se o ofendido não puder provar o prejuízo material, caberá ao juiz fixar, eqüitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso."

            A primeira questão que se verifica diz respeito ao fato de que no caput, do artigo 953 existe a expressão dano, da mesma forma como existia no artigo 1547 do Código de 1916.

            Naquela época poderia se imaginar que estar-se-ia tratando tão somente de dano material, posto não existir aceitação quanto ao patrimônio moral. Todavia, este pensamento não mais é admissível atualmente, considerando-se que existe absoluta independência entre essas duas modalidades de patrimônio, a teor do que estabelece a Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor, a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça, bem como o artigo 186 do Código Civil de 2002.

            Portanto, a interpretação adequada do caput do artigo 953 deve ser, inexoravelmente, de que está a se tratar tanto do dano moral como material, até porque as duas espécies de prejuízo podem-se verificar por ocasião da calúnia, injúria ou difamação, ainda que separadamente.

            De outra mão, o parágrafo único deste dispositivo é categórico ao mencionar que o dano material, quando não puder ser provado, será fixado por eqüidade (forfait, como preconizava Agostinho Alvim), analisando-se as peculiaridades do caso concreto.

            As críticas ao referido dispositivo são várias, mas devem centrar-se, para efeito deste artigo, em dois pontos fundamentais, a saber: a) possibilidade de indenização sem prova do dano; b) utilização de critérios subjetivos para a fixação do dano material, com a possibilidade de condenação em duplicidade do dano moral.

            A questão da condenação sem a correspondente prova deve ser analisada à luz da sistemática atual. Como dito, no Código de 1916 a justificativa para a reparação sem a devida comprovação do evento danoso residia no fato de que não existia, à época, o reconhecimento explícito do dano moral, razão pela qual não se poderia deixar sem reparação um dano, ainda que de natureza material, mas que não pudesse ser provado.

            Todavia, hodiernamente este entendimento não é mais passível de aceitação, posto existir, de forma inescondível, a possibilidade de condenação por dano moral, tão somente.

            Assim, o caput do artigo 953 do Código Civil de 2002, ao utilizar a palavra dano deixa em aberto a possibilidade de ressarcimento a ambos os patrimônios, o moral e o patrimonial.

            Dessarte, não mais existe justificativa para a utilização da expressão prejuízo material no parágrafo único deste artigo, pois sua mantença seria o mesmo que negar a existência do dano moral, situação inadmissível no atual estágio de desenvolvimento de nosso direito positivo.

            Outrossim, quando se analisa a modalidade de dano prevista no parágrafo único, a aceitar-se que se trata de material, deve-se reconhecer que está a se falar de lucro cessante, haja vista a necessidade de demonstração da perda de rendimentos em virtude do ato calunioso, difamatório ou injurioso.

            Ora, ainda que no caso dos lucros cessantes a necessidade de prova não se mostre tão contundente como no casos dos danos emergentes, é de se reconhecer que pelo menos a previsibilidade da redução patrimonial deve ser demonstrada pela vítima, sendo que da leitura da redação ao parágrafo único do artigo 953 extrai-se, de forma iniludível, de que a prova é prescindível.

            FISCHER, citado por AGUIAR DIAS, pondera que "O direito seria demasiadamente severo se exigisse ao prejudicado a prova matemática irrefutável de que essa outra possível circunstância se não seria produzido, nem o lucro previsto deparado com qualquer obstáculo. Mas, por outro lado, a experiência constante ensina-nos que os mais exagerados, menos fundados pedidos de indenização, tem precisamente seu fundamento neste conceito imaginário dos lucros frustrados. Ao direito compete distinguir nitidamente estas ‘miragem de lucro’, como lhes chama DERNBURG, da verdadeira idéia de lucro." (ob. cit., p. 801)

            Portanto, ainda que se admita, em linha de princípio, que os lucros cessantes, para que sejam comprovados, devam receber tratamento mais brando, é de se ter em mente que pelo menos o mínimo de prova deverá ser produzido, o que não se depreende da leitura do parágrafo único do artigo 953 do Código Civil de 2002.

            É de se concluir que, ainda em casos de extrema dificuldade na produção da prova, como por exemplo os profissionais liberais (advogado), é possível, ou pelo menos plausível, que se consiga uma presunção dos lucros cessantes.

            Assim, em última análise a possibilidade de condenação sem a devida prova somente era admissível quando do advento do Código de 1916, pois, neste caso, o que se pretendia, ainda que de forma reflexa, era proporcionar a reparação pelo dano moral experimentado.

            Já na nova sistemática, onde o espectro de atuação da responsabilidade civil ganha inegável amplitude, e considerando-se a independência do dano moral em relação ao patrimonial, não se pode aceitar que a condenação do prejuízo material seja feita sem a devida prova, ou mesmo por eqüidade.

            Neste momento ganha importância outro ponto deste estudo, qual seja a utilização da eqüidade para a fixação do dano material. Como dito, o desfalque patrimonial experimentado pela vítima do ilícito deve ser de pronto aferido (danos emergentes) ou ao menos presumivelmente concretizado (lucros cessantes), sendo que, em um ou outro caso, deve-se partir da prova produzida pelas partes.

            Pode-se dizer, portanto, que a forma mais adequada é a perquirição do dano efetivamente verificado. Importante o aviso de AGUIAR DIAS quanto às tendências modernas de se estender o campo da indenização: "Deve-se concluir desde logo pela aplicação do dano consumado. Adotar alvitre oposto seria firmar tão importante ponto de partida em base flutuante, causa de erros e incertezas: esse critério jamais nos proporcionaria ‘uma idéia segura sobre o alcance dum dano nem nos garantiria, com firmeza, a qualidade danosa dum fato, já que o prejuízo inicial pode vir a ser, no fim de contas, atenuado ou mesmo compensado por um benefício equivalente, que igualmente provenha deste fato." (ob. cit., p. 796/797)

            Mostra-se de todo injustificável, portanto, a mantença do parágrafo único tal como fora redigido, admitindo-se a indenização do prejuízo material ainda que inexistente a prova do evento, pois, em última instância, caberia à vítima o ressarcimento pelos danos morais, que inclusive poderiam ser majorados, ante a dificuldade da prova do dano patrimonial.

            De outra mão, é de se considerar que a utilização da eqüidade para a fixação do dano material pode induzir a injustiças, pior, ao indesejado bis in idem, pois ao adotar o magistrado as circunstâncias de cada caso concreto, certamente deverá aproveitar-se dos critérios previstos para o arbitramento do dano moral, subjetivos por essência, o que não é concebível.

            Como dito, para a fixação do dano material, ainda que se trate de lucros cessantes, deve partir de critérios objetivos, mesmo que presuntivos. Todavia, ao aceitar-se a utilização da eqüidade, aliada às circunstâncias do caso concreto, estar-se-á a autorizar o julgador a valer-se dos mesmos critérios para o arbitramento de danos que não se confundem, como muito bem salientou a Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.

            No caso do parágrafo único do artigo 953 do CC novo, é louvável a intenção de ampliar as hipóteses de indenização, mas tal desiderato não pode significar a violação aos princípios mais comezinhos para a caracterização do dever de indenizar e da fixação do quantum.

            Assim, tem-se por irrefutável, salvo melhor entendimento, a afirmação de que ao aceitar-se a utilização da eqüidade para a fixação do dano material, quando este não puder ser provado, estar-se-ia condenando duas vezes pelo dano moral, dada a subjetividade que se faria necessária para a aferição da extensão do prejuízo e a devida reparação.

            Pode-se dizer, portanto, que a atecnia existente na redação do artigo 953 e parágrafo único do Código Civil de 2002 não é compatível com a realidade jurídica que ora se apresenta, especialmente porque induz a erros que podem desvirtuar o instituto da responsabilidade civil, não proporcionando, por conseguinte, a pacificação social.

 


Referência  Biográfica

Gustavo Passarelli da Silva  –  Advogado em Campo Grande (MS), professor de Direito da Universidade Católica Dom Bosco

E-mail: gustavo@pithan-loubet.com.br

O valor da causa nas ações de dano moral

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* Gustavo Passarelli da Silva –

Introdução

            O valor da causa, por não raras vezes, deixa de receber a atenção que lhe merece ser dispensada, diante das importantes conseqüências que acarreta para o deslinde da questão posta à apreciação do Judiciário.

            Como exemplo, pelo valor da causa é que se estabelece o montante das custas a ser recolhido, o tipo de procedimento que pode ou deve ser adotado, o parâmetro para a fixação dos honorários de sucumbência, sem contar com o bem da vida que está se perseguindo.

            Por todos esses motivos, dentre outros que não cabe aqui declinar, a lei processual prevê uma séria de requisitos para a fixação do valor da causa quando do ajuizamento da ação, bem como faculta às partes, e mesmo ao juiz ex officio, tomar as medidas cabíveis para a eventual necessidade de adequação.

            A regra geral é de que todo o pedido deve ser certo e determinado, admitindo-se, como exceção o pedido genérico, nas hipóteses elencadas pelo artigo 286 do Código de Processo Civil.

            Neste ponto, ganha relevo o tema a ser abordado neste artigo, pois as ações de indenização por dano moral não se enquadram em nenhuma das exceções à regra, previstas nos incisos I a III, do artigo 286 do CPC, bem como não existem na legislação critérios objetivos para a aferição do quantum. Assim, em muitas hipóteses, pode-se afirmar na maioria dos casos, vem sendo adotado o pedido genérico para a fixação do valor da causa em ações dessa jaez. Todavia, tem-se que essa não é a melhor solução para o problema, como será a seguir explicitado.

Da inexistência de critérios objetivos para a fixação do quantum do dano moral a ser indenizado

             A despeito do prestígio de que hodiernamente desfruta o dano moral, sem contar com sua ampla autonomia e a multifacetária ocorrência, é de se concluir que não existem critérios rígidos a serem observados para sua quantificação, a não ser os parâmetros existentes na lei, que no início eram utilizados pela analogia, como é o caso da Lei de Imprensa e do Código das Telecomunicações, situação essa que não mais subsiste pela incontestável inviabilidade, consoante remansoso entendimento doutrinário e jurisprudencial.

            Obviamente que não é tarefa fácil a fixação do valor da indenização nestes casos pois, ao contrário do que ocorre com os danos materiais, é impossível a recomposição do patrimônio moral, dado que o sofrimento não tem preço. O que se pretende, tão somente, é proporcionar um estado de conforto à parte lesada, servindo também de caráter punitivo e repressivo para o agressor, no intuito de inibir nova prática nesse sentido, sendo de se mencionar que o direito pátrio adota, em parte a teoria norte americana dos punitives damages.

            Todavia, várias circunstâncias devem ser levadas em consideração para aferir-se o quantum a ser indenizado, como por exemplo o grau de cultura, a posição social, a repercussão do dano na vida íntima da vítima, sem contar com outros, como por exemplo a capacidade de pagamento do ofensor, seu grau de culpabilidade, podendo-se dizer que as nuanças são tão numerosas quanto as possibilidades de ocorrência do dano extrapatrimonial.

            Nada obstante a inexistência de critérios objetivos para a fixação do dano, existe a grande preocupação no sentido de que o instituto do dano moral no Brasil não se transforme em indústria de enriquecimento ilícito, tal como se verifica nos Estados Unidos da América.

            Portanto, é de lembrar-se que a atividade do magistrado na fixação do valor da indenização por dano moral deve pautar-se pelo comedimento, de modo a não proporcionar o locupletamento, bem como não ridicularizar a vítima e o próprio Judiciário, concedendo-se indenizações em valores módicos, especialmente pela falta de elementos fornecidos pelos dispositivos legais aplicáveis à espécie.

Das hipóteses previstas no artigo 286 do código de processo civil

            Para aqueles que entendem que nas ações de indenização por dano moral o pedido poderia ser feito de forma genérica, a solução para o problema encontrar-se-ia no inciso II, do artigo 286 do Código de Processo Civil, ou seja, segundo essa corrente de entendimento não seria possível determinar a extensão do dano experimentado, o que somente poderia ser aferido com maior grau de certeza na instrução do processo e coleta de provas necessárias.

            Tal argumento não procede sob vários aspectos. Com efeito, para que haja a propositura da ação de dano moral é necessário que a lesão ao direito tenha já se verificado na esfera íntima do ofendido, posto que se assim não for, certamente lhe faltará interesse de agir.

            De outro vértice, é de se entender que as provas que serão produzidas em fase de instrução e julgamento do processo servirão tão somente para corroborar as alegações de dano feitas na inicial e, à falta de critérios objetivos na legislação para o seu arbitramento, não é a coleta de provas que será o fator determinante neste sentido. Pode-se dizer, então, que a coleta de provas pelo magistrado quando da instrução probatória é concernente à formação de seu poder de convencimento, com relação que ao que alegado pelo autor da demanda.

            Ademais, estribando-se na presunção de que todos, em princípio são de boa-fé (e que nestes casos não procurarão o enriquecimento ilícito), inegável que a pessoa mais adequada para quantificar o quanto será necessário para lhe proporcionar um estado de conforto, em virtude de um dano experimentado, será o próprio autor da ação, cabendo ao juiz tão somente adequar o pedido em caso de exorbitância.

            Ora, partindo-se do pressuposto de que para a propositura da ação de dano moral mister se faz a verificação de sua ocorrência, não é lícito deixar ao julgador que faça o arbitramento, sem que pelo menos se espelhe na estimativa apresentada pelo autor.

            As hipóteses insculpidas no artigo 286, em que se admite o pedido genérico, são consideradas exceções e como tal devem ser analisadas, restritivamente. Uma vez que o dano já foi causado, a liquidação que eventualmente se faça no transcurso da ação é tão somente para corroborar as alegações do autor na inicial, não para determinar sua extensão, que como já dito, cabe à vítima. Cita-se, neste sentido, ensinamento de JOEL FIGUEIRA JR.:

            "Ora, se a regra estabelecida é a formulação de pedido certo e determinado, e a hipótese vertente deixa de se enquadrar em qualquer dos três incisos mencionados, assim deverá proceder o autor, quando da formulação de seu requerimento na peça inaugural, sob pena de vir a ser rejeitada, se, eventualmente, não suprida a omissão (art. 284, CPC).

            Em situações como essa e outras similares, não é função do Estado-juiz fixar o valor da indenização mediante o seu "prudente arbítrio" (conforme chavão forense), porquanto a expressão representa nada menos do que um pedido de julgamento por eqüidade (critério eqüitativo), vedado como regra e só admitido nos casos expressamente previstos em lei (art. 127, CPC)."

            (Comentários ao Código de Processo Civil, Volume 4, Tomo II, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 93)

            Importante, em atenção ao fim pretendido pelo presente artigo, continuar trilhando os ensinamentos do jurista supra mencionado, que elucida de forma ímpar o problema enfrentado pelos operadores do direito em casos que tais:

            "Portanto, no exemplo apontado, haverá o autor de estabelecer, na inicial, o quantum pretendido, a título compensatório, em face da morte do ente querido, levando em conta os critérios norteadores das abalizadas doutrina e jurisprudência para o dano moral, atendendo assim a orientação legislativa voltada à definição do pedido certo e determinado, que servirá de bússola para o juiz durante a instrução e, em particular, no momento da prolação da sentença."

            (ob. cit., p. 93)

            Assim, é de se considerar que nos casos de indenização por dano moral a parte que os sofreu deverá mensurar a quantia que entende ser suficiente para tentar recompor a situação anterior, a despeito da dificuldade natural desta pretensão.

Da necessidade de fixação ao valor da causa nas ações de dano moral

            Tendo em vista que não se aplicam às ações de indenização por dano moral nenhuma das hipóteses previstas no artigo supra citado, é de se concluir que não deverá ser admitida a fixação do valor da causa em montante irrisório em situações que tais, deixando-se ao magistrado a determinação do quantum.

            A justificativa muitas vezes encontrada para a fixação genérica do valor da causa em ação de dano moral é de que se o juiz condenar o réu em quantia inferior ao eventualmente requerido na inicial haveria sucumbência recíproca. Ainda, de que caberia tão somente ao julgador quantificar o dano moral, inclusive para coibir abusos das partes ao ajuizar a demanda, pretendendo valores exorbitantes.

            Outro argumento que ganha corpo em sede de ação de dano moral é a respeito das custas judiciais, que são calculadas em razão do fato do valor atribuído à causa. Segundo aqueles que entendem dessa forma, a determinação de quantia alta na inicial restringiria o acesso à justiça daqueles desprovidos de condições financeiras.

            Todavia, em que pese a força desses argumentos, bem como o abalizado entendimento doutrinário que suporta essas proposições, o caminho mais adequado para a solução do problema deve respaldar-se na regra geral do artigo 286 do Código de Processo Civil, onde o pedido deverá ser certo e determinado.

            A questão da sucumbência recíproca não merece prosperar no caso de condenação por dano moral quando reste minorado o pedido feito na inicial, pois é de se concluir que o objetivo da demanda (a verificação da ocorrência do dano e da conduta ilícita do réu foi atingido, havendo tão somente a atividade do Judiciário para adequar o quantum.

            Obviamente, declinado um valor como o pretendido pelo autor da ação, não está o julgamento de procedência do pleito adstrito à condenação, in totum, da quantia almejada, cabendo ao magistrado adequar o pedido à realidade da situação que envolve as partes.

            Dessarte, não procede o argumento no sentido de que a minoração do valor da condenação, em relação ao declinado na inicial, induziria à sucumbência recíproca, e consequentemente à aplicação do parágrafo único do artigo 20 do Código de Processo Civil. O que importa, neste caso, é a procedência do pedido (de condenação) e não a sua quantificação, que caberá ao julgador adequá-la à realidade. Importante, neste sentido, é o ensinamento de JOEL DIAS FIGUEIRA JR., rebatendo o pensamento daqueles que entendem haver a sucumbência recíproca:

            "O equívoco daqueles que assim procedem é manifesto, pois, além de burlarem o Fisco e as orientações instrumentais, no tocante à valoração da causa, que necessita estar em sintonia com o pedido e com a causa de pedir, temem inutilmente, em razão de uma fixação do quantum em importância inferior à pedida, tendo em vista que tal circunstância não representa acolhimento parcial do pedido, assim como ele não estará parcialmente vencido. Nesses casos, não há sucumbência recíproca, à medida que o postulante viu prosperar, integralmente, o seu pedido imediato (fundado em pretensão ressarcitória), assim como o pedido mediato foi também atendido, fixado apenas em quantia inferior à pretendida."

            (ob. cit., p. 94)

            A lição supra citada também encontra eco na jurisprudência, dado que o Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida no Recurso Especial nº 21.696-9-SP, julgado em 25.05.1993, publicado no DJU em 21.06.1993, p. 12.366, sob o relato do Ministro Cláudio Santos dispôs que, "sendo meramente estimativo o valor da indenização pedida na inicial, não ocorre a sucumbência parcial se a condenação fixada na sentença é inferior àquele montante."

            Outrossim, vale salientar que a questão das custas judiciais não se traduz em empecilho intransponível para o ajuizamento da ação, pois aqueles que não podem arcar com os custos de uma demanda judicial certamente poderão valer-se dos benefícios concedidos pela Lei 1.060/50.

            No que diz respeito ao dano moral, por se tratar de patrimônio íntimo, subjetivo, impossível de aferição econômica exata, o que se persegue na demanda não é a recomposição do status quo ante (até mesmo porque tal seria impossível), mas sim proporcionar à vítima uma sensação de conforto, bem como imputar ao agressor uma penalidade de monta suficiente a inibi-lo a reincidir na conduta ilícita, sem contudo, levá-lo à bancarrota.

            Partindo-se do pressuposto de que o objetivo da indenização do dano moral é o acima citado, tem-se que ninguém melhor do que o próprio ofendido para determinar a quantia ideal que lhe proporcionará um certo conforto, diante da situação vexatória pela qual passou, considerando-se também a impossibilidade de se restaurar uma situação pretérita.

            Certamente existe o argumento de que referida linha de pensamento levaria, inexoravelmente, a pedidos exorbitantes, insuflando-se a indústria da indenização.

            Tal insurgência não procede da mesma forma. Com efeito, é de se reconhecer que o Código de Processo Civil, em seu artigo 14, traça as normas de conduta para as partes, sendo que em princípio, a boa-fé é presumida.

            Ainda, mesmo em se considerando que pedidos vultosos e desconectados com a realidade possam ser feitos, é de se lembrar que ao julgador cabe a aplicação do direito, e por via de conseqüência a pacificação social, o que significa dizer que será perfeitamente admissível a adequação do quantum, por ocasião da sentença. Este é o ensinamento de YUSSEF SAID CAHALI:

            "Em substância, a questão pertinente ao valor da causa na ação de reparação de dano moral resolver-se por via de estimativa unilateral do autor, que se sujeita contudo ao controle jurisdicional, remarcando ainda pela provisoriedade."

            (Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, p. 694)

            Assim, se o ofendido é a pessoa mais adequada para estimar o tamanho do prejuízo de ordem íntima que sofreu, em decorrência do ato ilícito do qual foi vítima, é de se reconhecer que as ações fundadas em indenização por dano moral devem ter seu pedido certo e determinado, visto que não se incluem nas hipóteses previstas no artigo 286 do Código de Processo Civil.

            Também não prospera o argumento daqueles que entendem que poderá o autor da ação não se referir a quaisquer valores no transcurso da sua petição inicial, requerendo tão somente a verificação da existência do dano e responsabilidade por parte do agente, para depois aferi-lo em liquidação de sentença, nos moldes do artigo 608 e seguintes do Código de Processo Civil.

            Certamente, a própria instrução probatória já é suficiente para demonstrar a existência do dano, bem como a culpa do ofensor, razão pela qual adotar esse posicionamento significa o mesmo que ir de embate aos princípios da economia processual e da efetividade da jurisdição.

            Apesar de dissenso ainda existente na jurisprudência, pode-se dizer que o caminho a ser trilhado certamente será o da necessidade de fixação do valor da indenização pretendida na inicial, valendo transcrever a seguinte ementa, emanada do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:

            "Valor da causa – Indenização por dano moral – Pedido líquido – Valor que representa o conteúdo econômico da demanda – Valor da causa que a ele deve corresponder – Recurso não provido."

            (Agravo de Instrumento n. 270.421-1- Pirajuí – 8ª Câmara Civil – Relator Des. Antônio Villen – 4.10.95 – votação unânime)

            Interessante é a impugnação a ser feita nestes casos, pois não caberia ao requerido nesta ação impugnar o valor da causa e declinar o valor da indenização que deveria ser pago. Portanto, entende-se que o caminho mais correto é que o magistrado, utilizando-se do mandamento do artigo 284 do Código de Processo Civil, determine ao autor que emende a petição inicial no prazo de 10 dias, sob pena de indeferimento.

 


Referência  Biográfica

Gustavo Passarelli da Silva  –  Advogado em Campo Grande (MS), professor de Direito da Universidade Católica Dom Bosco

E-mail: gustavo@pithan-loubet.com.br

A polêmica data de vigência do novo Código Civil

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* Vladimir Aras –

             Em recente artigo, o professor J. A. Almeida Paiva defendeu, com acerto, que o novo Código Civil entrará em vigor em 11 de janeiro de 2003.

            Todavia, a polêmica não cessa nas substanciosas considerações do estimado advogado paulista, com quem concordo quanto à data de entrada em vigor do novo Código, mas divirjo quanto ao método de determinação desse dies ad quem.

            É que há uma incoerência (ilegalidade "vertical", diria eu) no art. 2.044 do Código Civil de 2002, por ter estabelecido o prazo de "vacatio legis" da nova norma civil utilizando o critério anual: "um ano", na forma: "Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação".

            Facilmente se identifica o problema. É que o §2º do art. 8º da Lei Complementar Federal n. 95/98, alterada pela LCF n. 107/2001, determina expressamente que as leis brasileiras (todas elas) devem estabelecer prazo de vacância em dias, somente em dias (e não em anos ou em meses), com a cláusula "esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação".

            Não se trata de mero detalhe ou firula, pois a LCF n. 95/98, por ser complementar (arts. 59, inciso II, e 69 da Constituição de 1988), exige quórum mais qualificado para aprovação (maioria absoluta) e é hierarquicamente superior ao Código Civil de 2002, que não passa de lei ordinária. Quando a Lei n. 10.406/2002 foi publicada, já estava em vigor o preceito cogente da norma complementar federal.

            Há quem discorde da idéia da existência de ilegalidade vertical, ao fundamento de que não se dá cotejo hierárquico entre lei complementar e lei ordinária. Mas, ainda que afastada esta opção (não de todo descartada), é preciso observar que a matéria em questão (elaboração de diplomas normativos) tem reserva de lei complementar por expressa disposição constitucional (art. 59, parágrafo único, da CF).

            Sendo assim, o Código Civil de 2002 devia (e deve) obediência à Lei Complementar n. 95/98, que veio a lume exatamente para regular a forma de elaboração e redação das leis nacionais, atendendo ao comando do art. 59, parágrafo único, da Carta de 1988. Então, é patente a ilegalidade vertical entre o art. 2.044 do novo Código Civil e o art. 8º, §2º, da LCF n. 95/98, quando o estatuto civil adotou o critério anual, descartando o critério unificador, da contagem em dias. De qualquer modo, havendo ou não a ilegalidade vertical, o art. 2.044 do Código Civil de 2002 terá desconsiderado matéria sujeita a cláusula constitucional de reserva de lei complementar.

            Se o art. 2.044 do Código Civil de 2002 tivesse estabelecido o prazo da vacância em dias, 365 dias, em lugar de fazê-lo em 1 (um) ano, como o fez, teríamos reduzido substancialmente (quiçá eliminado) a polêmica em torno da exata data de início da vigência do novo Código e de outras tantas leis ordinárias.

