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A defesa do executado no cumprimento de Sentença.

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* Glauka Cristina Munhoz  –

Introdução

A lei 11.232 de dezembro de 2005, que entrou em vigor em 23 de junho de 2006, trouxe inovações à execução do título judicial, objetivando imprimir um rito mais célere, menos oneroso, observando a aplicação do princípio da efetividade do processo[1], constitucionalmente protegido.

A preocupação por uma prestação jurisdicional mais efetiva há muito já preocupa, Mauro Cappelletti e Bryan Grant[2]  afirmam que:

Embora o acesso efetivo à Justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade”  é, por si só algo vago.

Neste diapasão a execução de título judicial é suprimida. Em seu lugar sobrevém o denominado instituto do “cumprimento da sentença”, localizado dentro do processo de conhecimento como ato contínuo, sem que haja necessidade de instauração de um processo de execução autônomo, passando a ser parte complementar do mesmo processo em que a sentença foi proferida.

O legislador passou a autorizar o magistrado a praticar atos executivos no bojo do processo de conhecimento, sem a necessidade de uma nova relação processual, permitindo assim seu prolongamento após a prolação da sentença condenatória, que dará início a fase executiva, de forma que a pretensão da parte seja atendida mais rapidamente.

Agora, aquele que obtém uma sentença de procedência que condena o réu ao cumprimento de uma obrigação, poderá executá-la nos mesmos autos, independentemente da formação de um processo autônomo de execução. Há um processo único, formado por uma fase cognitiva e outra executiva (sincretismo), assim, não faz mais sentido os dizeres de Sergio Shimura[3], em relação à autonomia do mesmo.

O processo de execução tem existência autônoma, livre e dis­tinta do processo de conhecimento ou mesmo do cautelar. Não é mera fase executória do procedimento inaugurado pela ação condenatória, nem a sua parte integrante.

Entretanto já haviam vozes que se pronunciavam de forma diferente, negando a autonomia à execução de sentença. Alexandre Freitas Câmara cita o autor Gabriel de Rezende Filho[4], donde, na esteira do pensamento de Couture já afirmava que:

Sem a execução, a sentença condenatória não teria eficácia. Seria como sino sem badalo ou trovão sem chuva (…). A execução, portanto, é a fase lógica e complementar da ação. Vindo a juízo, não pretende o interessado obter apenas a declaração ou o reconhecimento de seu direito de um modo platônico, mas aspira à mais completa tutela jurídica com a efetiva mantença ou restauração de seu direito

O modelo sincretista de tutelas está sendo a força propulsora das reformas do Código de Processo Civil, com o reconhecimento de efeitos mandamentais e executivos nos processos de conhecimento, possibilitando-se, destarte, cognição e execução em uma única demanda, dispensando as subseqüentes relações executivas, bastando serem realizados atos executivos no próprio processo cognitivo.

O presente artigo tem a intenção de ressaltar as alterações sofridas em relação à defesa do executado, na execução da obrigação de pagar quantia certa, considerando que executado que sempre se beneficiou da morosidade do processo.

Marinoni[5] ressalta, o comportamento social do réu em relação as suas obrigações. Refere-se que este sai à busca de recursos para beneficiar-se e postergar o cumprimento da obrigação assumida ou até mesmo, jamais saldar a sua dívida e, embora o autor tenha razão, acaba sendo prejudicado.

Na realidade, não há motivo para alguém assustar-se quando constata que o processo retoricamente proclamado como instrumento jurisdicional que não pode prejudicar o autor que tem razão, acaba na realidade sempre prejudicando-o. O mais lamentável  de tudo isso, de fato, é que o processo tornou-se, com passar do tempo, um lugar propício para o réu beneficiar-se economicamente às custas do autor,  o que fez surgir o fenômeno do abuso do direito de defesa e dos direito de recorrer

A defesa do Executado Anterior a Alteração Legislativa.

Anterior a citada alteração, a defesa do executado nas execuções por quantia certa de título judicial se dava através dos embargos do devedor, consubstanciados em uma ação própria, autônoma, ainda que incidente ao processo de execução.

O Código de Processo Civil abordava no artigo 741 a extensão das matérias de defesa a serem argüidas em sede de embargos.

"Art. 741. Na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:

I – falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia;

II – inexigibilidade do título;

III – ilegitimidade das partes;

IV – cumulação indevida de execuções;

V – excesso da execução, ou nulidade desta até a penhora;

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa, ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação com execução aparelhada, transação ou prescrição, desde que supervenientes à sentença;

VII – incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz;"

Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

Observamos que o artigo 741 em nenhuma das hipóteses mencionadas, encontra-se a discussão quanto ao mérito da decisão anteriormente prolatada em sede de processo de conhecimento. E isto porque, sobre tal decisão revestiu-se o conceito da coisa julgada. Foi prolatada uma decisão de mérito no processo de conhecimento; fez-se, portanto, segundo a lei, a coisa julgada, e sobre ela não mais se pode discutir, muito menos em sede de embargos à execução.

As alternativas levantadas pelo artigo trasladado são questões de forma, processuais, ou então exceções, como as de incompetência do juízo, ou mesmo as de impedimento ou suspeição do juiz. Em nenhum momento permite a lei que se aborde, e rediscutam-se, os fatos constitutivos do crédito, ou o direito alegado pelas partes, questões substanciais já discutidas e decidas no processo de conhecimento anterior que originou o título judicial.

A estes se soma o ensinamento acertado de Humberto Theodoro JR.[6]

Ainda porque a declaração de certeza é pressuposto que antecede ao exercício da ação de execução, considera a doutrina que o processo de execução não é contraditório.[7] Com isto se quer dizer que não se trata de um processo dialético, ou seja, de um meio de discutir e acertar o direito das partes, mas apenas um meio de sujeição do devedor à realização da sanção em que incorre por não ter realizado o direito já líquido e certo do credor.

Na dinâmica anterior os embargos do devedor deveriam ser oferecidos no prazo de 10 (dez) dias somente após a garantia do juízo, suspendendo automaticamente a execução, da decisão o recurso cabível era a apelação. 

Nesta sistemática, tendo como regra o acarretando da suspensão, via embargos e a possibilidade de recorrer via apelação, o processo de execução ficava tramitando vagarosamente tanto na primeira instância, como nos Tribunais.

A defesa do Executado na Lei 11.232/2005 

A garantia do juízo.

A partir das alterações vigentes os embargos foram substituídos pela impugnação, o prazo para o oferecimento desta é de 15 dias, a partir da intimação da penhora, art. 475-J, § 1º, permanecendo assim a obrigatoriedade da segurança do juízo como pressuposto para o seu oferecimento, opinião esta que não parece ser unânime entre os doutrinadores.

José Roberto dos Santos Bedaque[8] afirma que com a aprovação do projeto de lei  n° 4.497/2004, que reforma a execução fundada em título extrajudicial, deixará de ser obrigatório o seguro do Juízo para oferecimento dos embargos, nos estritos termos do artigo 736, entendendo que: “… não parece haver coerência em exigi­-Ia nas impugnações” e continua: 

Em conseqüência, admissível interpretar o ar­tigo 475-J, S 1°, como regra destinada tão somente a fixar o termo a quo do prazo para a impugnação. Esta pode ser apresentada, todavia, indepen­dentemente de garantia, pois não há exigência expressa dessa medida como pressuposto de ad­missibilidade. Se realizada a penhora, a impug­nação deve ser deduzida em quinze dias, sob pena de preclusão.

De outra forma entendem Athos de Gusmão Carneiro, acompanhado por Leonardo Greco, admitem estes que por ora a garantia do juízo pela penhora é pressuposto de admissibilidade da impugnação, tal interpretação para Greco[9], pode vir a ser modificada quando o projeto de lei n° 4.497/2004, for aprovado, vez que o artigo 475-R, diz serem aplicados de forma subsidiaria as regras do processo de execução de título extrajudicial à execução de título judicial.

Não nos parece ainda ser a opinião de Leonardo Greco mais acertada, uma vez que, o artigo diz aplicação de forma subsidiária, significando que somente irá se aplicar onde a legislação específica não regular, só que ela é regulamentada, afirmando que após a penhora, será intimado o Executado para o oferecimento da impugnação. Neste sentido coadunamos com a Athos de Gusmão Carneiro[10]

Conveniente explicitar que a defesa do executado, mediante o procedimento incidental de impugnação, pressupõe a penhora e avaliação de bens, ou seja, a segurança do juízo, mesmo porque uma das questões passíveis de exame, em tal procedimento, é o da penhora incorreta ou avaliação errônea. Antes de intimado da penhora e avaliação, aliás, o executado sequer sabe (pelo menos processualmente) que os atos executórios tiveram início.

Desta feita, qualquer discussão sobre a penhora e sua avaliação serão trazidas na própria impugnação.

Com a necessidade da garantia do juízo para o oferecimento da impugnação, em havendo matéria de ordem pública que não geram preclusão, as quais, podem ser argüidas a qualquer tempo e por qualquer meio, inclusive devendo o juiz conhecer de ofício, acreditamos que a exceção de pré-executividade permaneça como meio de defesa para o Executado, quando este não puder oferecer a garantia do Juízo.

A exceção de pré-executividade surgiu no mundo jurídico exatamente como forma de garantia de defesa ao Executado, quando não pudesse oferecer bens à penhora, o que já vinha sendo admitido tranqüilamente pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sobretudo nos casos de falta de condição de ação ou de pressuposto processual.

Estamos certos de que as matérias que podem ser alegadas em exceção de pré-executividade agora são mais restritas, uma vez que, não se trata mais de processo autônomo, onde havia necessidade de propositura mediante petição inicial. Não há que se alegar mais falta de pressupostos processuais e condições da ação, não podemos, todavia, deixar de considerar que a jurisprudência tem admitido discussão de mérito[11] nas exceções de pré-executividade, pagamento, novação, decadência e prescrição, esta em especial, com a alteração do artigo 219 § 5.º do Código de Processo Civil, Lei 11.280/06, passa a autorizar o juiz a reconhecer de ofício a prescrição, assim, tornou-se matéria de ordem pública.

Alexandre Freitas Câmara[12], suscita ainda a possibilidade do Executado se valer da exceção de pré-executividade, mesmo que haja transcorrido o prazo de quinze dias para oferecimento da impugnação, havendo interesse e possibilidade por parte daquele, no que concerne às matérias de ordem pública, que não tenham incidido preclusão.

A indicação de bens à penhora pelo exeqüente.

O credor poderá indicar bens para constrição, já em seu pedido inicial, devendo o executado ser intimado somente após esta ser realizada, com a devida avaliação do bem (475–J, § 3º), despreza-se aqui a preferência do Executado na indicação dos mesmos.

Analisando o artigo devemos ter em mente sempre o princípio da menor onerosidade para o devedor, assim, se este posteriormente a indicação de credor, requerer a substituição do bem penhorado, indicando outro que assegure a execução, tal indicação deverá ser considerada.

Leonardo Greco[13] entende que apesar da indicação poder constar desde logo no requerimento de execução, o juiz não é obrigado a aceitá-la.

Entretanto, não me parece que o juiz deva necessariamente aceitar a indicação do credor. A indicação do credor facilita num primeiro momento a efetivação da penhora, porque, não sendo o devedor citado, nem intimado da execução, a não ser depois de cumprida a penhora, não se travará aquela freqüente polêmica entre devedor e credor na escolha dos bens a serem penhorados.

Sabiamente na esteira da celeridade processual impressa na novel lei, segue Greco[14] analisando que:

Se o credor indicar determinados bens, mas o juiz tiver informações sobre o patrimônio do devedor que lhe permitam aferir que outros bens satisfazem de modo mais adequado àquelas duas finalidades, deverá desprezar a indicação do credor. Mas, à falta de outras informações, o juiz não deverá retardar a execução, mas determinar a penhora nos bens indicados pelo credor, facultado ao devedor impugná-la, nos termos do artigo 475-L.

Ao se referir ao artigo 475-L, nos parece que quis mencionar em específico ao inciso III que se refere à penhora incorreta ou a avaliação errônea, já como acima afirmado que toda a discussão sobre a penhora e a sua avaliação deverão ser analisadas em sede de impugnação.

Memória de cálculo atualizada.

Em conformidade com o artigo 475-B do Código de Processo Civil alterado, buscando simplificar o rito processual na apuração do quantum debeatur, a execução inicia-se por simples petição por iniciativa do credor, tendo como pressuposto o oferecimento conjunto da memória de cálculo atualizada, naquelas em que bastam meros cálculos aritméticos, reportando-se ao artigo 614, inciso II, que assim disciplina.

Art. 614. Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:

I – (…)

II – com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa. (Inciso acrescentado pela Lei nº 8.953 de 13.12.1994)

Em havendo divergência nos cálculos de liquidação, deve prevalecer aquele elaborado pelo Contador Judicial, mormente diante da presunção iuris tantum que goza tal auxiliar da Justiça.

A Manifestação do Exeqüente na Impugnação

A lei não traz o procedimento da impugnação, em especial no que concerne à manifestação do exeqüente, entretanto, respeitando o princípio do contraditório e da ampla defesa, informados no texto constitucional, este deve ser concedido prazo para a manifestação.

Em relação a qual o prazo deve ser oferecido, colhemos opiniões diversas, Mario Vitor saurez Lojo[15], entende que respeitando o princípio da isonomia, ao Exeqüente seria concedido o mesmo prazo de 15 (quinze) dias para manifestação.

Para Alexandre Freitas Câmara[16], se o juiz não assinalar outro prazo é de 05 (cinco) dias o prazo para oferecer manifestação, nos termos do artigo 185 do CPC.

Leonardo Greco[17] levando em consideração o princípio da subsidiariedade com a execução de título extrajudicial, entabulada no artigo 474-R, onde, de acordo com o estipulado no artigo 740, o prazo para se contrariar a impugnação é de 10 (dez) dias.

Concorda-se neste ponto com o pensamento de Leonardo Greco, vez que, sopesada a opinião dos demais, em 05 (cinco) dias tem-se prazo exíguo, enquanto, que em 15 (quinze) dias há um prazo muito extenso.

Não só ao exeqüente, como também ao executado deve ser dado direito à manifestação sempre que o contraditório se mostrar patente, como na fase de arrematação, adjudicação, ainda que comprometida a celeridade, não se deve ultrapassar princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

Comentando o princípio do contraditório no processo de execução, anterior a alteração, Nelson Nery Júnior[18] nos ensina que o princípio existe, apesar de mitigado em razão da natureza do processo, entretanto, afirma que:

Dessa forma sobre todo e qualquer ato praticado no processo de execução deve-se dar oportunidade ao devedor manifestar-se, sob pena de ofensa ao princípio constitucional do contraditório. Pode o devedor falar sobre atualização do cálculo no curso da execução, sobre a ordem de preferência da penhora, etc.

Desta feita, será sempre que necessário à efetivação do princípio do contraditório, será dada às partes oportunidade para se manifestarem.

Das Matérias Passíveis de Alegação

As matérias passíveis de impugnação são basicamente as mesmas, anteriormente previstas para os embargos à execução de título judicial:

Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:

I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;

II – inexigibilidade do título;

III – penhora incorreta ou avaliação errônea;

IV – ilegitimidade das partes;

V – excesso de execução;

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.

§ 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

§ 2º Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.

Em razão do cumprimento da sentença ser entendido como um desdobramento do mesmo processo cognitivo, não pode a impugnação ser entendida como ação incidente e autônoma diante do processo de execução, tendo em vista que não mais existe tal processo em separado, sendo razão pela qual o inciso I deste artigo, diferentemente de seu correspondente no artigo 741, não faz menção ao “processo de conhecimento”.

Valendo-se do processo unitário como se apresenta agora, foi excluída no inciso V, a hipótese de “nulidade da execução até a penhora” prevista como possível objeto dos embargos, uma vez que a “nulidade até a penhora” implicaria na nulidade de todo o processo de conhecimento.

O inciso III, constitui uma inovação, inserindo como hipótese de objeto da impugnação do devedor a “penhora incorreta ou avaliação errônea”.

O parágrafo primeiro, acresce apenas o termo “pelo Supremo Tribunal Federal”, a fim de deixar claro a competência sobre a compatibilidade da aplicação ou interpretação das normas em que se fundam o título com a Constituição Federal

Analisando o parágrafo segundo do citado artigo lecionando, percebe-se que houve um maior rigor para sua análise, para que o Executado lance mão de tal defesa haverá de imediato que indicar o valor que entende ser correto, sob pena de rejeição liminar da impugnação.

Com esta exigência impede o legislador que a parte alegue excesso de execução de maneira infundada, imprimindo maior responsabilidade ao executado, impedindo as impugnações meramente procrastinatórias nestes termos.

O Efeito Suspensivo

A impugnação não gera efeitos suspensivos, exceto se verificar o juiz que a continuidade dos atos gerará dano irreparável ou de difícil reparação.

Verifica-se que para ser atribuída a suspensão o pedido deverá apresentar apoio em relevante fundamentação, ou seja, a pretensão deverá, desde logo, ser capaz de evidenciar a verossimilhança do direito da parte e a intensidade de lesão séria, dano irreparável ou de difícil reparação que somente em caso concreto poderá ser apurado.

Assinala Carreira Alvim[19] que a suspensão da execução dependerá da análise fática de cada situação, dado ao subjetivismo de cada juiz, “devendo o juiz guiar-se pelo princípio da proporcionalidade.”

Ainda que atribuído o efeito suspensivo poderá o Exeqüente prosseguir na execução oferecendo caução idônea.        

O Agravo de Instrumento como Recurso Cabível

Pela nova regra esculpida no artigo 475-M, o recurso cabível da decisão que resolver a impugnação é o agravo de instrumento, desta feita a impugnação tem natureza de incidente processual e a decisão deste incidente imputará em uma decisão interlocutória.

O agravo é o recurso adequado para levar ao Tribunal a reapreciação das decisões interlocutórias, as quais, consoante com a própria definição do CPC art. 162, § 2º são as seguintes: as proferidas no curso do processo; e as que resolvem questões incidentes.

Desta maneira, diz-se interlocutória, em virtude do ato judicial ocorrer no curso do processo sem o seu encerramento. O juiz, portanto, no curso do processo resolverá questão incidente, decidindo algum ponto controvertido, ou duvidoso, cuja solução dependerá o prosseguimento do mesmo.

O agravo de instrumento na execução foge a regra determinada pelo instituto que também mudou, onde a regra agora é que fique retido, para julgamento posterior, se interposto apelo, entretanto, na execução se retido aos autos perderia toda a eficácia.

Da decisão que importar na extinção da execução o recurso cabível será a apelação  

 

Referências Bibliográficas:

 

ALVIM, J.E. Carreira. Alterações do Código de Processo Civil. 3.ed.Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Algumas Considerações sobre o Cumprimento da Sentença Condenatória. in Revista do Advogado. n.85.

BRUSCHI, Gilberto Gomes, A Execução Civil e Cumprimento da Sentença. São Paulo: Método, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. A Nova Execução de Sentença. 3.ed. revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.

CAPPELLETTI, Mauro e GRANT, Bryant – Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CARNEIRO, Athos de Gusmão. Do “cumprimento da sentença”, conforme a Lei n.º 11.232/05. Parcial Retorno ao Medievalismo? Por que não? In Revista do Advogado. n.85.

COSTA, Alfredo Araújo Lopes da e ANTONIO, Gian. Direito Processual Civil Brasileiro, 2 ed., 1959, v. IV, n° 38 apud THEODORO JR,  Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. II 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

COSTA, Suzana Henriques da (coord.).A Nova Execução Civil Lei 11.232/05. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

GRECO, Leonardo. Primeiros Comentários Sobre a Reforma da Execução Oriunda da Lei 11.232. in Revista do Advogado. n.85

LOJO, Mario Vitor Suarez, Sentença e algumas peculiaridades no seu cumprimento, in BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.) Execução Civil e o Cumprimento da Sentença. São Paulo: Método, 2006.

MARCATO, Antonio Carlos (coord). Código de Processo Civil Interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

12 – MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento . 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

NERY, Nelson Junior. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. Coleção de Estudos de Direito Enrico Túllio Liebman.8.ed.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de Direito Processual Civil. vol.3. p169  apud CÂMARA, Alexandre Freitas. A Nova Execução de Sentença. 3.ed. revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.

SHIMURA, Sergio.Título Executivo. São Paulo: Saraiva, 1997.

THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. II. 36. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2004.

 

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[1] Constituição Federal art. 5.º LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

[2] CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant – Acesso à Justiça. p. 15.

[3] SHIMURA, Sergio. Título Executivo. p. 11.

[4] REZENDE FILHO, Gabriel José Rodrigues de. Curso de Direito Processual Civil. vol.3. p169 apud CÂMARA, Alexandre Freitas. A Nova Execução de Sentença. P. 6

[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento. p. 383.

 

[6]  THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. II p.5

 

[7] COSTA, Alfredo Araújo Lopes da. Direito Processual Civil Brasileiro. apud THEODORO JR, Humberto. op.cit.p.5

[8] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Algumas Considerações sobre o Cumprimento da Sentença Condenatória. Revista do Advogado p. 75.

[9] GRECO, Leonardo. Primeiros Comentários Sobre a Reforma da Execução Oriunda da Lei 11.232. Revista do Advogado p. 107.

[10] CARNEIRO, Athos de Gusmão. Do “cumprimento da sentença”, conforme a Lei n.º 11.232/05. Parcial Retorno ao Medievalismo? Por que não? Revista do Advogado. p. 75.

 

[11]  AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE NEGATIVA DE SEGUIMENTO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – ÂMBITO DE APLICAÇÃO – PRESCRIÇÃO – ART. 174 DO CTN – 1. A doutrina e a jurisprudência admitem a utilização da exceção de pré-executividade – Cuja principal função é possibilitar ao executado exercer a sua defesa sem a necessidade de embargos e da garantia do juízo – Restrita, contudo, a aspectos formais do título executivo e que não dependeriam do exame de provas. 2. A exceção de pré-executividade não é via adequada para argüição de prescrição, posto não ser reconhecível de ofício, e se tratar de matéria de mérito, nem para discutir a ilegitimidade passiva do sócio. 3. Agravo improvido. (TRF 2ª R. – AGIAG 2004.02.01.009113-1 – RJ – 3ª T. – Rel. Juiz Paulo Barata – DJU 17.12.2004 – p. 265)

[12] CÂMARA, Alexandre Freitas. A Nova Execução de Sentença. p.130.

[13]op. cit. p.105.

[14] op. cit. p. 105

[15] LOJO, Mario Vitor Suarez, Sentença e algumas peculiaridades no seu cumprimento, in BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.) Execução Civil e o Cumprimento da Sentença p. 359.

[16] op. cit. p.140

[17] op.cit. p.108.  

[18] NERY JR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. pp. 181/182.

[19] ALVIM, J.E. Carreira. Alterações do Código de Processo Civil. p. 173.
 

 


 

Referência  Biográfica

Glauka Cristina Munhoz  –  Advogada, Professora das FIO – Faculdades Integrada de Ourinhos-SP, Pós-graduanda – Especialização   em Direito Processual Civil.

Colaborador: Wanderley Betim  – Advogado, Delegado de Polícia aposentado, Pós-graduando – Especialização   em Direito Processual Civil.

Das incertezas, riscos e cautelas na inclusão do fiador no contrato de locação de imóvel urbano

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* Ricardo Fonseca Palermo –

Os direitos e deveres inerentes ao locador e locatário são delimitados pela forma contratual, cuja natureza do acordo de vontades é regida precipuamente nos termos previstos no Código Civil e na Lei do Inquilinato.

O artigo 565 do Código Civil define a abrangência do contrato locatício:

“Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.”

A retribuição de que trata o Estatuto Civil reveste-se da obrigação assumida pelo locatário em pagar o aluguel, e objetivando resguardar o locador de eventual inadimplência, surge a figura do fiador, cujo propósito é voltado a assegurar eventual inadimplemento de pagamentos, encargos e multas.

A garantia emanada da fiança passa a viger a partir do momento em que o fiador toma plena ciência do teor do contrato de locação, e assina o instrumento junto com as partes.

O contrato de locação pode ser prorrogado independente de novo ajuste, entretanto, é necessário observar que a interpretação dos negócios jurídicos é restrita, ou seja, o fiador deveria responder subsidiariamente pela obrigação nos estritos termos do contrato, porém, dissonante à regra, prevê o artigo 39 da Lei 8245/91:

“Art. 39. Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel.”

Oportuno salientar que a Lei especial prevalece, contudo, notadamente o teor da Lei do Inquilinato é injusto, e desafia os princípios que norteiam a convivência harmônica em sociedade, pois verificada a prorrogação contratual automática, ou por meio de aditamentos, por decorrência lógica o lapso temporal encerrou o contrato originário e iniciou outro, haja vista a ocorrência de delimitações anteriormente impostas e preestabelecidas, em especial, o tempo de vigência, e, nesse sentido, a fiança, conseqüentemente, perde força.

Em escorreita aplicação do direito, pronunciou-se o Superior Tribunal de Justiça:

“Súmula 214. O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.”

A fonte do direito formada nos Tribunais confronta diretamente com a Lei do Inquilinato, sendo necessário colocar em relevo que a questão é delicada, comporta discussões, e para evitar transtornos, é fundamental colocar termo no contrato de locação, e a cada renovação oriunda de aditamento com conseqüente permanência do inquilino no imóvel, oportuno cientificar o fiador, e colher a respectiva assinatura, tudo objetivando a segurança e transparência no ajuste de vontades.

A súmula 214 do STJ traduz o ideal de justiça, pois é de clareza solar que as situações e condições são mutáveis em função do tempo, e havendo o comprometimento de uma pessoa em assumir a responsabilidade de figurar como fiador no contrato de locação, é evidente que sabe dos riscos que corre, e colocar o peso sobre os ombros do fiador até a efetiva entrega das chaves sem a necessidade de cientificá-lo a cada renovação contratual, é torná-lo refém da situação, haja vista a possibilidade de prorrogação contratual automática sem a necessidade de prévia comunicação.


Sobre o Ferreira e Melo Advogados Associados

Fundado em 1990, o escritório Ferreira e Melo Advogados Associados presta assessoria jurídica preventiva e contenciosa, contando com uma equipe de mestres e especialistas. Atua nas diversas áreas do Direito, tendo como principais especializações: Trabalho e Previdenciário, Civil, Administrativo, Ambiental, Consumidor, Educacional, Empresarial, Família e Sucessões, Imobiliário, Penal Empresarial, Propriedade Intelectual e Industrial, Securitário, Terceiro Setor e Tributário. Sediado em São Paulo, O Ferreira e Melo conta com escritórios correspondentes na Bahia, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em Brasília. Sócios: Evilásio Ferreira Filho, professor universitário, mestre em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Imobiliário; Edson Teixeira de Melo, professor universitário, mestrando em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado em Direito do Terceiro Setor; e Ingrid Brabes, pós-graduada em Direito Civil e pós-graduanda em Direito do Trabalho.
 


Referência  Biográfica

Ricardo Fonseca Palermo  –  É advogado associado ao escritório Ferreira e Melo Advogados Associados. E-mail: ricardopalermo@ferreiraemelo.com.br 

Ação Monitória

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* Clovis Brasil Pereira 
 

I –  INTRODUÇÃO 
  

A ação monitória foi introduzida no ordenamento jurídico pátrio, pela  Lei 9.079, de 14.07.95, que acrescentou  ao Código de Processo Civil, o Capítulo XV e  os artigos 1.102a, 1.102b e 1.102c.

Assim, o artigo 1.102a, prevê in verbis, que a ação monitória  “compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem imóvel”.

Trata-se de ação de  procedimento especial de jurisdição contenciosa, que tem por escopo, tentar constituir de forma ágil, título   executivo judicial, para quem é titular de prova escrita, destituída de     executividade, sem o prévio processo de conhecimento.

É uma tentativa de encontrar um atalho, através da simplificação do procedimento, onde o resultado poderá ser plenamente eficaz, se o requerido cumprir a ordem de pagamento emanada  pelo Juízo, ou deixar de oferecer resistência ao pedido, através da defesa própria. 

Nessa hipótese, a implantação do procedimento estará plenamente justificada, já que restará vencida uma etapa normalmente morosa do processo de conhecimento, e o autor poderá iniciar de pronto a execução do novo título executivo judicial então criado.              

A inovação trazida pela Lei 9.079, tem encontrado plena aceitação no dia a dia dos operadores do direito, e no decorrer do presente trabalho, pretendemos circunstanciar de forma simplificada, os antecedentes  históricos no direito luso-brasileiro,  conceito e sua finalidade, natureza jurídica, procedimento, dentre outros aspectos relevantes da ação monitória.

II. EVOLUÇÃO  HISTÓRICA E O DIREITO LUSO-BRASILEIRO 

A ação monitória não é instituto processual novo, pois remonta à idade média, onde eram  aplicados os  procedimentos de cognição sumária, e examinados tão somente os pressupostos do fato, para que o pedido fosse concedido ou denegado.

Deferido o interdito, ou a ordem era cumprida, pondo fim ao litígio; ou a parte requerida se defendia, provocando a instauração de um procedimento ordinário, e consequentemente moroso e formal.

No direito luso-brasileiro, o procedimento monitório teve origem nas Ordenações Manoelinas, com a chamada assinação dos dez dias ou ação decendiária, que  “poderia ser ajuizada pelo credor para haver do devedor quantia certa ou coisa determinada, conforme provasse escritura pública ou alvará feito e assinado” [1]

O chamado procedimento decendiário foi depois introduzido nas Ordenações Filipinas, que imperaram no período do Brasil-Colônia e no Império.  A partir de 1850, com a vigência do Regulamento no. 737, a ação decendiária ficou restrita às causas de natureza comercial, vigorando para as causas cíveis a partir da edição do Decreto 763, de1890.

Com a Constituição de 1890, no início do período republicano, os Estados membros passaram a ter autonomia legislativa sobre matéria processual. Nesse passo,  os Códigos dos Estados de São Paulo e  Bahia, por influência das Ordenações Manoelinas e Filipinas, contemplaram a ação decendiária ou de assinação de dez dias, em suas respectivas jurisdições.

O Código paulista, disciplinou a ação decendiária, no Capítulo XVIII de seu Livro  V (“Do Processo Especial”), através dos artigos 767 a 771, que trataram da matéria.

Essa ação cabia  “ao credor por obrigação líquida e certa a que não (tivesse) a lei attribuido acção executiva”, sendo o réu “citado para na primeira audiência vir ver assignar-se-lhe o prazo de dez dias para pagar ou allegar e provar sua defesa por meio de embargos”[2]

Referida ação decendiária, cujo procedimento era caracteristicamente sumário, foi abolida com o advento do Código de Processo Civil de1939, que uniformizou a legislação processual em todo o país, e consequentemente acabou por derrogar a autonomia legislativa estadual, assegurada na Constituição Federal de1890.

No direto comparado, temos o procedimento monitório, conhecido também como procedimento injuncional, em vários países da Europa, tais como Alemanha, Áustria e Suiça, onde vigora o procedimento monitório puro, em que a prova escrita do débito é imprescindível, e o procedimento é deferido, desde que se façam presentes os pressupostos de cabimento e verossimilhança do pedido.

Na Itália, tal como no Brasil, encontramos o procedimento monitório documental, em que a expedição do mandado judicial do pagamento sempre exige previamente a existência de prova documental escrita do crédito.

Em ambos os procedimentos, seja puro ou documental, temos caracterizado a aparência da existência do direito e ausência do contraditório, visto que o mandado de pagamento é proferido, preliminarmente, inaudita altera parte. Somente a partir daí,  divide-se o procedimento  em duas fases: a primeira, que refere-se ao procedimento monitório propriamente dito;  e a segunda fase, quando o devedor oferece sua defesa, através da peça processual denominada de embargos.

Ressalte-se todavia, que mesmo na hipótese do devedor ser compelido ao cumprimento do mandado, sem ser previamente ouvido, os princípios constitucionais do devido processo legal e do direito de defesa, estão plenamente assegurados, uma vez que o mesmo pode se defender através de embargos, que tem o condão de suspender a eficácia do mandado inicial deferido pelo Juiz, transformando-se nesse caso, o procedimento especial, em procedimento comum ordinário, seguindo-se todas as fases processuais próprias deste procedimento.

III.    CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

A ação monitória pode ser conceituada “como o meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa determinada, cujo crédito esteja comprovado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de entrega de coisa, visa a obter a satisfação de seu direito”[3].

A ação de procedimento monitório reside “na situação jurídica reputada pela lei, numa opção política, suficiente para gerar presunção da existência  de crédito, dispensando a aprofundada e detida atividade de investigação que, habitualmente, se desenvolve no processo de conhecimento, antes da declaração da existência do direito de uma prestação com a conseqüente condenação do devedor ao cumprimento dela”[4].

Temos assim, que o procedimento monitório tem por objetivo precípuo, maior celeridade da prestação jurisdicional, onde o autor pode buscar um  título executivo judicial, sem que seja necessário, em princípio,  se submeter ao prévio processo de conhecimento, via de regra, como já se disse, muito moroso.

O procedimento monitório, consiste, na prática, em abreviar o caminho para a execução, deixando ao devedor a iniciativa do eventual contraditório.  Pode se afirmar, assim, que se trata de um procedimento de cognição sumária que tem por objetivo antecipação da tutela executiva, no sentido de constituir  com rapidez e celeridade o título executivo judicial.

São características fundamentais da ação monitória: a) exigência de prova escrita do crédito, desprovida de eficácia executiva;  b) crédito por prestação pecuniária liquida, ou por coisa fungível, ou por coisa móvel determinada, não sujeitos a termo ou condição; c) cognição formal e incompleta para expedição do mandado de pagamento, inaudita altera parte, o que importa em postergação do contraditório, cabível apenas através de  embargos do devedor, quando o procedimento monitório será convertido em ordinário.                                             

IV.  NATUREZA JURÍDICA

A ação monitória em nossa legislação, tem sua natureza jurídica classificada como procedimento especial de jurisdição contenciosa. Pontes de Miranda leciona que “Procedimentos especiais são as ditas formas de procedimento para obtenção de tutela jurídica quando, por algum dado de direto material, ou do documento em que se funda a demanda, ou da pessoa autora, ao legislador pareceu ser inadequada a forma ordinária ou algumas regras jurídicas. Não há razão unitária, nem, sequer, elemento comum, para a especialidade. Resulta a escolha da sugestão plural de muitas razões, histórica e logicamente diferentes, e nem sempre justificáveis perante a crítica científica”[5].

Existem basicamente três correntes doutrinárias,  a respeito da natureza jurídica do procedimento monitório, assim colocadas, em síntese: a) uma, liderada por Chiovenda, classificando-a como executiva, uma vez que o juiz emite uma ordem de pagamento ou entrega de coisa certa sem a citação do réu; b) outra, defendida por Calamandrei, definindo-a como condicional, porque o juiz emite uma ordem com força de sentença, mas condicional ao oferecimento de embargos; c) e por fim, a corrente que classifica-o como condenatório, e que é dominante entre os doutrinadores brasileiros, porque ao receber o pedido inicial, o juiz manda, determina o cumprimento do mandado, tendo este caráter condenatório.

No dizer de Carlos Alberto Reis de Paula “feliz, pois, a síntese de José Rubens Costa quando sustenta que ‘a natureza da ação monitória é mista, processo de conhecimento com prevalente função executiva. A nova ação ou novo procedimento mistura características do processo de conhecimento com o de execução. Por conseguinte, desenvolve-se em processo de cognição sumária, isto é, não contém a cognição plena do processo de conhecimento e nem a ausência de cognição do processo de execução’.[6]

Ainda, temos que “é um processo “misto”,  integrado por atos típicos de cognição e de execução, em alguns aspectos parecido com tantos outros que permeiam o sistema processual, bastando lembrar, a título de ilustração, o processo de despejo e os processos possessórios, nos quais, esgotada a fase de cognição e obtida a sentença de mérito, passa-se imediatamente à execução (execução lato sensu), sem a necessidade de instauração de um novo processo. Trata-se, em suma, de um processo que se desenvolve segundo a postura assumida pelo réu.[7].

V.  CONDIÇÕES DA AÇÃO MONITÓRIA

Para que o autor possa ajuizar uma ação monitória, é necessário que se façam presentes as condições da ação (artigo 267, VI, do CPC) e os pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular da relação processual (artigo 267, IV, do CPC).

Como condições da ação, entende-se “os requisitos necessários ao exercício do direito de ação, sem o preenchimento dos quais ninguém é autorizado a postular em juízo”[8], e que podem ser assim identificadas:

a)  possibilidade jurídica do pedido, que consiste em não encontrar a pretensão material do autor,  um obstáculo no ordenamento jurídico, ou seja, deve estar entre aqueles possíveis de tutela jurídica, não  havendo, por conseguinte, nenhuma vedação legal para sua aceitação. Por outro lado, por expressa disposição legal, se faz indispensável a exibição de prova documental não dotada de executividade;

b) o interesse de agir, que é o de obter a tutela da pretensão material, está embasado pelo binômio necessidade/adequação, e “estará presente sempre que o autor, afirmando o inadimplemento do réu, pretender valer-se da via monitória para a obtenção da tutela jurisdicional específica prometida pelo sistema jurídico”[9].

A necessidade decorre da não liquidação espontânea da obrigação pelo devedor, e a adequação está diretamente ligada a falta de executividade do documento.

c) a legitimidade ativa e passiva,  que no caso da ação monitória, não se distingue das demais ações que versam sobre direitos de natureza patrimonial, podendo figurar no polo ativo, aquele que se intitula credor, e no polo passivo, o devedor. A legitimação para agir “é a titularidade ativa e passiva da ação, ou seja, a qualidade que individualiza a pessoa que está legitimada para deduzir em juízo a pretensão (o autor) e aquela que está legitimada a respondê-la (o réu)”[10].

Quanto aos pressupostos processuais, estes devem estar presentes, sob pena do pedido inicial ser extinto, de conformidade com o artigo 267, IV, do Código de Processo Civil, constituindo-se nos seguintes:

a)   pressupostos de constituição, que a doutrina denomina de pressupostos de existência, compreendidos em pressupostos subjetivos: o juiz (órgão jurisdicional) e as partes (autor e réu); e  objetivo: representado pela lide, que é o conflito de interesses qualificado pela pretensão do autor e a resistência  do devedor;

b)  pressupostos de desenvolvimento válido e regular do processo, denominados na doutrina de pressupostos de validade do processo, divididos em pressupostos subjetivos, relativamente às partes, de quem se exige capacidade de ser parte, de estar em juízo e postulatória; e ao juíz, de quem se exige competência   para processar e julgar a causa; e pressuposto objetivo, relativamente à lide, exigindo-se que a mesma não esteja pendente de julgamento (litispendência), e que não tenha  ainda se operado a coisa julgada.

VI.   A PROVA DOCUMENTAL E SUAS PECULIARIDADES

Um  requisito essencial e específico  para a ação monitória,  além das condições da ação e dos pressupostos processuais genéricos do processo, é a prova escrita sem eficácia de título executivo, ou seja, provas documentais escritas não relacionadas nos artigos 584 e 585, do Código de Processo Civil, ou mesmo as ali relacionadas, mas que perderam a executividade, tais como o cheque, nota promissória, duplicatas prescritas, dentre outros.

Como  prova escrita  válida para ação monitória, temos  aquela representada por documento formalmente escrito e com peso suficiente para formar de forma inequívoca e de imediato, a convicção do juiz quanto a um direito  incontestável  do autor, porém sem eficácia de título executivo.

É lição de Cândido Dinamarco, que “para tornar admissível o processo monitório o documento há de ser tal que dele se possa razoavelmente inferir a existência do crédito”. Pondera ainda que deve tratar-se de “documento que, sem trazer em si todo o grau de probabilidade que autorizaria a execução forçada (os títulos executivos extrajudiciais expressam esse grau elevadíssimo de probabilidade), sem a ’certeza’ necessária para a sentença de procedência de uma demanda em processo ordinário de conhecimento, alguma probabilidade forneça ao espírito do Juiz. Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao Juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos”[11].

Pelo entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, não basta a existência de prova escrita, para que o procedimento monitório venha ser acolhido. Ë indispensável que tal prova escrita tenha em seu bojo elementos de convicção de certeza, liquidez e exigibilidade,  embora não  tenha validade plena e eficácia  de título executivo extrajudicial.

Como exemplo, temos os títulos extrajudiciais que perderam a executividade em razão da prescrição; cartas, fac-símiles ou outros documentos que comprovem a aceitação de condições e concordância com honorários estipulados por profissionais liberais em geral; proposta de compra de imóveis, feita através de corretores de imóveis; documentos comprobatórios de internacões hospitalares, requisição de serviço protético, dentre outros.

Necessário se faz, no entanto, que referidos documentos obriguem o devedor a pagar determinada importância, em condições e vencimentos previamente estabelecidos, para que possam se mostrar hábeis ao procedimento monitório.

Verifica-se que muitos são os casos em que o portador de documento, sem eficácia executiva, pode se valer do procedimento monitório, bastando, para tanto, que exiba prova escrita dotada de suficiente credibilidade para formar o prévio convencimento do Juiz, possibilitando o deferimento “in limine litis” do mandado monitório requerido pelo autor.

VII.    PROCEDIMENTO MONITÓRIO

1.   O pedido inicial

A petição inicial da ação monitória deve revestir-se dos requisitos dos artigos 282 e 283, do CPC.  Cumpre ser salientado que o procedimento exige a exibição de “prova escrita, em eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel”[12], sendo o caso de indeferimento da inicial, por falta de possibilidade jurídica do pedido, a ausência da referida prova documental.

O valor da causa deve corresponder ao valor da obrigação a ser cumprida. Assim, sendo importância em dinheiro, o valor deve corresponder ao que estiver mencionado no documento; se for entrega de coisa fungível, ou de bem móvel, o valor que o autor atribuir aos bens objeto da prova escrita.

2.   Deferimento do pedido e expedição do mandado

Desde que preenchidos os requisitos do pedido inicial, e presentes as condições da ação e os pressupostos processuais, incluindo-se aqui a prova escrita sem executividade, que repita-se, é essencial para o acolhimento do pedido, “o juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze (15) dias”[13].

Ao deferir a expedição do mandado monitório, o juiz não está fazendo o julgamento do mérito do pedido do autor, mas apenas examinando os requisitos de admissibilidade do pedido, previstos em lei.

Referido mandado monitório tem característica própria, um pouco diferente do mandado de citação expedido no procedimento ordinário (artigo 285) onde o réu é chamado para responder a ação; e no de citação expedido no processo de execução (artigo 652 e parágrafos), onde o devedor é citado para vir pagar, em 24 horas, ou nomear bens à penhora, para que reste seguro o juízo, e então possa se defender através de embargos à execução (artigo 737), todos do CPC.

É um mandado de conteúdo próprio, que indica um caminho, adverte o devedor para que cumpra a obrigação. Não tem o caráter coercitivo de exigir o pagamento no prazo curto de 24 horas, como na execução, nem a finalidade única de citar o réu para se defender, como no procedimento comum ordinário.

O mandado monitório cientifica o réu, do pedido do autor, possibilitando-lhe o cumprimento da obrigação no prazo de15 dias, beneficiando-o neste caso, com a isenção do pagamento das custas processuais e ainda, desonerando-o do pagamento dos honorários advocatícios.

Deve especificar, de forma clara, a importância a ser paga, ou a coisa a ser entregue, com as especificações devidas, inclusive o modo e o local de entrega, contendo ainda a advertência sobre as conseqüências da apresentação ou não dos embargos, tais como: se não embargar, o mandado inicial converter-se-á em mandado executivo; e, se embargar, o feito seguirá o procedimento comum ordinário.

Referida especificação é ainda necessária para possibilitar o contraditório e o direito de ampla defesa assegurados ao réu, na Constituição Federal de 1988,  em seu artigo 5º, inciso LV.

3.   Citação do réu e suas implicações

Formalizada a citação do devedor, outorga-se o prazo de quinze (15) dias, para que o réu cumpra voluntariamente a obrigação, podendo se visualizar nesse caso três situações distintas, a saber:  a)  o réu cumpre a sua obrigação, procedendo  o pagamento ou entrega de coisa, ficando nessa hipótese, “isento de custas e honorários advocatícios”[14];  b) o réu pode oferecer defesa, no prazo de quinze dias, através de  embargos, com o que o feito toma o rito ordinário. Neste caso, os embargos tem a conotação e natureza de contestação, e independem de garantia do Juízo pela penhora de bens ou depósito da coisa reclamada. Obtido o título, “inverte-se, desde logo, o contraditório, que passa, depois da emissão do preceito, a ser iniciativa do demandado que a ele se deve opor, sob pena de transformar-se a decisão liminar em título executivo.