            Pelo critério ora proposto, deve-se ler o art. 2.044 do novo Código Civil, como se tivesse estabelecido o prazo da vacância do diploma em 365 dias (e não 1 ano). Contando-se esse prazo em dias na forma do §1º, do art. 8º, da LCF 95/98 (com inclusão da data da publicação e do último dia do prazo), chegamos ao dia 11 de janeiro de 2003 como de início da vigência do novo Código Civil (Lei Federal n. 10.406/2002). São 21 dias em janeiro de 2002, 28 dias em fevereiro, 31 dias em março, 30 em abril, 31 em maio, 30 em junho, 31 em julho, 31 em agosto, 30 em setembro, 31 em outubro, 30 em novembro e 31 em dezembro, totalizando 355 dias. Para os 365 dias da "vacatio legis", contam-se mais dez dias em janeiro de 2003, até o dia 10, alcançando-se o marco legal ou dies ad quem, termo final de contagem.

            É fácil entender: o Código Civil de 2002 foi publicado no Diário Oficial da União de 11 de janeiro de 2002. Os 365 dias da vacância, começando-se a contagem pelo próprio dia 11/01/2002, inclusive, levam-nos ao dia 10 de janeiro de 2003, inclusive. Logo, aplicando-se conjuntamente os §§1º e 2º do art. 8º, da LCF 95/98, tem-se que o dia subseqüente, 11 de janeiro de 2003, é o da entrada em vigor do novo Código Civil, independentemente do conceito de ano civil previsto pela Lei n. 810, de 1949.

 


Referência Biográfica
 
 
Vladimir Aras
  –  Promotor de Justiça na Bahia
 
E-mail: vladimiraras@terra.com.br

Um novo enfoque crítico sobre a despersonalização da pessoa jurídica no Processo do Trabalho

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* André Antonio Araújo de Medeiros –

             Muito já se falou sobre a chamada "Teoria da Despersonalização da Pessoa Jurídica", que nada mais é do que a aplicação, no Brasil, da doutrina mercantil inglesa do disregard of legal entity, ou seja, descortina-se a personalidade jurídica empresarial, atingindo-se os bens dos sócios, em caso de má administração, abuso de direito ou fraude à execução.

            O presente estudo sobre o qual nos propusemos a firmar enfatiza a aplicação da sobredita "Teoria da Despersonalização" em âmbito trabalhista, onde vem sendo largamente utilizada sob a primordial justificativa segundo a qual o empregado não corre o risco do empreendimento, atribuição esta de exclusiva responsabilidade do empregador.

            Cumpre observar, desde já, que o principal sustentáculo dessa justificativa encontra fundamento na não participação do empregado nos lucros auferidos pela empresa, hipótese esta imensamente já superada, uma vez que vem se tornando comum empresas – pequenas, médias e grandes – que possibilitam a efetiva participação dos empregados em seus lucros.

            A nosso ver, a despersonalização da pessoa jurídica no processo do trabalho, então aplicada indiscriminadamente com base no artigo 28, do Código de Defesa do Consumidor, bem como pelo disposto no Decreto n.º 3.708/19, não pode ser efetivada sem levar em conta os aspectos subjetivos ensejadores da "fraude", "abuso de direito" ou "má-administração" da pessoa jurídica, pré-requisitos da disregard doctrine.

            Outrossim, como comprovar, por exemplo, a má administração ou a fraude empresarial?

            Será que o simples fato de a empresa não possuir bens suficientes para, em fase de execução, responder por seus débitos trabalhistas, chega a caracterizar má-administração, abuso de direito ou fraude? Não será possível ocorrer o insucesso empresarial em virtude, por exemplo, da forte imposição das leis de mercado? Ou em virtude da concorrência, muitas vezes até desleal? Como desvendar a vontade supostamente ilícita manifestada pela pessoa jurídica? É possível desconsiderar a personalidade jurídica quando, mesmo havendo insucesso empresarial, não se desvirtua o objetivo social da empresa? Quais as condutas exercidas pelos sócios aptas a configurar a chamada "má administração"?

            Numa atitude confortável, quando se posicionam alheios a todas as indagações acima formuladas, inúmeros magistrados nacionais, em seus julgados, simplesmente aplicam a despersonalização da personalidade jurídica, sem qualquer aferição criteriosa dos requisitos legais e obrigatórios para tal procedimento, como também sem mergulhar no íntimo das definições e causas do pretenso abuso de direito no uso da pessoa jurídica, já que a relatividade do direito da personalização jurídica nos leva, inarredavelmente, à teoria do abuso de direito, então forjada pela jurisprudência dos tribunais franceses.

            Diga-se de passagem que o novo Código Civil, em seu artigo 50, além de estender a desconsideração da pessoa jurídica também aos administradores da empresa, impõe a despersonalização em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Mas, como pode haver o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial sem analisar-se os elementos da fraude e do abuso de direito? Poderemos aplicar tal linha objetivista (1), entabulada por Fábio Konder Comparato (2), ao processo do trabalho?

            Entendemos que não. Sem a devida comprovação do elemento subjetivo e intencional, com a clara finalidade de ocultar a ilicitude ou a fraude, não há como, a nosso ver, aplicar a disregard doctrine em âmbito trabalhista, alcançando os bens dos sócios, por ausência de expresso dispositivo legal nesse sentido, aplicável especificamente à Justiça do Trabalho.

            Isso porque, o disposto no artigo 2.º, da CLT, que considera empregador a empresa, individual ou coletiva, que assume os riscos da atividade econômica, deve ser interpretado com temperamentos, pelo menos em relação à desconsideração da pessoa jurídica. A uma, porque, como dito, as empresas já vêm adotando efetivas formas de participação nos lucros para os empregados, dividindo, com isso, os riscos da atividade econômica. A duas, porque tal dispositivo legal deve ser aplicado nos casos em que há necessidade de se descobrir quem é o efetivo empregador, inclusive, porque elenca, logo em seguida, hipóteses de pessoas equiparadas aos empregadores, sem, no entanto, e de forma clara e expressa, mencionar a possibilidade de despersonalização jurídica.

            Assim, utilizar o sobredito dispositivo laboral para descortinar o véu da pessoa jurídica é uma verdadeira ignomínia, uma vez que não há sequer qualquer relação entre a desconsideração da personalidade jurídica e a norma encartada no artigo 2.º, da CLT. Pensar o contrário, consiste em um enorme e pouco aconselhável esforço hermenêutico.

            Por outro giro, utilizar o parágrafo único, do artigo 8.º, da CLT ("o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste"), como fundamento à desconsideração da pessoa jurídica em foro trabalhista, não deve prevalecer, uma vez que o próprio artigo 20, do ainda vigente Código Civil, pela mesma linha de raciocínio, igualmente aplicável, dispõe que "as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros". Independentemente disso, não entendemos ser possível caracterizar o desvio de finalidade, descortinando a personalidade jurídica, sem a conseqüente e detida análise jurídica acerca da clara ocorrência dos institutos da "fraude", "abuso de direito" e "má-administração", requisitos estes que, hodiernamente, vêm sendo esquecidos e menosprezados em diversas decisões trabalhistas.

            Deve-se ressaltar, entretanto, que, com o presente estudo, não estamos tentando desqualificar o crédito trabalhista, eminentemente de natureza alimentar e dotado de superprivilégio (art. 100, da CF, e art. 186, CTN), mas apenas objetivando expor a real problemática em torno da despersonalização da pessoa jurídica, na seara trabalhista, bem mais complexa do que pensam alguns.

            Por outro lado, concordamos com a aplicação da disregard doctrine nas relações de consumo, tendo em vista a existência de norma jurídica específica a tais relações, então encartada no artigo 28, do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90), desde que integralmente estejam preenchidos todos os requisitos capitulados nesse artigo.

 

Notas

            1. Conforme o seguinte julgado paradigma: "Execução trabalhista. Responsabilidade objetiva dos sócios. Despersonalização do empregador. No Processo do Trabalho, a responsabilidade dos sócios é objetiva, respondendo os mesmos com seus respectivos patrimônios no caso de descumprimento de obrigações trabalhistas, de forma a obstar o locupletamento indevido do trabalho alheio. É facultado ao Juiz, nesse caso, adotar a teoria da despersonalização do empregador, insculpida no "caput" do art. 2º da CLT, de modo que o crédito trabalhista persegue o patrimônio para onde quer que vá, como um direito de seqüela. Se o patrimônio da empresa desaparecer, pouco importando a causa, os sócios, diretores e dirigentes respondem com seus patrimônios particulares." (TRT/SP, 8ª Turma, Processo 029603117006, Ac. 02970004580, DOJ, 16-1-1997)

            2. COMPARATO, Fábio Konder. "O Poder de Controle na Sociedade Anônima, 3.ª ed., Rio de Janeiro, 1983, p. 284-6.

 

 

Bibliografia

            OLIVEIRA, Francisco Antonio de. "Manual de Penhora – Enfoques Trabalhistas e Jurisprudência". Revista dos Tribunais, 2001, São Paulo.

            MARTINS, Sérgio Pinto. "Direito do Trabalho". 14.ª ed., Atlas, 2001, São Paulo.

            GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. "Novo Curso de Direito Civil", Vol. I – Parte Geral, Saraiva, São Paulo, 2002.

            CAHALI, Yussef Said. "Fraudes Contra Credores", 2.ª ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999.

 

 

Referência Biográfica

André Antonio Araújo de Medeiros  –  advogado em Salvador (BA)

E-mail: amedeirosadvs@uol.com.br



A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda

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* Cecília Rodrigues Frutuoso –

1. Introdução

            O Estado, desde que chamou para si o direito de solucionar os conflitos, tem o dever de prestar a jurisdição eficaz. A preocupação com a segurança das decisões fez com que o processo demandasse certo tempo para chegar ao momento da prolação da sentença.

            Entretanto, muitas vezes a parte não pode esperar esse tempo necessário para o convencimento judicial, já que se a sua pretensão não for satisfeita urgentemente, de nada adiantará esperar o resultado do processo, pois mesmo que seu direito seja reconhecido, ele não mais poderá ser exercido. Ou então, quando o réu sabendo que o autor terá o seu direito reconhecido, resiste ao processo só para protelar a decisão judicial, prejudicando ainda mais o autor.

            Assim, o legislador, com a reforma de 1994, criou um instituto que permite, desde que presentes os seus requisitos, a antecipação de efeitos concretos da sentença.

            A doutrina moderna vem abordando a possibilidade de antecipação desses efeitos, também com relação àquela parte da demanda que não está mais controvertida, satisfazendo assim o direito do autor, sem que este tenha que esperar até o provimento final.

            A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda é uma solução que foi encontrada para os casos em que a demanda está parcialmente resolvida seja porque o réu não contestou determinados fatos, ou reconheceu uma parte do pedido, ou ainda, quando existem pedidos cumulados e alguns deles não se encontram mais controvertidos.

            Além de verificar a tutela antecipada quando existe a urgência, busca-se estudar o instituto quando o réu, de maneira protelatória deixa de cumprir com o seu dever de lealdade com o processo, ou seja, quando não há mais controvérsia a respeito de determinado fato ou direito e o réu deixa de satisfazer o direito do autor.

2. Tutela antecipada

            2.1. Breve histórico

            A tutela antecipada, apesar de ter sido criada com essa denominação em 1994 com o novo art. 273 do Código de Processo Civil, já existia em nosso ordenamento jurídico, muitas vezes com natureza diversa da atual, mas sempre procurando antecipar os efeitos da sentença diante da urgência.

            Nelson Nery Jr. ressalta a semelhança estrutural da tutela antecipada com os interditos possessórios, "pois os interditos adiantam os efeitos executivos do provimento jurisdicional de mérito". (1)

            Além das possessórias, Nelson Nery Jr. (2) esclarece que existiam ainda no direito brasileiro outros instrumentos destinados a antecipar os efeitos da tutela de mérito, como a liminar nos writs constitucionais; em ação civil pública; na ação de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente; na busca e apreensão de menor em poder de terceiro, quando desnecessária a propositura da ação principal; nos embargos de terceiro, etc.

            O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 84, também possui uma figura muito semelhante com o atual art. 461 do Código de Processo Civil.

            Willian Santos Ferreira (3) cita ainda as liminares previstas na Lei 8.245/91, Lei do Inquilinato, nas hipóteses do art. 59, § 1o, que prevê a desocupação do imóvel, e do art. 68, II, que trata da revisional de aluguel. Ressalta, entretanto, que apesar de tais providências se assemelharem à tutela antecipada, são de natureza diversa.

            Além desses institutos, há ainda o que se denominou impropriamente de "cautelar satisfativa", onde se antecipava o próprio bem da vida pretendido pela parte requerente. As cautelares satisfativas contrariavam a natureza jurídica da tutela cautelar, mas como não havia outra medida eficaz, permitia-se o uso da cautelar como tutela satisfativa e não apenas assegurativa. Atualmente, com o advento do art. 273 do Código de Processo Civil, esse tipo de cautelar não pode mais ser admitida.

            Portanto, a tutela antecipada não é um instituto totalmente novo, mas surgiu para organizar as situações que muitas vezes a jurisprudência, verificando a urgência que era necessária, antecipava efeitos ou o próprio provimento final.

            O estudo sobre a tutela antecipada, propriamente dita, iniciou-se segundo Nelson Nery Jr. (4), no 1o Congresso Nacional de Direito Processual Civil, que aconteceu em Porto Alegre, em julho de 1983, organizado pelo Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, coordenado pelo Prof. Dr. Ovídio Araújo Baptista da Silva.

            Em 1985, uma comissão formada pelos Profs. Drs. Luiz Antônio de Andrade, José Joaquim Calmon de Passos, Kazuo Watanabe, Joaquim Correia de Carvalho Jr. e Sérgio Bermudes, apresentou anteprojeto de modificação do Código de Processo Civil. Nelson Nery Jr. comenta que neste projeto: "colocou-se a tutela antecipatória junto com a tutela cautelar, tratando duas realidades distintas como se fossem a mesma coisa". (5)

            A Comissão da Escola Nacional da Magistratura, em 1991, reformulou os antigos projetos, colocando a tutela antecipada no livro do processo de conhecimento.

            Em 1992, foi publicada a primeira obra sobre o tema, de autoria de Luiz Guilherme Marinoni – Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória.

            Finalmente, em 1994, pela Lei 8.952/94 inseriu-se no ordenamento jurídico brasileiro a tutela antecipada, dando nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil. No mesmo ano, a regra do art. 84, § 3o do Código de Defesa do Consumidor e do art. 213 do Estatuto da Criança e do Adolescente, prevendo a antecipação da tutela específica nas obrigações de fazer e não-fazer, estendeu-se a todo processo civil, através do art. 461 do CPC.

            2.2. Generalidades

            Antes de adentrarmos ao estudo da tutela antecipada, cumpre-nos fazer algumas observações essenciais à perfeita compreensão da antecipação da tutela, diferenciando alguns institutos.

            2.2.1. Tutela e Provimento

            Entende-se por tutela aquilo que se visa com o processo, ou seja, o pedido mediato do autor; já o provimento é a resposta ao pedido do autor, a prestação jurisdicional, ou seja, o pedido imediato.

            Esclarecendo a diferença entre pedido imediato e pedido mediato, diz Humberto Theodoro Jr.: "o pedido que o autor formula ao propor a ação é dúplice: 1o, o pedido imediato, contra o Estado, que se refere à tutela jurisdicional; e 2o, o pedido mediato, contra o réu, que se refere à providência de direito material". (6)

            Em outras palavras, o provimento tem relação com o direito processual, é a resposta jurisdicional ao pedido do autor; e a tutela tem relação com o direito material, é o bem da vida que o autor visa obter com a prestação jurisdicional.

            Como explica Willian Santos Ferreira:

            "(…) anteriormente ao processo, verifica-se a previsão legal aplicável (sem a eficácia concreta); no segundo momento, durante o processo, ter-se-á o reconhecimento da previsão legal aplicável (provimento – não importando se a ação é julgada procedente ou improcedente), e, por último, a concretização, materialização deste reconhecimento (tutela efetiva)." (7) (grifos nossos)

            Como se percebe, a tutela encontra-se após o provimento, somente depois deste é que ela será obtida. Conclui-se, então, que o provimento é o meio para se alcançar a tutela. Assim:

            "(…) alcançar o bem da vida almejado através do provimento satisfativo (caráter instrumental = meio) é a concretização do preconizado direito material.

            Daí parece claro que a tutela só pode considerar-se efetivamente alcançada quando verificar-se esta concretização. E aqui temos a instrumentalidade executada no escopo de alcançar-se a tão almejada efetividade, ou seja, a concretização do preconizado no direito material." (8)

            Portanto, com o instituto da tutela antecipada, visa-se antecipar os efeitos da tutela e não do provimento, ou seja, antecipar os efeitos concretos do pedido mediato.

            2.2.2. Antecipação dos Efeitos da Tutela e Antecipação da Tutela

            O art. 273 do Código de Processo Civil fala em antecipar os efeitos da tutela pretendida. Verifica-se, portanto, que antecipar os efeitos da tutela não é o mesmo que antecipar a tutela.

            Não se antecipa a tutela condenatória, declaratória ou constitutiva, mas sim os efeitos que qualquer uma delas produziria no plano de direito material.

            Confirmando essa diferenciação, diz José Roberto Bedaque:

            "Assim, na tutela condenatória, a própria satisfação do direito é antecipada, ainda que parcialmente, com o início dos atos materiais de execução, mesmo sem que haja condenação prévia e, portanto, sem o título executivo." (9)

            2.3. Alcance da antecipação

            Os efeitos do pedido da parte podem ser antecipados total ou parcialmente. A fixação dos limites da tutela antecipada não é ato discricionário do juiz, devendo estar sempre vinculado ao princípio da necessidade. (10)

            Assim como na sentença, o juiz não pode conceder mais, diversamente, ou menos do que o requerido pela parte, mas pode antecipar parcialmente o pedido da parte. Esse requerimento refere-se ao pedido de antecipação e não ao pedido final.

            2.4. Oportunidade para requerimento e concessão

            A antecipação dos efeitos da sentença final pode ser requerida pela parte legitimada, desde que presentes os requisitos, na inicial, após a contestação, durante o processo e até mesmo em grau de recurso, já que não existe na lei nenhuma limitação à concessão desta na hipótese do inciso I do art. 273.

            O juiz pode conceder a antecipação da tutela a qualquer tempo, até mesmo inaudita altera parte, ou seja, antes da entrada do réu no processo. Tal medida se justifica, porque muitas vezes a urgência não permite que se espere pela citação e contestação do réu, podendo tornar ineficaz a antecipação.

            O princípio do contraditório não constitui óbice para a concessão da tutela antecipada inaudita altera parte, pois neste caso haverá um contraditório diferido, realizado num momento posterior. Além disso, a reversibilidade da tutela antecipada, garante que o réu não sofrerá qualquer prejuízo com a sua manifestação posterior à decisão.

            A liminar antecipatória jamais poderá assumir o efeito exauriente da tutela jurisdicional. Mesmo deferida in limine, o processo forçosamente terá de prosseguir até o julgamento final de mérito (§ 5o). Por isso a liminar prevista no novo art. 273 pode conviver com o princípio do contraditório. (11)

            Se o juiz não conceder a tutela antecipada de plano, poderá marcar audiência de justificação prévia, citando-se para tanto o réu. Willian Santos Ferreira (12) entende que essa audiência poderá ser marcada também para permitir ao requerente da tutela antecipada a produção de prova testemunhal, já que a lei não restringiu a comprovação dos requisitos da prova inequívoca e verrossimilhança apenas às provas documentais.

            Já na hipótese do inciso II, do art. 273, onde se pressupõe um abuso de defesa ou propósito protelatório do réu, o momento de requerimento e a concessão é controvertido na doutrina. Uma corrente diz que "somente pode ocorrer após a resposta" (13). Entretanto, outra corrente diz que a antecipação, nesta hipótese, poderia ocorrer antes da citação e da contestação do réu, ao menos em uma de suas modalidades.

            2.5. Legitimidade para o requerimento

            Pode requerer a tutela antecipada aquele que pretende antecipar um ou alguns dos efeitos que só alcançaria com o provimento final. Portanto, não restam dúvidas de que o autor da ação tem legitimidade para requerer a antecipação, pois é ele quem faz o pedido.

            Se somente quem pede pode requerer a concessão da tutela antecipada, todos os que podem pedir, tem o direito de requerer a antecipação dos efeitos de sua pretensão.

            Além do autor, têm legitimidade, segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, o denunciante, na denunciação da lide; o opoente, na oposição; o autor da ação declaratória incidental (…). O assistente simples do autor pode pedir a tutela antecipada, desde que não se oponha ao assistido. O assistente litisconsorcial, quando no pólo ativo, pode requerer a tutela antecipada, independentemente da vontade do assistido. Saliente-se que, neste caso, o assistente não estará fazendo pedido em sentido estrito, mas apenas pleiteando seja concedida a antecipação dos efeitos da sentença. (14)

            O réu também pode requerer a tutela antecipada quando formula pedido, ou seja, na reconvenção, pois é o autor desta; nas ações de natureza dúplice, pois nestas pode oferecer pedido contraposto e requerer a sua antecipação; ou ainda, quando é autor da ação declaratória incidental, já que assume posição ativa.

            Tratando-se de ação declaratória incidental, como observa Willian Santos Ferreira citando Antonio Cláudio da Costa Machado: "(…) se for ajuizada pelo réu este deverá ter contestado, uma vez que deverá haver impugnação específica para tornar controvertida a relação jurídica prejudicial (…)". (15)

            Ainda seria cabível ao réu propugnar pela tutela recursal antecipada, quando este é o autor do recurso. Willian Santos Ferreira esclarece que: "não é tutela antecipada propriamente dita, uma vez que não se está concedendo o bem da vida almejado (…), estará havendo uma antecipação dos efeitos de um eventual e provável provimento de recurso". (16)

            Na simples contestação, a princípio não seria possível ao réu requerer a antecipação da tutela, mas Luiz Guilherme Marinoni lembra que o réu na contestação não formula pedido, mas solicita a improcedência do pedido, ou seja, uma declaração. Neste caso poderia o réu requerer a tutela antecipada desde que estivessem presentes circunstâncias que o fizessem crer que o autor o impediria de praticar atos que seriam legítimos se a ação fosse improcedente. (17)

            Luiz Guilherme Marinoni cita ainda a hipótese do chamamento ao processo, dizendo que "o autor pode requerer a tutela antecipatória contra o réu originário ou contra os chamados. Se a tutela antecipatória é concedida, a parte que a satisfez deve ser autorizada a executar (também antecipadamente) o devedor principal ou os outros devedores". (18)

            O Ministério Público também poderá requerer a antecipação (19), atuando como parte ou como fiscal da lei, pois tem os mesmos poderes e ônus que as partes. (20)

            2.6. Cabimento

            2.6.1. Ações condenatórias

            Não há dúvidas sobre o cabimento da tutela antecipada nas ações condenatórias. Sobre esse assunto não há divergência na doutrina.

            Discute-se, todavia, se o cumprimento da decisão antecipatória sujeita-se a ação autônoma ou se a medida é cumprida na própria ação de conhecimento. Procurando solucionar a questão, Teori Albino Zavascki, diz que a melhor solução é cumprir a decisão da tutela antecipada na própria ação de conhecimento, mediante ordens ou mandados. Salvo quando se tratar de antecipação de pagamento de quantia certa, pois em tal caso depende-se da vontade do executado ou de atos de expropriação, insuscetíveis de serem realizados na própria ação; devendo nesta hipótese entrar com ação de execução provisória por quantia certa. Outra exceção ocorreria quando a obrigação fosse ilíquida. (21)

            2.6.2. Ações Declaratórias

            As ações declaratórias visam apenas a declaração da existência ou inexistência da relação jurídica; excepcionalmente a lei pode prever a declaração de meros fatos. O provimento jurisdicional invocado exaure-se, nessa hipótese, na decisão quanto à existência ou à inexistência da relação jurídica. (22)

            Assim, verifica-se que o pedido imediato deste tipo de ação (pronunciamento), confunde-se com o pedido mediato (tutela), pois se visa apenas uma declaração e sendo esta feita na sentença, exaure-se também a pretensão material da parte.

            Por este motivo, a doutrina discute a possibilidade de antecipar os efeitos da sentença desse tipo de ação, já que aparentemente o pronunciamento não teria outros efeitos a produzir, além da própria declaração.

            Sobre este tema, Teori Albino Zavascki, prevê a possibilidade de antecipação da tutela somente quando a ação declaratória tiver cunho negativo, dizendo que:

            "Ora, essa eficácia negativa é, certamente, passível de antecipação, o que se dá, necessariamente, mediante ordens de não fazer contra o preceito, ou seja, ordens de abstenção, de sustação, de suspensão, de atos ou comportamentos." (23)

            Seguindo a mesma linha de raciocínio, verifica-se que a tutela antecipada pode ser requerida em ações declaratórias sempre que, além da simples declaração, exista algum efeito concreto desta declaração, como numa ação declaratória de nulidade de título cambial, o efeito concreto dessa declaração de nulidade é a insubsistência do protesto efetuado.