A condenação antecipada pela liminar do processo monitório é, em regra, condicional quanto à sua eficácia e só irá perdurar se a parte não promover o contraditório, opondo-se ao preceito”[15] ; e c) o réu não embarga, nem cumpre a sua obrigação. Neste caso, converte-se em mandado executivo, constituindo-se, de pleno direito, o título executivo judicial. A ocorrência desta última hipótese marca a característica fundamental do procedimento monitório, que é a de maior celeridade, através da efetiva sumariedade da cognição, onde o autor conseguiu alcançar um resultado rápido sem a morosidade própria do rito ordinário.  Segundo a  lição de José de Moura Rocha, “o procedimento monitório se baseia sobretudo na falta de contestação por parte do devedor combinada com a atividade do credor, o silêncio daquele ante a confirmação deste, o que constitui a base lógica e jurídica da declaração de certeza contida na injunção”[16].

Nesta última hipótese, “com a conversão do mandado de pagamento, em título executivo, a ordem de pagamento adquire a autoridade de coisa julgada substancial, quanto à inexistência de fatos impeditivos, modificativos e extintivos anteriores ao mandado, pela extensão da eficácia preclusiva sobre todas essas questões. Não se admitem novos embargos, senão aqueles que se permitem na execução de títulos judiciais e os embargos à arrematação ou adjudicação”[17].

4.    Defesa do réu 

O réu tem o direito de defesa e ao contraditório, assegurado através de embargos, que podem ser interpostos no prazo de quinze dias, após ser citado ao cumprimento do mandado.  Interpostos os embargos, e recebidos pelo Juiz, cessa de pronto a eficácia do mandado, convertendo-se a ação monitória, ao rito comum ordinário, conforme a previsão do artigo 1.102c,   parágrafo 3º, do Código de Processo Civil.

Assim, através dos embargos temos a efetivação do contraditório, que diferido no procedimento monitório, assegura o respeito ao princípio constitucional proclamado pelo artigo 5º ,  inciso LV da Constituição Federal vigente.

O réu da ação monitória  pode alegar em sua defesa, qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir em um processo de conhecimento, não havendo nenhuma relação direta com os embargos do devedor, no processo de execução. Frize-se, todavia, que na execução fundada  em título executivo extrajudicial, não existe limitação à materia de defesa do embargante, conforme a previsão do  artigo 745 do Código de Processo Civil.

É lícito, ainda, conforme entendimento esposado na doutrina[18], que os embargos versem sobre qualquer questão, processual ou substancial, de rito ou de mérito, inclusive exceções processuais, cabendo ainda, a reconvenção e a intervenção de terceiros, através da assistência (artigo 50) e litisconsórcio (artigo 54).

5.   A revelia no procedimento monitório

A ausência de embargos no prazo legal, implica na revelia do réu, e suas implicações no procedimento monitório tem maior intensidade, que a revelia declarada no procedimento comum ordinário, uma vez que “a simples ausência dos embargos tem força de transformar, de pleno direito, o mandado inicial em título executivo, habilitando o credor a promover desde logo a sua execução. A ausência de embargos não gera apenas a confissão quanto à matéria de fato, mas reconhecimento tácito do próprio direito material do credor”[19]

6.    O  julgamento dos embargos do devedor

Uma das opções do devedor, após ser citado para cumprir o mandado de pagamento expedido na ação monitória, é a interposição de embargos, que tem natureza de contestação, já que prescindem de garantia do juízo, ao contrário do que ocorre  no processo de execução.

Neste caso, o procedimento monitório, converte-se de procedimento especial, em procedimento comum ordinário, abrindo espaço para a cognição plena, com a instauração do contraditório.  Assim, após a impugnação dos embargos, o juiz designa audiência de tentativa de conciliação; restando esta infrutífera, caberá o despacho saneador[20], com a fixação dos pontos controvertidos e o deferimentos das provas que o juiz entender pertinentes; a seguir, se necessário, será realizada a audiência de instrução e julgamento, e finalmente, com a instrução encerrada,  será proferida a Sentença, dando procedência, ou negando procedência aos embargos do devedor.

Cria-se neste caso, um título executivo judicial, que poderá ser objeto de futura execução, iniciando-se, nos moldes propostos pela Lei 11.232/05, que alterou O Código de processo Civil, com relação a  execução dos títulos judiciais..

Referida Sentença, pode ensejar ao sucumbente o recurso de apelação, que no caso, terá o duplo efeito, a teor do que dispõe o caput do artigo 520, do CPC, já que não é de se confundir a natureza dos embargos à ação monitória, de rito ordinário, com os embargos do devedor, processados na ação de execução. Estes  são processados apenas no efeito devolutivo, conforme o inciso V, do mesmo codex.

VIII.   CONCLUSÃO

Trata-se de procedimento novo, introduzido em nosso Código de Processo Civil,  pela Lei 9.079, de 14.07.95, para possibilitar ao detentor de prova escrita, sem eficácia de título executivo extrajudicial, maior celeridade  processual, sem a obrigatoriedade de ter que se submeter ao processo moroso de cognição plena.

Em que pese alguns questionamentos, notadamente quanto à ausência inicial do contraditório, assegurado pela Constituição Federal, e reclamado pelos mais formalistas, é certo que ao devedor, foi assegurado no novo procedimento, a possibilidade de defesa ampla, através de embargos, que tem clara natureza de contestação, própria  do procedimento ordinário.

Superada essa discussão, atem-se a jurisprudência e a doutrina, em discutir e delinear quais os limites e parâmetros da prova documental exigida como pressuposto do procedimento monitório, já que nossa legislação optou claramente pelo mandado monitório documental.

Tais questionamentos, dentre outros, são e serão objeto de controvérsias entre os operadores do direito, notadamente porque a ação monitória é muito jovem ainda, no mundo jurídico de nosso país, e como é comum nestes casos, somente com o passar  do tempo, veremos sedimentados os pressupostos válidos e definitivos do procedimento monitório.

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[1] CRUZ E TUCCI, José Rogério.  Ação Monitória, pág. 30, 2ª ed., p. 30, Ed. Revista dos Tribunais, 1997.

[2]  LEAL, Câmara , Código de Processo Civil e Commercial do Estado de São Paulo, v. 4, comentários aos arts. 767 e 768, pp. 383 a 385.

[3] CRUZ E TUCCI, José Rogério, Op. Cit., pág. 6

[4] BERMUDES, Sérgio, A reforma do Código de Processo Civil, 2ª ed., Saraiva, 1996, p. 172.

[5] Cit. por REIS DE PAULA, Carlos Alberto  –  Ação Monitória, Compêndio de Direito Processual do Trabalho. Coord. Alice Monteiro de Barros.

[6] REIS DE PAULA, Carlos Alberto –  ob. cit. p.  843.

[7] MARCATO, Antonio Carlos, O Processo Monitório Brasileiro, p. 11.

[8] ALVIM, J.E.Carreira, Procedimento Monitório, p. 66.

[9] MARCATO, Antonio Carlos, .op. cit., p. 58.

[10] ALVIM, J.E. Carreira, op. cit., p. 67.

[11] DINAMARCO, Cândido, A  reforma do Código de Processo

Civil,: Malheiros, 1996. p. 235-236.

[12] Código de Processo Civil, art. 1102a.

[13] Código de Processo Civil, art. 1.102b.

[14] Código de Processo Civil, artigo 1.102c,   § 1º.

[15] BATISTA DA SILVA, Comentários ao Código de Processo Civil,

p. 32, nº 3.

[16] Procedimento monitório (in “O Processo de Execução – Estudos

em homenagem ao Professor Alcides de Mendonça Lima”), p. 236.

[17] THEODORO JÚNIOR (1980) apud  Sergio Shimura, Ação

Monitória, in Rev. Ajuris no. 66, pág. 277.

[18] ALVIM, J.E. Carreira, ob. Cit.,  p. 109-110.

[19] ALVIM, J. E. Carreira,  ob. cit., p.. 113.

[20] Código de Processo Civil, artigo 331, § 2º

 


REFERÊNCIA  BIOGRÁFICA:

CLOVIS BRASIL PEREIRA,  Advogado, Mestre em Direito, Especialista em Direito procesual Civil, Coordenador e editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br.

Artigo: o trabalho é um resumo da Monografia de conclusão do curso de especialização  em Direito Processual Civil, submetida à Banca examinadora, sob a presidência da  Dra. Rita Gianesine    

Contato:    prof.clovis@54.70.182.189

Bem de Família

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* Sergio Busso –

1.    –  APRESENTAÇÃO

2.    –  VOLUNTÁRIO OU ESPECIAL

3.    –  POR  IMPOSIÇÃO  LEGAL OU COMUM

4.    –  OUTRAS DISPOSIÇÕES VIGENTES EM NOSSO DIREITO

5.    –  NOVAS PROPOSTAS DE ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO

6.    – CONCLUSÃO

7.    – JURISPRUDÊNCIA

8.    – MODELO DE ESCRITURA PARA INSTITUIÇÃO DE IMÓVEL COMO BEM DE FAMÍLIA, ATENDENDO ÀS EXIGÊNCIAS DETERMINADAS PARA ESTE ESTADO DE SÃO PAULO

9.    – MODELO DO EDITAL A SER EXPEDIDO PELO REGISTRADOR E PUBLICADO NA IMPRENSA LOCAL, OU, NA SUA FALTA, NA DA CAPITAL DO ESTADO, EM CUMPRIMENTO AO QUE PREVÊ O ARTIGO 261, DA LEI 6015/73

10.  – LEGISLAÇÃO CITADA E DE INTERESSE NA ELABORAÇÃO DO PRESENTE TRABALHO

11.  –  BIBLIOGRAFIA

 


 
1. – APRESENTAÇÃO

 

Instituto de origem norte-americana, onde surgiu no começo do século XIX, quando o Estado do Texas promulgou uma Lei, mais precisamente em 1839, em virtude de grave crise econômica que o País vivia na época, a qual consistiu na cessão a todo chefe de família maior de 21 anos de idade, de uma propriedade rurícola que viesse a se apresentar entre 80 a 160ha., com a finalidade de torná-la produtiva, dando, em conseqüência, proteção a sua família, proporcionando a mesma um abrigo seguro. Nela deveria o cessionário viver durante cinco anos, realizando certas benfeitorias, quando passaria a ter direito no recebimento do título dominial da referida área. Outros Estados daquela Federação adotaram a norma, passando, em alguns deles a figurar até mesmo nas próprias Constituições locais, dando-se, assim, por definitivamente criado o instituto do homestead (home: casa, e stead: lugar), que na linguagem jurídica quer dizer “uma residência de família”. Temos, ainda, nas legislações alienígenas, outras que dão sustentação a existência desse instituto, a saber: – Na Alemanha encontramos o HofrecAt, que se caracteriza pela indivisibilidade de certo imóvel rural, a fim de transmitir-se íntegro a um dos sucessores do proprietário. – Na Suíça, o Código Civil o contempla como o título de “Asilo de Família”. – Na França, ele existe desde 1909 e, segundo tudo indica, sem muito sucesso.

Como instituto que visa dar proteção à moradia, tornando, em regra, impenhorável o prédio próprio para esse fim, temos no Direito pátrio duas fontes, uma prevista em nosso Código Civil, mais precisamente nos artigos 70 a 73, com modificações impostas pelo Decreto-lei 3.200, de 19 de abril de 1941, e pelas Leis 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e 6.742, de 05 de dezembro de 1979,  tido por nós neste trabalho como de natureza voluntária ou especial, que só vê incidir essa situação por vontade expressamente manifestada em escritura pública, com o seu conseqüente registro junto ao Oficial Imobiliário competente; e outra especial, tratada na Lei de número 8.009, de 29 de março de 1990, que, independentemente de qualquer manifestação, atinge todo imóvel residencial próprio de um casal ou de sua família.

2   –   VOLUN TÁRIO OU ESPECIAL

2.a – ORIGEM E NATUREZA JURÍDICA

Teve ele origem em nosso País, através de emenda de Feliciano Pena, em 1912, a qual, acolhida, resultou nos artigos 70 a 73, que se vê na Parte Geral da aludida codificação, ali tida como de forma inadequada no entendimento de expressiva parte de nossa doutrina, que prefere vê-lo tratado no campo de Direito de Família, uma vez que na área onde hoje se encontra estudamos apenas os elementos da relação jurídica, sujeito, objeto e fatos que determinam a origem, conservação e extinção de direitos. Deve ser lembrado que o bem de família é relação jurídica de caráter específico e não genérico, e desta forma se justifica tal defesa doutrinária, que ainda se assenta ser a finalidade do instituto a proteção da família, proporcionando-lhe abrigo seguro. Nessa mesma direção, corroborando assim com tais ensinamentos, a Lei 10.406/2002, que traz o novo Código Civil, insere esse instituto no referido Direito de Família, e não mais na Parte Geral, como hoje se vê.

2.b – CONCEITOS E REQUISITOS

Primeiramente, vamos tratar do BEM DE FAMÍLIA aqui exposto como de natureza especial, que depende da manifestação de vontade do agente, permitindo que se destine um imóvel seu para sua moradia, protegendo seu grupo familiar contra execuções por dívidas posteriores à instituição, com ressalva das execuções fiscais relativas ao próprio imóvel. Devem ser considerados beneficiados desse instituto o próprio instituidor e todos os filhos menores. Enquanto viver um deles, e nessa condição se encontrar, mantido estará o instituto. Deve, também, ser dada por termo a menoridade de um filho quando por algum meio vem ele a ser emancipado. O filho interdito que se apresentar com mais de 21 anos, continuará a gozar dos benefícios do instituto como se menor fosse, dando-lhe, assim, a proteção que lhe dispensa de forma geral o direito brasileiro. Vale frisar que a instituição do bem de família só é permitida a quem não tenha dívidas, pois unicamente ao insolvente será indeferida tal pretensão. Devemos aqui ressaltar que esse pressuposto só deve ser considerado se a instituição do bem de família, por si só, vier a tornar inviável a solução do respectivo débito, fraudando assim eventuais credores. Em se constatando dívidas anteriores à instituição, que podem ser resgatadas com o remanescente do patrimônio do instituidor, o bem separado não poderá ser penhorado, devendo ser mantida como regular dita instituição. Terreno sem benfeitorias não pode ser objeto dessa instituição, pois o prédio destinado à moradia é da essência do ato. O art. 70, do Código Civil, traz a expressão “chefe de família”, como detentor dos direitos para se apresentar como titular no ato de instituição do bem de família; porém com a isonomia conjugal prevista na Carta Constitucional (art. 226, parágrafo 5o.), necessária a presença do casal para que seja possível essa formalização, não mais podendo prevalecer a expressão que se vê no aludido artigo 70. A defesa desse instituto em favor do solteiro só deve ocorrer se residirem no imóvel pessoas ligadas por um vínculo de consangüinidade, caracterizando-o, desta forma, como bem de família. Assim, se o solteiro se apresentar como solitário não pode fazer uso desse instituto (STJ, RT, 726:203), pois dessa forma não vê alcançado o sentido “família” que a lei visou proteger. Como o caráter família dado pela Legislação que cuida do caso procurou abranger apenas o casal e eventuais filhos, e à vista da impossibilidade de terceiros figurarem como instituidor, conclui-se também que o tutor, curador ou avô, bem como nenhum outro estranho a dita relação podem instituir imóvel como bem de família. Alguns autores consideram que apenas a família legítima é beneficiária da instituição, pois o art. 70, parágrafo único, do CC, menciona, expressamente, o termo “cônjuges”. Porém, deve ser ressaltado que se a união entre duas pessoas não se formalizou com o casamento, podem elas ver deferida a instituição de um bem como de família, necessitando, para tanto, de ordem judicial, pois é estranha a competência do Notário a aferição da estabilidade familiar de pessoas não casadas legalmente. O bem de família pode ser constituído em imóvel urbano ou rural, e neste incluem-se os instrumentos domésticos e de lavoura, o gado e o mobiliário, que, necessariamente, deverão ser detalhados na escritura pública que formalizará a instituição.

Temos, ainda, para se tornar viável essa instituição que verificar se os interessados têm o imóvel como sua residência há mais de dois anos, servindo para tanto simples declaração na escritura que irá formalizar o ato. Essa condição é que se vê hoje no art. 19, do Decreto-Lei 3.200/41, ali introduzida à vista do que dispõe a Lei 6.742, de 05 de dezembro de 1979, que passou assim a se expressar: “Não há limite de valor para o bem de família desde que o imóvel seja residência dos interessados por mais de dois anos”.  Devemos aqui lembrar que a Lei 5.653, de 27 de abril de 1971, portanto anterior a de número 6.742/79, também modificou a redação do mesmo artigo 19, a qual passou a ter o seguinte texto: “Não será instituído em bem de família imóvel de valor superior a 500 (quinhentas) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”. Ditas redações, que recaíram sobre o mesmo artigo 19, provocaram um impasse na doutrina, motivado pelo texto que hoje temos como definitivo ao referido artigo 19, quando alguns observando-o friamente, entendem ter ele permitido uma abertura para determinação de um valor limite para a instituição de imóvel como bem de família, no caso da não ocorrência do interstício de dois anos; buscando ai aproveitar o tratado na aludida Lei 5.653 para essa situação, autorizando-se, em conseqüência, a instituição ora tratada, mas somente a imóveis que, além de se destinarem a residência da família, tenham valor que não ultrapasse a 500 (quinhentas) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Para este trabalho, defendemos que o bem de família em estudo só pode estar no mundo jurídico se o interessado em sua instituição tiver o imóvel como residência sua há mais de dois anos, dando-se por ignorado o texto que cuida da condição valor econômico do imóvel, uma vez que a Lei 6.742 é posterior a de número 5.653, e ambas trouxeram nova redação para o mesmo artigo, ou seja, o 19, do Decreto-Lei 3200/41, fazendo prevalecer, desta forma, a lei mais nova, dando-se, assim, por atendido o disposto no art. 2o., § 1o., da Lei de Introdução ao Código Civil. Lembre-se, ainda, que nenhuma dúvida deixou a redação da Lei 6.742, quando pretendeu modificar a imposição tratada no art. 19, do Decreto-lei 3.200/41, ai já com a redação que lhe foi dada pela Lei 5.653/71, fazendo constar, textualmente, que referido artigo 19 passaria então a ter a redação aqui já informada, cuja importância faz com que a reprisemos: “Não há limite de valor para o bem de família desde que o imóvel seja residência dos interessados por mais de dois anos”. Se pretendesse o legislador fazer com que tal redação viesse a completar a que víamos na época no mencionado artigo 19, trataria-a como seu parágrafo e não seria incisivo em ditar a substituição de redação, como acabou por acontecer, à vista do que aqui se expõe. Reforça esta posição quando consertado o texto da Lei 3.200/41, vimos que nenhum artigo trata de valores para qualificar referido bem de família. Portanto, com esse entendimento, impossível se torna sua instituição para imóveis que não tenham cumprido essa condição temporal, independentemente da apreciação de seu valor, ou seja, imóvel com menos de dois anos destinado à residência dos interessados não pode, em nenhuma hipótese, ser por eles conferido como bem de família.

2.c – IMPOSSIBILIDADE DE SER DADO EM HIPOTECA

Não pode o imóvel instituído como bem de família ser dado em hipoteca, uma vez que, sendo ele considerado inalienável, impedido estará de receber tal ônus, à vista do que temos no art. 756, do Código Civil.

2.d – SITUAÇÃO QUANTO AO INVENTÁRIO/ARROLAMENTO

O bem instituído como de família só poderá ser levado a inventário e partilhado, depois de cancelada sua instituição. Se um dos cônjuges falecer, deixando vivo o outro, o prédio ainda não poderá entrar em inventário, nem ser partilhado, mantendo-o indiviso enquanto perdurar a família; mas, se o cônjuge sobrevivente se mudar do prédio, e se nele não ficar residindo filho menor, a cláusula será eliminada e o imóvel levado a inventário e partilhado. Se ambos falecerem, deve-se esperar a maioridade de todos os filhos para ser deferido tal cancelamento.

2.e – QUANTO A SUA INALIENABILIDADE E IMPENHORABILIDADE

Instituído o bem como próprio para sua família, tornar-se-á o mesmo, de forma excepcional, impenhorável e inalienável – artigos 70 e 72, do C.Civil -. Esta excepcionalidade ocorre, uma vez que assim instituído o imóvel, automaticamente estará ele fora do comércio, por expressa disposição legal, o que, como regra, só se autoriza em transmissões à titulo gratuito, conferindo essa possibilidade ao doador; ou por meio de testamento, cuja faculdade de assim proceder também é emprestada ao testador. Aspectos que envolvem ditas cláusulas restritivas, no instituto do bem de família:  –  têm caráter relativo – subsistem apenas enquanto vivos os cônjuges e os filhos se mantiverem na menoridade (parágrafo único do art. 70, do CCivil). Como acima já constou, deve se estender essa subsistência do instituto também ao filho maior, desde que tido como incapaz. Quanto a impenhorabilidade, devemos desprezar sua incidência nos seguintes casos:  a) se na data em que foi instituída, tinha seu proprietário dívidas, cuja solução se tornou inexeqüível, em virtude do ato de instituição (parágrafo único, do art. 71, do CCivil);  b) se advirem débitos provenientes de impostos relativos ao mesmo prédio (art. 70, do CCivil);  e c) se no caso da instituição ocorrer com base no tratado pelo art. 8o., parágrafo 5º., do Decreto-lei 3200/41, o devedor não cumprir suas obrigações com a instituição mutuante.

2.f – FORMALIDADES EXIGIDAS PARA O ATO

Para se instituir um imóvel como bem de família, necessária escritura pública (art 73, do CCivil), que deverá ser registrada junto ao Registro de Imóveis onde se encontra matriculado dito bem.  Apresentada a escritura, o Oficial a encontrando regular, fará publicar edital no jornal local, ou na sua falta, em jornal da Capital, onde será concedido um prazo de trinta dias para que eventuais interessados apresentem reclamação contra essa instituição, por escrito, e dirigida ao referido Oficial Registrador. A Lei não menciona o número de  publicações a serem feitas, motivo pelo qual entendemos deva ele se ater a apenas uma, pois se pretendesse de forma contrária, teria a norma sido expressa em sua redação. O prazo para exame e anotação de eventuais exigências, por parte do Registrador, antes de se decidir pela publicação do respectivo Edital, é de 15 dias, a contar do protocolo da escritura que formalizou tal instituição (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça – Capítulo XX, item 32). Lacuna também existe na legislação específica quando, igualmente, não assinala prazo ao Registrador para que se publique referido Edital, sendo que a doutrina busca parâmetro do art. 232, III, do CPC, determinando-lhe que assim proceda dentro dos mesmos 15 dias anteriormente tratados. Não tendo sido apresentada qualquer reclamação, procederá o Oficial ao registro da citada escritura  no livro 3 – Registro Auxiliar,  de forma integral; e no livro 2 – Registro Geral, de forma resumida. Em havendo reclamação, o Oficial fornece cópia autêntica da mesma ao instituidor e lhe restitui a escritura, com a declaração de haver sido suspenso o registro, cancelando-se a prenotação.  A doutrina entende injusta essa posição da Lei, uma vez que poderá se estender o prazo para o registro da instituição, em razão de mera oposição de terceiro, muitas vezes infundada ou fruto de malícia, erro grosseiro, capricho ou emulação, deixando o instituidor e sua família expostos a execuções judiciais depois de haver apresentado ao Oficial a respectiva escritura pública. O instituidor pode requerer ao Juiz que ordene o assento, sem embargo da reclamação. Determinado o registro, cabe ação anulatória ao reclamante e a quem quer que prove interesse. O despacho judicial que defere a instituição é irrecorrível na área administrativa, sendo transcrito em inteiro teor, juntamente com o instrumento no aludido livro 3. Se recebida a escritura, e não a encontrando em ordem para se determinar a publicação do Edital, o Oficial cientificará o interessado das irregularidades, o qual poderá não concordar com o exposto e requerer suscitação de dúvida, na forma ditada pelo art. 198 e seguintes da Lei 6015/73, com a observação de que no procedimento de dúvida do instituto do bem de família, se julgada ela improcedente, será determinada a expedição do Edital, como previsto no art. 262, da aludida Lei 6015, e não da inscrição do título, como reza o inciso II, do art. 203, da mesma norma legal, que tem aplicação como regra nos títulos imobiliários. Julgando procedente a dúvida, será cancelada a prenotação e devolvida a escritura ao interessado.

2.g – O BEM DE FAMÍLIA DO TESTAMENTO

Tem divergido a doutrina sobre a possibilidade de também de admitir a instituição de bem de família através do testamento, quando o instituidor prescreve que assim se faça em benefício de sua família (cônjuge sobrevivente e filhos menores, ou somente estes, conforme o caso). A questão nasce quando, falecido o testador, outro se investirá como chefe da família, e nessa condição pode se opor que prevaleça tal instituição.

2.h  –  SITUAÇÃO ESPECIAL – BEM D E FAMÍLIA CONCOMITANTE COM  MÚTUO  E  COMPRA  E  VENDA

O Decreto-lei 3.200/41, trouxe em seu artigo 8o., § 5o., a possibilidade de ser adquirido um imóvel residencial e, ao mesmo tempo, instituí-lo como bem de família, procedendo-se aos registros de forma concomitante, independentemente de qualquer outra exigência ou formalidade que se exige como regra para o referido instituto. Isto só ocorre quando se verificar financiamento pelas Caixas Econômicas ou por órgãos assistenciais ou previdenciários públicos, em favor de seus associados, ou a trabalhadores de qualquer categoria, com idade não superior a trinta anos, e residentes na localidade em que tenham sede,  para fim de auxílio a casamento. Essa norma ressalva a possibilidade de penhora do bem em favor da instituição credora, caso o pagamento da dívida não se efetue como contratado. Temos ai também, o caráter absoluto da impenhorabilidade do bem, com relação a quaisquer terceiros, inclusive a Fazenda Pública. Outra exceção que se verifica nessa norma, é a expressa proibição de se cancelar a instituição do imóvel como bem de família, antes da quitação total da dívida que deu origem a aquisição do respectivo prédio. 

Devemos aqui lembrar que na prática ignora-se a aplicação da referida norma legal, uma vez que as instituições de crédito ali especificadas trabalham hoje com o instituto da hipoteca ou com o da alienação fiduciária, visando a garantia de seu crédito, dando-se por totalmente desprezada a utilização do bem de família como garantia de dívida, como assim é tratado no art. 8º., § 5º., da mencionada Lei 3.200/41.

2.i – CANCELAMENTO E SUB-ROGAÇÃO

O bem de família poderá ser cancelado através dos seguintes meios:  a)  diretamente ao Oficial Registrador – à vista de pedido do instituidor,  nos termos do que lhe faculta o art. 250, III, da Lei dos Registros Públicos. Se quando desse pedido, tiver o instituidor filho menor, ou mesmo que maior, desde que incapaz, dito cancelamento só poderá ser feito mediante ordem judicial, e desde que presente motivo relevante, como o da necessidade de alienação ou oneração do bem para subsistência da família;  e b) mediante provocação jurisdicional – quando o pedido tiver terceiro como interessado, o qual deverá provar que o prédio deixou de ser moradia da família do instituidor, ou que ocorreu outro  motivo que justifique a decretação do cancelamento da instituição.  A separação ou o divórcio, por si só, não extinguem essa condição especial do imóvel, a não ser eventual acordo entre os cônjuges, caso não tenha filhos da forma como acima se expôs. Se tiver, o cancelamento deverá ser feito da forma como se informou na parte final da letra “a”, deste parágrafo.

Há também a possibilidade de ocorrer a sub-rogação do gravame, transferindo a instituição para outro prédio em que a família passe a residir, observando os mesmos critérios já comentados quanto ao cancelamento dessa instituição.

2.j – LOCAÇÃO DO IMÓVEL INSTITUÍDO COMO BEM DE FAMÍLIA

Não obstante a percepção clara da redação da Lei no sentido de que o imóvel a ser instituído como bem de família, não pode ter seu destino alterado, devendo manter-se como moradia da família de seus instituidores (art. 72, do Código Civil, e art. 21, da Lei 3200/41), entende a doutrina que se as circunstâncias exigirem a locação do imóvel instituído como bem de família, visando auferir valores para pagamento do aluguel de outro prédio equivalente, em outro local, motivada às vezes por transferência compulsória de endereço profissional, deve-se continuar dando àquele imóvel o mesmo tratamento que se dava quando diretamente servia de moradia a família dos instituidores, pois está ele agora a gerar recursos para que os mesmos continuem a ter um lar, como se pretendeu quando da utilização do referido instituto. Da mesma forma podemos enquadrar os frutos dessa locação, ou seja, devem ser eles tidos como impenhoráveis.

2.k – INSTITUTO EM DESUSO

Diante da complexidade que se vê para a instituição de um bem de família à vista do que prevê o Código Civil, hoje quase não mais se procura sua formalização, pois temos vigendo com o mesmo objetivo a Lei 8.009/90, a seguir comentada. Uma das situações em que se busca a instituição do bem de família nos moldes previstos pelo Código Civil, ocorre quando o proprietário se utiliza de vários imóveis como sua residência, ou de sua família, elegendo-se ai apenas um dentre eles para a imunidade aqui comentada. Desta forma, se tal proprietário pretender que dentre os imóveis voltados para sua residência, um de considerável valor de mercado, quando comparado com os demais, venha a auferir das vantagens conferidas aos imóveis tidos como bem de família, deverá, obrigatoriamente, se utilizar da escritura pública, dando cumprimento as demais formalidades que o Código Civil dá a esse instituto. Caso assim não venha a fazer, a lei faz recair o benefício da impenhorabilidade sobre o imóvel de menor valor – é o que diz o parágrafo único, do artigo 5º., da Lei 8009/90.

3   –   POR IMPOSIÇÃO LEGAL OU COMUM – LEI 8009/90

A Lei 8009, de 29 de março de 1990, criou uma nova modalidade de bem de família, aqui tratado como de natureza comum, que diverge do modelo originário do Código Civil nos seguintes aspectos:

a.      – Na Lei 8.009 – tem caráter de ordem pública – é norma de  imposição;

–  No Código Civil – tem caráter facultativo;

b.     – Na Lei – seus efeitos são imediatos, não se exigindo qualquer    formalidade ou condição;

– No Código – seus efeitos só se verificam depois de lavrada a     respectiva escritura, e providenciado seu registro;

c.       – Na Lei – não admite renúncia;

     – No Código – seus efeitos podem ser cancelados a qualquer tempo, caso o instituidor não tenha filhos incapazes;

d.     – Na Lei – tem como proteção somente a impenhorabilidade do bem;

– No Código – além da proteção impenhorabilidade, estende-se a ela também a cláusula restritiva de inalienabilidade do bem;

e.      – Na Lei – quando ocorrer a multiplicidade de bens, voltados para a moradia do proprietário ou de sua família, deve o instituto recair sobre o imóvel de menor valor;

–  No Código – pode o instituidor escolher dentre os bens que possui como sua residência, o que melhor lhe convier para a respectiva instituição;

f.       – Na Lei – não admite sub-rogação – deve ser tido como bem de família sempre o imóvel de menor valor, quando dois ou mais imóveis vierem também a servir de moradia para o proprietário ou sua família;

– No Código – admite a troca, podendo a instituição recair sobre o imóvel que melhor aprouver a entidade familiar.

O momento para se manifestar contra a investida para se penhorar um bem tido como de família, é quando se consuma  a  penhora, oportunidade  em  que  qualquer um dos beneficiados – pai, mãe ou mesmo o filho – têm legitimidade para apresentar embargos à execução. Apresentado esse recurso será ele apensado aos autos onde foi determinada a penhora do bem. Se o processo tramitar no juizado de pequenas causas, com valor inferior a vinte salários mínimos, essa defesa poderá ser feita diretamente pela parte interessada, em requerimento por ela mesma assinado. Quando o valor da dívida em execução for superior a esse teto, o interessado terá de constituir um Advogado para representá-lo judicialmente.

3.a – QUANTO A TRANSMISSÃO POR HERANÇA, OU MESMO “INTER VIVOS” DO BEM TIDO COMO DE FAMÍLIA, Á VISTA DA LEI 8009/90

Quando o Bem de Família tratado é o imposto pela Lei 8009/90, nenhuma dúvida temos quanto a sua impenhorabilidade ou momento em que exceções podem ocorrer. A questão que levantamos agora consiste em saber se o previsto no art. 1796, do Código Civil – “A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte, que na herança lhe coube” –  se aplica ou não na transmissão “causa mortis” do bem tido como de família pela Lei 8009/90, ou seja, se o bem vai ou não responder pelas dívidas do falecido, ficando ai sujeito a penhora que, em vida, não foi autorizada?  Entendemos não ser possível tal constrição, pois se tal imóvel, enquanto vivo o devedor, apresentava-se como impenhorável, portanto impróprio para garantir qualquer dívida de natureza comum que teria seu titular como obrigado, não poderia tal permissão vir a prevalecer depois de sua morte, pois em se admitindo que assim venha a ser feito, estaremos  a  contrariar  expressa disposição legal – Lei 8009/90 -, que proibiu a penhora do imóvel que tenha características de bem de família. Lembramos que a dívida continua a ser do devedor, e, portanto, não poderá ela, em momento algum, mesmo depois da morte do proprietário do imóvel tido como impenhorável, ter seu pagamento garantido com sua penhora, pois exatamente isso não foi permitido quando vivo seu titular. Desta forma, concluímos que qualquer imóvel que se apresente como bem de família, à vista do que dispõe referida Lei 8009/90, não pode em momento algum ser objeto de penhora para garantir dívidas comuns de seu proprietário, não importando estar ele vivo ou morto. Tal entendimento se sustenta também no que nos ensina o Dr. Carlos Alberto Dabus Maluf, que cita o Prof. Francisco Morato, no livro “Das Cláusulas de Inalienabilidade, Incomunicabilidade e Impenhorabilidade, editora Saraiva – 3ª. Edição, página 55.  Devemos ressaltar que no trabalho em apresentação temos exceções para essa impenhorabilidade, as quais devem ser respeitadas.

Outro ponto que merece ser apreciado é o voltado para a possibilidade ou não do imóvel tido como bem de família pela referida lei 8009/90, vir a ser alienado sem que tal transmissão possa trazer algum embaraço para seu adquirente, principalmente se considerarmos seu titular em situação de insolvência, e com execuções por dívidas comuns que só não foram solucionadas por impossibilidade de penhora do imóvel assim protegido pela referida norma legal. Ao contrário da posição que se vê para a transmissão “causa mortis”, aqui encontramos dificuldades na defesa de uma eventual tranqüila permissão para essa transferência, porque, como exposto na questão, pública estará a situação de insolvência do titular do imóvel, a qual, por si só, em ocorrendo a alienação em comento, estaria ela, em tese, a gerar  prejuízos aos credores. Devemos aqui ressaltar o que também temos na redação da aludida Lei 8009/90, mais precisamente em seu art. 4º. e § 1º.,  que alimenta ainda mais a posição que ora apresentamos para a questão ora em estudo.

4   –   OUTRAS DISPOSIÇÕES VIGENTES EM NOSSO DIREITO

Além dos bens de família até aqui tratados, o direito positivo pátrio contempla outros casos especiais, que, por se encontrarem na prática desse Instituto num ostracismo quase total, vamos nos ater apenas em informar a base legal dos mesmos, para mero conhecimento: a) sobre lotes de terrenos, nas colônias militares de fronteiras (Decreto-Lei nº. 1.351, de 16 de junho de 1939, art. 13);  b) sobre casas construídas para residência de jornalistas e radialistas, com financiamento pela Caixa Econômica  (Lei nº. 668, de 16 de março de 1950, art. 4o.);  e c) sobre casas doadas aos expedicionários da FEB (Lei nº. 2.378, de 24 de dezembro de 1954, art. 7o; Lei 4.340, de 13 de junho de 1964, art. 6o., letra “a”).

5   –   NOVAS PROPOSTAS DE ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO

5.a – BEM DE FAMÍLIA VOLUNTÁRIO OU ESPECIAL 

O novo Código Civil – Lei nº. 10.406/2002 – que deverá entrar em vigor em janeiro de 2003, traz nesse ramo do direito quatro modificações significativas, a saber: 1. – não mais ficará o instituto do bem de família restrito a moradia, podendo também se estender a valores mobiliários, com a condição de ver sua renda aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família (art. 1.712), não podendo tais valores exceder ao do prédio instituído em bem de família, considerando-se ai o que se tinha na época de sua instituição (art. 1.713); 2. – o bem a ser instituído deve corresponder a até um terço do patrimônio líquido dos interessados (Art. 1.711);  3. – o terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada (parágrafo único do art. 1.711);  e 4. – passa expressamente a permitir a penhora em execução de despesas com condomínio, além de também assim tratar quando as dívidas se referirem a tributos que venham a recair sobre o prédio (art. 1.715).

5.b – BEM DE FAMÍLIA POR IMPOSIÇÃO LEGAL OU COMUM

Temos em andamento no Congresso Nacional projeto do Deputado José Machado, que tem o número 4728/98, o qual, na Comissão de Constituição e Justiça, em data de 13 de setembro de 2001, teve parecer favorável do Relator, Deputado Marcos Rolim, que apresentou substitutivo, revogando o inciso VII, do art. 3º., da Lei 8009/90, passando, em conseqüência, a não mais permitir a penhora de bem do fiador, tido como de família, por entender que, se as próprias dívidas pessoais dele locador não ensejam a penhorabilidade do bem que se destina a moradia de sua família, como admiti-la no caso de obrigação contraída por um terceiro.

6   –   CONCLUSÃO

Apreciando as duas naturezas – especial e comum -, como suso apresentadas, vimos que ambas têm o objetivo único de proteger o prédio que se destina a abrigar uma entidade familiar, sendo que uma ocorre de forma voluntária – a tida aqui como especial, e a outra imposta por uma norma publica – aqui tratada como de natureza comum, as quais se revestem de peculiaridades ditadas por suas respectivas legislações, como já demonstrado. Um aspecto que nos parece de extremo interesse, é saber se podemos aproximar ao bem de família tratado originariamente no Código Civil, as tratativas excludentes da impenhorabilidade do bem de família previsto na Lei 8009/90, elencadas em seu artigo 3o., fazendo, em conseqüência, incidir a mesma regra para as duas formas de instituto aqui estudadas, ou seja:  se instituído um imóvel como bem de família, utilizando-se das normas aplicáveis à natureza especial, que tem sua base no Código Civil, podemos usar das excludentes da impenhorabilidade que vêm cuidadas no referido artigo 3o.?  Para um melhor entendimento, segue a relação dessas exceções:

I  – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II  – pelo  titular  do  crédito  decorrente  do  financiamento  destinado  à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III  –  pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação (item acrescentado pela Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991). 

Entendemos temerosa a extensão dessas excludentes ao bem de família do Código Civil, pois o instituidor quando se utilizou dos recursos da legislação advinda desse Código, pretendia que apenas a disciplina ali imposta fosse objeto de cumprimento, levando para a escritura o que textualmente se observa em tais normas, procedendo-se, inclusive, ao seu registro junto ao Oficial Imobiliário competente, dando-se, assim, publicidade de seu desejo. Esse entendimento, ao nosso ver, encontra-se perfeitamente apoiado na redação que nos é apresentada pelo art. 2o., § 2o., da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim se expressa: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.  Desta forma, devemos entender que nenhuma alteração a Lei 8009/90 trouxe para o bem de família originário do Código Civil, devendo ser visto e aplicado da forma como nele referido, e nas legislações que o acompanharam, ou seja, Decreto-Lei 3200/41, e Leis 6015/73, e 6742/79. Considere-se, ainda, que enquanto uma tem características de faculdade para sua formação e com regras pré-determinadas, a outra é imposta, não se admitindo nem mesmo a renúncia, prevalecendo sempre o interesse social determinado pelo Legislador, trazendo, para isso, normas que melhor se amoldam a esse tipo de qualificação à propriedade.    

7  –   JURISPRUDÊNCIA

7.a – BENS QUE GUARNECEM A RESIDÊNCIA DO DEVEDOR

a)      – TJSP – 7a. Câm. de Direito Público – Ap. Cível nº. 17981-5/SP – Rel. Des. Jovino de Sylos, j. 18.08.1997. v.u – JTJ 200/129 – Também o televisor colorido deve se apresentar como impenhorável, se guarnecer a residência do devedor – Inteligência dos artigos 1o., parágrafo único, e 2o., da Lei 8009/90.

b)      – STJ – 3a; T; Resp. nº. 82.067/SP; Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; j. 26.06.1997; v.u – STJ 103/209 – a) Precedentes da Corte já se manifestaram que também são considerados bem de família o aparelho de televisão, videocassete e aparelho de som; tidos como equipamentos que podem ser mantidos usualmente na residência, o que igualmente deve ocorrer com o gravador, por se revestir das mesmas características; b)  A bicicleta não é vista como bem de família, estando, portando, excluída da impenhorabilidade tratada na Lei 8009/90.

c)      – STJ – 2ª. Turma – RESP – 251360 – Relatora: Ministra Eliana Calmon  – Aparelho de ar-condicionado não pode ser considerado bem suntuoso, mas também não é indispensável à sobrevivência da família, podendo ser penhorado para pagamento de dívidas. Não pode, desta forma, receber a proteção da Lei 8009/90, sob o argumento de que é bem que guarnece a moradia do devedor.

7.b – BEM DE FAM ÍLIA – CARACTERIZAÇÃO

a)    – STJ – Recurso especial número 282.354/MG – DJU: 19/03/2001 – pág. 117 – Data do julgamento: 14/12/2000 – Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior. Penhora. Bem de família não caracterizado. Ônus da prova – devedor – Cabe ao devedor o ônus da prova do preenchimento dos requisitos necessários, para enquadramento do imóvel penhorado na proteção concedida pela Lei n. 8009/90 ao bem de família, quando a sua configuração não se acha, de pronto, plenamente caracterizada nos autos.

b)    – STJ – Embargos de divergência em RESP número 151.933/DF – DJU 08/05/2001 – pág. 467 – Relator:  Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira – Se na data da impugnação da penhora o bem já não mais pertencia aos devedores, impossível seu aproveitamento como bem de família.

c)    – STJ – Agravo de Instrumento 377040 – 26/04/2001 – DJU – 05/06/2001 – pág. 301 – Ministra Relatora: Nancy Andrighi  – Desde que destinado à residência da entidade familiar, não é a doação de metade do imóvel que retirará sua condição de bem de família.