            Portanto, "na ação declaratória é possível a antecipação da tutela quanto a algum efeito executivo ou mandamental da sentença". (24)

            Com relação aos efeitos da ação declaratória, diz José Roberto Bedaque: "os provimentos declaratórios e constitutivos não são antecipados, o que ocorre com apenas alguns dos efeitos a ele inerentes". (25)

            Willian Santos Ferreira entende que cabe tutela antecipada nas ações declaratórias em que forem necessárias "determinadas providências para ajustar-se a realidade reconhecida na sentença" (26). Continua o autor dizendo que referidas ações são aquelas denominadas de "ações declaratórias que tenham repercussões práticas", nos ensinamentos de Kazuo Watanabe, como "a ação declaratória de paternidade em relação aos alimentos; ou as que contenham alguma carga constitutiva, como a de desfazimento da eficácia de um ato nulo, ou a sua propriedade de, apesar de nulo, produzir efeitos". (27)

            2.6.3. Ações Constitutivas

            Processo constitutivo é aquele que visa um provimento jurisdicional que constitua, modifique ou extinga uma situação jurídica. (28)

            Também é grande a divergência quanto ao cabimento da tutela antecipada nas ações constitutivas.

            Doutrinadores renomados, como Teori Albino Zavascki (29), dizem que é incabível antecipar simplesmente efeitos declaratórios ou constitutivos. Referido doutrinador, justifica seu posicionamento afirmando que a antecipação dessas tutelas não traria qualquer efetividade, não sendo compatível com o princípio da necessidade.

            Admitindo o cabimento da tutela antecipada nas ações constitutivas, esclarece Luiz Guilherme Marinoni:

            "É preciso dizer, antes de mais nada, que depois de muita meditação chegamos à conclusão, contrária à doutrina dominante, que não há motivo que possa impedir, na perspectiva técnico-processual, uma constituição ou uma declaração fundada em cognição sumária." (30)

            O raciocínio a ser realizado para se chegar à conclusão do cabimento ou não da antecipação da tutela neste tipo de ação é o mesmo realizado para verificar o cabimento na ação declaratória, atentando para a eficácia ou não dos efeitos antecipados.

            Ora, é claro que não se pode antecipar a criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica. Entretanto, nada impede que, presentes os requisitos e verificando que referida antecipação terá utilidade para a parte requerente, possam ser antecipados alguns dos efeitos dessa criação, modificação ou extinção. Exemplificando, diz Kazuo Watanabe:

            "Na ação em que se peça a anulação de uma decisão assemblear de sociedade anônima de aumento de capital, em vez de antecipar desde logo o provimento desconstitutivo, deverá ater-se à antecipação de alguns efeitos do provimento postulado, como o exercício do direito de voto correspondente segundo a situação existente antes do aumento de capital objeto da demanda ou a distribuição de dividendos segundo a participação acionária anterior ao aumento de capital impugnado, etc." (31)

            2.7. Requisitos

            Para a concessão da tutela antecipada exige-se a presença dos requisitos previstos pelo art. 273 do Código de Processo Civil. Podemos dividi-los em requisitos genéricos, que sempre devem estar presentes, e requisitos específicos, que são alternativos, ou seja, apenas o preenchimento de um deles permite a antecipação da tutela.

            2.7.1. Requisitos Genéricos

            2.7.1.1. Requerimento da parte

            Ao juiz é vedada a concessão da tutela antecipada ex officio, ou seja, para que possa ser concedida deve ser requerida pela parte. Como visto anteriormente, o requerimento pode ser feito por qualquer um dos sujeitos legitimados, quais sejam, o autor, o opoente, o denunciante, o autor da ação declaratória incidental, o assistente, o autor do chamamento ao processo, o Ministério Público. Podendo, ainda, ser legitimado o réu, na reconvenção, nas ações de natureza dúplice, na declaratória incidental (quando é o autor), ou quando é recorrente.

            2.7.1.2. Prova inequívoca e verossimilhança da alegação

            Muita divergência existe com relação a exata conceituação desses requisitos. Alguns citam os requisitos como expressões sinônimas, outros os definem com sentido diverso, e outros ainda, conceituam os dois requisitos de forma conjugada.

            A princípio, verificando o sentido literal de cada requisito separadamente, chega-se à conclusão de que são antagônicos, pois prova inequívoca seria uma certeza e não uma verossimilhança.

            João Batista Lopes, tentando solucionar essa questão, diz que:

            "para que a norma não perca sua operatividade não deverão os juízes interpretar literalmente seu enunciado, mas tomar em atenção a ratio legis e, pois, satisfazer-se com prova segura das alegações do autor." (32)

            No mesmo sentido diz Teori Albino Zavascki:

            "O que a lei exige não é certamente, prova de verdade absoluta -, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução – mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade." (33)

            Conjugam-se os elementos prova inequívoca e verossimilhança: aquela haverá de ser suficiente para emprestar verossimilhança à alegação contida na inicial, que constitui causa de pedir (34), atrelando-se à verossimilhança da alegação e não à absoluta certeza de procedência da demanda.

            Para conciliar as expressões "prova inequívoca" e "verossimilhança", aparentemente contraditórias, exigidas como requisitos para a antecipação da tutela de mérito, é preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre elas, o que se consegue com o conceito probabilidade, mais forte do que verossimilhança, mas não tão peremptório quanto à exigência da prova inequívoca. (35)

            Assim, a parte "deverá oferecer prova inequívoca que confira verossimilhança à alegação (rectius, dos efeitos práticos do provimento)." (36)

            Em acórdão do 2o Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu-se que:

            "(…) as expressões ‘prova inequívoca’e verossimilhança da alegação’, embora se mostrem contraditórias entre si, exigem um juízo valorativo de alta probabilidade, bem próximo da certeza do direito e completamente afastado da situação de dúvida. Somente assim poder-se-á admitir a presença do requisito da irreparabilidade do dano do direito alegado, em confronto com a excludente da irreversibilidade do provimento." (37)

            "Inexistindo prova inequívoca que impeça se convença o juiz da verossimilhança da alegação, e havendo a necessidade da produção da prova, descabe a outorga da tutela antecipada." (38)

            2.7.1.3. Reversibilidade

            A tutela não será concedida se for impossível o retorno ao status quo ante, isto é, se tiver caráter absolutamente satisfativo.

            Mas essa regra deve ser entendida com ressalvas, pois em seu sentido literal chegar-se-ia à conclusão de que nada poderia ser antecipado, pelo perigo da irreversibilidade.

            Para, de forma justa, obedecer este requisito deve-se sopesar as posições do autor e do réu, verificar se a antecipação realmente seria irreversível para o réu ou se a sua não concessão seria irreversível para o autor.

            Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery entendem que:

            "(…) a norma fala na inadmissibilidade da concessão da tutela antecipada, quando o provimento for irreversível. O provimento nunca é irreversível, porque provisório e revogável. O que pode ser irreversível são as conseqüências de fato ocorridas pela execução da medida, ou seja, os efeitos decorrentes de sua execução. De toda a sorte, essa irreversibilidade não é óbice intransponível à concessão do adiantamento, pois, caso o autor seja vencido na demanda, deve indenizar a parte contrária pelos prejuízos que ela sofreu com a execução da medida" (39)

            Eduardo Talamini entende que a determinação do § 2o de não se conceder a tutela antecipada quando houver perigo de irreversibilidade não é absoluta. E deve ceder "toda a vez que o interesse que vier a ser gravemente prejudicado pela falta da medida antecipatória for mais urgente e relevante do que aquele que seria afetado pelos efeitos irreversíveis da antecipação. Aplicar-se-á o princípio da proporcionalidade". (40)

            Conclui-se que esse requisito não é absoluto, podendo deixar de cumpri-lo quando o autor for mais onerado pela não concessão do que o perigo de irreversibilidade que o réu poderia sofrer. E se, realmente houver a improcedência da ação e for impossível retornar-se ao status quo ante, deve o autor indenizar o réu pelos prejuízos sofridos.

            Deve-se ainda ressaltar que, como anteriormente se disse, tutela e provimento não se confundem. Tutela se refere ao direito material, ao bem da vida almejado pelo autor. Já o provimento é o pedido imediato, procedência ou não da ação. Dessa forma, provimento é o meio pelo qual se viabiliza a tutela.

            Nessa esteira, o § 2o do art. 273 se refere ao provimento e não a tutela, deve-se então, para atender esse requisito, verificar no caso concreto se o provimento é irreversível, ou seja, se o pedido imediato for reversível, nada obsta a antecipação dos efeitos da tutela. De outra vértice, se a tutela, ou seja, o pedido mediato da ação for irreversível, ainda assim, será perfeitamente possível a concessão da tutela antecipada.

            2.7.2. Requisitos Específicos

            2.7.2.1. Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

            Esta hipótese está prevista no inciso I do art. 273 do Código de Processo Civil. Também é denominada de antecipação assecuratória ou protetiva, pois antecipa por segurança.

            Exige-se como condição para a concessão da tutela antecipada que exista urgência, ou seja, que a parte não possa esperar o tempo necessário para o provimento final, pois se assim o fizesse correria o risco de não conseguir a satisfação de sua pretensão, ocorrendo um dano irreparável ou de difícil reparação.

            É o periculum in mora da tutela cautelar, porém não se confunde com esta como veremos adiante.

            Vicente Greco Filho, conceitua o periculum in mora como: "a probabilidade de dano a uma das partes de futura ou atual ação principal, resultante da demora do ajuizamento ou processamento e julgamento desta e até que seja possível medida definitiva". (41)

            Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave. (42)

            O risco de dano irreparável ou de difícil reparação é risco concreto, atual e grave. Se o risco é iminente não se justifica a antecipação da tutela. É indispensável a ocorrência do risco de dano anormal, cuja consumação possa comprometer, substancialmente, a satisfação do direito subjetivo da parte. (43)

            Note-se, que tal reparabilidade do dano pode ser auferida tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo. Portanto, considera-se irreparável o dano que não permite nem sua reparação específica e seu respectivo equivalente e, também quando o responsável não tenha condições para efetuar sua restauração.

            Ademais, sempre que ocorrer a supressão total ou inutilização, pelo menos de grande monta, do interesse que se espera com a composição da lide, há dano grave e, conseqüentemente, de difícil reparação.

            2.7.2.2. Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu

            Previsto no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil. Teori Albino Zavascki denomina essa hipótese de antecipação punitiva, ressaltando que tem semelhança com as causas originantes das penalidades impostas a quem põe obstáculos à seriedade e à celeridade da função jurisdicional, previstas no Código de Processo Civil. (44)

            Nessa hipótese não é exigida a urgência como ocorre no inciso I.

            Não há um consenso sobre o significado de abuso de direito de defesa e manifesto propósito protelatório do réu.

            Humberto Theodoro Jr. afirma que ocorre o abuso de direito de defesa "quando o réu apresenta resistência à pretensão do autor, totalmente infundada, ou contra direito expresso, e ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa." (45)

            Beatriz Catarina Dias distingue as expressões da seguinte forma:

            "A referência a abuso de direito de defesa demonstra que o legislador está se referindo a atos praticados para defender-se, ou seja, a atos processuais. Por abuso de defesa seriam entendidos os atos protelatórios praticados no processo (…)

            Já o manifesto propósito protelatório seria decorrente do comportamento do réu, abrangendo atos e omissões fora do processo, não obstante com ele relacionados." (46)

            Outra discussão consiste na possibilidade de o réu praticar atos de abuso de defesa ou de propósito protelatório antes da contestação e até mesmo antes da sua citação.

            Duas correntes existem na doutrina brasileira. A primeira que entende que só seria possível a antecipação da tutela com fundamento no inciso II do art. 273, após a citação do réu. A segunda corrente, a qual Humberto Theodoro Jr. faz parte, admite a possibilidade da antecipação até mesmo antes da citação, pois o abuso de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu "tanto pode ocorrer na contestação como em atos anteriores à propositura da ação, como notificação, interpelações, protestos ou troca de correspondência entre os litigantes". (47)

            2.8. Fundamentação da decisão

            Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões de seu convencimento. (48)

            A norma fala da decisão que antecipar a tutela, mas deve ser fundamentada também a decisão que denegar a antecipação.

            Essa exigência de fundamentação para a decisão que concede ou denega a antecipação da tutela só veio para reforçar uma exigência do Código de Processo Civil, em seu art. 165, que dispõe: "as sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso."

            Da mesma forma a Constituição Federal, em seu art. 93, IX, não autoriza ao juiz decidir sem fundamentar, demonstrando as razões de seu convencimento.

            2.9. Executividade

            O § 3o do art. 273 diz que a execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588. Ressalta-se que essa norma somente será aplicada "no que couber".

            O art. 588 refere-se a execução provisória da sentença e seus princípios. Daí, conclui-se a execução da tutela antecipada será sempre provisória.

            Para referida execução provisória da tutela antecipada não será exigida caução, já que excluiu-se o inciso I do art. 588. Porém o restante desse primeiro inciso deve ser seguido, ou seja, a execução provisória corre por conta e responsabilidade do credor, obrigando-o a reparar os danos causados ao devedor. Essa responsabilidade é objetiva, ou seja, não necessita da prova de culpa. (49)

            A execução provisória não abrange atos que importem alienação de domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro (50).

            Sobrevindo sentença que modifique ou anule a decisão que foi objeto da execução provisória, esta ficará sem efeito, restituindo-se as coisas no estado anterior. Entretanto, se referida decisão for modificada ou anulada apenas em parte, somente nessa parte ficará sem efeito a execução. (51)

            Willian Santos Ferreira, ressalta que a execução normalmente será realizada nos próprios autos, salvo na hipótese de deferimento por juízo superior em grau recursal ou quando proferida na sentença ou pouco antes desta, devendo ser extraída carta para possibilitar a execução. Por ser execução lato sensu, há a impossibilidade de ajuizamento de embargos à execução. (52)

            2.10. Revogabilidade

            A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, conforme o § 4o do art. 273.

            Teresa Arruda Alvim Wambier ao comentar essa disposição, aduz :

            "Parece, todavia, que se deve entender que esta modificação só pode ter lugar se a situação de fato subjacente ao processo também se alterar e fizer com que, por exemplo, desapareçam os pressupostos da manutenção da medida concedida ou surjam os pressupostos que determinem sua concessão.

            Assim, e mais rigorosamente, não se poderá dizer que a decisão terá sido propriamente alterada, mas o que terá havido terá sido a prolação de outra decisão, para outra situação." (53)

            A modificação da tutela antecipada não pode ser realizada de ofício pelo juiz, mesmo que a situação tenha se alterado, somente sendo admissível quando ocorrer provocação da parte, como a interposição de recurso. Devendo-se utilizar como parâmetro as liminares possessórias. (54)

            Da mesma forma, um pedido de reconsideração da decisão que concedeu ou não a tutela antecipada, não poderia ser apreciado pelo juiz, pois neste caso ocorreu a preclusão pro judicato e como o pedido de reconsideração não é tecnicamente provocação da parte, o juiz nada poderia decidir. (55)

            Essa conduta se justifica, pois se para a antecipação da tutela se exige, embora em cognição sumária, uma convicção mais firme que a exigida para a tutela cautelar, esta idéia de variabilidade da posição do juiz não se coaduna com a solidez da argumentação exigida para a antecipação da tutela. O juiz pode alterar sua decisão se modificados os fatos, e não se modificada a sua percepção a respeito dos fatos. (56)

            Portanto, o juiz não pode modificar ou revogar a tutela antecipada, ex officio, necessitando para tanto da provocação da parte. Willian Santos Ferreira entende que: "da mesma forma que a concessão só pode ocorrer mediante requerimento expresso da parte, a revogação ou modificação também dependem de requerimento", salvo quando se tratar de sentença de mérito, que é fundada em cognição exauriente.

 

Quando a tutela antecipada é concedida e ao final a sentença é de procedência, coincidindo com os efeitos antecipados, desde que não sejam inferiores, não haverá a revogação da tutela antecipada. Neste caso não há sequer a exigência de que o magistrado se manifeste sobre a sua manutenção quando da sentença (57). Até mesmo, se houver apelação, com efeito suspensivo, não haverá a revogação, porque a duração da tutela antecipada tem início no momento de sua concessão, ou seja, da decisão interlocutória e a suspensividade da apelação não atingirá provimentos pretéritos como essa decisão. Mas, se a apelação é provida, haverá a revogação da tutela. (58)

            Em contrapartida, a improcedência do pedido na sentença de mérito, trará como conseqüência a revogação da antecipação concedida.

            2.11. Recurso cabível

            A decisão que concede ou não a antecipação da tutela é decisão interlocutória e pela regra do art. 522 do Código de Processo Civil, o recurso cabível é o agravo.

            Resta saber qual das formas de agravo seria cabível, se poderia ser retido ou por instrumento.

            O agravo retido não seria pertinente por falta de interesse da parte recorrente, pois o que interessa para esta é a cassação ou concessão imediata da tutela antecipada e, de nada adiantaria aguardar até a eventual propositura do recurso de apelação para ver apreciado o agravo retido.

            Dessa forma, o recurso cabível é o agravo, somente na modalidade de instrumento.

            2.12. Distinção com tutela cautelar

            Muita confusão existe no tocante a diferenciação entre a tutela cautelar e tutela antecipada, alguns doutrinadores entendem que não haveria qualquer diferença, enquanto outros citam algumas distinções.

            O primeiro inciso do art. 273 do Código de Processo Civil, que prevê a hipótese da urgência, ou seja, o perigo da demora, é o que mais se aproxima da tutela cautelar, mas ainda assim difere sob alguns pontos. Na tutela antecipada não se antecipa o provimento judicial em si (que definirá a relação jurídica), nem apenas se assegura o resultado. O que se verifica é a antecipação dos efeitos da tutela definitiva, que, na verdade, coincide com o bem da vida almejado pelo autor, é a tutela satisfativa nos planos dos fatos, já que realiza o direito. O que o autor obtém, ainda que provisoriamente, é a admissão de seu pedido mediato, e não do seu pedido imediato, já que este último somente na sentença é que será apreciado.

            De acordo com o entendimento de José Frederico Marques, tutela cautelar:

            "(…) é o conjunto de medidas de ordem processual destinadas a garantir o resultado final do processo de conhecimento, ou do processo executivo". Dispõe ainda que "no processo cautelar, visa-se garantir outro processo, e indiretamente, a pretensão que dele é objeto. O processo cautelar é meio e modo para garantir, complexivamente, o resultado de outro processo, por existir o periculum in mora." (59)

            Portanto, a tutela cautelar gera efeitos no âmbito processual, pois garante a efetividade da demanda principal e jamais será satisfativa.

            Nesse mesmo sentido Willian Santos Ferreira diz que:

            "A tutela cautelar destina-se a assegurar a eficácia (prática) do processo de conhecimento ou de execução, não se concedendo, portanto, o próprio bem da vida almejado, mas apenas assegurando que, uma vez reconhecido judicialmente o cabimento de tal pretensão, aí sim o bem da vida seja entregue, sendo isto possível porque a eficácia prática da sentença foi protegida, acautelada". Cita Piero Calamandrei que se refere à cautelar como: "dar tiempo a la justicia de cumplir eficazmente su obra." (60)

            Enquanto na tutela cautelar concede-se no presente a proteção do que provavelmente será obtido no futuro, na tutela antecipada concede-se no presente o que só provavelmente seria obtido no futuro. A tutela antecipada diz respeito ao próprio direito objeto da ação, enquanto que a tutela cautelar consiste num meio colateral de ampará-los.

            A tutela antecipada pode ser requerida dentro do próprio processo, na petição inicial, ou a qualquer tempo. Portanto, não é requerida através de processo autônomo. A tutela cautelar é requerida em processo autônomo, porém, acessório ao principal.

            Para a concessão de tutela antecipada faz-se necessária a conjugação dos dois requisitos gerais, quais sejam: prova inequívoca e verossimilhança da alegação. Assim, exige-se para a sua concessão uma cognição sumária. Na tutela cautelar exige-se apenas o fumus boni iuris, ou seja, a verossimilhança, necessitando apenas de cognição superficial para a sua concessão.

            Ressaltando outra diferença Willian Santos Ferreira diz que:

            "(…) no art. 273 a preocupação é com a irreparabilidade ou sua difícil reparação, enquanto no artigo 798 fala-se em lesão grave, como se fosse possível admitir a concretização de uma lesão menos grave. Na tutela antecipada concede-se o bem da vida para evitar a imprestabilidade da decisão final, na cautelar apenas se protege o bem da vida almejado para evitar a imprestabilidade da decisão final."

            O segundo inciso do art. 273 prevê a hipótese da tutela antecipada punitiva, pois só será concedida quando houver abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Neste caso não há como se confundir com tutela cautelar, pois para a concessão desta é sempre necessária a urgência e nesta hipótese de tutela antecipada não se exige a urgência.

            A dúvida surge quando a tutela cautelar pode evitar o dano, se seria possível a utilização da tutela antecipada ou se esta não seria possível por falta de interesse. Ana Cláudia da Silveira Leal soluciona a questão dizendo que: "se o autor tem de preencher requisitos legais mais rigorosos (art. 273), faz ele jus a uma medida mais direta em face do adversário". (61)

            Além de todo o exposto, verifica-se ainda que a tutela antecipada é provisória, enquanto que a tutela cautelar é temporária. A distinção dos conceitos de provisoriedade e temporariedade é colocada por Ovídio A. Baptista da Silva com base na doutrina de Calamandrei, mostrando que temporário é simplesmente aquilo que não dura sempre, sem que se pressuponha a ocorrência de outro evento subseqüente que o substitua, enquanto o provisório, sendo como o primeiro também alguma coisa destinada a não durar para sempre, ao contrário daquele, está destinado a durar até que sobrevenha um evento sucessivo que o torne desnecessário. Afirma ainda, utilizando-se de um exemplo de Lopes da Costa, que os andaimes são temporários, e não provisórios, pois devem permanecer até que o trabalho exterior de construção seja ultimado; sendo, porém definitivos no sentido de que nada virá substituí-los. (62)

            Além de serem diferentes, não é admissível a concessão de tutela antecipada em processo cautelar, como diz o julgado: "Impossível a tutela nas cautelares, porque nelas não há julgamento de mérito." (63)

            2.13. Distinções com outros institutos

            2.13.1. Julgamento Antecipado da Lide

            No julgamento antecipado da lide, o juiz verificando que não é necessária a instrução probatória, profere antecipadamente a sua sentença, solucionando a lide.

            Ocorrerá o julgamento antecipado da lide quando a questão de mérito for unicamente de direito; quando a questão de mérito mesmo sendo de fato não necessite de produção de provas em audiência; e quando ocorrer a revelia.

            Essa providência difere da tutela antecipada, pois no julgamento antecipado profere-se uma sentença definitiva, de cognição exauriente, tendo a mesma natureza e peculiaridades daquela que se profere no estado normal do processo. Enquanto que, a tutela antecipada é uma decisão provisória, de cognição sumária, tendo natureza de decisão interlocutória.

            2.14. Concessão da tutela contra o Poder Público

            A Lei não prevê expressamente a possibilidade ou não de concessão da tutela antecipada em face do Poder Público. A doutrina, por sua vez, possui dois entendimentos: um que não admite e outro que admite a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública.

            Os autores que se filiam à primeira corrente, colocam como óbice à concessão da tutela antecipada em face da Fazenda Pública a Lei 8.437/92 que em seu art. 1o, não admite a concessão de liminares contra atos do Poder Público. Os adeptos da segunda corrente dizem que esta lei apenas veda a concessão de liminares, em ações cautelares ou preventivas que esgotem, no todo ou em parte, o objeto do processo, e, não se confundindo a tutela antecipada com a tutela cautelar ou preventiva, esse artigo não proibiria a tutela antecipatória.

            Outro argumento desfavorável à concessão da tutela antecipada nas ações em que a Fazenda Pública é ré, encontra-se no art. 475, II do CPC, que diz: "Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal, a sentença: II – proferida contra a União, o Estado e o Município, III – que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública."

            A corrente que admite a antecipação diz que referido artigo não pode ser aplicado na decisão que concede a tutela antecipada, pois esta seria uma decisão interlocutória e não uma sentença como prevê o inciso II do art. 475, do CPC.

            A Medida Provisória 1.570/97, convertida na Lei no 9.494/97, criou medidas protetivas à Fazenda Pública quanto à concessão da tutela antecipatória, determinando-se a aplicação das seguintes regras:

            a) não concessão de medida liminar, visando à reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou à concessão de aumento ou extensão de vantagens (art. 5o, caput, Lei 4.348/64).

            b) a execução dos provimentos finais referidos no art. 5o só poderá ocorrer após o trânsito em julgado da respectiva sentença (parágrafo único, art. 5o, Lei 4.348/64).

            c) o recurso voluntário ou ex officio, interposto da decisão concessiva que importe outorga ou adição de vencimento ou ainda reclassificação funcional terá efeito suspensivo (art. 7o, caput, Lei 4.348/64 e art. 3o, caput, da Lei 8.437/92).

            d) o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias asseguradas, em sentença final, a servidor público federal, da administração direta ou autárquica, e a servidor público estadual e municipal, somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial (art. 1o, caput, da Lei 5.021/66).

            e) não concessão de medida liminar para efeito de pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias (§ 4o, art. 1o, da Lei 5.021/66).

            f) não cabimento de medida liminar, contra atos do Poder Público, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal (art. 1o, caput, Lei 8.437/92).

            g) vedação, no juízo de primeiro grau, de medida cautelar inominada ou sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária do tribunal (§ 1o, art. 1o, da Lei 8.437/92), exceto quando se tratar de processos de ação popular e de ação civil pública (§ 2o, art. 1o, da Lei 8.437/92).

            h) não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação. (§ 3o, art. 1o, da Lei 8.437/92).

            i) havendo a possibilidade de a pessoa jurídica de direito público ré vir a sofrer dano, em virtude da concessão da liminar ou de qualquer medida de caráter antecipatório, será determinada a prestação de garantia real ou fidejussória (§ 4o, art. 1o, da Lei 8.437/92).

            j) compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a exceção da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas (art. 4o, caput, Lei 8.437/92). O presidente do tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em cinco dias (§ 2o). Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias (§ 3o). Aplica-se o disposto no art. 4o à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado (§ 1o).