7.c – DESMEMBRAMENTO DO IMÓVEL TIDO COMO BEM DE FAMÍLIA, E O QUE MAIS O INTEGRA

a) – STJ – RESP 326171 – Quarta Turma do STJ – 10/09/01 – Se o imóvel residencial encontra-se edificado em terreno que também tem área de lazer, com piscina, quadra de tênis e jardins, só a parte destinada a residência se beneficia com a impenhorabilidade da Lei 8009/90, devendo, ai, em havendo condições, ocorrer o desmembramento do imóvel, tornando-se penhorável a área destinada a recreio. Em seu relato, conceitua como impenhorável a residência propriamente dita, as plantações, benfeitorias de qualquer natureza, e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

a)      – STJ   –   Recurso Especial  nº. 188.706/MG – DJU – 13/09/1999 – pág. 70 – a)  Admite-se a penhora de parte do bem de família quando possível o seu desmembramento sem descaracterizar o imóvel, levando-se em consideração, com razoabilidade, as circunstâncias e peculiaridades de cada caso; b) Como residência do casal, para fins de incidência da Lei 8009/90, não se deve levar em conta somente o espaço físico ocupado pelo prédio ou casa, mas também suas adjacências, como jardim, horta, pomar, instalações acessórias, etc., dado que a lei, em sua finalidade social, procura preservar o imóvel residencial como um todo.

b)      – STJ – 07/03/2001 – Agravo de Instrumento número 335.926/GO – DJU – 15/03/01 – pág. 443 – Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. – Terreno onde se observa a construção de prédio residencial e área de lazer. A lei 8009/90 foi criada para resguardar a dignidade familiar, e amparar o imóvel onde esteja construída a moradia propriamente dita. Não é o objetivo dessa lei, resguardar a suntuosidade ou a ostentação. A questão ventilada não se resolve tão somente com o desmembramento do lote onde se localiza a área de lazer, para a satisfação do débito. O que se percebe é a impossibilidade física da cisão do lote sem o comprometimento do imóvel residencial do recorrente, além da inviabilidade econômica da intervenção, como ficou robustamente demonstrado". Foi dado provimento ao agravo para melhor exame.

c)      – STJ – 4ª. Turma –  RESP nº. 139010 – 19/03/2002 –  ministro relator, César Asfor Rocha – O único imóvel residencial da família é passível de desmembramento para fins de penhora. Segundo o Ministro Relator, mais da metade do imóvel, que compreende uma área de 4.408,42 metros quadrados ficou excluído da penhora. “Assegurou-se portanto à família de M.  B. uma área superior a 2.200 metros quadrados, onde estão edificados a residência com garagem, jardim interno, piscina, vestiários, churrasqueira e gramados”. Na parte desmembrada da residência, e objeto de penhora, estavam localizados quadra de tênis, casa de caseiro, estufa de plantas, canil, casa de bonecas, caixa d`agua, garagens e áreas gramadas. Para o ministro, essa área traz obras suntuosas que não guardam qualquer relação com o imóvel residencial. “Qualquer pessoa pode residir na casa de morada sem que delas se utilize, vendo-se então, que não guardam elas qualquer relação com o espírito da lei que instituiu o bem de família”.

d)      – STJ – 1ª. Turma – RESP nº. 356966 – Ministro Relator:  José Delgado – A proteção dada pela Lei 8.009/90 ao único imóvel que serve de moradia à família não recai sobre construções para uso comercial edificadas no mesmo terreno. Quando o imóvel é perfeitamente divisível, desdobrado em dois pavimentos, mesmo que se encontrem em linha horizontal, nada impede que a penhora recaia sobre a parte comercial somente. A penhora contestada recaiu sobre um depósito de 1.052 metros quadrados de área construída, onde funciona uma empresa. A obra foi construída em 1988, num terreno de 6.800 metros quadrados, onde, aos fundos, situa-se a casa que serve de moradia à família.

e)      – RESP 139.010-SP – Rel. Min. César Asfor Rocha, julgado em 21/2/2002 – (Informativo de Jurisprudência do STJ nº 123 – 18 a 22/02/2002) – Não viola a Lei n. 8.009/90 a decisão que permite a divisão e a penhora sobre as demais áreas da propriedade de 6.800 m2. Preservada, pelas peculiaridades da espécie, a parte principal da residência em terreno de área superior a 2.200 m², com piscina, churrasqueira e gramado.

7.d – DESPESAS CONDOMINIAIS

a)    – STJ – Recurso Especial nº. 172.866 – DJU 02/10/2000 – pág. 162 – admite a penhora de imóvel financiado pelo SFH para pagamento de taxas condominiais, não obstante o fato de ser considerado bem de família, a teor do art. 3o., IV, da Lei 8009/90.

b)     – STJ – 4a. Turma – Resp. nº. 52.156-SP. Rel. Min. Fontes de Alencar; j. 23.08.1994; v.u – BAASP nº. 2023/313-j – Admite-se a penhora em bem considerado de família, se a dívida for oriunda do condomínio (inciso IV, do art. 3o., da Lei 8009/90).

c)     – TAG – 4a. Câm. Civil; Ap. Cível nº. 220.266-8; Rel. Juiz Célio César Paduani. J. 28.08.1996; v;u – RTAMG 64/277 – idem ao anterior.

d)    –  STJ – Recurso Especial nº. 169698/SP – DJU 07/06/2001 – Relator: Ministro Ari Pargendler. Despesas condominiais não são protegidas pela impenhorabilidade tratada na Lei 8009/90, à vista do que prevê o inciso IV, de seu art. 3°.

7.e – DESTINAÇÃO DO PRÉDIO TIDO COMO RESIDENCIAL

a)      – STJ – Agravo de Instrumento nº. 316.533/PR – DJU – 05/10/2000 – páginas 240/1 – A destinação comercial dentro da residência do casal não descaracteriza o bem de família, porque prevalece o fim precípuo, ou seja, o local de moradia da entidade familiar.

b)       – TRF – 5a. Reg. – 2a. T.; Ap. Cível nº. 78.035-PE; Rel. Juiz Araken Mariz; j. 16.04.1996 – maioria de votos – STJ/TRF 104/594 – Para se obter a proteção legal dada pela Lei 8009/90, é mister a prova da propriedade do imóvel e sua característica como bem de família, devendo ser entendido este último, como o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar. Não se enquadrado nessa definição, poderá ser objeto de penhora judicial.

7.f – DISPENSA DE PROVA DE SER O ÚNICO BEM 

a)      – STJ – Recurso Especial 87.866/SP  – Para ser o imóvel considerado bem de família, basta que sirva de moradia, não se admitindo prova de não ser ele o único bem do executado. A Lei 8009/90 não condiciona sua incidência à prova de que o devedor não possua outros imóveis, apenas exige que o bem se destine à moradia de sua família.

b)       – STJ – Recurso Especial  84.991/PR  – idem ao anterior.

c)       – STJ – Agravo de Instrumento nº. 315.120/SP – DJU-22/09/2000 – pág. 255 –  Imóvel rural  que serve como residência do embargante – inexistindo prova de que possua outro imóvel, deve ser ele tido como impenhorável.

7.g –  EMBARGOS

–  TAMG – 7a. Câm. Civil – Ap. Cível nº. 238.316-8 – Pouso Alegre; Rel. Juiz Geraldo Augusto; j. 26.06,1997; v.u – RTAMG 68/218 – Se não houve participação do exeqüente para que a constrição tivesse ocorrido em bem absolutamente impenhorável, e se o executado utiliza a via dos embargos, quando podia alegar a matéria e obter idêntico resultado por mera petição nos autos de execução, desonerando o processo, deve também arcar com os ônus da sucumbência. Não é justo nem moral ou legal que o credor, já insatisfeito em seu direito de crédito, diante da situação fática de insolvência que se entrevê, ainda tenha que suportar sozinho a sucumbência.

7.h – ENTIDADE FAMILIAR

a)      – 2o. TAC – 9ª. Câm.; AI nº. 510.055-00/0; Rel. Juiz Eros Piceli; j. 29.10.1997. v.u. – RT 751/322 – Embora o concubinato seja considerado entidade familiar, não se aplica a norma de impenhorabilidade do bem de família prevista na Lei 8009/90 ao imóvel pertencente a um dos concubinos se a ocupação se deu após a existência da dívida.

b)      – STJ – Recurso Especial número 245.291/MG – DJU – 02/04/2001 – pág. 297 – Data do julgamento: 20/02/2001. Relator: Ministro Aldir Passarinho. Penhora. Bem de família. Imóvel coabitado por filha menor e irmã das executadas. Entidade familiar. Ementa. Processo civil. Penhora. Imóvel coabitado por filha menor e irmã das executadas.

c)      – STJ – RESP 186210 – Terceira Turma – O único bem que serve de residência para a mãe e a avó do devedor, que reside com a mulher e os filhos, em imóvel alugado, não pode ser penhorado. A residência da mãe e da avó no único imóvel da família o coloca sob o abrigo da lei, garantindo-lhe a impenhorabilidade.

7.i – EXECUÇÃO FISCAL – QUANDO TAMBÉM O ÚNICO BEM SE TORNA IMPENHORÁVEL

– STJ – Agravo de Instrumento 377943/SP – Ministro Relator: Humberto Gomes de Barros, DJU – 18/6/2001 – pg. 354 – O único imóvel de sócio cotista de sociedade limitada, sem poder de gerência ou representação, tem a garantia da impenhorabilidade prevista na Lei 8009/90, mesmo quando a dívida for de natureza fiscal – Penhora desconstituída

7.j – FIANÇA

–  STJ    –    Embargos  de  Divergência  em RESP nº. 268.690 – 28/5/2001 – DJU – 05/06/2001 – págs. 131/132 – Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito – No caso dos autos, foi afastada a constrição tendo-se em vista que "a ressalva prevista no art. 3º, inciso V, a permitir a penhora na execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou entidade familiar, limita-se ao crédito que favorece a família, e não abrange as situações de favor, quando o proprietário figura como fiador de terceiro". Além disso, acrescenta o acórdão que "se a dívida constituída pela família não enseja a penhora da residência da família, com igual ou maior razão deve ser afastada a constrição na hipótese de dívida de favor, assumida em benefício de terceiros, pois os ora recorrentes sequer são sócios da empresa devedora".

7.k – FIANÇA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO 

a)      – STJ – Recurso Especial nº. 256.103 – Notícias de 20/09/2000 – Nenhuma dúvida existe quanto a legalidade da penhora de imóvel tido como bem de família, quando garante dívida oriunda de fiança em contrato de locação. Noticia, ainda, que tal exceção atinge, também, os contratos pactuados em momento anterior a vigência da Lei do Inquilinato.

b)      – STJ – Agravo Regimental no Recurso Especial 195221 – DJU 04/10/99 – A penhora dos bens de família do fiador, na execução da garantia locatícia, só pode ser feita se o contrato foi firmado depois da Lei 8.245/91, que alterou o art. 3o., da Lei 8.009/90.

c)      – STJ – Recurso Especial 183675/SP – DJU de 14/12/98 – Tratando-se de ação já em andamento quando da vigência da Lei federal 8.245/91, não pode ser essa invocada para permitir a penhora do bem de família do locador, à vista do que prevê seu art. 76. Porém, se iniciada a ação em data posterior a sua entrada em vigor, o imóvel pode ser penhorado.

d)       STJ – Recurso Especial nº. 114913/SP – DJU 18/12/98 – Ajuizada a execução na vigência da Lei 8245/91, não se há de falar na impenhorabilidade do bem destinado a moradia da família.

e)      – STJ – Embargos de divergência nos autos de Recursos Especial nº. 61435/SP – DJU – 19/12/97 – A exceção à impenhorabilidade do bem de família introduzida pelo art. 82, da Lei 8.245/91, não se aplica aos contratos de fiança celebrados antes da vigência da mencionada Lei. Se quando da entrada em vigor da Lei 8245/90, já existia ação de execução de fiança em andamento, não pode o imóvel tido como bem de família ser penhorado, encontrando-se, no caso, sob o manto da impenhorabilidade.

f)        – 2o TAC – 3a. Câm. AI nº. 503.033-00/5. Rel. Juiz Ribeiro Pinto. J. 23.09.1997. v.u – RT 750/325 – Com a promulgação da Lei 8245/91, mais especificamente seu artigo 82, que acrescentou o inciso VII ao art. 3o., da Lei 8009/90, o imóvel do fiador, apesar de único, responde pelas dívidas advindas da fiança prestada em contrato de locação.

g)       –  STJ – 5a. T.; Resp. nº. 145.003-SP. Rel. Min. Édson Vidigal. J. 07.10.1997; v.u. – RTJE 163/226 – É válida a penhora do único bem do garantidor do contrato de locação posto que realizada na vigência da Lei 8245/91, que introduziu, no seu artigo 82, um novo caso de exclusão de impenhorabilidade do bem destinado à moradia da família, ainda mais quando a fiança fora prestada anteriormente à Lei 8009/90.

h)      – STJ – Agravo de Instrumento número 346.871/RJ – DJU: 23/03/2001 – Relator: Ministro Gilson Dipp. Bem de família. Locação. Fiança. Penhora. É válida a penhora do único bem do garantidor do contrato de locação posto que realizada na vigência da Lei 8.245/91, que introduziu, no seu art. 82, um novo caso de exclusão de impenhorabilidade do bem destinado à moradia da família, ainda sim quando a fiança fora prestada na vigência da Lei 8009/90.

i)         – STJ – Agravo de Instrumento número 387.133/PR – DJU – 28/06/2001 – página 416. Ministro Relator:  Gilson Dipp. – O fiador de contrato de locação responde com seu único bem para garantir dívida do aluguel por ele garantido, mesmo que este também venha a ser caracterizado como bem de família.

7.l – GARAGEM E DEPÓSITO – DESPENSA

 

a)      – TJSP – 2a. Câm. de Direito Privado; Ap. Cível nº. 28.414-4 – Bauru. Rel. Des. J. Roberto Bedran. DJU 15.04.1997; v.u – JTJ 201/152 – Em se apresentando garagem e depósito-despensa como unidades autônomas, com matriculas próprias, não podem ser enquadrados na Lei 8009/90, pretendendo se aproveitar da acessoridade da unidade habitacional destinada a família.

b)      – STJ –  3ª. Turma – 17/08/-1 – RESP 311408 – Entende que a vaga de garagem utilizada pela família em edifício residencial não pode ser protegida pela impenhorabilidade tratada na Lei 8009/90. Observou que as garagens hoje estão supervalorizadas, e devem ser vistas como imóvel autônomo e não mais vinculados à residência.

 

7.m – IMÓVEL HIPOTECADO

 

a)      – 1o. TAC – 1a. Câm. Extraordinária “B”; Ap. nº. 671.010-3 – Araçatuba; Rel. Juiz Correia Lima; j. 23.04.1997; v.u – LEXTAC 169/197 – Imóvel dado em hipoteca cedular não está isento de penhora. Descabida possibilidade de irretroatividade da Lei 8009/90.

b)       – STJ – Agravo de Instrumento número 368.667/SP – DJU: 30/03/2001 – Data do julgamento: 15/03/2001 – Ministra: Nancy Andrighi. Penhora. Bem de família. Imóvel dado em garantia hipotecária. É penhorável, conforme prevê o art. 3°, V, da Lei n. 8.009/90, o imóvel dado em garantia hipotecária da dívida exeqüenda. O art. 3° do aludido diploma legal assim dispõe: "Art. 3° A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: V- para execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar. Nesse sentido estão os seguintes precedentes jurisprudenciais: "Agravo no Agravo de Instrumento 236.624, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 8/3/2000; e Recurso Especial 34.813, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 2/8/1993.

c)      –  STJ  –  Embargos  de  Divergência em RESP nº. 268.690 – 28/5/2001 – DJU – 05/06/2001 – págs. 131/132 – Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito – No caso dos autos, foi afastada a constrição tendo em vista que "a ressalva prevista no art. 3º, inciso V, a permitir a penhora na execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou entidade familiar, limita-se ao crédito que favorece a família, e não abrange as situações de favor, quando o proprietário figura como fiador de terceiro". Além disso, acrescenta o acórdão que "se a dívida constituída pela família não enseja a penhora da residência da família, com igual ou maior razão deve ser afastada a constrição na hipótese de dívida de favor, assumida em benefício de terceiros, pois os ora recorrentes sequer são sócios da empresa devedora".

 

7.n – IMÓVEL PROMETIDO À VENDA

 

–  STJ – 22/05/2001 – RE nº. 294.754/DF – DJU – 20/08/2001 – pág. 475 – O bem objeto de promessa de compra e venda pode ser penhorado na execução de sentença promovida pelo promissário comprador que cobra a devolução da quantia paga, uma vez desfeito judicialmente o contrato, com restituição das partes à situação anterior.

7.o – INALIENABILIDADE

 

–  ART, 438: 249, 418:171 – Se na família houver menor impúbere não poderá ser eliminada a cláusula de alienação do imóvel, salvo se houver sub-rogação em outro imóvel para a habitação da família, desde que razoavelmente justificada.

7.p – INCIDÊNCIA IMEDIATA

 

a)      – STJ – Recurso Especial nº. 68.791/SP – DJ de 20/11/95 – A Lei 8009/90 tem aplicação imediata, incidindo no curso da execução se ainda não efetuada a alienação forçada, tendo o condão de levantar a constrição sobre os bens efetuados pela impenhorabilidade.

b)       – STU – Recurso 49.677/SP – DJ de 26/09/94 – A Lei 8009/90 tem incidência imediata, desconstituindo até penhora já efetivada, afastando da execução imóvel residencial próprio do casal, ou entidade familiar, assim como os equipamentos que o guarnecem.

c)       – STJ – 3a. Turma – RESP nº. 82.067-SP – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito; j. 26.06.1997; v.u – STJ 103/209 – É aplicável a Lei 8009/90 também às penhoras realizadas antes de sua vigência, incidentes sobre bem de família.

 

7.q – LOCAÇÃO DE IMÓVEL TIDO COMO BEM DE FAMÍLIA

 

a)      – STJ – Notícias de 25/06/2001 – Recurso Especial 314.142 – garante a impenhorabilidade de bem de família que se encontra alugado – O único imóvel destinado à moradia da família, cujo aluguel provê a residência em outra cidade, devido a transferência por necessidade de emprego, não pode ser penhorado.

b)      – TJMS – 1a. T. Ag. Nº. 54.694/3. Rel Des. Hildebrando Coelho Neto; j. 16.09.1997; v.u – RT 749/376 – Estando o imóvel residencial do casal locado para servir como fonte de subsistência da família, em condições condignas, prevalece sua impenhorabilidade, de acordo com a finalidade social da Lei 8009/90.

c)      – 1o. TAC – 7a. Câm.; Ap. nº. 720.666-8 – São José dos Campos; Rel. Juiz Álvares Lobo. J. 21.10.1997. v.u – RT 748/265 – É impenhorável, nos termos da Lei 8009/90, o único imóvel do devedor, utilizado parte como clínica do proprietário e a outra metade alugada para terceiros, se tal rendimento serve para pagar outra moradia.

d)      – STJ – 3a. T.; Resp. nº. 113.110-RS; Rel Min. Carlos Alberto Menezes Direito; j. 16.09.1997. v.u – STJ/TRF 104/211 – Se o executado reside permanentemente em imóvel de terceiro, destinado apenas ao lazer, deve o  imóvel de sua propriedade ficar excluído da impenhorabilidade prevista na Lei 8009/90.

e)      – STJ – RESP nº. 302.781 – DJU – 20/08/2001 – pág. 478 – Ministro Relator: Ruy Rosado de Aguiar – O fato de estar locado o único imóvel residencial da família não exclui a imunidade prevista na Lei 8009/90. 

 

7.r – MANDADO DE SEGURANÇA

 

– TST – Subseção II Especializada em Dissídios Individuais; ROMS nº. 28.7658/96-7-2a Reg.; Rel Min. Manoel Mendes de Freitas. J. 23.09.1997; v.u. – RTJE 163/420 – A via excepcional do mandado de segurança não é apta à discussão sobre ser penhorado, ou não, bem de família. A matéria é complexa, requerendo produção de provas e abrindo espaço e debates a respeito. 

 

7.s – NUA PROPRIEDADE

 

– STJ – Ap. 38.335-6/188 – 2a. Câm. do TJGO – j. 05.03.1996 – rel. Des. Fenelon Teodoro Reis; v.u. – Se o executado detém a nua propriedade de um imóvel que tem seus pais como usufrutuários, e não se fazendo ele (executado) uso do aludido imóvel como residência de sua família, estará o mesmo sujeito a penhora, não podendo receber o amparo da Lei 8009/90.

7.t – PLURALIDADE DE RESIDÊNCIAS

 

a)      TAMG – 3a. Câm. Civil; AI nº. 214.289-4 – Passos; Rel. Juiz Duarte de Paula; j. 19.06.1996 – RTAMG 63/58 – Caso exista mais de uma residência ou domicílio do executado, para não haver prejuízo a qualquer das partes, antes de se decretar a impenhorabilidade de bens, é de se permitir aos interessados a instauração de pesquisa para a identificação do imóvel residencial e dos bens que o guarneçam, os quais poderão ficar imunes à penhora.

b)      STJ – Terceira Turma – Processo: RESP 299652 – 21/8/01 –  Se o devedor reside em imóvel alugado, e tem outros residenciais de sua propriedade, não poderá alegar os benefícios da Lei 8009/90 para qualquer um deles, pois a lei visa proteger somente o que serve como residência do devedor, o que não acontece com qualquer um deles.

7.u – PRÉDIO COM FINALIDADES RESIDENCIAIS E COMERCIAIS

 

a)      – STJ – Agravo de Instrumento nº. 264.975/MG – DJU – 01/12/1999 – pág.262 –  a impenhorabilidade de que trata a Lei 8009/90 não abrange área comercial do imóvel penhorado, quando o mesmo se constitui de uma parte residencial e outra comercial, diante da possibilidade de desmembramento das duas áreas.

b)      – TAMG – 4a. Câm.; AI nº. 224.909-4 – Sacramento; Rel. Juiz Célio César Paduani. J. 13.11.1996; v.u – RTAMG 65/54 – A circunstância de ter o imóvel dupla finalidade, isto é, residencial e comercial, em face da existência de um galpão-oficina, onde o executado exerce seu ofício de mecânico, não descaracteriza o bem de família, pois prepondera o uso da coisa como residência, constituindo, aludido galpão, benfeitoria integrante daquele, pelo que é inadmissível sua constrição judicial.

 

7.v – PRÉDIO NÃO REGULARIZADO

 

–  STJ  –  Agravo de Instrumento  nº. 344.621/SP – DJU – 15/12/2000 – pág. 719 – Edificado um prédio ainda não regularizado, que se apresenta com 3 pavimentos, sendo 2 com finalidades comerciais e um residencial, onde o executado abriga sua família,  somente este está amparado pela Lei 8009/90, podendo os demais, que têm características comerciais, serem objetos de penhora. A irregularidade de fato que se verifica com dito prédio, não pode ser aproveitada pelos devedores, que, aparentemente, teriam agido de má-fé na conseqüente não regularização da edificação do aludido imóvel.

7.x – RENÚNCIA DO DIREITO DE BEM DE FAMÍLIA

 

a)      – STJ – Recurso Especial nº. 208.963/PR  –  DJU  – 07/02/2000 – pág. 166 – O simples fato de nomear o bem à penhora, não significa renúncia ao direito garantido pela Lei 8009/90.

b)      – STJ – Recurso Especial nº. 223.419/SP – DJU – 17/12/99 – A imunidade assegurada ao bem de família não é passível de renúncia, podendo ser excluída a proteção social prevista na lei de ordem pública apenas nos casos por ela ressalvados.

c)      – STJ – Recurso Especial nº. 205.040/SP – DJU 13/09/1999 – as exceções à impenhorabilidade são as expressamente previstas em Lei. Ineficaz a renúncia em documento particular de confissão de dívida.

d)       – STJ – Agravo de Instrumento nº. 276.133/RS – DJU 03/10/2000 – pág. 233 – As exceções à impenhorabilidade são as expressamente previstas em lei. Ineficaz a renúncia em documento particular de confissão de dívida.

e)      – STJ – Recurso Especial nº. 223.419/SP – DJU – 17/12/99 – A imunidade assegurada ao bem de família não é passível de renúncia, podendo ser excluída a proteção social prevista na lei de ordem pública apenas nos casos por ela ressalvados.

7.z – SEPARAÇÃO – PARTILHA DO BEM TIDO COMO DE FAMÍLIA

a)      – STJ – Notícias de 24/04/2001 – Recurso Especial 272.742 – Se na separação o imóvel onde residia o casal passou a servir de moradia para a ex-mulher e filhos, e tido também como único da família, caracterizada está sua destinação como bem de família, portando impenhorável à vista da Lei 8009/90.

b)      – STJ  –  Recurso Especial nº. 112.665/RJ – DOJ – 31/05/1999 – pág. 150 – o imóvel destinado à moradia da ex-mulher e da filha menor, à vista de acordo em autos de separação do casal, deve ser tido como impenhorável, por se enquadrar como bem de família.

c)      – STJ – Recurso Especial nº 121.797/MG – DJU 2/4/2001 – pág. 295 –  Julgamento ocorrido em 14/12/2000 – Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira – Ementa. Processo civil. Execução. Penhora. Bem de família. Fato novo. Art. 462, CPC. Separação do casal posterior. Penhora incidente sobre o apartamento em que o ex-marido veio a residir com um de seus filhos. Exclusão. Má-fé não demonstrada. Recurso provido. I-  A circunstância de já ter sido beneficiado o devedor, com a exclusão da penhora sobre bem que acabou por ficar no patrimônio do ex-cônjuge, não lhe retira o direito de invocar a proteção legal quando um novo lar é constituído. II- Além de não presumir-se a má-fé, no caso a exclusão do bem no qual está vivendo o recorrente em companhia de um filho atende mais às finalidades da lei.

d)       – STJ  – Recurso Especial número 294.680/MA – DJU: 02/04/2001 – pág. 304 – Data do Julgamento: 20/2/2001. Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior. Penhora. Partilha. Registro posterior à constrição. Legalidade. Ementa. Processual civil. Embargos de terceiro. Penhora de imóvel. Posse em favor dos embargantes decorrente de sentença anterior em separação consensual. Registro da partilha posterior à constrição. Legalidade. I-   Insubsistente a penhora sobre o imóvel que não integrava o patrimônio dos devedores, pois já partilhado em razão de separação consensual transitada em julgado, em favor dos filhos.  II-  Desinfluente o fato de a partilha ter sido registrada no cartório imobiliário após o ato constritivo, uma vez que não se discute nos embargos de terceiro a propriedade do imóvel, mas a posse. III- Recurso não conhecido.

e)       – STJ – Recurso Especial nº. 218.377/ES – DJU 14/05/2001 – página 636 – Relator: Ministro Nilson Naves – Com a separação judicial, cada ex-cônjuge constitui uma nova entidade familiar, passando o imóvel em que reside a receber a proteção da Lei 8009/90. 

7.aa – SOLTEIRO – DEVEDOR NESSE ESTADO CIVIL FRENTE À LEI 8009/90

a)      – Tribunal de Alçada de Minas Gerais – 5a. Câmara Cível – Julgamento da Apelação nº 340.018-0 – declarou a impenhorabilidade do imóvel de propriedade de mulher solteira, no qual além da mesma residem seus pais. O espírito da Lei é de se considerar como entidade familiar os pais, filhos e irmãos, ou seja, o agrupamento de pessoas ligadas por um vínculo de consangüinidade, e portanto atribuir a característica de bem de família ao imóvel onde residem.

b)      – STJ – Recurso Especial nº. 212.600/SP, DJU de 18/09/2000 – pág. 127 – Não  havendo  convicção absoluta, por insuficiência de elementos nos autos, de que o devedor solteiro, constitui a denominada “entidade familiar”, não pode ser a ele concedido o benefício da impenhorabilidade.

c)      – STJ – RESP – número 182223 – Notícias do STJ, 07/02/2002 – entende ser impenhorável o bem que serve de moradia a devedor solteiro. Arremata: – A circunstância de alguém ser solitário não significa que está pessoa tenha menos direito a um teto. Conclui-se que é melhor entender como propósito da lei a proteção do imóvel do devedor, seja solteiro ou não.

8 – MODELO DE ESCRITURA PARA INSTITUIÇÃO DE IMÓVEL COMO BEM DE FAMÍLIA, ATENDENDO AS EXIGÊNCIAS DETERMINADAS PARA ESTE ESTADO DE SÃO PAULO.

 ESCRITURA PÚBLICA DE INSTITUIÇÃO DE IMÓVEL COMO BEM DE FAMÍLIA

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SAIBAM   quantos esta pública escritura  virem ou dela conhecimento tiverem, que aos……….. dias do mês de ……………. de dois mil e dois  (…/…./2002), nesta cidade de ……………………………….., Estado de São Paulo,  junto a este ….. Tabelião de Notas, situado na rua ………………………., nº. ……….., perante mim Tabelião que esta subscreve, compareceram ………………………………………, RG-……………….., CPF-………………..,  engenheiro; e sua mulher, sra. ……………………………., RG-……………, CPF-………………, do lar; brasileiros, naturais desta cidade de …………………..,  casados no regime da comunhão universal de bens, antes da vigência da Lei federal 6.515/77, residentes e domiciliados nesta cidade, na avenida ………………………., nº. ……….., que por mim foram identificados através dos referidos documentos, os quais, em seguida, lhes foram devolvidos,  rogando a lavratura da presente escritura, independentemente da presença de testemunhas instrumentárias, por eles dispensadas para o ato, à vista do que lhes faculta o Prov. 58/89, da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça deste Estado de São Paulo; para ficar constando ser pretensão dos mesmos a instituição como BEM DE FAMÍLIA, do imóvel de sua propriedade, constituído de UMA CASA DE MORADA, com cento e sessenta metros quadrados (160,00m2) de construção, situada na rua 9 de Julho, 47, nesta cidade de ……………., com o seu respectivo terreno, formado pelo lote quarenta e cinco (45), da quadra “F”, do loteamento denominado “Parque das Palmeiras”, que se apresenta com uma área de trezentos metros quadrados (300,00m2), ou seja, medindo dez metros (10,00m) de frente, igual medida nos fundos, por trinta metros (30,00m) da frente aos fundos, de ambos os lados, confrontando pela frente com a citada via pública, do lado direito de quem da rua olha para o imóvel,  com o lote quarenta e quatro (44), do lado esquerdo com o lote quarenta e seis (46), e pelos fundos com o lote dezessete (17), todos da mesma quadra; imóvel este que se encontra devidamente matriculado junto ao ……. Oficial de Registro de Imóveis desta cidade e comarca de ………………, sob número oitenta e quatro mil, trezentos e vinte (84.320), e cadastrado junto à Prefeitura local, sob número ……………………….. Visando cumprir as formalidades para a regularidade da pretensão aqui demonstrada, declaram os presentes que efetivamente dão dito imóvel por instituído como BEM DE FAMÍLIA, destinando-o a moradia deles instituidores, e de mais dois filhos seus, menores impúberes, ……………………….., e …………………………., e que, contra suas pessoas não se registra qualquer dívida que possa comprometer a prática deste ato. Lembram, ainda, que dita residência já tem a finalidade de abrigo deles instituidores e dos aludidos dois filhos, desde a época de sua aquisição, ocorrida há mais de dois anos, encontrando-se, também, livre e desembaraçado de quaisquer ônus. A instituição que ora se formaliza visa dar garantia de habitação aos instituidores e aos seus filhos já referidos, bem como a outros que puderem ainda a assim se apresentar,  dando-se dito imóvel como inalienável e impenhorável enquanto a lei assim permitir, e em especial até que citados descendentes venham a ser tidos como absolutamente capazes. Para efeitos fiscais, estimam referido imóvel em R$ ………………. (………………), que corresponde ao venal previsto para o corrente exercício. Declaram, finalmente, que: a) tendo-se em vista os termos da Lei federal 8212/91, e do Decreto 3048/99, já com as modificações trazidas pelo Decreto 3265/99, não se encontram enquadrados, nem equiparados a empresa, e em qualquer outra norma da referida legislação que os coloquem como sujeitos a apresentação de comprovante de inexistência de débitos com o INSS e Receita Federal, e exigível para o prática do ato que se lavra;  b)  que contra suas pessoas não existem ações reais e/ou pessoais reipersecutórias relativas ao imóvel aqui descrito, nem qualquer outro ônus cujo instrumento esteja pendente de inscrição junto ao Registro Imobiliário competente. Foi-me apresentada certidão de propriedade e negativa de ônus, referente ao imóvel suso descrito, que  foi expedida pelo ……… Oficial de Registro de Imóveis desta cidade e comarca de ………………, em data de ……………………….., ficando arquivada em pasta própria desta Notaria, de número ……………, às fls. …………… As partes autorizam as averbações, registros e matrículas necessárias.  E de como assim me disseram e pediram, lavrei-lhes a presente escritura, a qual depois de feita e lhes sendo lida, aceitaram, outorgaram e assinam, do que dou fé. Eu,____________________________(……………..), Tabelião de Notas, a digitei, conferi, subscrevi e dou fé, observando aos instituidores da necessidade da mesma ser levada ao  ….. Oficial de Registro de Imóveis da comarca de ………………….,para a prática dos respectivos atos, após atendidas as formalidades tratadas na legislação aplicável a espécie.

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9 – MODELO DO EDITAL A SER EXPEDIDO PELO REGISTRADOR NA IMPRENSA LOCAL, OU, NA SUA FALTA, NA DA CAPITAL DO ESTADO, EM CUMPRIMENTO AO QUE PREVÊ O ARTIGO 261, DA LEI 6015/73.

EDITAL

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SAIBAM quantos o presente Edital virem ou dele conhecimento tiverem, que, em data de ………………., foi apresentada para registro, nesta Serventia, uma escritura, lavrada junto ao …….. Tabelião de Notas de ………….., no livro ……….., páginas ………/…….., no dia  ………………., na presença do Tabelião,  senhor  …………………………, que foi protocolada no Livro 1-…., sob número …………….., referente a instituição de imóvel urbano como BEM DE FAMÍLIA, tendo como instituidores, ……………………………….,, RG-……………….., CPF-………………..,  engenheiro; e sua mulher, sra. ……………………….., RG-……………, CPF-………………, do lar; brasileiros, naturais desta cidade de ……………………, casados no regime da comunhão universal de bens, antes da vigência da Lei federal 6.515/77, residentes e domiciliados nesta cidade, na avenida ………………………., nº. ……….., o qual recai sobre UMA CASA DE MORADA, com cento e sessenta metros quadrados (160,00m2) de construção, situada na rua 9 de Julho, 47, nesta cidade de ……………., com o seu respectivo terreno, formado pelo lote quarenta e cinco (45), da quadra “F”, do loteamento denominado “Parque das Palmeiras”, que se apresenta com uma área de trezentos metros quadrados (300,00m2), ou seja, medindo dez metros (10,00m) de frente, igual medida nos fundos, por trinta metros (30,00m) da frente aos fundos, de ambos os lados, confrontando pela frente com a citada via pública, do lado direito de quem da rua olha para o imóvel,  com o lote quarenta e quatro (44), do lado esquerdo com o lote quarenta e seis (46), e pelos fundos com o lote dezessete (17), todos da mesma quadra; imóvel este que se encontra devidamente matriculado junto ao ……. Oficial de Registro de Imóveis desta cidade e comarca de ……………., sob número oitenta e quatro mil, trezentos e vinte (84.320), e cadastrado junto à Prefeitura local, sob número ……………………… Com dita instituição o imóvel que acima se descreve, tornar-se-á inalienável e impenhorável, assim se mantendo enquanto a lei permitir, e, em especial, até que os instituidores assim pretendam, e enquanto tiverem filhos sem pressupostos para serem reconhecidos como absolutamente capazes. Declararam ditos instituidores, por ocasião da lavratura da mencionada escritura, que: a) à vista dos termos da Lei federal 8212/91, e do Decreto 3048/99, já com as modificações trazidas pelo Decreto 3265/99, não se encontram enquadrados, nem equiparados a empresa, e em qualquer outra norma da referida legislação que os coloquem como sujeitos a apresentação de comprovante de inexistência de débitos com o INSS e Receita Federal, e exigível para o prática do referido ato;  b) contra suas pessoas não existem ações reais e/ou pessoais reipersecutórias relativas ao imóvel aqui descrito, nem qualquer outro ônus cujo instrumento esteja pendente de inscrição junto ao Registro Imobiliário competente; c) que não têm dívidas que possam comprometer a instituição ora pretendida. Apresentaram, ainda,  certidão de propriedade e negativa de ônus, referente ao imóvel suso descrito, que  foi expedida pelo ……… Oficial de Registro de Imóveis desta cidade e comarca de ………….., em data de …………………………  Assim, se alguém se julgar prejudicado com o pretendido na mencionada escritura, deverá, dentro do prazo de trinta (30) dias, a contar da data da publicação deste Edital, reclamar contra referida instituição, por escrito, e perante este Oficial. Findo o prazo sem que haja reclamação, será dita escritura transcrita integralmente no livro 3, e levada a registro no livro 2, mais especificamente na matrícula acima informada. Nada mais. Dado e passado por este ……… Oficial de Registro de Imóveis desta cidade e comarca de ………………, em data de ………………… Eu, _________(…….), Oficial Registrador, o digitei, conferi, subscrevi, dou fé e assino.

                                                                  ……… Oficial de Registro de Imóveis desta comarca

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10 –  LEGISLAÇÃO CITADA E DE INTERESSE NA ELABORAÇÃO DO PRESENTE TRABALHO

10.a – LEI 8.009, DE 29 DE MARÇO DE 1990

Art. 1º. – O imóvel residencial próprio do casal, ou da unidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único – A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam as construções, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza, e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móvel que guarnecem a casa, desde que quitados.

Art. 2º. – Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

Parágrafo único – No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.

Art. 3º. – A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação (item acrescentado pela Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991).

Art. 4º. – Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se

 insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

§ 1º.  – Neste caso poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese;

§ 2º. – Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5o., inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural

– O art. 5o. inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988, dispõe:  “A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”

Art. 5º. – Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta Lei,

 considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Parágrafo único – Na hipótese do casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis, e na forma do art. 70, do Código Civil Brasileiro.

– O art. 70 do Código Civil dispõe: “É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio”. Parágrafo único. Essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade.

–          Vide também art. 41, da Lei de Falências

Art. 6º. – São canceladas as execuções suspensas pela

 Medida Provisória nº. 143, de 8 de março de 1990, que deu

 origem a esta Lei.

Art. 7º. – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8º. – Revogam-se as disposições em contrário.

Senado Federal, em 29 de março de 1990 – 169o. da Independência e 102o. da República.

Nelson Carneiro

10.b – CÓDIGO CIVIL ATUAL – DO BEM DE FAMÍLIA – ARTIGOS 70 A 73

 
Art. 70 – É permitido aos chefes de família destinar um prédio para domicílio desta, com a cláusula de ficar isento de execução por dívidas, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio.
 Vide Lei 8009, de 29 de março de 1990, que dispõe sobre a   impenhorabilidade do bem de família
 

P arágrafo único – Essa isenção durará enquanto viverem os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade.

     – Vide art. 41, da Lei de Falências (Decreto-lei nº. 7661, de 21-06-1945) 

Art. 71 – Para o exercício desse direito é necessário que os instituidores no ato da instituição não tenham dívidas, cujo pagamento possa por ele ser prejudicado. 

Parágrafo único – A isenção se refere a dívidas posteriores ao ato, e não às anteriores, se se verificar que a solução destas se tornou inexeqüível em virtude do ato da instituição.

Art. 72 – O prédio, nas condições acima ditas, não poderá ter outro destino, ou se alienado, sem o consentimento dos interessados, e dos seus representantes legais.

Art. 73 – A instituição deverá constar de escritura pública transcrita no registro de imóveis e publicada na imprensa local e, na falta desta, na da Capital do Estado.

–   O presente Capítulo foi completado pelas disposições dos artigos 8o., parágrafo 5o., e 19 a 23, do Decreto-lei nº. 3200, de 19 de abril de 1941. 

 –  Vide Lei 6015, de 31 de dezembro de 1973 (Registros Públicos),       arts. 167, I, nº. I, e 260 a 265.

10.c – LEI 3.200, DE 19 DE ABRIL DE 1941 – ARTIGOS 8o., PARÁGRAFO 5o., E 19 A 23

Art. 8º – Ficam autorizados os institutos e caixas de previdência, assim como as Caixas Econômicas Federais, a conceder, respectivamente, a seus associados, ou a trabalhadores de qualquer categoria de idade inferior a 30 (trinta) anos, e residentes na localidade em que tenham sede, mútuos para casamento, nos termos do presente artigo.

§ 5º. – Será feita a transcrição do título de transferência da propriedade, em nome do mutuário, com a averbação de bem de família, e com as cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade a não ser pelo crédito da instituição mutuante.

Art. 19 – Não há limite de valor para o bem de família desde que o imóvel seja residência dos interessados por mais de 2 (dois) anos.

–          Artigo com redação determinada pela Lei 6742, de 5 de dezembro de 1979.

Art. 20 – Por morte do instituidor, ou de seu cônjuge, o prédio instituído em bem de família não entrará em inventário, nem será partilhado, enquanto continuar a residir nele o cônjuge sobrevivente ou filho de menor idade. Num e noutro caso, não sofrerá modificação a transcrição.

Art. 21 – A cláusula de bem de família somente será eliminada, por mandado do Juiz, e a requerimento do instituidor, ou, nos casos do art. 20, de qualquer interessado, se o prédio deixar de ser domicílio da família, ou por motivo relevante plenamente comprovado.

§ 1º. – Sempre que possível, o Juiz determinará que a cláusula recaia em outro prédio, em que a família estabeleça domicílio.

§ 2º. – Eliminada a cláusula, caso se tenha verificado uma das hipóteses do art. 20, entrará o prédio logo em inventário para ser partilhado. Não se cobrará juro de mora sobre o Imposto de Transmissão relativamente ao período decorrido da abertura da sucessão ao cancelamento da cláusula.

Art. 22 – Quando instituído em bem de família prédio de zona rural, poderão ficar incluídos na instituição, a mobília e utensílios de uso doméstico, gado e instrumento de trabalho, mencionados discriminadamente na escritura respectiva.

Art. 23 – São isentos de qualquer imposto federal, inclusive selos, todos os atos relativos à aquisição de imóvel, de valor não superior a cinqüenta contos de réis, que se institua em bem de família. Eliminada a cláusula, será pago o imposto que tenha sido dispensado por ocasião da instituição.

§ 1º. – Os prédios urbanos e rurais, de valor superior a trinta contos de réis, instituídos em bem de família, gozarão de redução de 50% (cinqüenta por cento) dos impostos federais que neles recaiam ou em seus rendimentos.

§ 2º. – A isenção e redução de que trata o presente artigo são extensivas aos impostos pertencentes ao Distrito Federal, cabendo aos Estados e aos Municípios regular a matéria, no que lhes diz respeito, de acordo com o disposto no art. 41, deste Decreto-lei.

10.d – LEI 5.653, DE 27 DE ABRIL DE 1971- revogada pela Lei 6742/79, abaixo informada

Art. 1º. – O art. 19, do Decreto 3200, de 19 de abril de 1941, alterado pela Lei 2514, de 27 de junho de 1955, passa a ter a seguinte redação:

“Art. 19 – Não será instituído em bem de família imóvel de valor superior a 500 (quinhentas) vezes o maior salário mínimo vigente no País”

Art. 2º. – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

10.e – LEI 6.742, DE 05 DE DEZEMBRO DE 1979

Art. 1º. – O art. 19, do Decreto 3.200, de 19 de abril de 1941, que dispõe sobre o valor do bem de família, com a redação que lhe deu a Lei  2.514, de 27  de junho de 1955, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 19 – Não há limite de valor para o bem de família, desde que o imóvel seja residência dos interessados  por mais de dois anos”

Art. 2º. – Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º. – Revogam-se as disposições em contrário.

10.f – LEI 6.015, DE 31 /DEZ/1973  ARTIGOS 167, INCISO I, Nº. 1, E 260 A 265

Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

 I – o registro:

1 – da instituição de bem de família.

Art. 260 – A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família, e ficará isento de execução por dívida.

–     vide art. 73, do Código Civil.

Art. 261 – Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao Oficial do Registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à falta, na da Capital do Estado ou do Território.

Art. 262 – Se não ocorrer razão para a dúvida, o Oficial fará a publicação, em forma de edital, do qual constará:

I – o resumo da escritura, nome, a naturalidade e profissão do instituidor, data do instrumento e nome do Tabelião que o fez, situação e característicos do prédio;

II – o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro em 30 (trinta) dias, contados da data da publicação, reclamar contra a Instituição, por escrito e perante o Oficial.

Art. 263 – Findo o prazo do nº. II, do artigo anterior, sem que tenha havido reclamação, o Oficial transcreverá a escritura, integralmente, no Livro nº. 3, e fará a inscrição na competente matrícula, arquivando um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita, restituindo o instrumento ao apresentante, com a nota de inscrição.

Art. 264 – Se for apresentada reclamação, dela fornecerá o Oficial, ao instituidor, cópia autêntica e lhe restituirá a escritura, com a declaração de haver sido suspenso o registro, cancelando a prenotação.

§ 1º. – O instituidor poderá requerer que se proceda ao registro, sem embargo da reclamação.

§ 2º. – Se o Juiz determinar que se proceda ao registro, ressalvará ao reclamante o direito de recorrer à ação competente para anular a instituição ou de fazer execução sobre o prédio instituído, na hipótese de tratar-se de dívida anterior e cuja solução se tornou inexeqüível, em virtude do ato da instituição.

§ 3º. – O despacho do Juiz será irrecorrível e, se deferir o pedido, será transcrito integralmente, juntamente com o instrumento.

Art. 265 – Quando o bem de família for instituído juntamente com a transmissão da propriedade (Decreto-lei nº. 3200, de 19 de abril de 1941, art. 8o., parágrafo 5o),  a inscrição far-se-á imediatamente após o registro da transmissão ou, se for o caso, com a matrícula.