            Como referida Lei surgiu para restringir a aplicação da tutela antecipada, presume-se cabível a antecipação da tutela contra a Fazenda Pública.

            Eduardo Talamini, ao comentar esta Lei, diz que algumas das vedações previstas por ela dizem respeito somente à "medida liminar", não abrangendo dessa forma as hipóteses de antecipação da tutela em outros momentos do processo, diversos daquele inicial, em que o demandado não teve o direito de defesa. (64)

            Já Cássio Scarpinella Bueno, diz que:

            "O juiz deverá antecipar a tutela – analisados e sopesados todos os valores incidentes na hipótese – toda vez que for o caso da mesma dever ser concedida. As presunções que recobrem o ato estatal – e que justificariam a proteção do interesse público subjacente, não há dúvidas, aos arts. 1o e 2o da Med. Prov. 1.570/97, convertida na Lei 9.494/97 – deverão ser afastadas, na exata medida em que, por iniciativa do particular, comprovar-se, em plena consonância com os valores prestigiados pelos ordenamentos constitucional e processual codificado mais recente, e, pois, ainda em cognição sumária do magistrado, a invalidade do comportamento estatal." (65)

            Nesse mesmo sentido, afastando a aplicação da Lei 9.494/97, Luiz Guilherme Marinoni diz que, se verificado que o autor não tem patrimônio e depende do bem reivindicado para ter tutelado um direito não patrimonial, não será possível a exigência do § 4o, do art. 1o, da Lei 8.437/92. Aliás, a prestação de garantia real ou fidejussória, jamais poderá impedir que o autor sem patrimônio execute a tutela antecipatória, ainda que fundada em abuso de direito de defesa (66). Em decisão do STF, em 16.04.97, foi concedida liminar para suspender a eficácia do § 4o, do art. 1o, da Lei 8.437/92. (67)

            Os doutrinadores Cássio Scarpinella Bueno e Eduardo Talamini questionam sobre a constitucionalidade de referida Lei, que restringe a concessão da tutela antecipada nas ações em que o Poder Público for réu. O STF, em 11/02/98, deferiu medida cautelar para suspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante até o final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art. 1o da Lei 9.494/97, sustando ainda, com a mesma eficácia, os efeitos futuros dessas decisões antecipatórias de tutela já proferidas contra a Fazenda Pública. (68)

            Porém, além das restrições previstas na Lei 9.494/97, deve-se atentar ao art. 100 da Constituição Federal, que diz que os pagamentos devidos pela Fazenda Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos. Da mesma forma, deve ser aplicado o art. 730 do Código de Processo Civil, que trata da execução contra a Fazenda Pública.

            Entretanto, Luiz Guilherme Marinoni, diz que:

            "(…) no caso em que o autor postula, por exemplo, o reajuste do seu salário, o juiz pode ordenar, em virtude da tutela antecipatória, a implantação do reajuste em folha, permitindo a satisfação imediata de um direito que, de outra forma, somente poderia ser realizado ao final do processo de conhecimento." (69)

            O STF, em recente decisão, admitiu o cabimento da antecipação da tutela em ação contra o Estado do Rio Grande do Sul, determinando que o Estado-réu pagasse aos autores, magistrados sul-rio-grandenses, a partir das futuras férias a serem usufruídas, a gratificação de férias prevista na Constituição, calculada sobre o total das férias a que fazem jus. (70)

            Também o STJ, entende cabível a concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública: "Afora a exceção restritiva prevista na Lei n. 9.494, de 10.9.997, é admissível a antecipação de tutela contra a Fazenda Pública". (71)

            Luiz Guilherme Marinoni, ressalta, ainda, que também é possível, contra a Fazenda Pública, a tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados (72), como explicaremos mais adiante.

            Diante do acima exposto, conclui-se que é possível a antecipação da tutela em ações onde a Fazenda Pública atue como ré, devendo, entretanto, atender às restrições legais.

 

3. Possibilidade de concessão da tutela antecipada com relação à parte incontroversa

            O objetivo do processo é a prestação jurisdicional. A jurisdição só é efetivamente prestada quando há a composição dos litígios, ou seja, quando o juiz soluciona a controvérsia antes existente entre as partes.

            A controvérsia é, portanto, a posição antagônica das partes em relação a determinado fato ou assunto. O juiz, para prestar a jurisdição deve solucionar a controvérsia, e para isto precisa de produção de provas e certo tempo para o seu convencimento.

            Assim, a demora do processo é necessária para solucionar a controvérsia.

            Entretanto, por diversas vezes, uma parte do processo deixa de ser controvertida seja porque o réu não contestou alguns fatos, ou porque reconheceu parte da pretensão do autor, ou ainda quando houve cumulação de pedidos e alguns já se encontram prontos para a decisão.

            Nesses casos, apesar de parte da demanda não estar mais controvertida, o autor tem que esperar até o julgamento final para ver satisfeita sua pretensão, pois não pode o juiz julgar apenas parte do pedido para depois da instrução julgar a parte controvertida.

            Como o réu, mesmo quando não há a controvérsia em parte da demanda, dificilmente cumpre espontaneamente a sua obrigação, o autor fica prejudicado, tendo que esperar até a prolação do provimento final.

            O autor, nesses casos, apesar de ter razão e ter demonstrado que o seu direito é melhor do que o do réu, é prejudicado pela demora do processo. Enquanto que o réu, que não tem razão, é beneficiado, protelando o cumprimento de sua obrigação até o término do processo.

            A doutrina brasileira moderna, visualizando a dificuldade e até mesmo a injustiça dessas situações, vem abordando sobre a possibilidade da antecipação da tutela com relação à parte incontroversa da demanda, com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, visando um processo mais eficaz.

            Nos ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni:

            "Se o tempo do processo é algo ineliminável, exatamente porque o Estado precisa de tempo para averiguar a existência dos direito, também é verdade que a demora do processo constitui um custo muito alto para a parte que tem razão. Custo que pode significar angústia, ansiedade, privação, necessidade e até mesmo miséria. Dessa forma, o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, processo é vida." (73)

            As hipóteses em que é possível a antecipação da tutela são: não contestação de alguns fatos, reconhecimento parcial da pretensão do autor, e a cumulação de pedidos, como veremos adiante.

            3.1. Não contestação de alguns fatos

            3.1.1. Ônus da impugnação específica

            O réu tem o ônus de contestar todos os fatos trazidos pelo autor ao processo. Isto não quer dizer que o réu tem o dever de contestar.

            Cabe ao réu, em virtude do princípio da eventualidade ou da concentração, quando da contestação, argüir toda a matéria de defesa, seja de caráter processual ou material, sob pena de preclusão.

            Além do ônus de se defender, conforme o art. 302 do CPC, o réu tem o ônus de impugnar especificadamente todos os fatos arrolados pelo autor, sob pena de presumirem-se verdadeiros os fatos não impugnados. Assim, é ineficaz a contestação por negação geral.

            Como cita Humberto Theodoro Jr.: "fato alegado na inicial e não impugnado pelo réu é fato provado". (74)

            Em alguns casos, porém, não há a presunção de veracidade dos fatos não impugnados pelo réu. Estas exceções são previstas expressamente pelo art. 302, nos inciso I a III:

            "Art. 302. Cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial. Presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados, salvo:

            I – se não for admissível, a seu respeito, a confissão;

            II – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considerar da substância do ato;

            III – se estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto."

            O inciso I diz respeito aos direitos indisponíveis, já que o art. 351 dispõe que não vale como confissão a admissão em juízo de fatos relativos a direitos indisponíveis. O inciso II coaduna-se com a previsão do art. 366, que diz que quando a lei exigir, como da substância do ato, o instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que seja, pode suprir-lhe a falta. Já o inciso III, não considera como verdadeiros os fatos não impugnados se estes estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto, ou seja, se contestado apenas um ou alguns fatos diretamente, por incompatibilidade lógica, os demais foram implicitamente rejeitados.

            Esta regra, quanto ao ônus da impugnação específica dos fatos, não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público. (75)

            A impugnação específica dos fatos tem por objeto delimitar a controvérsia da demanda. A não contestação de um ou alguns fatos, leva a presunção de veracidade, pois este(s) fica(m) incontroverso(s).

            Ressalte-se que além da não contestação, a contestação por evasivas também não torna controverso o fato alegado pelo autor, além de poder configurar deslealdade processual, prevista nos arts. 14 e 17, do Código de Processo Civil.

            A não contestação, não implica necessariamente na procedência do pedido. A presunção de veracidade difere da procedência da ação. Até porque, a presunção de veracidade diz respeito apenas aos fatos alegados e não ao direito.

            Mesmo que os fatos alegados pelo autor na sua petição inicial sejam considerados como verdadeiros, o juiz, quando do julgamento, pode decidir pela improcedência da ação. A ação somente será procedente se os fatos alegados na inicial forem razoáveis, e a eles corresponder os efeitos jurídicos afirmados pelo autor.

            Nesse sentido, é a decisão do Superior Tribunal de Justiça:

            "A falta de contestação conduz a que se tenham como verdadeiros os fatos alegados pelo autor. Não, entretanto, a que necessariamente deve ser julgada procedente a ação. Isso pode não ocorrer, seja em virtude de os fatos não conduzirem às conseqüências jurídicas pretendidas, seja por evidenciar-se existir algum, não cogitado na inicial, a obstar que aquelas se verifiquem." (76)

            3.1.2. Contestação genérica

            A não contestação de todos os fatos alegados pelo autor conduz a presunção de veracidade. O mesmo ocorre quando o réu contesta de forma genérica, pois neste caso a contestação em nada auxiliará para a limitação da controvérsia e conseqüentemente para a solução do litígio. Com a contestação genérica do réu, os fatos alegados pelo autor tornam-se incontroversos, diante da presunção de veracidade dos fatos não impugnados especificamente, autorizando o juiz a julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, I, do CPC.

            Entretanto, nem sempre o julgamento antecipado da lide pode ser eficaz, pois não permitirá a execução imediata da sentença, não permitindo assim, a satisfação imediata do direito do autor que se tornou incontroverso. Então, o juiz pode, neste caso, conceder a tutela antecipada, mesmo se já estiver em condições de proferir a sentença de mérito, "evitando assim, que o custo do duplo grau de jurisdição possa recair sobre os ombros do autor que detém um direito que não foi controvertido por participação inepta e indevida do réu". (77)

            3.1.3. Revelia

            A revelia pode ocorrer em duas hipóteses: a) quando o réu não apresenta contestação e não comparece em juízo, e b) quando o réu não apresenta contestação apesar de comparecer em juízo.

            Na primeira hipótese, quando o réu não apresenta contestação e não comparece em juízo, a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor não é absoluta, pois vários podem ser os motivos que impediram o réu de se defender. Enquanto na não contestação o réu realmente não quis se defender sobre determinados fatos, na revelia, ele pode ter tido dificuldades em fazê-lo. Luiz Guilherme Marinoni, diz que pretende-se com tal entendimento "não se atribuir à revelia uma qualidade negativa, até mesmo porque ela deve ser analisada na perspectiva dos aspectos sociais que envolvem o processo do dia-a-dia". (78)

            Entretanto, na prática, muitas vezes o réu não contesta e não comparece em juízo apenas porque não tem interesse em colaborar para a solução da demanda. Assim, o juiz, no caso concreto, verificará se realmente aquele réu não teve condições de comparecer em juízo ou se não teve interesse em fazê-lo. Se concluir que o réu teve um descaso com o processo, poderá aplicar a norma do art. 319, do CPC, de forma absoluta, ou seja, presumir como verdadeiros os fatos alegados pelo autor na inicial, desde que, é claro, exista a razoabilidade destes.

            Na segunda hipótese, quando o réu não apresenta contestação, apesar de comparecer em juízo, comprovado fica o total descaso do réu com o sucesso ou não da demanda. Aqui, deve existir a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, pois o réu não quis se defender.

            O juiz, verificando que o réu compareceu em juízo e não contestou, pode julgar antecipadamente a lide, nos termos do art. 330, II, do Código de Processo Civil. Mas, como já foi dito no item anterior, essa providência não é eficaz, pois está sujeita ao duplo grau de jurisdição. Assim, poderá o juiz conceder a tutela antecipada, mesmo se já estiver em condições de proferir a sentença de mérito.

            3.1.4. Não contestação de um ou alguns dos fatos alegados pelo autor

            Nem sempre o julgamento antecipado da lide é possível, pois o réu pode ter contestado alguns fatos alegados pelo autor, deixando de contestar outros, tornando necessária a produção de provas com relação aos contestados, não podendo o juiz julgar definitivamente somente parte da ação.

            A não contestação não se confunde com a confissão, já que nesta o réu admite como verdadeiro um fato, ou um conjunto de fatos desfavoráveis a sua situação processual, mas favoráveis à pretensão de seu adversário. A confissão implica numa posição ativa do réu, enquanto que a não contestação, requer um comportamento passivo do réu, a não impugnação de um ou mais fatos alegados pelo autor.

            Quando tal situação ocorre, não é justo exigir do autor que aguarde até a sentença final para ver satisfeita a parte incontroversa de seu pedido, se o réu não a satisfazer espontaneamente. Assim, perfeitamente admissível o requerimento de antecipação da tutela com relação aos fatos não impugnados.

            Exemplo comumente citado é aquele em que o autor procura receber 100 e na contestação, o réu diz que deve apenas 50, pois já teria pago o restante. A questão controvertida é somente o pagamento ou não da quantia de 50, o restante deixou de ser controvertido, mas mesmo assim, o credor tem que esperar até o final do processo para ver satisfeita essa quantia incontroversa.

            Rogéria Dotti Doria, diz que essa situação não é adequada, nem sob o ponto de vista técnico, nem a partir de uma ótica de justiça, pois fazer com que o credor tenha que aguardar dois ou três anos até uma decisão com trânsito em julgado, quando o devedor, desde o início já confirmou dever uma parte, é cientificamente inadmissível. O devedor, neste caso, não é obrigado nem mesmo moralmente a pagar essa quantia, pois a questão está sub judice. "E é claro que o devedor malicioso vai preferir aguardar até o final do processo para pagar o que sabe que deve…" (79)

            Luiz Guilherme Marinoni, ao analisar esse problema, comenta:

            "Nesses casos, segundo o nosso entendimento, é possível a tutela antecipatória, pois o autor somente pode esperar para ver realizado o seu direito quando este ainda depende de demonstração em juízo. Ou melhor: é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito que não se mostra mais controvertido." (80) (grifos no original)

            No mesmo sentido, são os ensinamentos de Nelson Nery Jr.:

            "Nada obsta que o autor peça o adiantamento da parte incontrovertida, sob a forma de tutela antecipatória, como, aliás, vem previsto no art. 186bis do Código de Processo Civil italiano, introduzido pela reforma que ocorreu naquele país em 1990. (…) Entendemos aplicável ao sistema processual brasileiro o mesmo procedimento, pois do contrário haveria abuso de direito de defesa do réu, que não contesta 100 mas nada faz para pagá-los, postergando o processo para a discussão dos outros 100 que entende não serem devidos. Assim, pode o juiz, a requerimento do autor, antecipar os efeitos executivos da parte não contestada da pretensão do autor, com fundamento no CPC, 273, II." (81)

            De fato, como foi dito antes, o inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil, prevê a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela, sempre que requerida pelo autor e presentes os requisitos de prova inequívoca e verossimilhança da alegação, ficar caracterizado o abuso de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

            Quando o réu contesta genericamente, ou não contesta um ou alguns dos fatos alegados pelo autor, é possível a tutela antecipada com fundamento no inciso II do art. 273, já que se visa impedir que o réu abuse de seu direito de defesa, protelando a realização de direitos incontroversos.

            Este técnica de tutela antecipada é prevista no direito italiano, com a nova disposição do art. 186-bis, do CPC, que estabelece:

            "Ordinanza per il pagamento di somme non contestate – [1] Su istanza di parte il giudice istrittore può disporre, fino al momento della precisazione delle conclusioni, il pagamento delle somme non contestate dalle parti costituite.

            [2] L’ordinanza costituisce titolo esecutivo e conserva la sua efficacia in caso di estinzione del processo.

            [3] L’ordinanza è soggeta alla disciplina delle ordinanze revocabili di cui agli articoli 177, primo e seconda comma, e 178, primo comma." (82)

            Ao comentar referido dispositivo, diz Luiz Guilherme Marinoni: "o art. 186-bis somente admite a tutela em caso de não contestação de soma" (83). O mesmo doutrinador diz que no direito brasileiro, a técnica da não contestação também é importante na hipótese de pedidos cumulados, mas deve-se admitir "não só a tutela para os casos de soma e entrega de coisas fungíveis, mas igualmente nas hipóteses de entrega de coisa infungível e de obrigação de fazer e de não fazer" (84).

            Exemplifica a hipótese de entrega de coisa infungível, da seguinte forma: "alguém pode estar obrigado a entregar dois objetos determinados e, quando exigido em juízo, não negar que deve entregar um dos objetos". No caso de obrigação de fazer, o doutrinador traz o seguinte exemplo: "um marceneiro se obriga a fazer determinados móveis. Proposta a ação, o devedor pode não negar que se obrigou a fazer alguns dos móveis descritos na inicial". (85)

            A tutela antecipada com relação à parte que ficou incontroversa em decorrência da não contestação, pelo réu, de um ou alguns fatos, poderá ser concedida inclusive nas ações declaratórias e constitutivas (86), como afirma Luiz Guilherme Marinoni. (87)

            3.1.5. Cognição quando há a não contestação de um ou alguns fatos

            Apesar de a tutela antecipada com relação a não contestação de um ou alguns fatos alegados pelo autor, ser anterior a sentença, não é fundada em mera probabilidade, como ocorre normalmente quando há concessão da tutela antecipada.

            A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda não é com base em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, ou seja, com a apreciação em toda a sua profundidade pelo juiz.

            Como salienta Luiz Guilherme Marinoni: "a tutela antecipatória nesses casos, não apresenta risco ao direito de defesa ou ao princípio do contraditório". (88)

            3.2. Reconhecimento parcial da pretensão do autor

            3.2.1. Distinções e conceito

            Não há que se confundir a não contestação de determinados fatos pelo réu com o reconhecimento parcial da pretensão do autor. Enquanto na não contestação o autor se omite em contestar determinados fatos, no reconhecimento parcial da pretensão do autor, o réu reconhece determinado pedido do autor, e não fatos como ocorre na não contestação. Da mesma forma, não se confunde com confissão, que apesar desta última ser espontânea, diz respeito somente aos fatos.

            Assim, no reconhecimento jurídico do pedido, o réu admite a procedência do pedido, impedindo que o juiz julgue propriamente a relação jurídica material, já que o processo somente será extinto com julgamento de mérito porque o réu reconheceu que o autor tem razão, devendo fazer coisa julgada material. Daí dizer-se que o reconhecimento jurídico do pedido vincula a decisão do juiz, pois este não poderá desconhecer do ato, devendo homologar a manifestação de vontade do réu.

            Diferenciando a confissão e o reconhecimento jurídico do pedido, afirma Luiz Rodrigues Wambier: "o reconhecimento do pedido alcança o direito, e não apenas os fatos, como a confissão. A manifestação de vontade do réu é no sentido de aceitar o direito alegado pelo autor, ou seja, as conseqüências jurídicas dos fatos apresentados na petição inicial". (89)

            Referindo-se ao reconhecimento jurídico do pedido, esclarece Humberto Theodoro Jr.:

            "O reconhecimento tem por objeto o próprio pedido do autor, como um todo, isto é, com todos os seus consectários jurídicos. É verdadeira adesão do réu ao pedido do autor, ensejando autocomposição do litígio e dispensando o juiz de dar a sua própria solução de mérito. O juiz apenas encerra o processo, reconhecendo que a lide se extinguiu por eliminação da resistência do réu à pretensão do autor." (90)

            O reconhecimento jurídico do pedido não poderá ser realizado quando se tratar de direitos indisponíveis, tal como ocorre na não contestação. "Para o reconhecimento jurídico do pedido deve, igualmente, não só ser levada em conta a disponibilidade do direito, mas também a capacidade da parte para dela dispor". (91)

            O réu pode reconhecer total ou parcialmente o direito do autor, como explica Luiz Rodrigues Wambier:

            "É possível o reconhecimento jurídico parcial, quando houver cumulação de pedidos. Nessa circunstância, o processo prosseguirá em relação ao(s) pedido(s) não reconhecido(s), mas tornam-se desnecessárias as provas e o julgamento a respeito do pedido expressamente reconhecido." (92)

            3.2.2. Concessão da tutela antecipada

            Quando o réu reconhece a totalidade do pedido do autor haverá o julgamento de mérito, extinguindo o processo, com fulcro no art. 269, II do Código de Processo Civil.

            Entretanto, se o réu reconhece apenas parte do pedido, supondo-se ser este suscetível de fracionamento, ou ainda, quando há pedidos cumulados e o réu reconhece apenas um ou mais, não haverá a extinção do processo, continuando este em relação ao restante do pedido.

            Com isso, o autor, apesar de já possuir parte de seu direito reconhecido pelo réu é obrigado a esperar até o término do processo, para obter a sua satisfação, já que dificilmente o réu cumprirá a sua obrigação espontaneamente, e para obrigá-lo é necessária a sentença final.

  Essa situação certamente constitui um atentado contra o princípio de que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito (ou de parcela de um direito) que não é mais controvertido, autorizando a concessão da tutela antecipatória com base no art. 273, II, do CPC, pois abusa do seu direito de defesa o réu que reconhece parcialmente a sua dívida e nada faz para pagá-la. (93)

            Nesse sentido, diz Rogéria Dotti Doria:

            "O cabimento da tutela antecipada no caso de reconhecimento do pedido encontra guarida no inciso II do artigo 273 do Código de Processo Civil, pois o réu que reconhece parte da pretensão do autor e ainda assim não a satisfaz, sem dúvida alguma, assume um comportamento protelatório e abusivo." (94)

            Deve-se ressaltar, que em caso de litisconsórcio passivo, o reconhecimento do pedido por apenas um dos réus não prejudicará os demais, o processo não sofrerá imediata extinção, mas prosseguirá, porém, a sentença necessariamente deverá se cindir, declarando a extinção do processo com julgamento de mérito com relação ao réu que reconheceu o pedido (formando, se for o caso, título executivo em relação a este) e julgando o mérito (concedendo ou não o pedido) em relação aos demais réus (95). Nesse caso, a tutela antecipada poderá ser concedida em relação ao réu que reconheceu juridicamente o pedido, para que o autor não seja obrigado a esperar até a prolação da sentença final, para ver cumprido um direito que já possuía desde que foi reconhecido pelo réu.

            Como foi dito anteriormente, não há razões para se limitar, no Brasil, a tutela antecipada, quando fundada no reconhecimento parcial do pedido ou na não contestação, somente aos casos de pagamento de soma em dinheiro, tal como ocorre no Direito Italiano. Portanto, é possível a tutela antecipada para entrega de coisas infungíveis e nas obrigações de fazer e não fazer, como no exemplo citado por Luiz Guilherme Marinoni:

            "Suponha-se, por exemplo, que alguém tenha se obrigado a entregar 500 quilos de cimento em uma determinada obra. Ocorrido o inadimplemento, o credor pede que o devedor entregue a matéria prima, e este último afirma que teria que entregar apenas 200 quilos, reconhecendo, assim, parcialmente a sua obrigação." (96)

            Igualmente como ocorre com a não contestação, é possível a antecipação dos efeitos da tutela, quando há um reconhecimento parcial da pretensão do autor, mesmo quando se tratar de ações declaratórias ou constitutivas.

            3.2.3. Cognição no reconhecimento parcial do pedido

            Ao tratar da tutela antecipada com relação ao reconhecimento parcial da pretensão do autor, diz Rogéria Dotti Doria:

            "Se o art. 273 do Código de Processo Civil autoriza a concessão da tutela antecipada com base em cognição sumária, ou seja, diante da probabilidade da existência do direito do autor, com muito mais razão deve se admitir essa tutela célere e eficiente para os casos em que o próprio réu já reconheceu a pretensão do autor. A demora do processo é algo, por si só, injusta e problemática. Mas é considerada um ônus com o qual as partes têm que conviver sempre que houver a controvérsia. Desaparecendo essa controvérsia, como ocorre diante da não contestação e do reconhecimento jurídico do pedido, a demora processual assume outra condição. Passa a ser inadmissível e odiosa. Insustentável cientificamente." (97)

            Dessa forma, verifica-se que a concessão da tutela antecipada com relação ao reconhecimento parcial do pedido, assim como ocorre quando da não contestação, é fundada em cognição exauriente. Até mesmo porque, o juiz estará vinculado ao reconhecimento do pedido feito pelo réu, como foi dito anteriormente.

            3.3. Cumulação de pedidos

            3.3.1. Conceito

            O art. 292 do Código de Processo Civil permite ao autor cumular, num único processo, contra o mesmo réu, vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. Na verdade, como salienta Luiz Rodrigues Wambier, "trata-se de cumular mais de uma ação contra o mesmo réu, pois, já que cada pedido autoriza uma ação independente, realmente existem tantas ações quantos forem os pedidos". (98)

            Pelo princípio da economia processual, o autor que possui mais de uma pretensão contra o mesmo réu, poderá, ao invés de entrar com uma ação para cada pedido, cumular num único processo todos os pedidos.