10.g – NOVO CÓDIGO CIVIL  –  LEI 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002, PUBLICADA NO DIÁRIO OFICIAL EM 11 DO REFERIDO MÊS E ANO – DO BEM DE FAMÍLIA – ARTIGOS 1711 AO 1722 – ainda não em vigor

Art. 1.711 – Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Parágrafo único – O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

Art. 1.712 – O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

Art. 1.713 – Os valores mobiliários, destinados aos fins previstos no artigo antecedente, não poderão exceder o valor do prédio instituído em bem de família, à época de sua instituição.

§ 1o – Deverão os valores mobiliários ser devidamente individualizados no instrumento de instituição do bem de família.

§ 2o – Se se tratar de títulos nominativos, a sua instituição como bem de família deverá constar dos respectivos livros de registro.

§ 3o – O instituidor poderá determinar que a administração dos valores mobiliários seja confiada a instituição financeira, bem como disciplinar a forma de pagamento da respectiva renda aos beneficiários, caso em que a responsabilidade dos administradores obedecerá às regras do contrato de depósito.

Art. 1.714 – O bem de família, quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro, constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.

Art. 1.715 – O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

Parágrafo único –  No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

Art. 1.716 – A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade.

Art. 1.717 – O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem da família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.

Art. 1.718 – Qualquer forma de liquidação da entidade administradora, a que se refere o § 3o do art. 1.713, não atingirá os valores a ela confiados, ordenando o juiz a sua transferência para outra instituição semelhante, obedecendo-se, no caso de falência, ao disposto sobre pedido de restituição.

Art. 1.719 – Comprovada a impossibilidade da manutenção do bem de família nas condições em que foi instituído, poderá o juiz, a requerimento dos interessados, extingui-lo ou autorizar a sub-rogação dos bens que o constituem em outros, ouvidos o instituidor e o Ministério Público.

Art. 1.720 – Salvo disposição em contrário do ato de instituição, a administração do bem de família compete a ambos os cônjuges, resolvendo o juiz em caso de divergência.

Parágrafo único – Com o falecimento de ambos os cônjuges, a administração passará ao filho mais velho, se for maior, e, do contrário, a seu tutor.

Art. 1.721 – A dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família.

Parágrafo único – Dissolvida a sociedade conjugal pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente poderá pedir a extinção do bem de família, se for o único bem do casal.

Art. 1.722 – Extingue-se, igualmente, o bem de família com a morte de ambos os cônjuges e a maioridade dos filhos, desde que não sujeitos a curatela. 

11   –   BIBLIOGRAFIA:

1.1  –  Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva – Marcus Cláudio Acquaviva –  Editora Jurídica Brasileira Ltda – 6a. edição

1.2  –  Curso de Direito Civil Brasileiro – Maria Helena Diniz – 1o. volume – Editora Saraiva – 9a. edição

1.3  –  Manual do Registro de Imóveis – Walter Ceneviva – Biblioteca Jurídica Freitas Bastos – 1a. edição

1.4  –  Registro de Imóveis – Valmir Pontes – Editora Saraiva – edição de 1982

1.5  –  Instituições de Direito Civil –  Caio Mário da Silva Pereira – Vol. I – Editora Forense – 18a. edição

1.6  –  Registro de Imóveis – Doutrina, Prática e Jurisprudência – Nicolau Balbino Filho – Editora Atlas – 6a. edição

1.7  –   Sinopses Jurídicas – Direito Civil – Parte Geral – Carlos Roberto Gonçalves – Editora Saraiva – 8a. edição

1.8  –   Boletins do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil – IRIB – assinados pelo Dr. Sérgio Jacomino

1.9  –   Direito Civil – Parte Geral – Sílvio Rodrigues – volume 1 – Editora Saraiva – 27a. edição

1.10   –   Curso de Direito Civil – Washington de Barros Monteiro – 1o. Volume Editora Saraiva – 14a. edição

1.11   –   Dr. Carlos Alberto Dabus Maluf – livro: “Das Cláusulas de Inalienabilidade, Incomunicabilidade e Impenhorabilidade, editora Saraiva – 3ª. Edição

 


Referência Biografica

 

SERGIO BUSSO, 2º Tabelião de notas de Araraquara   (SP) – 2.cartnot@techs.com.br

Aceitação e renúncia da herança e exclusão da sucessão

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* Sergio Busso –

SUMÁRIO

I – ACEITAÇÃO DA HERANÇA

NOÇÕES GERAIS  

1.1      –  Fundamentos e conceitos

1.2      –  A aceitação vale por si só

1.3      –  Aceitação e renúncia no direito alienígena

1.4      –  Fases que temos entre a abertura da sucessão e a aceitação da herança

1.5      –  Formas de aceitação da herança

1.6      –  Prazo para aceitação ou não da herança

2.    ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A ACEITAÇÃO DA HERANÇA

2.1      –  Aceitação da herança legítima e do legado, quando recebidos de forma simultânea

2.2      –  Aceitação e renúncia da herança mediante condição ou termo

II – RENÚNCIA DA HERANÇA

–  NOÇÕES GERAIS

1.1      –  Conceitos e fundamentos

1.2      –  Capacidade para renunciar

1.3      –  Dessemelhanças – Renúncia abdicativa e translativa, desistência e doação

1.3.1         – Renúncia abdicativa e translativa

1.3.2         – Renúncia e desistência

1.3.3         – Renúncia e doação

1.4      –  Destino da quota hereditária do herdeiro renunciante

1.5      –  Dívidas do “de cujus” – Responsabilidade dos herdeiros

1.6      –  Efeitos da renúncia

1.7      –  Falecimento do herdeiro antes de se manifestar sobre a eventual renúncia da herança

1.8      –  Formalidades exigidas para o ato da renúncia

1.9      –  Prazo para se renunciar herança

1.10        – Requisitos da escritura de cessão de direitos de herança, ou de renúncia translativa, e também dos termos judiciais e das escrituras de renúncia abdicativa

1.11        –  Retratação da renúncia

–  ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A RENÚNCIA DA HERANÇA

2.1      –  Renúncia em favor do monte ou dos demais co-herdeiros

2.2      –  Renúncia feita por tutor ou curador

2.3      –  Renúncia de herança gravada com a cláusula de inalienabilidade

2.4      –  Renúncia na herança legítima e no legado, quando recebidos de forma simultânea

2.5      –  Renúncia da herança de pessoa ainda viva

2.6      –  Renúncia de herdeiro casado

2.7      –  Renúncia lesiva aos credores

2.8      –  Renúncia de meação

2.9      – Renúncia de parte da herança, ou mediante condição, termo ou encargo

2.10        – Renúncia por procuração

2.11        – Renúncia na sucessão testamentária

2.12        – Renúncia de herança – outras formas

III – EXCLUSÃO DA SUCESSÃO

– NOÇÕES GERAIS

1.1.   –  Conceitos e fundamentos

2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A EXCLUSÃO DA SUCESSÃO

2.1     –      Indignidade

2.1.1    –  Casos que tornam o herdeiro indigno

2.1.2    –  Julgamento do indigno pelo juízo criminal

2.1.3    –  Efeitos da indignidade

2.1.4    –  Falecimento do indigno

2.1.5    –  Formalidades exigidas para caracterizar a exclusão

2.1.6    –  Reabilitação do indigno

Incapacidade sucessória e a indignidade – Dessemelhanças

2.2 –  Deserdação

2.2.1  –  Base legal

2.2.2   – Deserdação – Pena pessoal

2.2.3   – Exclusão de herdeiros não necessários

2.2.4   – Efeitos da deserdação

2.2.5   – Requisitos para a formalização da deserdação

Indignidade e deserdação – Dessemelhanças

IV –  BIBLIOGRAFIA

I   –   ACEITAÇÃO DA HERANÇA
(artigos 1.581 a 1.590, do Código Civil)

1. –  NOÇÕES GERAIS: 

1.1. – FUNDAMENTOS E CONCEITOS – A aceitação da herança se sustenta nos artigos 1.581 a 1.590, do Código Civil. Para que possamos melhor estudar esse instituto, vamos conhecer o texto do art. 1.572, do mesmo estatuto legal, também conhecido na doutrina como “princípio saizini” dentro do direito sucessório, que tem origem no Direito Francês.

Art. 1.572 – Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários

Com o advento da morte do autor da herança, todos os direitos e obrigações que incorporavam seu patrimônio, que se apresentam de forma universal, transferem-se diretamente aos herdeiros legítimos e testamentários, mesmo que estes não saibam desse termo. Assim, o que cada herdeiro recebe deve ser visto de forma universal, sem se falar em fração ideal, até final julgamento da partilha. Porém, não podemos analisar tal artigo como por si só a dar por aceita a herança, uma vez que a lei não impõe a ninguém a obrigação de receber aquilo que não quer, dando-se a ela, desta forma a oportunidade para declarar se aceita ou não o que lhe é colocado à disposição. Assim, a aceitação da herança é essencial para considerá-la definitivamente incorporada ao patrimônio do herdeiro. A justificativa que é dada à redação do aludido artigo 1.572, do Código Civil, é a de que em momento algum o patrimônio pode ficar sem titularidade. Lembramos, ainda, que a manifestação que mostra a aceitação da herança é vista apenas como ato que formaliza o que a lei já dispõe, dando-se, desta forma, por consolidado o texto do referido artigo 1.572. Em assim ocorrendo, seus efeitos retroagem à data do óbito do até então titular dos direitos e obrigações objetos da herança. Importante aqui também observar que, à vista do que temos no art. 1.587, do Código Civil, as obrigações impostas aos herdeiros não poderão ser superiores às forças do que irão herdar, cabendo ao beneficiado a prova de eventual excesso. Convém aqui informar que antes do advento do atual Código Civil, o que prevalecia nesse caso, era a obrigação do herdeiro assumir todo o passivo do autor da herança, o que, em alguns casos, poderia levar o sucessor à ruína. Isto só não ocorria, se viesse ele a declarar no ato da aceitação de que assim fazia “a benefício do inventário”, cuja expressão, Caio Mário, citando “Vitali”, a define como a manifestação do autor em só assumir a convocação se sua responsabilidade pelos encargos da herança se limitarem ao ativo que a mesma vier a apresentar. Tal situação não mais encontrou  amparo no atual Código Civil, o qual, como já visto, dispensa o herdeiro de responder pelo passivo do “de cujus” que vier a ultrapassar a força da herança, sem que para isso precise apresentar qualquer declaração, como era anteriormente exigido. Caso o herdeiro venha a nessa situação se encontrar por direito de representação, responderá apenas pelas obrigações do autor da herança, e em nenhum momento pelas de responsabilidade do representado. Ressaltamos que, caso o herdeiro, em qualquer situação, resolva assumir tais obrigações do titular da herança, mesmo que além do limite do que irá receber, poderá fazer, nada havendo que o impeça de assim proceder.

Washington de Barros Monteiro, em sua obra “Curso de Direito Civil”, ensina que aberta a sucessão, a lei formula aos sucessores chamados a recolher a herança a pergunta seguinte: Quereis, sim ou não, ser herdeiros? A essa indagação devem eles responder afirmativamente ou negativamente, isto é, aceitar a herança ou renunciá-la.

1.2 – A ACEITAÇÃO VALE POR SI SÓ – Vale lembrar que a aceitação da herança não precisa ser comunicada a quem quer que seja para que possa produzir seus efeitos, fazendo por si só  acontecer todos os resultados previstos em nossas leis.

1.3 – ACEITAÇÃO E RENÚNCIA NO DIREITO ALIENÍGENA – As regras que nos são apresentadas pelo direito alienígena quanto à aceitação e renúncia da herança são na maior parte as mesmas que temos em nosso País, onde especificamente se exige manifestação em ambos os sentidos, sendo uma menos rígida que a outra, não se fixando prazo para assim se fazer; sendo que podemos encontrar algumas exceções, como na legislação soviética que presume a aceitação da herança se o herdeiro presente no lugar da abertura da sucessão não a renuncia nos três meses subseqüentes; e se ausente, presume-se inversamente, ou seja, deve a herança ser tida como renunciada, se não comparecer o herdeiro para reclamá-la nos seis meses imediatos. Outra orientação que devemos destacar é a que se tinha para os romanos, onde a pessoa falecida, ficticiamente, se considerava como sobrevivente até que se verificasse a aceitação da herança pelos respectivos sucessores. O direito moderno atinge o mesmo fim, tendo como retroativa a aceitação manifestada pelo herdeiro. Nessas condições, como ensina Planiol, em obra citada por WBMonteiro, não é mais o direito do extinto que se prolonga além de sua morte; é o do herdeiro que remonta ao passado.

1.4 – FASES QUE TEMOS ENTRE A ABERTURA DA SUCESSÃO E A ACEITAÇÃO DA HERANÇA – Como ensina Caio Mário da Silva Pereira, em sua obra Instituições do Direito Civil, entre o óbito do titular de direitos e a aceitação da herança, temos 3 momentos distintos:

a) o da abertura da sucessão, como fenômeno fático determina a transferência abstrata do acervo;

b) a delação da herança, concomitante e conseqüente à primeira, é o conceito jurídico que consiste no oferecimento do patrimônio do defunto aos herdeiros; e

c) a aquisição, que se apresenta como o fato jurídico do ingresso dos bens no patrimônio dos herdeiros em decorrência da manifestação de vontade destes, em virtude da qual a herança já deferida é aceita. Não podemos afirmar que o momento da aquisição se verifica com a aceitação, porque os direitos de herança não nascem com ela, mas recuam à data da morte, produzindo a aceitação efeito retro-operante, dando-se, desta forma, por encerrada a situação de pendência criada com a abertura da sucessão

1.5 – FORMAS DE ACEITAÇÃO DA HERANÇA – Devemos ainda ressaltar que, ao contrário do que se requer para a renúncia da herança, na aceitação comumente não se utiliza forma expressa, servindo-se quase sempre de outros meios – tácitos e presumidos – que induzem a esse entendimento, não se permitindo o uso dessa pretensão através do meio oral, o qual, quando provado, pode regularmente ser admitido pelo nosso direito em outros casos (art. 141, do C.Civil). Maria Helena Diniz, “in” Curso de Direito Civil Brasileiro, também exemplifica atos que não implicam na aceitação, como a outorga de procuração a advogado para a abertura do inventário, por ser este ato obrigação legal inerente aos herdeiros, o mesmo acontecendo com atos meramente conservatórios a fim de impedir a ruína  dos bens da herança, ou os de administração e guarda interina para atender a uma necessidade urgente, por se apresentarem como atos de favores, sem qualquer outro interesse; e também com o pagamento de débitos da herança, porque é permitido pagar dívida alheia, além de outros. Devemos aqui ressaltar a exceção que se vê no art. 1.584, do C.Civil, cujo silêncio do herdeiro, importa entendimento de aceitação da herança, sem qualquer outra formalidade. Essa exceção é também tratada pela doutrina como aceitação presumida, criando-se, ai nova modalidade de ingresso à herança.  Entendimentos outros voltados para a aceitação tácita, não escrita, encontramos na doutrina, como ensina Leila Moreira Soares, na obra “Testamento”, citando como exemplo a administração efetiva da herança por parte do herdeiro, o que faz concluir estar ai a aceitá-la.

Como ninguém deve ser herdeiro contra a própria vontade, temos ai reforçada a necessidade da aceitação da herança para que definitivamente venha ela incorporar ao seu patrimônio.

Se tivermos em algum momento elementos nos autos para afirmar a aceitação da herança por parte do herdeiro, não mais podemos falar em renúncia propriamente dita. Se isso ainda vier a ocorrer, deve ela ser tida como cessão de direitos, não podendo mais ser vista dentro do instituto renúncia de herança. Assim também ensina Maria Helena Diniz, em sua obra “Curso de Direito Civil.

Nesse mesmo sentido, temos a Lei 10.406/2002 – novo Código Civil – que, em seu artigo 1.812, textualmente reza que “são irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança”.

Vale lembrar, ainda, que se o herdeiro outorgou procuração pública para aceitar e também renunciar a herança a que teria direito, e tendo o mandatário primeiro aceito a herança, não mais poderá usar a autorização para renunciá-la, dando-a por definitivamente resolvida. O que se busca na renúncia é a manifestação clara e precisa do herdeiro. Em caso de dúvida na interpretação da redação do instrumento, não deve ser ela admitida, devendo ser desconsiderada tal renúncia.

Pode a aceitação da herança ainda se apresentar de forma direta ou indireta:

Direta – advém do próprio herdeiro;

Indireta – ocorre quando alguém a faz por ele, o que se verifica nos seguintes casos:

a) aceitação pelos sucessores – se o herdeiro falecer antes de declarar se aceita ou não a sucessão, seus herdeiros ficam com o direito de assim fazer, valendo a declaração destes, como se daquele partisse. Em assim se fazendo, a herança aceita irá a inventário em nome do herdeiro falecido, passando a seguir aos herdeiros que a aceitaram em seu lugar. Essa aceitação não será possível se deixada a herança com a cláusula de condição suspensiva, não verificada até a morte desse herdeiro (art. 1.585, do C.Civil). Acrescente-se, ainda, que, aberta a sucessão e falecendo o herdeiro sem que tenha se manifestado sobre a aceitação ou não da herança, seus herdeiros terão o mesmo prazo que teria ele, se provocado para tal manifestação, o qual vem determinado no art. 1.584, do Código Civil, correspondente a, no máximo, 30 dias.

b)  aceitação pelo tutor ou curador – À vista do que temos no art. 427, III, do Código Civil, o tutor só poderá aceitar pelo tutelado, heranças, legados ou doações, se tiver autorização judicial para assim fazer. Tal exigência também se estende ao Curador, à vista do que reza o art. 453, do mesmo Código.

c)  aceitação por mandatário – nenhum óbice existe quanto a admissão da aceitação da herança por meio de procurador. Na verdade, quando o mandante dá poderes para o mandatário assim fazer, já está aceitando a herança, tornando-se desnecessário qualquer outro procedimento.

d)  aceitação pelos credores – art. 1.586, do CCivil – só pode ocorrer se o herdeiro renunciar a herança em prejuízo dele credor, tornando-se insolvente ao repudiar tal direito. Nesse caso, é indispensável autorização judicial para que o credor possa aceitar a herança em nome do renunciante, só podendo beneficiar-se até o montante do crédito. Pago o débito, o remanescente será devolvido àquele a quem a renúncia beneficia, e não ao renunciante, que não é mais herdeiro. Essa situação ocorre porque não se admite a renúncia de parte da herança, ou seja, ou se renúncia a tudo ou a nada.  O Código atual não prevê de forma específica prazo para que assim se manifeste o credor, o que nos leva a concluir que desta forma poderá fazer até que seja homologado o plano de partilha levado aos autos. Em nada se fazendo até ai, ao credor restará a ação revocatória ou pauliana para ver satisfeito seu crédito.

O novo Código Civil, porém, traz em seu art. 1.813, § 1º., o prazo de 30 dias seguintes ao conhecimento dos fatos, para que o credor se habilite. Concluímos que, em assim não se fazendo, precluso estará tal direito, devendo o credor, a partir daí, procurar outros recursos judiciais para ver resolvido seu crédito.

Voltando um pouco no tempo, lembramos que antes do Estatuto da mulher casada (Lei 4.121/62), a mulher que nesse estado viesse a se encontrar, não podia aceitar herança ou legado sem autorização do marido. Com a nova redação do art. 242, dada pela citada Lei, tal proibição foi abolida, permitindo-se que assim viesse a fazer sem necessidade da anuência marital, até então exigida.

1.6 – PRAZO PARA ACEITAÇÃO OU NÃO DA HERANÇA – Dispõe o art. 1.584, do Código Civil, o prazo de até 30 dias para que o herdeiro se manifeste se aceita ou não a herança que lhe é de direito. Caso não se manifeste, considerar-se-á como aceita. Providência nesse sentido pode ser requerida ao Juiz competente para o inventário por qualquer interessado, depois de 20 dias da data em que foi aberta a sucessão. Tal dispositivo é de extrema importância, pois está ele a não permitir que posição nesse sentido seja exercida pelo herdeiro por tempo indefinido, o que poderia trazer prejuízos para a segurança das relações jurídicas. Devem  ser   considerados   como   interessados   nessa   pretensão:   o   co-herdeiro,  o testamentário, o credor, e o que eventualmente sucederia o herdeiro, em substituição, caso venha a se consumar eventual renúncia. Como já informamos, a doutrina denomina a aceitação disposta neste artigo como “presumida”, diferenciando-a da expressa e da tácita por nós já conhecidas.

1.7 – RETRATAÇÃO DA ACEITAÇÃO – Pode ser retratada, desde que não traga prejuízos a terceiros e obedeça as formas determinadas pelo artigo 1.581, do C.Civil, ou seja, só pode ocorrer de forma expressa, e à vista de termo judicial a ser feito nos próprios autos de inventário, ou de escritura pública, dispensando qualquer ação judicial específica para assim proceder. Pode ser ela exercida a todo tempo, de forma unilateral, independentemente até mesmo da ocorrência de qualquer vício de vontade. Em se verificando a retratação como aqui exposto, terá ela caráter de renúncia translativa, ficando sujeita ao recolhimento dos impostos exigidos quando se transmite domínio. Maria Helena Diniz traz em sua obra aqui já referida, o entendimento de que a retratação da aceitação equivale ao instituto da renúncia, aplicando-se ao caso, em conseqüência, normas alusivas a esta, inclusive as da aceitação da herança pelos prejudicados que a requeiram.

O novo Código – Lei 10.406/2002 – em seu art. 1.812, prevê textualmente como irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança, o que não temos com a mesma transparência na legislação hoje aplicada.

2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A ACEITAÇÃO DA HERANÇA:

 2.1 – ACEITAÇÃO DA HERANÇA LEGÍTIMA E DO LEGADO, QUANDO RECEBIDOS DE FORMA SIMULTÂNEA – Encontrando-se o beneficiário como herdeiro legítimo e legatário de forma simultânea, à vista do que temos no art. 1.583, do C.Civil, poderá ele aceitar ou renunciar o que lhe é conferido nos dois institutos, ou aceitar ou renunciar o direito a que se firma cada um deles.  

 2.2. – ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA MEDIANTE CONDIÇÃO OU TERMO – A aceitação e a renúncia da herança devem ser pura e simples, não podendo estar vinculada a condição ou termo, uma vez que, adquirida a herança pelo herdeiro ou pelo monte, não mais pode ela ser perdida, o que, ao contrário, traria uma insegurança nas relações jurídicas. Ressaltamos aqui que é o ato de aceitação ou de renúncia da herança que não pode ser gravado, e não a respectiva herança.