            Entretanto, para que a cumulação de pedido possa ocorrer são necessários três requisitos, previstos pelo art. 292, § 1o:

            I – que os pedidos sejam compatíveis entre si: pois, diferentemente do que ocorre na cumulação subsidiária, sucessiva ou eventual, onde os pedidos podem ser até opostos ou contraditórios, na cumulação efetiva é necessário que os pedidos sejam compatíveis e coerentes, não podendo ser excludentes, porque todos poderão ser atendidos;

            II – que seja competente para conhecer deles o mesmo juízo: como todos os pedidos serão decididos pelo mesmo juiz, é necessário que este seja competente para todos. Se se tratar de competência absoluta, não poderá haver a cumulação de pedidos de competência diversa, até mesmo porque o juiz poderá reconhecer ex officio a incompetência e repelir a cumulação. Porém, tratando-se de competência relativa, o juiz não poderá se manifestar sobre ela de ofício, e se, em alguns dos pedidos, o juízo não era originalmente competente, inexistindo exceção declinatória por parte do réu, ocorrerá o fenômeno da prorrogação de competência para todos os pedidos, possibilitando a cumulação;

            III – que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento: para a cumulação de pedidos, em regra, deve haver a uniformidade de procedimentos entre eles. Mas, se o autor, optar pelo rito ordinário, poderá existir a cumulação, mesmo que para alguns dos pedidos houvesse a previsão de rito especial. Todavia, impossível a cumulação de processos distintos, como cautelar e execução.

            A cumulação dos pedidos pode ser: simples, sucessiva ou incidental. A cumulação simples ocorre quando os pedidos somente têm em comum as partes e o acolhimento ou rejeição de um não afeta o outro. Na cumulação sucessiva, o acolhimento de um pedido pressupõe o do pedido anterior. A cumulação incidental ocorre após a propositura da ação, por meio do pedido de declaração incidental. Há ainda, a cumulação alternativa, onde um dos pedidos é realizado como principal e o outro para a eventualidade de não ser possível o acolhimento do primeiro. (99)

            3.3.2. Tutela antecipada e a cumulação de pedidos

            Havendo a cumulação de pedidos, pode ocorrer, durante o processo, de um dos pedidos ficar preparado para o julgamento, seja porque diz respeito apenas a matéria de direito ou ainda, porque não se faz necessária a instrução, enquanto que os demais necessitam de mais tempo para a sua cognição.

            O autor, neste caso, deveria esperar até o julgamento de todos os pedidos para ver satisfeito aquele que já estava pronto para o julgamento, isto porque, antes da introdução da tutela antecipada no Código de Processo Civil, "não era possível a cisão do julgamento dos pedidos cumulados ou julgamento antecipado de parcela do pedido, prevalecendo o princípio chiovendiano ‘della unità e unicità della decisione’" (100).Ou seja, o juiz deveria proferir uma única decisão ao final do processo e após a colheita das provas, mesmo que um dos pedidos já estivesse preparado para o julgamento.

            A tutela antecipada, quando há cumulação de pedidos é uma exceção ao princípio da unicidade da decisão, com vistas a atingir os princípios constitucionais da efetividade e tempestividade da tutela.

            Atualmente, com a tutela antecipada, é possível antecipar o momento de julgamento desse pedido. E para isso, é essencial a existência de :

            a) um ou mais de um dos pedidos que esteja em condições de ser imediatamente julgado, seja porque diz respeito somente a matéria de direito ou dizendo respeito a matéria de fato não precise de instrução probatória;

            b) um outro ou outros pedidos, que necessitem da instrução probatória.

            Rogéria Dotti Doria, cita ainda como requisito a urgência:

            "(…) por não haver nesse caso abuso de direito de defesa ou propósito protelatório, a tutela antecipada deverá ser concedida com base no art. 273, I, do Código de Processo Civil e, evidentemente, desde que presentes os seus pressupostos." (101)

            Em sentido contrário, diz Luiz Guilherme Marinoni:

            "A tutela antecipatória, ao possibilitar o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados, evita que o réu seja tentado a abusar do seu direito de defesa apenas para protelar a tutela de todos os direitos postulados pelo autor." (102)

            Em outra oportunidade, diz o mesmo autor:

            "Se o direito provável pode não admitir protelação, o direito incontrovertido, por razões óbvias, não deve ter a sua tutela postergada. É lícito, assim, retirar do artigo 273, II, do Código de Processo Civil, a possibilidade de tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados, ou mesmo através do julgamento antecipado parcial do pedido." (103)

            Concordamos com a opinião de Luiz Guilherme Marinoni. De fato, nesse caso, há abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu, pois este, mesmo sabendo que um dos pedidos não necessita de instrução probatória, estando provado o direito do autor, não cumpre espontaneamente a sua obrigação, aumentando o peso do processo para o autor que terá que aguardar a instrução dos demais pedidos para ver satisfeito àquele que já estava provado.

            Condicionar a concessão da tutela antecipada, nesses casos, ao requisito do art. 273, I, seria restringir a aplicação do instituto às hipóteses de urgência. Entretanto, na prática, por diversas vezes a urgência está presente, pois dificilmente o autor irá requerer a antecipação se puder suportar a demora do processo. Daí porque, podemos dizer que muitas vezes os requisitos do art. 273 estarão conjugados, ou seja, estará presente o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, além do abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

            Exemplificando a possibilidade de concessão da tutela antecipada quando há pedidos cumulados, diz Luiz Guilherme Marinoni:

            "O autor, vítima de um acidente automobilístico, pede que o réu seja condenado a pagar: i) danos emergentes, ii) lucros cessantes, e iii) danos morais. O réu aceitando a culpa, contesta os danos emergentes e os lucros cessantes e afirma que a doutrina e a jurisprudência não admitem a indenização por danos morais. A prova documental, contudo, é suficiente para demonstrar os danos emergentes, afigurando-se a defesa apresentada pelo réu, neste particular, meramente protelatória. Em relação aos lucros cessantes é necessária a instrução dilatória, tendo o autor requerido prova pericial. Nesse caso é possível o julgamento antecipado dos pedidos de indenização por danos emergentes e danos morais, restando o pedidos de lucros cessantes para ulterior definição." (104)

            Referido doutrinador, quando trata da hipótese da concessão da tutela antecipatória com relação a um ou alguns dos pedidos cumulados, diz que haverá um julgamento antecipado dos pedidos cumulados. Tal denominação é inadequada do ponto de vista técnico, pois na realidade não haverá um julgamento antecipado, nem mesmo uma sentença, já que não poderá o juiz cindir a sua decisão final, julgando apenas um dos pedidos. Haverá uma decisão interlocutória que antecipará os efeitos do pedido que já se encontra incontroverso, prosseguindo o processo para a dilação probatória dos demais pedidos cumulados.

            3.3.3. A cognição no caso de pedidos cumulados

            Ao comentar a tutela antecipatória de um ou mais de um dos pedidos cumulados, Luiz Guilherme Marinoni ressalta que, neste caso: "A tutela não é fundada em cognição sumária, mas sim em cognição exauriente, produzindo coisa julgada material". (105)

            A cognição é exauriente, pois o pedido já está em fase de julgamento não necessitando de instrução.

            Neste sentido, diz Rogéria Dotti Doria:

            "Importante destacar que esta apreciação é feita com base em cognição exauriente pois não havendo mais nenhum elemento de prova a ser colhido, nem tampouco nenhuma fase do contraditório a ser superada, o órgão julgador analisa a questão em toda a sua profundidade, deixando de exarar um convencimento a respeito da probabilidade do direito, para proferir uma decisão a respeito da própria existência ou inexistência desse direito." (106)

            3.3.4. Tutela antecipada em relação a uma parte do pedido

            Existem situações em que o autor só possui prova documental de parcela de seu pedido, tendo que provar a outra parcela através de prova testemunhal. Não se trata de cumulação de pedidos, e sim de um único pedido que é divisível e possui uma parte já provada.

            Nestes casos, poderia o autor requerer a tutela antecipada referente àquela quantia já provada de seu pedido, com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil. A concessão da tutela antecipada, por ser com base em quantia já provada, é fundada em cognição exauriente. (107)

            Rogéria Dotti Doria, ao discorrer sobre o tema, entende cabível a tutela antecipada com relação à parte do pedido já provada, porém entende que o fundamento estaria no art. 273, I do CPC:

            "Todavia, como aqui também não se está diante de abuso de defesa ou propósito protelatório, a tutela antecipatória somente poderá ser concedida com base no art. 273, I, do Código de Processo Civil, ou seja, apenas quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação." (108)

            Conforme discorremos acima, concordamos com Luiz Guilherme Marinoni, que entende possível a concessão da tutela antecipada com fundamento no inciso II, do art. 273, ou seja, quando há abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu, pois exigir a urgência seria restringir a aplicação da tutela antecipada. Entretanto, como foi dito, na prática, muitas vezes além do abuso de direito de defesa ou manifesto intuito protelatório, estará presente o requisito do receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

            3.3.5. Tipos de pedidos cumulados que podem ser antecipados

            Qualquer espécie de pedido pode ser objeto de tutela antecipada quando ocorre a cumulação.

            Portanto, até mesmo pedidos de natureza declaratória ou constitutiva podem ser antecipados, porém, nesta hipótese a cumulação deverá ser do tipo sucessiva, ou seja, quando o segundo pedido só possa ser apreciado no caso de ser procedente o primeiro.

            Como exemplo pode ser citada: a ação de resolução do contrato (fundada, por exemplo, em não cumprimento da obrigação) cumulada com perdas e danos, a procedência da primeira demanda não determina a procedência da segunda, porém, a improcedência da primeira implicará na improcedência da segunda. Digamos que "o pedido de resolução do contrato admita julgamento antecipado e o pedido de perdas e danos exija instrução probatória. Neste caso nada impede o julgamento antecipado do primeiro pedido". (109)

            Como esclarecemos anteriormente, inadequada é a expressão "julgamento antecipado do pedido", pois somente haverá uma decisão interlocutória que antecipará os efeitos deste pedido.

            3.3.6. Tutela antecipada para obrigar o réu a pagar as despesas processuais que deveriam ser adiantadas pelo autor

 

     Sobre o pagamento das despesas processuais, prevê o art. 19, do CPC: "salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até sentença final; e bem ainda, na execução, até a plena satisfação do direito declarado pela sentença".

            Por sua vez, diz o § 2o, desse mesmo artigo: "Compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos, cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público".

            Assim, o autor, além de suportar o tempo necessário para a cognição de seu pedido, deve pagar as despesas durante todo o curso do processo.

            A possibilidade de tutela antecipada, nesses casos, é trazida por Luiz Guilherme Marinoni:

            "A tutela antecipatória, nesta hipótese, evita que o autor seja ainda mais prejudicado pelo processo. Note-se que a demora do processo, aliada ao seu custo, pode obrigar o autor a abrir mão do seu direito, ou mesmo a ceder às pressões do réu por um acordo desfavorável em troca do tempo e do custo do processo. Portanto, a condenação do réu a pagar, antecipadamente, os honorários do perito, também tutela o autor." (110)

            3.4. Peculiaridades

            3.4.1. Cognição exauriente e coisa julgada na tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda

            Como exposto acima, quando a concessão da tutela antecipada ocorrer com relação à parte incontroversa da demanda será fundada em cognição exauriente.

            A cognição pode ser analisada, conforme os ensinamentos de Kazuo Watanabe (111), em duas direções: no sentido horizontal, ou seja, quanto à extensão, quando a cognição pode ser plena ou parcial; e no sentido vertical, ou seja, quanto a profundidade, em que a cognição pode ser exauriente, sumária ou superficial.

            Neste momento, trataremos apenas da cognição sumária e da exauriente.

            Em regra, a tutela antecipada é concedida com base na cognição sumária, ou seja, sem a análise em toda a profundidade. Assim, o juiz quando concede a tutela antecipada estará apenas verificando a probabilidade do direito do requerente, não significando, portanto, o reconhecimento do direito deste. Dessa forma, não produzirá coisa julgada material, pois poderá ser revogada a qualquer tempo.

            Já na tutela antecipada com relação à parte que não está mais controvertida, tal situação não vai ocorrer, pois não existindo mais controvérsia a ser dirimida, o juiz analisará a questão em toda a sua profundidade, ou seja, de forma exauriente, produzindo coisa julgada material.

            A coisa julgada material é conceituada pelo art. 467, do Código de Processo Civil, que diz: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".

            Já Liebman, via na coisa julgada uma qualidade especial da sentença, a reforçar a sua eficácia, consistente na imutabilidade da sentença como ato processual (coisa julgada formal) e na imutabilidade dos seus efeitos (coisa julgada material)". (112)

            A possibilidade de a decisão que conceder a tutela antecipada nos casos em que já não há controvérsia produzir coisa julgada material é discutida pela doutrina brasileira.

            Nelson Nery Jr, entende que tal decisão é provisória:

            "Nada obstante a decisão que adianta os efeitos da parte não contestada da pretensão tenha alguns dos atributos de decisão acobertada pela coisa julgada material parcial e, conseqüentemente, de título executivo judicial, reveste-se do caráter da provisoriedade." (113)

            Posicionamento diverso possui Rogéria Dotti Doria, pois diz que tal decisão estará baseada em cognição exauriente, não podendo ser revogada, pois não estará pautada em juízo provável, nem tampouco provisório (114). Ressalta, ainda, a mesma doutrinadora:

            "De fato, se a apreciação do pedido é feita em toda a sua profundidade, de maneira a não deixar para trás nenhuma possibilidade de produção de provas, nem ainda nenhuma parte do contraditório, a cognição é exauriente e apta, conseqüentemente, a produzir coisa julgada material. Não se trata mais de uma decisão sumária, baseada na mera probabilidade de existência do direito." (115)

            Luiz Guilherme Marinoni, ao tratar do tema diz que:

            "A tutela de cognição exauriente garante a realização plena do princípio do contraditório de forma antecipada, ou seja, não permite a postecipação da busca da ‘verdade e da certeza’; a tutela de cognição exauriente, ao contrário da tutela sumária, é caracterizada por produzir coisa julgada material.

            A tutela sumária, de fato, não produz coisa julgada material. Na sentença cautelar ou antecipatória o juiz nada declara, limitando-se, em caso de procedência, a afirmar a probabilidade da existência do direito e a ocorrência da situação do perigo, de modo que, proposta a ‘ação principal’ e aprofundada a cognição do juiz sobre o direito afirmado, o enunciado da sentença sumária, que afirma a plausibilidade da existência do direito, poderá ser revisto, para que o juiz declare que o direito, que supunha existir, não existe." (116)

            Em síntese, apesar de em regra a concessão da tutela antecipada ser fundada em cognição sumária, quando esta é concedida quanto a uma parte da demanda que não está mais controvertida, o juiz, quando da sua decisão, analisará a questão em toda a sua profundidade, não podendo posteriormente reapreciá-la, produzindo, portanto, a coisa julgada material.

            A coisa julgada material, em regra, somente surge com a sentença final transitada em julgado, pois somente nesta hipótese não caberá mais nenhuma discussão a respeito da matéria discutida.

            Na tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda, excepcionalmente, a coisa julgada material ocorrerá em um momento diverso, antes da decisão final, pois a controvérsia será elidida pela não contestação de alguns fatos, pelo reconhecimento jurídico parcial do pedido, ou ainda, pela desnecessidade de instrução de um ou alguns dos pedidos cumulados, não podendo o réu discutir essas matérias novamente em qualquer outro processo, nem mesmo antes da prolação da sentença. Assim, teremos coisa julgada material produzida por uma decisão interlocutória, antes da decisão final do processo.

            Entretanto, se o réu agravar da decisão que conceder a antecipação da tutela, a coisa julgada material somente ocorrerá com o trânsito em julgado da decisão que julgar o agravo de instrumento.

            3.4.2. Cognição exauriente e o art. 273 do Código de Processo Civil

            Além da coisa julgada material, outras conseqüências surgirão com relação à tutela antecipada quando da não contestação de um ou alguns fatos; do reconhecimento parcial da pretensão do autor e, ainda; da cumulação de pedidos, quando um já está preparado para o julgamento e os demais precisem da dilação probatória.

            Por ser a cognição exauriente, nestes casos em que a controvérsia do processo já desapareceu, não há que se falar na possibilidade de aplicação do disposto no § 4o do art. 273 do Código de Processo Civil, ou seja, a tutela não poderá ser revogada ou modificada, pois nessas hipóteses a tutela antecipada não foi concedida com base em juízo de probabilidade, e sim em juízo de certeza. Neste sentido diz Luiz Guilherme Marinoni:

            "em uma interpretação de acordo com a garantia constitucional da efetividade, tal norma pode ser lida no sentido de que a tutela antecipada, quando fundada em cognição sumária, poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada." (117) (grifos no original)

            Outra conseqüência é a não aplicação do requisito do § 2o, do art. 273, do Código de Processo Civil que exige a reversibilidade do provimento, pois quando "a tutela não se funda em um juízo de probabilidade, não há razão para se temer a irreversibilidade". (118)

            Da mesma forma, não se aplica integralmente o disposto no § 5o, do art. 273, que dispõe: "concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento", pois uma vez concedida a tutela antecipada com relação à parcela de um direito ou em relação a um dos direitos postulados, "o processo deve prosseguir ‘até final julgamento’ da outra parcela do direito ou do outro direito afirmado em juízo". (119)

            Também o § 3o, do art. 273, do Código de Processo Civil não poderá ser aplicado, até mesmo porque este diz expressamente que será aplicado "no que couber". Esta conseqüência nos é trazida por Luiz Guilherme Marinoni, quando diz: "Se a tutela não é provisória, também não há motivo para a incidência do disposto nos incs. II e III do art. 588". (120)

            3.4.3. Possibilidade de recurso

            Quanto à possibilidade de interposição de recurso, Rogéria Dotti Doria (121), diferencia a antecipação baseada no reconhecimento jurídico do pedido ou na não contestação e a antecipação da decisão de um dos pedidos cumulados.

            Esclarece a referida doutrinadora que no reconhecimento jurídico do pedido e na não contestação, o réu não poderá interpor qualquer recurso em virtude da preclusão desse direito. Haverá preclusão lógica, com relação ao reconhecimento da pretensão do autor e, com relação à não contestação haverá a preclusão temporal (122).

            Já Luiz Guilherme Marinoni, a princípio, entende cabível a interposição de recurso em relação à não contestação quando diz:

            "Na hipótese de interposição de recurso de agravo de instrumento (incabível no caso de reconhecimento jurídico do pedido) contra a concessão da tutela antecipatória, o relator poderá recebê-lo no efeito suspensivo, nos termos do art. 558, do CPC, ou mesmo limitar a execução, inadmitindo a expropriação de bem, ou ainda, ou ainda impor caução para o levantamento de dinheiro." (123)

            De fato, na não contestação, o réu apenas deixa de contestar alguns fatos, e não poderia recorrer com intenção de impugnar esses fatos não contestados oportunamente, já que não se pode inovar em matéria recursal. Por outro lado, poderia o réu recorrer para alegar que dos fatos não contestados, não decorre aquele efeito conferido pelo juiz ao autor, ou até mesmo para levantar matérias que impossibilitariam a presunção de veracidade previstas nos incisos do art. 302 do CPC, quais sejam: a impossibilidade de confissão quanto aquele fato, petição inicial desacompanhada de instrumento público que seja da substância do ato, ou ainda, que referidos fatos não impugnados estão em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

            Da mesma forma, entendemos cabível a interposição de recurso da decisão que concede a tutela antecipada quando há o reconhecimento parcial do pedido, em determinadas situações, onde apesar de o réu ter reconhecido o direito do autor, não concorde com os efeitos deste conferidos pelo juiz. Não caberia recurso apenas para impugnar o que foi por ele reconhecido, pois teria ocorrido a preclusão lógica.

            Situação diversa ocorre quando a tutela antecipada é concedida com relação a um ou mais de um dos pedidos cumulados, pois aqui, em momento algum o réu anuiu com a pretensão do autor, a antecipação somente se dará em virtude da desnecessidade da instrução probatória com relação a um ou mais de um dos pedidos cumulados. Assim, poderá o réu interpor recurso dessa decisão.

            Importante ressaltar, que o recurso cabível na hipótese, como já foi dito, é o agravo de instrumento, já que a concessão da tutela antecipada é realizada através de decisão interlocutória.

            3.4.4. Tutela antecipada e sentença

            Questão trazida por Rogéria Dotti Doria, é que se a tutela antecipatória, em algumas hipóteses, produzir coisa julgada material, o que acontecerá na sentença? Apenas reiterará o já disposto na tutela ou nem mais se referirá a esta parte da lide, já decidida pela antecipação? (124)

            Tal indagação é respondida por Luiz Guilherme Marinoni:

            "Registre-se, por fim, que a tutela antecipatória, nos casos ora estudados, não precisa ser confirmada pela sentença e conserva a sua eficácia mesmo após a extinção do processo. É preciso que se tenha em mente que o processo prossegue, após a tutela antecipatória, apenas para averiguar a existência do direito que não foi definido." (125)

            3.4.5. O novo projeto do Código de Processo Civil

            A tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda não é expressamente prevista no atual Código de Processo Civil. Somente a doutrina se preocupou com tal questão, admitindo a tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda, com fundamento no inciso II do art. 273, ou seja, no abuso do direito de defesa ou manifesto intuito protelatório do réu.

            O doutrinador Luiz Guilherme Marinoni, sugere aos legisladores a previsão expressa desta espécie de tutela antecipada no Código de Processo Civil, dizendo que "o legislador está obrigado, para atender ao princípio de acesso à justiça, a estruturar o procedimento de modo a permitir a fragmentação do julgamento dos pedidos". (126)

            Os redatores do projeto de Lei no 3.476/00 acolheram tal sugestão, acrescentando o § 6o ao art. 273, do Código de Processo Civil, in verbis:

            "§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso."

            A exposição de motivos do Anteprojeto diz que:

            "É acrescentado, como § 6o, dispositivo sugerido por Luiz Guilherme Marinoni, que explicita a possibilidade de o juiz, nos casos em que uma parte do pedido ou dos pedidos se torne incontroversa, conceder desde logo a esse respeito a tutela antecipada. Esta sugestão apresenta-se consentânea com as preocupações de eficiência do ‘novo’ processo civil".

            O Código de Processo Civil para alcançar os seus ideais de efetividade, de igualdade processual e de acesso à justiça deve passar por uma nova reforma, conforme a previsão do projeto de Lei. E enquanto essa modificação não for realizada, admissível é o requerimento da tutela antecipada, com relação àquela parte da demanda que não se encontra mais controvertida, com fundamento no inciso II do art. 273, pois abusa do seu direito de defesa o réu que não cumpre espontaneamente a obrigação que sabe ser devida.

 

4. Conclusão

            A tutela antecipada é um instrumento que visa abreviar a demora natural do processo, colocado à disposição do autor; do denunciante, na denunciação da lide; do opoente, na oposição; do assistente, do recorrente; e do réu, na reconvenção, nas ações de natureza dúplice e quando é autor da ação declaratória incidental.

            A requerimento da parte legitimada, pode o juiz antecipar os efeitos da tutela (pedido mediato) antes do provimento final (pedido imediato), desde que presente os requisitos, a qualquer tempo do processo, até mesmo em grau de recurso.

            É cabível a tutela antecipada nas ações de natureza condenatória, declaratória e constitutiva, verificando sempre a eficácia ou não dos efeitos antecipados.

            Os requisitos exigidos obrigatoriamente para a concessão da tutela antecipada são: o requerimento da parte, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação e a reversibilidade.

            O requerimento da parte é necessário, pois o juiz não pode conceder a antecipação de ofício. As expressões "prova inequívoca" e "verossimilhança" devem ser conjugadas, para se chegar ao conceito de "probabilidade", que é mais forte que verossimilhança, mas não tão categórico quanto prova inequívoca. A reversibilidade não deve ser entendida de forma absoluta; a uma, porque a lei se refere à reversibilidade do provimento e não dos efeitos da tutela e; a duas, porque as posições do réu e do autor devem ser sopesadas, concedendo a tutela antecipada sempre que a não concessão for mais irreversível para o autor do que seria a concessão para o réu.

            Além dos requisitos acima expostos, que devem ser combinados, o art. 273 do Código de Processo Civil, prevê outros dois, que são alternativos.

            O primeiro é o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, semelhante ao periculum in mora da tutela cautelar, também denominado de tutela protetiva. O segundo é o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, ou antecipação punitiva, onde não é necessária a urgência, mas apenas a conduta do réu.

            Neste último caso a tutela antecipada poderia ser concedida mesmo antes da citação do réu, pois estes atos de abuso de direito de defesa ou propósito protelatório podem ocorrer tanto na fase judicial como na extrajudicial, não sendo necessária a citação para a configuração desses atos.

            A decisão do juiz que conceder ou negar a antecipação dos efeitos da tutela deve ser sempre fundamentada e está sujeita ao recurso de agravo de instrumento. A tutela antecipada pode ser executada provisoriamente, observando no que couber o disposto nos incisos II e III do art. 588 do Código de Processo Civil.

            Também poderá, a tutela antecipada, ser revogada ou modificada a qualquer tempo pelo juiz, desde que exista requerimento da parte e os fatos estejam modificados, em decisão fundamentada.

            Não se deve confundir tutela antecipada com tutela cautelar, pois nesta última concede-se no presente a proteção do que provavelmente será obtido no futuro, enquanto que na primeira concede-se no presente o que só seria obtido no futuro. A tutela cautelar deve ser requerida em processo autônomo, acessório ao principal e a tutela antecipada é requerida no próprio processo. Para a tutela cautelar é necessário apenas o fumus boni iuris (verossimilhança), e para a tutela antecipada é necessária a probabilidade (verossimilhança e prova inequívoca). A tutela cautelar é temporária e tutela antecipada é provisória A tutela antecipada punitiva não exige o requisito da urgência e a tutela cautelar sempre exige.

            Também não se confunde com julgamento antecipado da lide, pois neste há uma sentença definitiva, de cognição exauriente, com as peculiaridades daquela proferida no estado normal do processo. Na tutela antecipada, há apenas uma antecipação dos efeitos da tutela que será conferida pela sentença, é concedida por decisão interlocutória, de cognição sumária.

            A tutela antecipada pode ser concedida contra o Poder Público, desde que verificadas as restrições do art. 1o da Lei no 9.494/97, do art. 100 e do art. 730 do Código de Processo Civil.

            A doutrina moderna prevê uma nova espécie de tutela antecipada, possível quando parte da demanda não se encontra mais controvertida. Pois, a demora do processo é necessária para solucionar a controvérsia, se esta não existe, não há razão para o autor aguardar a satisfação do seu direito, podendo requerer a tutela antecipada.

            Uma parte da demanda se torna incontroversa quando o réu não contesta um ou alguns fatos, quando o réu reconhece uma parte do pedido ou um dos pedidos do autor, e ainda, quando existem pedidos cumulados e um ou alguns deles estão preparados para a decisão, enquanto que o outro ou outros necessitam de instrução probatória.

            Quando o réu contesta genericamente, ou não contesta um ou alguns dos fatos alegados pelo autor, é possível, a requerimento da parte, que o juiz conceda tutela antecipada com fundamento no inciso II do art. 273, já que se visa impedir que o réu abuse de seu direito de defesa, protelando a realização de direitos incontroversos. A cognição neste caso será exauriente, pois não haverá mais provas a serem produzidas e o juiz analisará o pedido em toda a sua profundidade.

            O mesmo ocorre quando o réu reconhece juridicamente uma parte do pedido, um ou alguns dos pedidos do autor. A parcela do pedido reconhecida é incontroversa e pode ser antecipada a requerimento da parte, com fundamento no art. 273, II, do Código de Processo Civil. Ressalte-se que neste caso, além dos fatos, o réu reconhece o direito do autor, vinculando a decisão do juiz. Da mesma forma, a cognição será exauriente.

            Outra hipótese ocorre quando existem pedidos cumulados e um ou alguns deles já se encontram devidamente provados, seja porque a questão é apenas de direito, ou sendo de fato não precisa da dilação probatória, enquanto que o outro pedido ou os demais pedidos necessitam da instrução probatória. Assim, o juiz, a requerimento da parte, poderia conceder a tutela antecipada com relação ao pedido que já está devidamente provado. Aqui também a tutela antecipada é concedida com fundamento no inciso II do art. 273 do Código de Processo Civil.

            A possibilidade da tutela antecipada nestes casos se justifica porque é injusto fazer o autor (que tem razão) suportar o ônus da demora do processo, enquanto que o réu não cumpre espontaneamente a sua obrigação que já ficou incontroversa.

            A decisão que concede a tutela antecipada nos casos onde não existe mais a controvérsia é fundada em cognição exauriente, já que o juiz analisará essa parte da demanda em toda a sua profundidade, enquanto que normalmente a tutela antecipada é concedida com base em cognição sumária. Disto decorrem algumas conseqüências.

A concessão da tutela antecipada, em que pese ser uma decisão interlocutória, produzirá coisa julgada material, pois as partes não poderão discutir novamente a parcela antecipada num momento posterior.

            Conseqüência disto é a impossibilidade de revogação ou modificação da tutela antecipada, pois esta não foi concedida em mero juízo de probabilidade, mas sim de certeza. Por esse mesmo motivo, não se exige a reversibilidade como requisito para a concessão.

            A execução da decisão que conceder a tutela antecipada quando relacionada à parte incontroversa da demanda não precisará ser provisória, poderá ser definitiva, pois a decisão não poderá ser alterada.

            A possibilidade de recorrer da decisão que conceder a tutela antecipada fica mais restrita nas hipóteses da não contestação e do reconhecimento parcial do pedido.

            Na não contestação, o réu não poderia recorrer com fundamento nos fatos que não foram contestados, pois quanto a estes ocorreu a preclusão temporal, mas poderia recorrer quando entender que dos fatos não contestados não decorre aquele direito conferido pelo juiz na tutela antecipada, ou ainda, poderá recorrer para alegar matérias que impossibilitariam a presunção de veracidade (art. 302, I, II, III, CPC).

            No reconhecimento jurídico parcial do pedido, o réu não poderia recorrer para impugnar a parcela do pedido que foi reconhecida, pois operou-se a preclusão lógica, mas poderia recorrer quando não concordar com os efeitos conferidos pelo juiz à parte do direito reconhecido.

            Já quando a tutela antecipada é concedida com relação a um ou alguns dos pedidos cumulados, o recurso não fica restrito, pois o réu não anuiu com a pretensão do autor, não tendo ocorrido a preclusão.

            O processo prosseguirá quanto à parte do pedido que ainda está controvertida, não precisando o juiz, na sentença, se referir àquela parte que já foi decidida quando da concessão da tutela antecipada.

            Dessa forma, para a concessão da tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda é necessário: a) o requerimento da parte, b) uma parcela da demanda incontroversa, seja pela não contestação, pelo reconhecimento parcial do pedidos ou pela existência de pedidos cumulados, c) decisão fundamentada do juiz.

            Essa nova forma de tutela antecipada, quando não está presente a urgência, é mais um passo em direção aos objetivos de efetividade e tempestividade da prestação jurisdicional, que vêm sendo abordados pela doutrina moderna.

            É injusto fazer com que o autor espere até a sentença para ver satisfeito um direito que já está incontroverso, já que ele é a parte mais onerada pela demora do processo. Somente com a possibilidade da tutela antecipada com relação à parte incontroversa da demanda tal situação pode ser modificada, distribuindo de forma igual, entre autor e réu, o ônus de suportar a demora do processo. O réu suporta àquela parte que já está incontroversa, e o autor somente arca com a parcela do pedido em que ainda existe a controvérsia.

            O atual Código de Processo Civil não prevê expressamente essa espécie de tutela antecipada, mas ela pode ser aplicada com fundamento no inciso II do art. 273, pois abusa do seu direito de defesa o réu, que não cumpre a sua obrigação já incontroversa no processo.

            Os redatores do projeto do novo Código de Processo Civil, verificando a importância e necessidade da tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda irá incluir o § 6o ao art. 273, que tem a seguinte redação: "A tutela antecipada poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

            Com o instituto da tutela antecipada, procura-se concretizar os princípios da efetividade, tempestividade, instrumentalidade, acesso à justiça, isonomia processual, e acima de tudo, alcançar a tão almejada "justiça". E esta, muitas vezes, só poderá ser alcançada com a distribuição igualitária da demora do processo às partes demandantes, como ocorre quando se concede a tutela antecipada com relação àquela parcela da demanda que já está incontroversa.

 

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Notas

            1. Atualidades sobre o processo civil, p. 65.

            2. Ob cit, p. 65.

            3. Tutela antecipada no âmbito recursal, p. 109/110.

            4. Ob cit, p. 61/62.

            5. Ob cit, p. 64.

            6. Curso de direito processual civil, v. I, p. 55.

            7. Ob cit, p. 64.

            8. Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 68.

            9. Considerações sobre a antecipação da tutela jurisdicional, in Aspectos polêmicos…, p. 230.

            10. Humberto THEODORO JR., Tutela antecipada, in Aspectos polêmicos…, p. 193.

            11. Humberto THEODORO JR., Curso…, p. 371.

            12. Ob cit, p. 153/156.

            13. José Roberto BEDAQUE, Ob cit, p. 234.

            14. Código de processo civil comentado, p. 690-691.

            15. Ob cit, p. 105.

            16. Ob cit, p. 106.

            17. A antecipação da tutela, p. 129.

            18. Idem, p. 130.

            19. Roberto Eurico SCHIMIDT JR., A tutela antecipada e o Ministério Público enquanto custos legis, in Aspectos polêmicos…, p. 461.

            20. Nelson Nery Jr. Rosa Maria Andrade Nery, Ob cit, p. 691.

            21. Antecipação da tutela, p. 92/96.

            22. Antonio Carlos de Araújo CINTRA. Ada Pellegrini GRINOVER. Cândido Rangel DINAMARCO, Teoria geral do processo, p. 306.

            23. Ob cit, p. 85.

            24. SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Acórdão unânime da 4a Câmara Cível. Agravo no 96.002148-5. Relator: Des. Pedro Manoel Abreu, 22.08.96. in RT 740/176.

            25. Ob cit, in Aspectos polêmicos…, p. 231.

            26. Ob cit, p. 89.

            27. Ob cit, p. 89.

            28. Antonio Carlos de Araújo CINTRA et alii, Ob cit, p. 308.

            29. Ob cit, p. 83.

            30. A tutela antecipatória nas ações declaratória e constitutiva, in Aspectos polêmicos…, p. 273.

            31. apud Willian dos Santos FERREIRA, Ob cit, p. 97.

            32. Tutela antecipada e o art. 273 do CPC, in Aspectos polêmicos…, p. 218.

            33. Ob cit, p. 76.

            34. Pontes de MIRANDA, Comentário ao código de processo civil, v.III, p. 536.

            35. Nelson NERY JR. e Rosa Maria Andrade NERY, Ob cit, p. 693.

            36. João Batista LOPES, Ob cit, p. 220.

            37. Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 145.

            38. SÃO PAULO. Segundo Tribunal de Alçada Cível. Agravo de Instrumento no 466.123/0-00. Relator: Juiz Adail Moreira.

            39. Ob cit, p. 550.

            40. Notas sobre as recentes limitações legais à antecipação de tutela, in Aspectos polêmicos…, p. 128.

            41. Direito processual civil brasileiro, 3o v., p. 910.

            42. Humberto THEODORO JR., Ob cit, in Aspectos polêmicos…, p. 196.

            43. Idem ibidem, p. 196.

            44. Ob cit, p. 74/75.

            45. Tutela antecipada in Aspectos polêmicos…, p. 196.

            46. A jurisdição na tutela antecipada, p. 79/80.

            47. Tutela antecipada in Aspectos polêmicos…, p. 196.

            48. § 1o do art. 273.

            49. Nesse sentido Nelson Nery Jr e Maria Rosa Andrade Nery, Ob cit, p. 694. E fazendo uma analogia com o art. 811 do CPC, Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 175.

            50. Art. 588, II do CPC.

            51. Art. 588, III e parágrafo único do CPC.

            52. Ob cit, p. 176.

            53. Da liberdade do juiz na concessão de liminares, in Aspectos polêmicos…, p. 543.

            54. Idem ibidem, p. 544/545.

            55. Idem, p. 546/547.

            56. Teresa Arruda Alvim Wambier, apud Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 179/180.

            57. Antonio Cláudio da Costa MACHADO, Tutela antecipada, p. 576/577.

            58. Willian Santos FERREIRA, Ob cit, p. 184/185.

            59. José Frederico MARQUES, Manual de direito processual civil, v. 4, p. 381.

            60. Ob cit, p. 132.

            61. Ana Cláudia da Silveira LEAL, Lou Shen P. CHAN, Tutela antecipada.

            62. Ob cit., p. 49/58.

            63. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Acórdão unânime da 6a Câmara Cível. Apelação no 9.048-1. Relator: Des. P. Costa Manso. 05.09.1996.

            64. Ob cit, p. 126.

            65. Tutela antecipada e ações contra o poder público (reflexão quanto ao seu cabimento como conseqüência da necessidade de efetividade do processo), in Aspectos polêmicos…,p. 96.

            66. A antecipação da tutela, p. 223.

            67. Eduardo TALAMINI, Ob cit, p. 131.

            68. Theotônio NEGRÃO, Código de Processo Civil, p. 1948.

            69. A antecipação da tutela, p. 221.

            70. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Originária n. 464-1-RS. Relator: Min. Maurício Correa. 16.10.96. DJU 23.10.96.

            71. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Medida Cautelar 1.794-PE. 2a Turma. Relator: Min. Franciulli Netto. j. 22.2.00. DJU 27.03.00, p. 82.

            72. A antecipação da tutela, p. 222.

            73. A antecipação da tutela, p. 153.

            74. Curso…, p. 379.

            75. Parágrafo único, art. 302, CPC.

            76. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial 14.987-CE, 3a Turma, Relator: Min. Eduardo Ribeiro, DJU 17.02.92, p. 1377, apud Luiz Guilherme MARINONI, Tutela Antecipatória…, p. 84.

            77. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 87.

            78. Tutela antecipatória…, p. 67.

            79. A tutela antecipada em relação à parte incontroversa da demanda, p. 78.

            80. A antecipação da tutela, p. 152.

            81. Atualidades…, p. 70/71.

            82. apud Luiz Guilherme MARINONI. Tutela antecipatória…, p. 70.

            83. Idem ibidem, p. 74.

            84. Idem ibidem, p. 76/77.

            85. Idem ibidem, p. 77.

            86. Conforme salientamos anteriormente no item 2.6.2 e 2.6.3.

            87. Tutela antecipatória…, p. 97.

            88. Tutela antecipatória…, p. 102.

            89. Curso avançado de processo civil, v. I, p. 427.

            90. Curso…l, p. 398.

            91. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 96/97.

            92. Ob cit, p. 427.

            93. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 94.

            94. Ob cit, p. 88.

            95. Luiz Rodrigues WAMBIER et alii, Ob cit, p. 428.

            96. Tutela antecipatória…, p. 77

            97. Ob cit, p. 89.

            98. Ob cit, p. 314.

            99. Luiz Guilherme MARINONI, A antecipação da tutela, p. 145.

            100. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 142.

            101. Ob cit, p. 92.

            102. Tutela antecipatória…, p. 159.

            103. Luiz Guilherme MARINONI, A antecipação da tutela, p. 156.

            104. A antecipação da tutela, p. 154/155.

            105. Tutela antecipatória…, p. 142.

            106. Ob cit, p. 94.

            107. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 154.

            108. Ob cit, p. 97.

            109. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 151.

            110. Tutela antecipatória…, p. 156.

            111. Apud Luiz Guilherme MARINONI, Efetividade do processo…, p. 15.

            112. Rogéria Dotti Doria, Ob cit, p. 101.

            113. Nelson NERY JR., Ob cit, p. 71.

            114. Ob cit, p. 103.

            115. Ob cit, p. 95.

            116. Efetividade do processo…, p. 17/18.

            117. Ob cit, p. 105.

            118. Luiz Guilherme MARINONI, Tutela antecipatória…, p. 104.

            119. Idem ibidem, p. 105.

            120. Tutela antecipatória…, p. 163.

            121. Ob cit, p. 95/96.

            122. Idem ibidem, p. 95.

            123. Tutela antecipatória…, p. 104.

            124. Ob cit, p. 101.

            125. Tutela antecipatória…, p. 105.

            126. Tutela antecipatória…, p. 233.

 


Referência Biográfica

Cecília Rodrigues Frutuoso  –  Advogada em Leme (SP), especialista em Processo Civil na Unifian. Este trabalho se  baseou no Projeto de Lei que deu origem  a Lei nº 10.444/02.

E-mail: ceciliafrutuoso@yahoo.com.br

Exoneração de alimentos e o Novo Código Civil

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* Roberto Henrique dos Reis –

            Após a sanção do novo Código Civil, o tema mais debatido, tanto em meu órgão de atuação da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, quanto no meio acadêmico, diz respeito a redução da idade para que seja alcançada a maioridade civil. Atualmente, o artigo 9.º da Lei 3.071/16 (Código Civil), determina que a maioridade começa, automaticamente, aos 21(vinte e um) anos completos. Com a entrada em vigor do novo Código Civil, que acontecerá em janeiro de 2003, este limite será reduzido para 18(dezoito) anos.

            Os meios de comunicação de massa, açodadamente, como quase sempre fazem, não tem prestado informações adequadas à população, o que vem gerando interpretações distorcidas, principalmente pelos segmentos humildes de nossa sociedade, que compõem a maioria de nossos habitantes

            O resultado dessa onda de desinformação, até certo ponto involuntária, descambará, em breve, numa verdadeira avalanche de processos contendo pedido de exoneração de alimentos, pois a maioria da população passou a acreditar que com a redução da idade para que o indivíduo atinja a maioridade civil, o alimentante estará automaticamente livre da obrigação de prestar alimentos, e não é bem assim que as coisas acontecerão.Constantemente sou inquirido, por assistidos alimentantes e alimentados se com a entrada em vigor do novo Código Civil (Lei n.º 10.40/2002), as pessoas maiores de 18(dezoito) anos que recebem alimentos dos pais realmente perderão imediatamente esse direito.

            Questionam, ainda, se a redução do limite da cessação do poder familiar (ex-pátrio poder) não atingiria os alimentandos que já percebem alimentos, ou seja, se eles teriam direito adquirido aos alimentos até que completem 21(vinte e um) anos, pois a obrigação teria sido constituída na vigência da lei anterior.

            Para responder a tais indagações, é necessário que sejam feitas algumas ponderações: em primeiro lugar, não existe direito adquirido, quando se trata de criação ou extinção de uma instituição. "A lei que cria ou extingue uma instituição tem aplicação imediata, da mesma forma que a modificadora de meras faculdades legais.1O efeito imediato das leis sobre a capacidade das pessoas significa que alcançam todos aqueles por ela abrangidos. Assim, uma lei que altere os limites da maioridade civil, recuando-a para 18 anos, torna automaticamente maiores todos os que já tenham atingido a nova idade-limite.2"

            Não se pode, desta forma, argumentar que exista direito adquirido quando estiver em jogo a modificação da capacidade das pessoas, sendo o novo Código Civil aplicável a todas as pessoas que tiverem alcançado a idade-limite em 11 de janeiro de 2.003, o que permitirá que os alimentantes ajuízem demandas que vise a exoneração da obrigação de prestar alimentos derivados do poder familiar, denominado na doutrina, dever de sustento.

            Alimentos, na terminologia jurídica, significam – sustento, habitação, vestuário, tratamento por ocasião de moléstia. É uma relação familial, que se funda no vínculo de parentesco (jure sanguinis); porém que interessa diretamente à sociedade. Os romanos denominavam-no officium e pietas, expressões que traduzem o fundamento moral do instituto, o dever de mutuamente se socorrerem os parentes, na necessidade.

            Tratam os artigos 396/405 do atual Código Civil e os artigos 1.694/1.701, do Novo código Civil da dívida alimentar proveniente do jure sanguinis, fora da sociedade doméstica.

DEVER DE SUSTENTO:

            O dever de sustento origina-se do poder familiar, "(…) para permitir aos pais o desempenho eficaz de suas funções, a lei provê os genitores do pátrio poder, com atribuições que não se justificam senão por sua finalidade; são direitos a eles atribuídos, para lhes permitir o cumprimento de suas obrigações em relação à prole; não há pátrio poder senão porque deles se exigem obrigações que assim se expressam: sustento, guarda e educação dos filhos."3

            O dever de sustento seria, então, uma das obrigações dos pais decorrente do poder familiar."Quanto aos filhos, sendo menores e submetidos ao pátrio poder, não há um direito autônomo de alimentos, mas sim uma obrigação genérica e mais ampla de assistência paterna, representada pelo dever de criar e sustentar a prole; o titular do pátrio poder, ainda que não tenha usufruto dos bens do filho, é obrigado a sustentá-lo, mesmo sem auxílio das rendas do menor e ainda que tais rendas suportem os encargos da alimentação: a obrigação subsiste enquanto menores os filhos, independentemente do estado de necessidade deles, como na hipótese, perfeitamente possível, de disporem eles de bens (por herança ou doação), enquanto submetidos ao pátrio poder".4

            Por esse princípio, nem a precariedade das condições econômicas dos genitores os isenta do dever de sustento, que gera uma presunção absoluta de necessidade dos alimentandos, podendo, em situações especialíssimas, o descumprimento da obrigação, ou sua suspensão temporária, pois de onde nada existe não se pode tirar coisa alguma, sem deixar, no entanto, de subsistir o dever de sustento, enquanto não cessar o pátrio poder através de uma das formas previstas no ordenamento jurídico.

            O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiu que o concubinato da filha sujeita ao Pátrio Poder não é causa de exoneração dos alimentos pagos pelo pai, se esta, mesmo vivendo sob dependência econômica de outrem, necessitar da pensão para sobreviver, senão vejamos:

            ALIMENTOS – Ação de exoneração de alimentos. Concubinato de filha. Menoridade da beneficiária e comprovação da necessidade, sem ter o alimentante demonstrado redução de suas possibilidades. Improcedência mantida. Tendo em vista a menoridade da beneficiária e a comprovação de sua necessidade, sem que o alimentante demonstrasse a redução de suas possibilidades, impõe-se a improcedência do pedido de exoneração de pensão devida a filha por viver em concubinato, continuando a prestar-lhe alimentos até o alcance da maioridade civil, aos 21 anos ou pelo casamento. (TJRJ – AC 20.483/99 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. José Affonso Rondeau – DORJ 03.08.2000).

            Constata-se, que até a maioridade, por força dos deveres da paternidade, desponta a responsabilidade alimentar do pai para com o filho, sendo que deste dever não pode ser o alimentante dispensado pelo alimentando, nem exonerado, enquanto persistir a menoridade, podendo, quanto muito, deixar o alimentando de cobrar os alimentos que são devidos pelo genitor.

            Os alimentos devidos em virtude do dever de sustento prescindem da aferição da necessidade do filho menor, medindo-se na proporção dos haveres do pai e da mãe. O dever de sustentar os filhos (CC, art. 231, IV) é diverso da prestação alimentícia entre parentes, já que a obrigação alimentar pode durar a vida toda enquanto o dever de sustento cessa, em regra, com a maioridade civil dos filhos sem a necessidade de ajuizamento pelo devedor, em tese, da ação exoneratória. 5

 

OBRIGAÇÃO ALIMENTAR:

 

            A obrigação alimentar, diferentemente do dever de sustento, não se vincula ao poder familiar, mas sim ao parentesco. Tem seu fundamento no artigo 397 do Código Civil (artigo 1.694/1.701, do Novo Código Civil), sendo uma obrigação recíproca e surge exatamente após a cessação da menoridade, sujeitando-se inteiramente aos requisitos da necessidade de quem pleiteia alimentos e da possibilidade de quem irá prestá-los.

            Surge um problema de difícil solução quando se analisa a cessação do dever de sustento e se inicia uma eventual obrigação alimentar típica resultante da relação de parentesco.

            No que tange aos filhos, o dever alimentar do pai para com eles cessa com a superveniência da maioridade. Para a cessação do desconto da pensão em folha de pagamento, entendemos não ser necessário o ajuizamento de ação visando a exoneração do alimentante, sendo suficiente a formulação de um pedido neste sentido nos próprios autos em que os alimentos foram fixados, embora esse não seja o entendimento adotado na maioria da Varas de Família no Estado do Rio de Janeiro, onde se exige o ajuizamento de ação de exoneração, com livre distribuição, por se entender que o processo onde os alimentos foram fixados chegou ao seu fim, não havendo acessoriedade ou conexão entre processo em andamento e processo findo, posição da qual discordamos, por entendermos que traz prejuízos ao alimentante e peca contra o salutar princípio da economia processual.

            No entanto, nada obsta que os filhos continuem recebendo os alimentos em decorrência da relação de parentesco, e não mais em virtude do poder familiar, situação em que devem postular tal pretensão em ação própria, comprovando as suas necessidades, bem como as condições do alimentante.

            A respeito da matéria, interessante colacionar o excerto do artigo "Alimentos e sua Restituição Judicial", da lavra do Professor Rolf Madaleno.5:

            "Com a maioridade civil, o pátrio poder desaparece e com ele, a presunção legal e absoluta da necessidade alimentícia dos descendentes. Ascendendo à adultície, comete aos próprios filhos se auto sustentarem e o crédito pensional passa a ser verdadeira exceção. Sucede nesse caso, a cessação do que era obrigação alimentar absoluta, arbitrada por presunção natural de necessidade, para dar lugar excepcional, ao dever de alimentos, conquanto que o filho já maior, demonstre seu estado de miserabilidade".

            A doutrina majoritária e a jurisprudência dos tribunais nacionais vêm entendendo que devem ser concedidos alimentos aos filhos que atingiram a maioridade, enquanto estudantes, mormente em curso superior regular.

            Francisco José Cahali, observa que o primeiro aspecto a ser examinado, especialmente na obrigação alimentar dos pais em relação aos filhos menores, não está no capítulo dos alimentos, mas decorre da redução da capacidade civil para 18 (dezoito anos).

            Entende o culto jurista, que a prestação de alimentos, enquanto decorrência do dever de sustento inerente ao poder familiar não mais subsiste até 21 (vinte e um) anos. Mas, assim como já fazia a melhor orientação, deve-se em princípio prolongar a obrigação até os 24(vinte e quatro) anos do "maior" estudante.7

            No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, negou provimento ao recurso de filha maior que pleiteava alimentos não para satisfazer a continuidade dos estudos, mas para mantença de padrão de vida:

            ALIMENTOS – Filha maior de idade, estudante universitária, que propõe ação contra o genitor pleiteando deste alimentos que lhe garantam pagamento de aluguel de apartamento na zona sul, na qual reside com sua filha menor, quando na realidade poderia continuar a residir com sua mãe e pleitear alimentos ao pai de sua filha para manutenção desta. Alimentos que visam a satisfazer não a necessidade da continuação dos estudos, tanto mais que cursa ela universidade pública, mas a manutenção de sua independência com razoável padrão de vida. Despesas que não podem ser impostas ao genitor, por se apresentarem desnecessárias, já que não está em causa sua sobrevivência ou a manutenção dos estudos. (TJRJ – AC 99.001.06389 – 1ª C.Cív. – Relª Desª Maria Augusta Vaz – J).

            Existe, por certo, corrente doutrinária que autoriza a exoneração automática do vínculo alimentar, com o advento da maioridade civil, a ser requerida em simples petitório entranhado no próprio processo onde os alimentos foram fixados. Do lado oposto, há aqueles que vêem a obrigatoriedade do aforamento de uma ação específica de exoneração dos alimentos, como acima comentado, sob o argumento do advento da capacidade civil como causa extintiva do poder familiar e, por conseguinte, do liame alimentar.

            O Tribunal de Justiça da Bahia, decidiu que comprovada nos autos a maioridade civil, desnecessária a produção de provas, cabendo o julgamento antecipado da lide. Desnecessária a comprovação de que os filhos maiores já se mantêm. Com a maioridade civil cessa o pátrio poder e conseqüentemente o dever de sustento. (TJBA – AC 47.073-3 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Alberto Dultra Cintra – J. 24.03.199903.24.1999).

            É na contestação de uma ação de exoneração que o credor de alimentos já civilmente emancipado precisará justificar e comprovar a impossibilidade de prover o seu sustento, seja pela necessidade de dar prosseguimento em seus estudos em nível superior, quer porque seja portador de alguma doença que o inabilite ao trabalho. A exigência de nova ação, defendida por uma das correntes doutrinárias traz o temor da injustiça, motivado pela circunstância de onerar um dos pólos da relação jurídica, com o prosseguimento de uma obrigação que não mais lhe comete, pois a ser compelido a prosseguir pagando alimentos talvez indevidos, enquanto ainda é sobrecarregado pela obrigatoriedade de promover uma ação exoneratória, da qual deverá aguardar toda a tramitação pelo rito comum ordinário, para somente ao final e se procedente o pedido, com seu trânsito em julgado, ver cessada a sua obrigação alimentar.

            O fato de o descendente ter conseguido um emprego, no qual percebe um salário mensal, não é suficiente para caracterizar a desnecessidade ao percebimento dos alimentos, pois pode estar pretendendo complementar o quantum recebido a título de verba alimentar, objetivando melhorar sua situação financeira, senão vejamos:

            "Não se considera modificação das condições estabelecidas em separação judicial, para efeitos de exoneração da obrigação de alimentar, o fato de o alimentando passar a exercer alguma profissão, de acordo com sua formação e condições intelectuais, fato já previsível quando da fixação dos alimentos, não se verificando, pois, qualquer ocorrência de acontecimento extraordinário de modo a justificar a alteração" (TJSP – RT – 610/73).

CONCLUSÕES:

            De tudo, se conclui:

            1.Não existe direito adquirido quando estiver em jogo a modificação da capacidade das pessoas. A redução da idade em que cessa a menoridade, imposta pelo novo Código Civil é aplicável a todas as pessoas que tiverem alcançado a idade-limite em 11 de janeiro de 2.003.

            2.Ao completar 18(dezoito) anos, o alimentário perderá o direito à percepção de alimentos decorrentes do Poder Familiar, mas poderá continuar a recebê-los em razão do parentesco, que não se extingue com a maioridade civil, podendo a obrigação se prolongar até os 24 (vinte e quatro) anos, como ocorre hoje com o estudante de instituição de ensino superior.

            3.A grande diferença entre o novo sistema e o do atual código está no fato de que a partir dos 18(dezoito) anos, o alimentário é que deverá provar a necessidade de continuar a receber alimentos, em virtude do parentesco existente entre ele e o alimentante. Há inversão do ônus da prova.

            4.Embora seja técnico o entendimento de que há necessidade de ajuizamento de uma nova ação, visando a exoneração da obrigação alimentar, quando o alimentário completar a maioridade civil, uma vez que não se pode formular pedido novo em processo findo, por medida de economia processual e justiça, entendemos que pode o alimentante, nos mesmos autos em que foram fixados os alimentos, pleitear sua exoneração dessa obrigação, cabendo ao juiz, intimar o alimentário para que se manifeste sobre o pedido, ocasião em que poderá produzir prova de que a continuidade do recebimento dos alimentos é necessária, o que reduziria, em muito, as despesas e dissabores de alimentantes e alimentários, com a demora do processo.

            5.O novo Código Civil, em relação aos alimentos, como dito acima, não alterou tão radicalmente a situação de quem paga ou de quem recebe alimentos, pois a questão toda versa sobre a partir de que idade, o indivíduo terá que demonstrar a sua necessidade de receber alimentos (hoje 21 anos, amanhã 18), sendo que o mais relevante foi a inversão do ônus da prova.

Notas

            1. CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil, volume I, 19.ª edição, p. 105/106, 1.999, forense, Rio de Janeiro.

            2. Idem.

            3. YUSSEF SAID CAHALI, Dos alimentos, 3.ª edição revista e ampliada, p. 542 e seguintes, 1.999, Revista dos Tribunais, São Paulo.

            4. Idem, p. 543.

            5. AASP. 1.954:44.

            6. TJSC – Des. Vanderlei Romer – Apelação Cível n. 98.003077-3

            7. Direito de Família e o Novo Código Civil, coordenação de Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira, p. 184, 2.001, Del Rey, Belo Horizonte – MG.

 


Referência Biográfica

Roberto Henrique dos Reis  –  Defensor Público no Estado do Rio de Janeiro, professor de Direito Civil e Processual Civil no Centro Universitário de Barra Mansa (UBM)

E-mail: roberto.henrique@uol.com.br

Prescrição do dano moral trabalhista

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* Marcelo Pessoa –

1. Delineamento Inicial

           A magistrada Maria Inês Moura S. A. da Cunha pondera com sabedoria que: "… a Constituição Federal, em seu art. 5°, X, erigiu, a princípio, a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurando a indenização não apenas pelo dano material, mas também pelo dano moral. (…). O indivíduo, portanto, não é apenas titular de um patrimônio material, mas de direitos integrantes de sua personalidade, que não podem ser atingidos impunemente …" (1).

          O Acórdão do Recurso de Revista, número 450338, ano 1998, da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, cujo Relator foi o Ministro João Oreste Dalazen, traz esclarecimentos relevantes no que concerne aos direitos inerentes à personalidade, verbis: "… durante largo período a doutrina reconheceu que eram apenas a vida e a honra. A doutrina moderna, todavia, avançou para reputar dano a direito personalíssimo da pessoa humana e, portanto, passível de configurar dano moral, as seguintes espécies: a) dano estético; b) dano à intimidade; c) dano à vida de relação (honra, dignidade, honestidade, imagem, nome); d) dano biológico (vida); e) dano psíquico."

          Diante disso, convém expor que: "entende-se por dano moral, segundo a lição de Roberto Brebbia, aquela espécie de agravo constituída pela violação de algum dos direitos inerentes à personalidade" (2).

          Por conseguinte, o dano moral pode ser caracterizado como todo aquele que resulta de uma ofensa que atinge os valores abstratos humanos e que tem como causa impulsiva uma ação ou omissão, não estribada em exercício regular de um direito, em que o agente produz um prejuízo ou transgride direito de outrem, por dolo ou culpa.

          Sua reparabilidade tem previsão expressa em vários textos legais e encontra fundamento na teoria da responsabilidade civil, porém, o seu principal preceito está incrustado na Constituição Federal de 1998 – artigo 5 °, incisos V e X. Essa obrigação de ressarcir surge quando estão presentes os seguintes elementos: a ilicitude, manifestada pela ação ou omissão do causador; o dano propriamente dito; e o nexo de causalidade entre ambos. Assim, tendo em vista a importância de se tutelar esse direito subjetivo, os pretórios também assimilaram essa diretriz que se irradia largamente em reiterados julgados nacionais.

 

2. O Dano Moral Trabalhista.

          O advogado Valdir Florindo salienta que: "… Na vida em sociedade, estamos sempre sujeitos a causar um dano ou então a sofrê-lo. Na relação de emprego, a questão não é diferente …" (3).

          Deveras, tal afirmação é verosimilhante pois os direitos imateriais do cidadão podem ser afetados de maneira lesiva não só na esfera civil mas inclusive nas relações laborais, consideradas um campo propício e fértil quanto a esse tipo de violação, em virtude do caráter pessoal, subordinado e duradouro desse vínculo oriundo de um contrato prestacional

          Sobre essa corrente doutrinária, o juslaboralista Arnaldo Süssekind pontifica que: "O quotidiano do contrato de trabalho, com o relacionamento pessoal entre o empregado e o empregador, ou aqueles a quem este delegou o poder de comando, possibilita, sem dúvida, o desrespeito dos direitos da personalidade por parte dos contratantes. De ambas as partes – convém enfatizar …" (4). Por conseqüência, tanto o empregado como o empregador podem ser vítimas de dano moral, ou de "dano não-patrimonial", conforme o conceito preferido pela doutrina alemã e italiana.

          Trago o posicionamento coeso de Gislene A. Sanches como complemento: "… No cotidiano laboral, empregado e empregador, como tais, podem ser agentes ativos ou passivos de ilícitos dos quais derive a obrigação de repara o dano. Há, em tese, uma potencial igualdade dos sujeitos das relações de trabalho em causar lesões com repercussão, inclusive, na esfera moral, embora o mais comum seja o empregado figurar no pólo passivo da conduta danosa." (5).

          Acrescentando, o juiz Márcio Flávio Salem Vidigal assevera que: "… não só a pessoa física do empregado ou do empregador pode ser alvo de dano moral, pois a pessoa jurídica, quando sob esta forma se constituir o empregador, também poderá sofrer lesão desta natureza, por isso que ela é dotada de valores éticos." (6).

          Deste modo, "resta configurado o dano moral, no âmbito trabalhista, quando a reputação, a dignidade e o decoro são violados por atos abusivos ou acusações infundadas dos contratantes." (7).

 

3. A Controvérsia sobre o Prazo Prescricional da Ação de Indenização por Danos Morais.

          A legislação pátria (art. 7°, XXIX "a" da CF/1988 e art. 11 da CLT/1943) fixa um prazo específico para propor na Justiça Trabalhista ações referentes a créditos resultantes das relações de trabalho. (destaques)

          Esse lapso temporal denomina-se prazo de prescrição. Seguindo o entendimento de Câmara Leal, esse fenômeno jurídico pode ser conceituado como sendo a "extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso" (8).

          Significa, portanto, o prazo assegurado para alguém ingressar com a demanda perante a jurisdição competente. Por outro lado, a perda do referido prazo traz um resultado prejudicial ao interessado, que é a extinção do processo sem apreciação do mérito. O prazo é de 2 (dois) anos contados da extinção do contrato de trabalho tanto para trabalhadores urbanos quanto para os rurais, consoante a Emenda Constitucional n°28. No curso deste, é de 5 (cinco) anos, a contar do ato lesivo conhecido.

          Acontece que, os órgãos jus-laboralistas que adotaram o argumento positivista de que possuem competência para julgar os danos morais (ante o comando dos arts. 652, inc. IV, da CLT e 114, da CF) , estão decidindo, de forma equivocada, que o prazo para intentar tal demanda nessa Justiça Especializada é de 2 (dois) anos contrariando o prazo ordinário de 20 (vinte) anos já estipulado pela regra civil para ações pessoais, senão vejamos: "Código Civil, art. 177 – As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos …".

          Além do que, cumpre avultar o que a respeitável Maria Helena Diniz sabe sobre esse assunto: "Aplicação subsidiária do art. 177 do Código Civil. Nos casos em que o Código Civil ou lei esparsa forem omissos, relativamente ao prazo prescricional, deverá ser aplicado o disposto no art. 177, incidindo, então a prescrição ordinária." (9). Ora, é evidente que a legislação trabalhista não trata dessa matéria – dano moral –, logo, deve ser utilizado o disposto no comando legal pertinente que se encontra prescrito na norma civil já citada.

          Junto como substrato uma fonte jurídica relevante: "A prescrição relacionada a direito não previsto na Consolidação não é a do art. 11, do mesmo diploma legal, porém, a prevista no Código Civil" (TRT da 5ª Reg. (Bahia), 2ª T. RO-1.717/85, em 3.10.85, Rel.: Juiz Hylo Gurgel).

          O erro está simplesmente no fato de considerarem a reparação pecuniária um crédito decorrente da relação de trabalho. Esta posição em hipótese alguma corresponde com a verdade, posto que a indenização é simplesmente um quantum compensatório que tem como causa um evento antijurídico e lesivo, portanto, constitui uma satisfação ao ofendido e uma responsabilidade do causador, conseqüentemente, não se trata de parcela ou contraprestação garantida legalmente aos empregados e que notoriamente se encontram elencadas em leis específicas, principalmente, na Consolidação das Leis do Trabalho, como: salário mínimo, adicionais por serviço extraordinário, noturno, insalubre ou perigoso, remuneração de férias, abono pecuniário e outros.

          Ademais, a doutrina e a jurisprudência apontam outros tipos de reparação do dano moral. A fim de demonstrar o aduzido, transcrevo algumas citações ipsis litteris:

          "… no dano moral, outras modalidades de reparação existem, não se encontrando no dinheiro a exata reparabilidade e, haja vista a impossibilidade de se repor as coisas ao estado primitivo; contudo, o dinheiro exercerá à vítima o efeito compensatório, diminuindo as conseqüências da lesão a direito personalíssimo …" (10)

          "… Não se deve esquecer que a sentença condenatória poderá impor obrigação diversa da pecuniária, como a de fazer, exemplificando-se com a retratação pública, quer seja perante a empresa, ou nota esclarecedora em jornal de grande circulação …" (11)

          "… O dano moral não precisa ser recomposto, necessariamente, mediante indenização. Este posicionamento doutrinário é ratificado pela jurisprudência em grande número de decisões …

          O importante é que se refaça a ordem sócio-jurídica lesada, o que se pode obter mediante providências outras, tais como publicações e prestações de serviços …" (12)

          A propósito, convém destacar que a retratação feita publicamente sequer tem valor econômico, assim, obviamente não se enquadra na terminologia de crédito trabalhista, todavia, é como vem sendo tratada a matéria. Percebe-se desse contexto que é uma incoerência, pois, se porventura um empregado vir ajuizar uma ação, após o biênio estipulado quanto aos créditos trabalhistas, requerendo apenas a retratação do empregador, esta estará extemporânea caso seja aplicada a prescrição bienal, portanto, verificado o absurdo da adoção da tese dos dois anos, torna-se mais correta e justa a utilização da prescrição vintenal.

          O jurista Valentin Carrion, expôs em sua obra – Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho – que: "A única disposição diferente à norma genérica constitucional (cinco anos ou dois) é a referente ao PIS-PASEP; tal contribuição é trabalhista apenas indiretamente, pois a lei não considera rendimento do trabalho, nem o incorpora à remuneração (…). Nesse caso, a prescrição é de 10 anos (DL. 2052/83, art.10)" [grifo nosso].

          Entretanto, é de bom alvitre adicionar que a indenização ou a reparação aos danos morais também deve ser compreendida por período prescricional distinto do geral, sendo assim, para esse instituto há que vigorar a tese da prescrição longi temporis subordinada ao princípio segundo o qual as ações pessoais somente prescrevem em 20 (vinte) anos.

          Para reforçar esse entendimento, mister se faz expor uma jurisprudência notável do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª região – (RO, n° 27-00378-96-5, data de publicação: no DJE/RN n° 9.424, em 15/01/99, Acórdão n° 21.164): "EMENTA: DANO MORAL. 1. Em sendo o dano moral, resultante da relação de emprego é competente a Justiça do Trabalho para apreciar o pedido formulado. 2. Embora a competência seja da Justiça Obreira, a prescrição a ser aplicada é a do Código Civil, por não se tratar de verba trabalhista propriamente dita (…)" [grifo nosso].

 

4. Reflexão Final

 

          Em vista do apresentado, importa arrematar enaltecendo que o Direito do Trabalho também deve contribuir para que haja o respeito entre os homens (sejam eles trabalhadores, patrões ou outros), a fim de possibilitar a conseqüente evolução da Justiça.

          Por isso, não é coerente que se delimite um tempo para requerer judicialmente uma reparação por danos morais que seja inferior ao disposto no ordenamento civil que é o mais certo e favorável. Paralelamente, é o que se deve aplicar como fonte subsidiária ao Direito Laboral, conforme o preceito do art. 8°, parágrafo único, da CLT.

          Desta forma, se faz indispensável que prevaleça a prescrição estipulada pela norma civil, uma vez que reflete a adequada solução dessa intrigante questão jurídica e formal.

 

NOTAS

Breve consideração sobre o dano moral. In: Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 103

El daño moral.. Buenos Aires: Ed. Bibliográfica Argentina, 1950. p. 91 apud João Oreste Dalazen. Aspectos do dano moral trabalhista. In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. vol. 65, n.1°, out/dez, Porto Alegre/RS: Síntese, 1999, pág. 69.

Dano moral e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 46

Tutela da personalidade do trabalhador, In Rev. LTr, mai/95, pág. 595 apud João de Lima Teixeira Filho. Dano moral. In: Instituições de Direito do Trabalho. Arnaldo Sussekind et al. 17 ed. atual. v. 1. São Paulo: LTr, 1997. p. 637

Dano moral e suas implicações no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 65

A reparação do dano moral na órbita do Direito do Trabalho. In: O que há de novo em Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 39

Gislene A. Sanches. Dano moral e suas implicações no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 42

apud Código Civil Anotado. Maria Helena Diniz. 5 ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 171

ibid., p. 195

Valdir Florindo. Dano Moral e o direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1995. p. 31-32

Gislene A. Sanches. Dano Moral e suas implicações no direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1997. p. 93

Glaci de Oliveira Pinto Vargas. Reparação do Dano Moral: controvérsias e perspectivas. Porto Alegre/RS: Síntese, 1997. p. 22

 


Referência Biográfica

Marcelo Pessoa  –  Bacharel em Direito, aluno da Escola Superior da Magistratura (ESMAGIS/MT), pós-graduando em Direito Processual Civil e Direito Processual do Trabalho pela UNESA/RJ

E-mail: mar.pessoa@zipmail.com.br

A prescrição trabalhista, o marco constitucional inicial para a sua contagem

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    * Luiz Salvador –            

               E a questão da ilegimitidade da Procuradoria do Trabalho para argüi-la

             Apesar do caráter tutelar e alimentar assegurado aos créditos trabalhistas, até 4 de outubro/88, o trabalhador só podia demandar seu empregador para pagamento de seus créditos trabalhistas impagos, observados os dois últimos anos de trabalho a teor do normatizado pelo art. 11 da CLT. A partir de 05/10/88, o inciso XXIX do art. 7º da CF alargou o instituto da prescrição de dois anos para cinco, desde que o empregado ajuíze a reclamação trabalhista dentro de dois anos do respectivo desligamento (extinção do contrato), incluído o prazo do aviso prévio por força da nº 83 da E. SDI do C. TST, que cristalizou o entendimento de que o prazo prescricional só começa a fluir no final do término do aviso prévio (Art. 487, § 1º da CLT). Durante muitos anos a Justiça do Trabalho se recusava a acatar aplicação subsidiária do disposto pelo art. 172 do C.Civil, até que o C. TST pacificou a divergência editando o Enunciado 268, que assim, dispõe: "A demanda trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição". Pacificado este entendimento, a jurisprudência cuidou de delinear os demais contornos que envolvem a questão.

            "Como se vê, a posição de certa corrente jurisprudencial no sentido de que quanto aos pedidos não formulados no primeiro ajuizamento, o prazo prescricional tem fluência normal, contraria o sentido de que o simples ajuizamento da reclamação trabalhista adquire no processo do trabalho. Além do mais, desconsidera os princípios interpretativos inerentes ao direito e o processo do trabalho, que devem se guiar pela características próprias do tipo de relação jurídica que regulamentam. Neste sentido são várias as normas que procuram atenuar o formalismo do processo civil, como, por exemplo, a já anteriormente mencionada que permite que o simples ajuizamento da ação interrompa a prescrição, independente de se consumar a notificação da parte contrária. Por outro lado, é sabido que o hipossuficiente nem sempre tem conhecimento de todos os seus direitos, ou pelo menos daqueles que foram violados no curso da relação de emprego. Por esta razão também, de ordem teleológica, é mais do que justificável que se tenha uma interpretação mais benéfica quanto aos efeitos da interrupção da prescrição, em face da natureza da controvérsia existente para deslinde na Justiça do Trabalho, presumindo-se ter sido este o objetivo do TST, ao editar o En. 268/TST". (TRT 3ª Região, RO5.888/97, AC. 15.11.97, Rel. Juiz Luiz Ronan Neves koury, in LTR62-05/697/97).

             Examinando esta mesma questão, o TRT-PR, assim já decidiu:

            "PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. EXTINÇÃO DO FEITO ANTERIOR SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. Ainda que sindicato atuante como substituto processual venha a ser considerado parte ilegítima -ad causam- em reclamação anteriormente ajuizada com o mesmo objeto, referida ação deve ser tida como válida para efeitos de interrupção da prescrição relativamente a substituído, já que induvidosa a inocorrência de inércia deste quanto ao direito de ação, devendo ser relevado, ainda, que em caso tal, a entidade sindical, apesar de se valer, de meio inadequado, ingressa em Juízo, como pretensa credora. Aplicação subsidiária das disposições dos arts. 172, inciso I, 173 e 174, inciso III, do Código Civil e art. 219, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil e Lei 8.036-90, art. 3º ". (TRT-PR-RO 12.083-98 – Ac.4ª T 13.453-99 – Rel. Juíza Rosemarie Diedrichs Pimpão – decisão publicada no DJ-PR de 25-06-1999). A contagem do prazo prescricional se inicia com o da extinção do contrato, como se extrai do exame do art. 7º, inciso XXIX (A) da CF: "cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos APÓS A EXTINÇÃO DO CONTRATO".

            Apesar da clareza redacional do texto, que fixa o início do marco prescricional de modo a não pairar dúvida, teima a jurisprudência em delinear um outro contorno diferente do pretendido, insistindo numa construção de sentido diverso pretendendo seja o marco inicial contado não da extinção do contrato, mas do ajuizamento da ação, restringindo assim a eficácia de uma norma de claro e nítido caráter tutelar. A jurisprudência respeitadora da vontade da Carta Política vigente no País, divergindo do posicionamento conservador apontado, orienta-se, corretamente, na vontade expressa do legislador constitucional, como se extrai das lúcidas conclusões seguintes:

            "O prazo de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, previsto no art. 7°, item XXIX, letra a, da CF/88 é o limite dado pelo legislador constitucional ao trabalhador urbano para propor ação em que reivindicará direitos trabalhistas até os últimos cinco anos. Portanto, não se pode incluí-lo neste lapso temporal, pois ele seria diminuído para três, contrariando, desta forma, a vontade expressa do legislador constitucional, que foi a de conferir ao trabalhador o prazo prescricional de 5 anos para fazer valer direitos oriundos da relação de emprego. Ao intérprete não cabe limitar a eficácia da normas constitucionais de tutela do empregado através da exegese restritiva, principalmente quando se trata de prescrição de créditos provenientes de relação de trabalho, de natureza alimentar e considerado por ela própria como valor fundamental da República Federativa (art. 1°, item IV),base da ordem econômica (art. 170) e primado da ordem social (art, 193), TRT 3ªReg. RO 1848/92 – Ac. 3ªT., 21.01.93, Rel. Antonio Alvares da silva" ( Revista LTr -ano 57 – n° 06 – junho de1993 – São Paulo – págs. 755/756). "A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXIX, prevê, a prescrição dos direitos anteriores a cinco anos da extinção do contrato de trabalho. Interpretação teleológica esta que atende aos princípios basilares do Direito Material, qual seja, na dúvida sobre o alcance da norma, deve a mesma ser aplicada no sentido mais favorável ao obreiro, "in dubio pro operario" (TRT-PR RO 00011/95, Ac. 3ª T- 00404/96, Rel. Juiz Mario Antonio Ferrari, in DJP 19-01-96, PAG. 56). "A prescrição na Justiça do Trabalho é contada a partir da rescisão contratual. Note-se inclusive, que a Carta Magna, em seu arg. 7º, inciso XXIX, não fez a menor referência à data do ajuizamento da ação para a contagem do prazo prescricional, fazendo referência tão somente à data da extinção contratual. Assim, resta indene de dúvida que o marco prescricional é a data da rescisão contratual"(TRT-PR RO 4.791/95, AC. 1ª T. 12.997/96 – Rel. Juiz Wilson Pereira, in DJPR 05.07.96). " Segundo o art. 7º, XXIX letra a, da Constituição Federal de 1.988 o início do prazo prescricional ocorre na data da extinção do contrato de trabalho, e não na data em que foram pagas as verbas rescisórias" (TRT-PR RO 9799/91, AC. 1ª T 3180/93, Unân, Rel. Juiz Tobias de Macedo Filho, in DJPR 02.04.93, PÁG. 151).

            De todos sabido que o instituto da prescrição é de direito patrimonial e não de direito público (Cód. Civil, arts. 161/179), sendo que o momento aprazado para sua invocação é o do oferecimento da defesa, sob pena de preclusão, para que produza os efeitos então pretendidos – o atingimento direto do direito e por via reflexa extinção da ação, fazendo fenecer o direito do obreiro mesmo diante do seu caráter tutelar e alimentar. Tal conclusão se extrai do exame do disposto no art. 269, inciso IV do vigente Código de Processo Civil que elevou a prescrição como matéria de mérito. Assim, até em obediência ao princípio do contraditório e da ampla defesa, a matéria de mérito não pode ser invocada fora do primeiro grau (em grau de recurso, em memorial, sustentação oral, sob pena de permitir-se a supressão de instância. Tratando-se então, como visto, de direito patrimonial, não detém o Ministério Público do Trabalho legitimidade para argüir a prescrição mesmo em favor de entes públicos, já que não é parte no processo e sua atuação se dá na qualidade de defensor da lei (Custos Legis), impedidos do papel de representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas, inciso IX do art. 129 da CF/88:

            "A prescrição de direitos patrimoniais somente pode ser suscitada pelas partes que compõem a lide, sendo vedado até mesmo sua decretação ex officio, a teor do disposto no art. 219, § 5º, do CPC, c/c o art. 166, do CC. Seguindo esta diretriz, o MPT somente tem legitimidade para argüir prescrição de direitos patrimoniais quando figurar como parte na ação, o que não in casu, sob pena de estar exercendo verdadeira representação judicial do ente público demandado, o que lhe é constitucionalmente vedado – art. 129, IX, CF/88 – TRT da Décima-Nona Região, por unanimidade, RO Nº 97612141.70 – Procedência: JCJ de Arapiraca/AL – Presidente em exercício: Juíza HELENA E MELLO – Relator: Juiz PEDRO INÁCIO DA SILVA, Maceió, 28 de julho de 1998. (DOE 04.09.98).

            Neste mesmo sentido, também, por último a Orientação Jurisprudencial n.º 130, do C.TST:

            "Prescrição. Ministério Público. Custos legis. Ilegitimidade. O Ministério Público não tem legitimidade para argüir a prescrição a favor da entidade de direito público, em matéria de direito patrimonial, quando atua na qualidade de custos legis (arts. 166, do CC, e, 219, § 5º, do CPC). Parecer exarado em Remessa de Ofício"

 

Conclusão.

            Tratando-se a prescrição de direito patrimonial deve ser argüida no primeiro grau com a defesa, pena de preclusão, sendo que o MPT não detém legitimidade para sua argüição por não ser parte e estar impedido de exercer o papel de representação judicial e consultoria jurídica de entidades públicas, a teor do inciso IX do art. 129 da CF/88. O arquivamento de ação anterior ajuizada interrompe a prescrição, assegurando-se íntegros todos os direitos incumpridos, mesmo os não constantes da ação anterior arquivada, observando-se, ao propor a ação, apenas, o prazo prescricional de dois anos contados da extinção do contrato de trabalho (art. 7°, item XXIX, letra a, da CF/88), atendendo-se assim à vontade do Legislador Constituinte.

 


Referência Biográfica

 LUIZ SALVADOR   –   Advogado trabalhista no Paraná, diretor para assuntos legislativos da ABRAT, integrante do corpo técnico do DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

E-mail: defesatrab@uol.com.br

Responsabilidade civil decorrente de extravio de bagagem aérea

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* Eduardo Sens dos Santos  –

1. Introdução.

          Como deverá se auferir a responsabilidade civil do transportador aéreo quando do extravio das bagagens, malas, documentos de seu transportado? Qual o tipo de responsabilidade a que está sujeito o transportador? É aplicável o Código de Defesa do Consumidor?

          São as perguntas que surgem quando da avaliação de um caso concreto no âmbito da responsabilidade civil do transportador, e que merecem a atenção deste pequeno estudo. E são a elas que procura-se oferecer resposta adiante.

          Ressalte-se que pouca importância prática tem o fato de o transporte ter se dado no âmbito internacional ou nacional, pois o direito aplicado (Convenção de Varsóvia), foi quase que totalmente absorvido pelo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer). Tal pergunta, pois, merece o estudo das quatro áreas do direito: o Direito Internacional, o Direito Civil, o Direito do Consumidor e o Direito Constitucional.

          Quanto ao Direito Civil, deve-se perquirir acerca da espécie de responsabilidade a que está sujeito o transportador (subjetiva, objetiva ou objetiva agravada), bem como sobre os direitos do transportado.

          No Direito do Consumidor, atenta-se para a relação consumidor/fornecedor, e a amplitude da responsabilidade deste último.

          No Direito Internacional e Constitucional, deve-se procurar a verdade sobre a validade da Convenção, sua recepção pelo ordenamento nacional, atentando também para a constitucionalidade de suas normas.

 

2. Qual norma se aplica à hipótese?

          É necessário, num primeiro momento, verificar-se qual a legislação a ser aplicada ao caso, já que se está diante de um possível conflito entre normas internacionais e de direito interno.

          Primeiramente, cabe ressaltar que há dois tipos de vôo aéreo: o doméstico e o internacional.

          De acordo com o art. 215 do CBAer, "considera-se doméstico […] todo transporte em que os pontos de partida, intermediários e de destino estejam situados em território nacional". Os vôos domésticos acham-se regulados, em sua quase totalidade, pela Lei n. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica).

          O transporte internacional é aquele em que o ponto de embarque e o destino estão situados em países diferentes. Os vôos internacionais foram regulados pela Convenção de Varsóvia, parcialmente alterada pelo Protocolo de Haia, introduzido no ordenamento brasileiro pelo Decreto 56.463/65.

          Neste estudo será abordada a questão tendo-se em conta a Convenção de Varsóvia, o que não impede uma leitura em vista do Código Brasileiro de Aeronáutica.

 

3. O conflito entre a Convenção e o Código de Defesa do Consumidor.

          Dentre as regras definidas na Convenção de Varsóvia, destaca-se, no presente estudo, a que limita o quantum indenizatório em caso de dano. Como ensinam Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge:

          "O art. 22 da Convenção de Varsóvia, parcialmente alterado pelo Protocolo de Haia (Decreto 58.463/65), estabelece o limite de 250 mil francos poincaré para indenização no caso de transporte de pessoas (n. 1 do art. 22), limitando o n. 2 a responsabilidade em caso de dano à bagagem registrada ou mercadoria". (In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 19 pág. 129).

          Acontece que em 11 de setembro de 1990 foi publicado o Código de Defesa do Consumidor (DOU 12/09/90). Tal Código, em seu artigo 6º, inciso VI assegura: "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;"[grifei] e, de acordo com Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge: "A possibilidade de reparação do dano moral veio a ser constitucionalmente garantida com a atual Constituição, em seu art. 5º, incs. V e X" (in Revista de Direito do Consumidor. Vol. 19, pág. 122).

          Aí se estabelece o conflito de normas: enquanto a Convenção limita a responsabilidade do transportador em aproximadamente U$400,00, a Constituição Federal e o Código do Consumidor garantem a efetiva reparação de danos patrimoniais e morais.

          O Código ainda estabelece, em seu artigo 51 que:

          "São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

          I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor, pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;"[grifei]

          Neste sentido ensina o Professor Dr. Alberto do Amaral Jr., da USP:

          "São nulas, nos contratos de transporte de carga, as cláusulas limitativas de responsabilidade do transportador referentes à perda ou avaria da coisa transportada. O mesmo raciocínio aplica-se ao transporte de pessoas em que certa cláusula estabeleça a quantia a ser paga desde que sobrevenha o dano."(A Invalidade das cláusulas limitativas de responsabilidade nos contratos de transporte aéreo. In Ajuris. Março de 1998, Edição Especial, pág. 445).

          Diante de tal antinomia, haja vista a Convenção limitar o quantum indenizatório, enquanto que o CDC deixa livre o pedido de reparação de dano, proibindo expressamente as cláusulas que atenuem a responsabilidade do fornecedor de serviços, é mister saber-se qual norma utilizar. Importante frisar porém que, a Convenção, o Código de Defesa do Consumidor e o Código Brasileiro de Aeronáutica, nos dizeres de Antônio Herman V. Benjamim:

          "… Convivem de maneira harmoniosa, permanecendo aqueles dois primeiros documentos plenamente em vigor, exceto em relação a alguns de seus dispositivos, onde o conflito é evidente. Isso quer dizer que o Código de Defesa do Consumidor não revogou a integralidade da Convenção e do Código Brasileiro de Aeronáutica, a não ser onde patente a antinomia" (in Revista de Direito do Consumidor. Vol. 26. Pág. 39).

 

4. A relação jurídica de consumo.

          Mas, é necessário salientar que só haverá conflito entre as normas, diga-se de passagem, no tocante à responsabilidade civil do transportador, quando se estiver diante de uma relação jurídica de consumo. E o Código de Defesa do Consumidor diz ser consumidor: "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (art. 2º).

          Assim, Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge esclarecem:

          "No que diz respeito aos contratos de transporte em geral, inexistem maiores dificuldades em se concluir pela aplicabilidade do Código de Proteção e Defesa do Consumidor aos mesmos. […] Antônio Herman Vasconcelos e Benjamim observa, aliás, que esse tipo de contrato, dentre outros, tem ‘maior potencial para causar acidentes de consumo’" (in Revista de Direito do Consumidor. Vol. 19. Pág. 127-128).

          Portanto, o passageiro que tem sua bagagem extraviada é considerado consumidor, pois se encaixa na definição do Código de Defesa do Consumidor, configurando-se, entre o passageiro e a companhia aérea, a relação "consumidor-fornecedor-produto ou serviço".

          Destarte, está formado o conflito, sobrevindo a dúvida: prevalece a norma de direito internacional que fixa um limite ou o Código de Defesa do Consumidor que consagra a indenização integral, proibindo a cláusula limitadora de responsabilidade?

 

5. Qual norma prevalece: Convenção ou CDC?

          Cabe consignar aqui que, à época da Convenção de Varsóvia (1931), o avião tinha acabado de sair do papel. Santos Dumont em 23 de outubro de 1906 tinha realizado o primeiro vôo num aparelho mais pesado que o ar e, apesar da rápida evolução do aparelho, seu uso seguro ainda deixava muito a desejar.

          Era necessário uma norma que permitisse a evolução da aviação, pois não seria possível indenizar todos os acidentes acontecidos, sob pena de estagnação da indústria aérea.

          Sob este argumento foi erigida a Convenção de Varsóvia, que limitava as indenizações a determinado valor, sendo os passageiros indenizados totalmente apenas em caso de dolo ou culpa grave.

          Hoje tal argumento não vigora. A muito é sabido da segurança dos transportes aéreos, tanto que recebeu a alcunha de "transporte mais seguro do mundo". Mas a Convenção ainda não foi denunciada pelo governo brasileiro, estando em vigor, portanto.

          Num primeiro passo deve-se ter em mente que o Código de Defesa do Consumidor se trata de norma de "ordem pública e interesse social" de acordo com o seu artigo 1º, sendo que a autonomia da vontade foi deixada num plano secundário. Por este motivo é que a incidência das normas do referido Código "é cogente, não podendo ser afastada pela vontade das partes" (Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge. Op. Cit. Pág. 126).

          E o Código de Defesa do Consumidor, editado nos termos do art. 5º, inc. XXXII e do art. 170, V, da Constituição Federal, bem como a defesa do consumidor erigida à altura do princípio geral da atividade econômica (art. 170, inc. V), não podem ser relegados a um plano inferior ao da Convenção de Varsóvia.

          Entretanto alega-se, em parte da doutrina, que dita Convenção preponderaria sobre a legislação interna, o que não é totalmente verdade. Apesar de os tratados e convenções serem atos internacionais de grande importância, onde a "palavra" do Estado está em jogo, suas normas não podem ser sobrepostas à Lei Maior do país. Há sim, o controle de constitucionalidade também em relação aos tratados (Ver manual de Direito Internacional Público de Francisco Rezek, pág. 104), pois estes devem se submeter à ordem interna para poderem ter acolhida no ordenamento nacional.

          Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge arrematam:

          "Assim, o fato de a Convenção de Varsóvia não ter sido denunciada pelo Governo brasileiro (tal como previsto no art. 39 da Convenção) não quer significar que os limites de indenização nela previstos prevaleçam ainda hoje, pois que virtualmente incompatíveis com o regime do Código de Proteção e Defesa do Consumidor que, como visto, deita raízes na própria Carta de 1988" (Op. Cit. Pág. 135).

          À assertiva de que a Convenção é lei especial e, portanto, nos critérios de solução de antinomias prevaleceria sobre o Código de Defesa do Consumidor, deve-se manter distância. Sucede que o Código de Defesa do Consumidor também é lei especial, pois regula universalmente toda e qualquer relação de consumo. Ademais, foi editada com o escopo de defender e proteger o consumidor que, diga-se de passagem, em nada era beneficiado pela Convenção de Varsóvia ou o Código Brasileiro de Aeronáutica.

          Resumindo, pode-se dizer claramente e com toda a certeza que em conflito entre a Convenção de Varsóvia e o Código de Defesa do Consumidor, prevalece este último, posto que hierarquicamente superior (editado nos termos do art. 5º, inc. XXXII da Constituição Federal), especial (o CDC regula toda relação de consumo) e, como se não bastasse, posterior (tendo sido publicado em 11/09/1990 e entrado em vigor em 13/03/1991, enquanto que a Convenção ingressou no ordenamento nacional em 24/11/1931).

          E este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

          "INDENIZAÇÃO — DANO MORAL — EXTRAVIO DE MALA EM VIAGEM AÉREA — CONVENÇÃO DE VARSÓVIA — OBSERVAÇÃO MITIGADA — CONSTITUIÇÃO FEDERAL — SUPREMACIA."

          "O fato de a Convenção de Varsóvia revelar, como regra, a indenização tarifada por danos materiais não exclui a relativa aos danos morais. Configurados esses pelo sentimento de desconforto, de constrangimento, aborrecimento e humilhação decorrentes do extravio de mala, cumpre observar a Carta Política da República — incisos V e X do artigo 5º, no que se sobrepõe a tratados e convenções ratificados pelo Brasil." (RE 172.720-9, Rio de Janeiro. Rel. Min. Marco Aurélio. 06.02.96).

          O Tribunal de Justiça de São Paulo também já decidiu neste sentido:

          "INDENIZAÇÃO — Responsabilidade civil — Transporte aéreo — Extravio da bagagem — Ressarcimento — Limitação prevista na Convenção de Varsóvia — Inaplicabilidade — Declaração do conteúdo e pagamento de tarifa compatível — Orientação inexistente no bilhete de passagem — Verba devida — Fixação por arbitramento — Recurso provido."(Apelação Cível n. 43.874-4, São Paulo. Relator: Des. Laerte Nordi. 12-8-97.)

          Finalizando o assunto, Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim Jorge ensinam:

          "Há, é claro, que se analisar se, no caso concreto, se está em face de relação albergada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Tal poderá perfeitamente suceder se se estiver em face de uma relação de consumo, pura e simples, como é o caso do consumidor que sofre danos em sua bagagem. Nesse caso, a responsabilização do fornecedor transportador aéreo não se limita ao teto do art. 260 da Lei 7505/86 [sic], supra mencionada" (Op. Cit. Pág. 133) (A lei referida é a Lei 7.565/86).

 

6. A responsabilidade civil no CDC.

          Visto o problema da antinomia das normas, parte-se agora para a responsabilidade civil no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

          Citando mais uma vez os mestres Eduardo Arruda Alvim e Flávio Cheim:

          "O Código de Proteção e Defesa do Consumidor regulamenta a responsabilidade por serviços fundamentalmente em dois dispositivos: no art. 14, trata da responsabilidade civil pelo fato do serviço; no art. 20, trata da responsabilidade civil pelo vício do serviço.

          […] É mister, pois, que tenha havido evento danoso, decorrente de defeito no serviço prestado, para que se possa falar em responsabilização nos moldes do art. 14. Ou, então, que o evento danoso tenha decorrido de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, o que se pode chamar de defeito de informação" (Op. Cit. Pág. 138).

          O artigo 14 que diz responder o fornecedor pelo evento danoso, independentemente de culpa, consagra a sua modalidade objetiva. Já seu parágrafo 3º comporta as causas de exclusão, in verbis:

          "§3º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

          I — que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

          II — a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro."

          Assim, se provado o defeito do serviço (extravio da bagagem), o transportador somente deixará de ser responsabilizado quando a responsabilidade advier de fato de outrem ou fato próprio do consumidor.

          Colhe-se da jurisprudência:

          "Responsabilidade Civil. Transporte aéreo e extravio de bagagem. Indícios de extravio em terra, além de não estar relacionado com acidente. Responde a transportadora pela indenização integral regulada no Código Civil, afastando a indenização tarifada da Lei 7.565/86, prevista para acidente aéreo. Interpretação que também se harmoniza com o Direito do Consumidor. Ação procedente. Decisão mantida." (Ap. Cív. 548.098-4, rel. Márcio Franklin Nogueira, j. 26.05.93, in JTA-LEX 142/144).

          Deve-se agora tratar, haja visto que a lei aplicável ao caso é o Código de Defesa do Consumidor, da espécie de responsabilidade civil do transportador, qual seja, a responsabilidade objetiva.

6.1. Responsabilidade Objetiva

          O Professor Fernando Noronha conceitua responsabilidade objetiva como "a obrigação de reparar determinados danos causados a outrem, independentemente de qualquer atuação dolosa ou culposa do responsável, mas que tenham acontecido durante atividades realizadas no interesse ou sob o controle da pessoa responsável" (Apostila do Curso de Graduação em Direito da UFSC. Pág. 370).

          Do conceito apresentado inferem-se três requisitos básicos para que se configure a responsabilidade objetiva: 1) o fato; 2) o dano; 3) o nexo de causalidade.

          O fato na hipótese levantada é extravio da bagagem e o dano configura-se pela perda de documentos, material pessoal, roupas, jóias, enfim o que sair do patrimônio do transportado em virtude da perda de suas malas. Quanto ao nexo de causalidade, diz a teoria da causalidade adequada que, um fato é causa de um dano quando este seja conseqüência normalmente previsível daquele. Conforme o Prof. Fernando Noronha:

          "E para sabermos se ele [o dano] deve ser considerado conseqüência normalmente previsível, devemo-nos colocar no momento anterior àquele em que o fato aconteceu e tentar prognosticar, de acordo com as regras da experiência comum, se era possível antever que o dano viesse a ocorrer. Quando a resposta for afirmativa, teremos um dano indenizável." (Apostila, pág. 228).

          Ora, é sabido da desordem que muitas vezes povoa nossos aeroportos, tanto que é muitíssimo comum as malas de um florianopolitano serem encontradas em Assunção ou em Porto Alegre. Portanto, pode-se afirmar que num aeroporto em que não há um controle rígido das bagagens, é perfeitamente possível antever-se que, sem serem tomadas estas as devidas cautelas, quaisquer malas teriam grande chance de se extraviarem. Assim sendo, no momento anterior ao fato era possível prever-se a ocorrência do dano, não tendo sido tomada nenhuma providência para que tal não ocorresse.

          Conclui-se, portanto que, presentes os requisitos configuradores da culpa objetiva, quais sejam o fato, o dano e o nexo de causalidade, estamos diante de um dano indenizável.

 

7. Inversão do ônus da prova.

          A prática ensina que, na maioria das empresas de aviação, não são exigidas declarações minuciosas do conteúdo da bagagem. O transportado, não teria pois como provar o conteúdo das malas, posto que seria considerado documento unilateral (o próprio consumidor, após a constatação do extravio, faz uma lista do que foi perdido). Mas de nada valem estes argumentos, pois no Código de Defesa do Consumidor o ônus da prova é invertido, devendo o transportador comprovar que a mala extraviada não continha tais objetos.

          E, nem mesmo é necessário o pedido de inversão do onus probandi, pois, em sede de direito do consumidor, pode-se operar de ofício, ou seja, sem requerimento das partes. É que o Código de Defesa do Consumidor elevou suas normas à condição de normas de ordem pública e de interesse social (art. 1º), e as normas de ordem pública, segundo Carlos César Hoffmann, com base em Nery Jr. "compreendem-se aquelas que devem ser apreciadas e aplicadas de ofício, e em relação às quais não se opera a preclusão, podendo, as questões que delas surgem, serem decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição" (A Inversão do ônus da prova. FURB. Pró-Reitoria de Pesquisa em Pós-Graduação, 1998. Págs. 83-84).

          A Jurisprudência é vasta:

          "RESPONSABILIDADE DO PRESTADOR DE SERVIÇOS. Ônus da prova segundo o Código de Defesa do Consumidor. Suficiência da verossimilhança do alegado para transferir ao prestador de serviços o encargo probatório (Lei 8.078/90, arts. 6º, VIII, e 14, parág. 3º). Sentença Confirmada". (TJRS — Ap. Cív. 593133416-6 6ªC. — Rel. Des. Adroaldo Furtado Fabrício — RJTJRS 163/393).

          "PROVA — Ônus — Inversão — Critério do Juiz, quando reputar verossímil a alegação deduzida — Artigo 6º, inciso VIII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, com o flagrante intuito de facilitar o ajuizamento da ação, reserva ao Juiz o poder de dispensar o autor do encargo de provar o fato constitutivo de seu direito, quando, a critério exclusivo do Magistrado, reputar verossímil a alegação deduzida" (TJSP — 7ªC. — Ap. Cív. 198.391-1- Rel. Des. Leite Cintra — JTJ/LEX 152/128).

          Ver ainda JTJ/LEX 167/147 e JTJ/LEX 169/138.

 

8. Conclusão.

          A principal conclusão que se pode extrair deste estudo é a de que, nos contratos de transporte aéreo, tanto internacional quanto nacional, a responsabilidade do transportador, pelos danos causados à bagagem, é sempre objetiva, tendo em vista a relação de consumidor-fornecedor que existe. Não é necessário se provar dolo ou culpa. Basta simplesmente a prova do fato ocorrido e o nexo de causalidade entre o fato e o dano.

          O ônus desta prova, de acordo com o Código do Consumidor, há de ser operado inversamente, ou seja, o fornecedor deve provar fato que desconstitua o direito alegado pelo consumidor.

          Como visto antes, a Convenção de Varsóvia se tornou parcialmente incompatível com o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que a Lei 8.078/90 é posterior, especial e editada nos termos da Constituição Federal, não podendo, assim, sobressair-se no ordenamento nacional em detrimento de outros diplomas legais.


Referência Biográfica

Eduardo Sens dos Santos  –  Advogado em Florianópolis (SC)

E-mail: eduardo_sens@yahoo.com

Não há tortura no Brasil!

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* Eduardo Sens dos Santos –

           Fiquei perplexo ao tomar conhecimento de umas mentiras que andam contando por aí!

          Ontem, dia 09.06.2000, o Jornal Nacional anunciava a situação crônica que vêm enfrentando os presídios brasileiros. Pessoas amontoadas, sujeira, ratos, torturas, AIDS, estupros… uma completa barbárie! Chegaram até a forjar imagens das celas imundas! Duvido que isto aconteça aqui no Brasil.

          A Folha de São Paulo de 14.05.2000 também apresentou resumo de relatório brasileiro sobre a tortura, que vergonhosamente foi entregue à ONU.

          Não acreditei no que li: "A tortura, muitas vezes, é utilizada como método primitivo e equivocado de investigação, a fim de dar respostas à sociedade, que exige eficácia na atuação da polícia"; "Há violência e maus-tratos nas prisões brasileiras"; "Quando ocorrem tentativas de fuga ou rebeliões, não é raro o registro de represálias por meio de espancamentos e outras formas de tortura"

          Também não acreditei, assim, como não creio haver tortura no Brasil, e que as formas mais utilizadas nas cadeias, presídios, delegacias e afins, de acordo com a Folha de São Paulo de 14.05.2000, são:

Choque elétrico;

"P. do boi" (membro do animal é seco e usado como chicote";

Perfuração sob as unhas com objetos pontiagudos;

Choque elétrico nos órgãos genitais;

Penetração do ânus com pedaço de pau;

"telefone" (golpes manuais no ouvido);

Espancamentos com cassetes e barras de aço;

Asfixia com sacos plásticos, afogamentos;

Surras com toalhas molhadas.

 

          Quanta mentira, quanto descaramento. Publicar uma coisa assim sobre um país tão sério e tão justo!

          Justo? Sério? Claro!

          A Constituição de 1988 que, segundo consta, é a "Lei Maior" "A Lei Fundamental", diz claramente que não haverá penas cruéis; que se deve respeitar a integridade física e moral dos presos; que todos são iguais perante a lei; que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante…

          É por isso que eu duvido que os presídios estejam lotados, que haja somente um Estado da Federação com mais vagas do que presos (Roraima), que, como querem fazer crer os editores do Jornal Nacional, algumas celas tenham 18 vezes mais presos do que as vagas existentes.

          Também não dou crédito à visita que fiz certa vez ao Presídio de Florianópolis. Certamente para me impressionar, propositadamente sujaram tudo, amontoaram os presos em celas miúdas, e pediram para o Chefe do Presídio mentir que havia, em média, três presos para cada cama. É óbvio que também não é verdade que alguns dormiam de dia e outros à noite, numa espécie de revezamento.

          Continuo incrédulo!

          E, realmente não vejo como acreditar nessa baboseira, simplesmente porque sei que nosso país tem ótimos juízes, juristas, advogados, promotores; pessoas da mais alta sensibilidade, da mais completa justeza, de tino irreparável. Pessoas que jamais envidariam seus esforços intelectuais para enviar seres humanos a locais onde pudesse haver tortura, onde as penas fossem cruéis, onde não fosse respeitada a integridade física do preso.

          Esse é o argumento que desmascara toda esta mentirada.

          Se realmente existisse tortura, maus tratos, superlotação dos presídios no Brasil, se em qualquer estabelecimento prisional brasileiro acontecesse qualquer ato contrário à integridade física e moral dos apenados, eu duvido que nossos nobres homens da justiça, que nossos aplicadores da lei mandariam alguém para a prisão!

          Quem dormiria com a consciência limpa depois de assinar uma mandado de tortura? Uma sentença de morte (social)? Um mandado de "pau de arara"? De choque elétrico? Quem pode sorrir depois de submeter uma pessoa (seja criminosa ou não) a tratamento tão degradante, tão desumano?

          Só se pode concluir uma coisa: obviamente não há tortura e maus tratos nas prisões brasileiras, pois, se houvesse, com toda certeza nossos homens-juristas não cogitariam sequer a hipótese de mandar alguém para a cadeia.

 


Referência Biográfica

Eduardo Sens dos Santos  –  Advogado em Florianópolis (SC)

E-mail: eduardo_sens@yahoo.com