 II   –   RENÚNCIA DA HERANÇA

(artigos 1.581 a 1.590, do Código Civil)

1. – NOÇÕES GERAIS:

1.1 – CONCEITOS E FUNDAMENTOS – Nossos dicionários comuns definem renúncia como ato de recusar ou de desistir de alguma coisa. Juridicamente temos para esse instituto uma definição consistente no ato de unilateralmente, abandonar o direito que se tem sobre um bem ou um conjunto de bens, não criando a ele renunciante qualquer prerrogativa nesse sentido, devendo ser considerado no referido instituto como se nunca tivesse existido, ou melhor, como se nunca tivesse herdado. A renúncia retroage à data da abertura da sucessão, sendo tratada em nosso Código, nos artigos 1.581 a 1.590.

1.2 – CAPACIDADE PARA RENUNCIAR – Só os que se apresentarem com plena capacidade jurídica é que poderão exercer o direito de renúncia. Não se admite representação ou assistência para assim se fazer. Em desta forma se pretendendo, necessária intervenção judicial. Se o renunciante adquiriu a capacidade através da emancipação ou do casamento, que posteriormente foram anulados, nenhum prejuízo sofrerão os atos que praticou quando assim se apresentava, ou seja, em condições legais para o exercício dos mesmos, mantendo-se inalterada a renúncia praticada no momento em que se encontrava legalmente capacitado para a prática de tal ato.

1.3 – DESSEMELHANÇAS – RENÚNCIA ABDICATIVA E TRANSLATIVA, DESISTÊNCIA E DOAÇÃO –

1.3.1 – RENÚNCIA ABDICATIVA E TRANSLATIVA – ABDICATIVA – Trata-se a renúncia abdicativa do efetivo abandono de um direito em favor do monte ou dos demais herdeiros, feita de forma unilateral, o que vem a caracterizar a renúncia propriamente disposta no Código Civil. TRANSLATIVA – é figura de alienação, alheia, portanto, ao campo da renúncia – Reveste-se ela dos mesmos requisitos que se exige para uma transmissão a título gratuito ou oneroso, exigindo-se, inclusive duas declarações de vontade, uma de quem transmite algum direito, e a outra de quem o recebe. É o instituto que mais conhecemos como cessão de direitos.

1.3.2 – RENÚNCIA E DESISTÊNCIA – Quando estamos a tratar da renúncia, temos que primeiramente constatar que não existe qualquer ato que venha a exprimir anterior aceitação do direito. Se falarmos em desistência de direitos, temos que presumir já ter o mesmo sido aceito em momento anterior. Não podemos, desta forma, confundir renúncia com desistência.

1.3.3 – RENÚNCIA E DOAÇÃO  – Caio Mário da Silva Pereira nos ensina que não podemos confundir doação com renúncia de herança, uma vez que a primeira subentende saída de bens do patrimônio do doador e sua entrada no do donatário; e o repúdio à herança não traduz essa mutação, mas somente obstáculo a aquisição.

1.4 – DESTINO DA QUOTA HEREDITÁRIA DO HERDEIRO RENUNCIANTE: O herdeiro que renuncia é considerado estranho à herança. Partilhar-se-á esta, portanto, entre os demais herdeiros, como se não existira o renunciante. Assim, em havendo renúncia, não podemos falar em direito de representação, devendo, em conseqüência, o quinhão do renunciante acrescer ao dos outros herdeiros da mesma classe. Desta forma, se o “de cujus” deixa vários filhos e um deles vem a renunciar, a parte deste acresce a dos outros irmãos. Não se contemplam, destarte, os netos, filhos do renunciante, já que ninguém pode suceder representando herdeiro que assim se apresenta. Contudo, se o renunciante surge como o único de sua classe, nesse caso, devolve-se seu quinhão hereditário aos herdeiros da classe subseqüente. Só nessa hipótese se convocam os descendentes do renunciante, que sucedem por direito próprio, ou seja, por cabeça e não por estirpe ou representação. Idêntica a solução se todos os herdeiros de uma mesma classe vêm a renunciar. Assim, se todos os filhos renunciarem, convocar-se-ão os netos, filhos deles, que receberão individualmente ou por cabeça, como acima já constou. Na falta de netos, ou outros descendentes, serão chamados os ascendentes e assim sucessivamente, até a declaração de vacância dos bens deixados, os quais, de acordo com a redação do art. 1.594, do C.Civil, passam ao domínio dos Municípios ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, ou da União, quanto aos situados em território federal.

1.5 – DÍVIDAS DO “DE CUJUS” – RESPONSABILIDADE DOS HERDEIROS – O art. 1.587, do Código Civil vigente, reza que o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbindo-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se existir inventário, que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados. Desta forma, os herdeiros não respondem pelas dívidas que venham a ultrapassar as possibilidades de seus quinhões sucessórios, não podendo, em conseqüência, serem acionados por débitos do espólio, quando os recursos deste se mostrem insuficientes para atender ao pagamento. Constitui-se, assim, princípio normativo do nosso direito a responsabilidade do herdeiro estar limitada às possibilidades do acervo hereditário.

Em se cuidando de herdeiro testamentário, instituído ou nomeado, sua renúncia torna caduca a disposição de última vontade, a não ser que o testador tenha indicado substituto, ou haja direito de acrescer entre os herdeiros.

1.6 – EFEITOS DA RENÚNCIA – Assim os temos, à vista do que nos ensina o  mestre Caio Mário da Silva Pereira:

a)      realizada a renúncia, a parte do repudiante passa automaticamente à dos outros herdeiros da mesma classe – direito de acrescer -. Se for o único desta, devolve-se aos da classe subseqüente (art. 1.589, do C.Civil). A regra somente se estende à sucessão testamentária, se o testador não tiver determinado uma substituição. O renunciante é tratado como se nunca fosse herdeiro.

b)      se o renunciante vier a falecer, os seus herdeiros não herdam por estirpe. Mas sendo ele o único da sua classe, ou se os demais desta renunciarem também, podem seus filhos ser chamados a suceder, porque nessa hipótese comparecem por direito próprio e por cabeça (art. 1.588, do C.Civil).

c)      aquele que renuncia à herança não está impedido de aceitar legado, dada a diversificação das causas aquisitivas.

d)      na sucessão testamentária, não se pode deduzir uma norma fixa e uniforme para definir as conseqüências da renúncia – poderá passar a herança ao substituto, ou ao co-herdeiro, ou aos sucessores legítimos – tudo na dependência da disposição de última vontade. Em falta de disposição expressa, é de se sustentar o direito de acrescer.

e)      não se confundindo o repúdio com a exclusão, o renunciante não está privado da administração e usufruto dos bens que por força dela venham a tocar a seus filhos menores.

f)        o renunciante não é computado para efeito de se calcular a quota disponível do autor da herança. Tratado o renunciante como se nunca tivesse sido herdeiro, o monte é considerado em relação aos demais.

g)      se o co-herdeiro (ou herdeiro da classe subseqüente) tiver cedido seus direitos hereditários, a renúncia beneficia o cessionário que é chamado no lugar do cedente, salvo se dos termos da cessão inferir-se que ela teve por objeto o quinhão do cedente, tal como existente no momento da cessão.

1.7 – FALECIMENTO DO HERDEIRO ANTES DE SE MANIFESTAR SOBRE EVENTUAL RENÚNCIA DA HERANÇA – Aplica-se no caso o mesmo tratamento que se deu neste trabalho para a aceitação da herança, quando trata das formas possíveis para assim fazer (1.5), ou seja, se falecido o herdeiro antes de declarar se aceita ou não a herança, tal direito passará aos sucessores deste, a menos que advinda ela de um testamento onde se previu a ocorrência de uma condição suspensiva, ainda não verificada. Em assim se constatando, e considerando que no momento da consumação da aludida condição, não mais encontrou vivo o favorecido, impedidos estarão seus herdeiros de se manifestarem se aceitam ou não a herança, uma vez que ficou frustrada a pretensão do testador ao não encontrar, naquele momento, a pessoa do nomeado por ele como favorecido no testamento. Assim podemos concluir, uma vez que, antes da verificação da condição, não se poderia falar em direito, mas somente em expectativa dele, pois a incerteza é da essência desse tipo de condição. Por sua vez, aberta a sucessão e falecendo o herdeiro sem que tenha se manifestado sobre a aceitação da herança, seus herdeiros terão o mesmo prazo que teria ele, se provocado, para tal manifestação, o qual vem determinado no art. 1.584, do Código Civil, correspondendo a 30 dias, no máximo.

1.8 – FORMALIDADES EXIGIDAS PARA O ATO DA RENÚNCIA – Nosso direito só admite a renúncia da herança se vier manifestada solenemente de forma expressa e através de escritura pública ou termo judicial. O artigo que assim se manifesta – 1.581 -, do Código Civil, veio qualificar a forma de renúncia da herança, não se admitindo outra que não as ali apresentadas, mesmo que expressamente se perceba tal intenção do agente, sob pena de nulidade absoluta, à vista do que temos no art. 145, III, do mesmo Código. Uma vez renunciados tais direitos e obrigações, independe ele de qualquer outra providência para sua eficácia, como anuência ou aceitação por parte dos beneficiados, e até mesmo de qualquer manifestação judicial para assim se apresentar.

Assim, voltamos a ressaltar que, ao contrário da aceitação, a renúncia, como regra, não pode ser aceita de forma presumida, sendo que a única exceção que temos para assim ser deferida, ocorre quando é conferido ao herdeiro testamentário um patrimônio, mediante a condição de só poder recebê-lo depois que fizer a entrega a outrem de coisa que lhe pertence e assim resolve não fazer, dando-se, desta forma, por renunciado o recebimento daquela herança, caracterizando-se ai a renúncia ora enfocada como renúncia presumida. Como já dito, a aceitação da herança pode, tranqüilamente, ser admitida desta forma, ou seja, presumida, à vista de expressa disposição legal, que pode ser vista na reação que temos no art. 1.584, do Código Civil vigente.

1.9 – PRAZO PARA SE RENUNCIAR HERANÇA – A disposição legal que se assenta ao aqui tratado, é a mesma que se dá ao prazo para aceitação da herança, aqui já comentado, ou seja, art. 1.584 do Código Civil, que concede o prazo de até 30 dias para que o herdeiro se manifeste se aceita ou não a herança que lhe é de direito. Caso não se manifeste, considerar-se-á como aceita. Desta forma, se pretender renunciá-la, deve nesse período assim se manifestar, sob pena de ter a herança como aceita de forma presumida, como já informado neste trabalho. Aplica-se para a renúncia o mesmo comentário que fizemos para a aceitação da herança, da forma disposta no referido artigo 1.584 (1.6).

1.10 – REQUISITOS DA ESCRITURA DE CESSÃO DE DIREITOS DE HERANÇA, OU DE RENÚNCIA TRANSLATIVA, E TAMBÉM DOS TERMOS JUDICIAIS E DAS ESCRITURAS DE RENÚNCIA ABDICATIVA  – Além dos requisitos que já conhecemos, deve o Tabelião ao lavrar uma escritura de cessão de direitos de herança, que equivale a renúncia translativa, fazer mencionar em seu texto, “ad cautelam”, declaração do cedente voltada a informar se existe ou não decisão judicial visando excluí-lo da sucessão, e se o “de cujus” deixou ou não dívidas que comprometem o acervo que se vê à título de herança, e ainda se referida cessão está vinculada apenas ao que cabe no momento ao cedente, ou se irá ela estender a eventuais benefícios decorrentes de supostas renúncias dos outros co-herdeiros, se tiver.  Providência semelhante deve ser tomada nos termos judiciais e nas escrituras públicas de renúncia abdicativa, pois, se o renunciante já se apresentar com sentença que o declare indigno ou deserdado, alterada estará a distribuição da herança.

1.11 – RETRATAÇÃO DA RENÚNCIA – Antes de qualquer comentário, vamos aqui nos reportar a imprecisão da aplicação do termo “retratação”, o qual tem o caráter de negar renúncia anteriormente manifestada. Crítica nessa direção é feita por Maria Helena Diniz, em citação que faz na obra Curso do Direito Civil, onde lembra Sílvio Rodrigues, oportunidade em que mostra no caso a ocorrência de uma imperfeição técnica do legislador, pois o caso não se apresenta como de retratação, mas de anulação da renúncia por vício de consentimento. Vamos observar novamente que o conceito mais adequado para a expressão “retratação”, é voltado para um desmentido ou uma negação voluntária daquilo que se fez antes, o que não ocorre no caso em estudo, que cuida de uma imposição legal e não convencional, que, como já dito, seria próprio do termo “retratação” aqui em comento.

Porém, para todos os efeitos, as análises que a seguir fazemos se atêm sem maiores detalhes a expressão ora condenada, pois assim é prestigiada pelo atual Código Civil.

Só é admitida quando nela manifestado um dos vícios de vontade, provenientes de violência, que pode ser física ou moral, erro ou dolo. É o que diz a primeira parte do art. 1.590, do C.Civil. Na verdade não precisaria esse dispositivo, pois no mesmo sentido já temos o art. 147, II, do referido Estatuto legal que coloca todos os atos jurídicos, incluindo-se ai o da renúncia, como sujeitos a anulabilidade, quando maculados com tais vícios. Se nenhum desses vícios vier a renúncia a apresentar, será considerada ela irretratável. Esta forma é imposta e deve ser observada a bem da seriedade e da segurança das relações jurídicas. Assim também acontecia no direito romano, onde, igualmente, não se permitia a posterior reconsideração da decisão de renunciar direito à herança.

A retratação da renúncia da herança não poderá ser apreciada no próprio inventário, devendo ser examinada e julgada em ação ordinária adequada, cujo pedido não deverá ser acolhido se o renunciante houve com malícia na apresentação dos motivos para ver deferida tal retratação.

O novo Código Civil trata do caso no art. 1.812, determinando expressamente que “são irrevogáveis os atos de aceitação ou de renúncia da herança”, sendo assim mais preciso que o visto no Código atual.

2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A RENÚNCIA DA HERANÇA:

2.1 – RENÚNCIA EM FAVOR DO MONTE OU DOS DEMAIS CO-HERDEIROS – Mesmo em se considerando que a renúncia deve ser pura e simples, e sempre em benefício do monte, nada impede que o renunciante declare no respectivo ato que seus efeitos tenham os demais co-herdeiros como favorecidos. Em qualquer dessas hipóteses, deve o ato ser tido como de renúncia abdicativa, não podendo ai se falar em cessão de direitos, ou de renúncia translativa. O que não pode é escolher um deles ou um terceiro como indicado para receber os efeitos dessa renúncia. Em assim se fazendo devemos entender como anteriormente por ele recebido o direito de herança, resultando tal ato em cessão de direitos que ali se formaliza “inter vivos”, a qual só poderá ser feita por instrumento público, e não mais através de termo nos autos, incluindo-se, ai, também a necessidade em se recolher o imposto devido por esse negócio jurídico, caracterizado como “inter vivos” e não “causa mortis”, os quais têm hoje os Estados como credores, quando feita à título gratuito.

2.2 – RENÚNCIA FEITA POR TUTOR OU CURADOR – O tutor ou o curador não pode em nome de seus representados renunciar a direitos de herança sem autorização judicial, pois tal ato implicaria em abandono dos mesmos, o que estaria a trazer prejuízos aos tutelados e curatelados. Vale aqui destacar que à vista do que temos no art. 427, III, do Código Civil, nem mesmo a aceitação da herança pode ocorrer sem intervenção judicial, o que vem a justificar ainda mais a impossibilidade da renúncia aqui tratada vir a se efetivar sem uma cautela maior.

2.3 – RENÚNCIA DE HERANÇA GRAVADA COM A CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE – A imposição de tal cláusula, que deve vir em ato testamentário, não inibe o herdeiro de renunciar a herança, desde que somente em favor do monte (abdicativa), transmitindo-se, em conseqüência, tais direitos aos demais herdeiros, que, por sua vez, terão de suportar a inalienabilidade imposta pelo titular do acervo. Vale aqui lembrar que impedido está o herdeiro de proceder a renúncia com forma de transmissão, uma vez que em assim se fazendo, concluímos que em momento anterior  deu por aceita a herança, a qual incorporou seu patrimônio com a cláusula de indisponibilidade (STJ – RESP 57217/SP 1994/0036027-4).

2.4 – RENÚNCIA NA HERANÇA LEGÍTIMA E NO LEGADO, QUANDO RECEBIDOS DE FORMA SIMULTÂNEA – Como já exposto no estudo da aceitação da herança, encontrando-se o beneficiário como herdeiro legítimo e também como legatário em testamento feito pelo autor da herança, poderá ele, à vista do que temos no art. 1.583, do C.Civil, aceitar ou renunciar  o que lhe é conferido nos dois, ou aceitar ou renunciar o direito a que se firma cada um dos referidos institutos. 

2.5 – RENÚNCIA DA HERANÇA DE PESSOA AINDA VIVA – Não pode ela ocorrer, à vista do impedimento textual que temos no art. 1.089, do Código Civil, que assim se expressa: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

2.6 – RENÚNCIA DE HERDEIRO CASADO – A renúncia quando envolve herdeiro casado, no entendimento de Washington de Barros Monteiro, e de Maria Helena Diniz, não necessita de anuência do cônjuge; porém, outros autores, como Caio Maria da Silva Pereira, pensam de forma contrária, afirmando a necessidade da presença do cônjuge.   Nossa posição se alia no sentido de não se dispensar a presença do cônjuge do herdeiro em eventual ato de renúncia, buscando assim uma segurança maior para o que se pretende, principalmente quando o herdeiro for casado no regime da comunhão universal de bens, caso em que diretamente seu cônjuge terá prejuízo com tal renúncia Justificamos ainda tal posição pelo que temos no art. 44, III, o qual considera imóvel para os efeitos legais, o direito à sucessão aberta, o que nos leva aos artigos 235 e 242, que, independentemente do regime de bens, exigem sempre anuência dos respectivos cônjuges quando se negocia transferência ou oneração de direitos imobiliários.

2.7 – RENÚNCIA LESIVA AOS CREDORES – Prevê o art. 1.586 do Código, disposição no sentido de não se permitir renúncia lesiva aos credores. Se houver prejuízo com a renúncia, podem estes aceitar a herança em nome do renunciante, a qual deverá ser feita em sua totalidade, independentemente do valor do crédito, pois, como já vimos, a herança, enquanto não tiver sua partilha homologada, será considerada um universo só para todos os herdeiros, impossibilitando assim ser dada a ela tratamento de fração ideal. Para tanto basta ao credor provar que o devedor é herdeiro legítimo daquela herança, e que não tem ele bens ou outros recursos para pagar a dívida que com ele se verifica. Não importa, no caso, que o crédito seja de valor muito inferior ao que está se renunciando. Pedido nesse sentido deverá ser feito pelo interessado nos próprios autos de inventário, desde que ainda em andamento, o qual deverá ser examinado e admitido ou não pelo Juiz do feito. Em assim se fazendo, e sendo por ele admitida a aceitação da herança pelos credores, ai em nome dos renunciantes, serão estes aquinhoados no curso da partilha. Se o herdeiro for comerciante com pedido de falência, a renúncia é nula de pleno direito, apresentando-se como favorecida a massa falida. Em havendo saldo, de acordo com o artigo 1.586, do CCivil, entregar-se-á ele aos demais herdeiros, e não ao renunciante. Se já findo o processado, deverá o credor fazer uso da ação pauliana ou revocatória, que tem por finalidade ver pronunciada em juízo, com relação a ele credor, a ineficácia ou revogação do ato jurídico praticado pelo devedor, dando-se, desta forma, por reintegrado o patrimônio do renunciante.

Na Lei de Falências, este assunto é tratado no art. 52, o qual reza que a renúncia à herança ou a legado não produz efeitos relativamente à massa, se exercida até dois anos antes da declaração da falência. Para o caso, visando obter a ineficácia do ato, é mister ação revogatória.

Devemos aqui ressaltar ser discutível na sucessão testamentária a substituição do herdeiro que renuncia a herança por credor que pretende vê-la recebida para satisfação de seu crédito, quando o respectivo herdeiro testamentário poderá alegar questões de ordem moral para desprezar o benefício que se vê na manifestação de última vontade do testador, e fazer prevalecer a renúncia anteriormente feita.

2.8 – RENÚNCIA DE MEAÇÃO – Não se admite renúncia de meação, pois seu titular já a tem como integrante de seu patrimônio, devendo a mesma ser tratada como cessão de direitos, sujeita, portanto, ao instrumento público, não podendo ser exercida através do termo judicial como se permite na renúncia de herança. Nesse caso, o meeiro só participa do inventário para mera especificação da parte que já é de sua propriedade, independentemente da sucessão.

2.9 – RENÚNCIA DE PARTE DA HERANÇA, OU MEDIANTE CONDIÇÃO, TERMO OU ENCARGO – Devemos aqui ressaltar que se a renúncia vier a ser exposta de forma parcial, ou condicionada, ou ainda mediante termo ou encargo, de renúncia na verdade não se tratará, devendo o ato ser enquadrado como de cessão de direitos, e sujeito às formalidades por ela exigidas, inclusive com recolhimento dos impostos a que a mesma deve se submeter, pois implícito está o efetivo recebimento do direito de herança por parte do renunciante/cedente.  Quanto ao não reconhecimento da renúncia parcial, sustenta-se tal proibição em não reconhecer a divisibilidade do patrimônio deixado pelo “de cujus”, o qual, como já dito aqui, é tido como universal até a homologação da partilha, quando então cada herdeiro passa a saber exatamente a parte que nele lhe cabe dentro do que foi deixado pelo falecido. Se porém, o herdeiro que, além dos direitos que lhe são conferidos pela Lei, também vir a se apresentar como herdeiro por testamento, poderá renunciar o direito que teria como herdeiro legítimo,  mantendo-se o que lhe é testado, ou renunciar o que lhe é testado e manter o que lhe é de direito como herdeiro legítimo. O art. 1.583, do CCivil, quando trata do aqui exposto, faz referência apenas ao legado, mas entendemos estar ali também protegido o direito do beneficiário do testamento que se apresentar na condição de testamentário de forma universal.

2.10 – RENÚNCIA POR PROCURAÇÃO – Como o ato de renúncia exorbita o da simples administração, depende a procuração de poderes especiais e expressos (art. 1.295, I, do CCivil). Pelo que também já foi decidido pela 2ª. Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, nos autos de Agravo de Instrumento de número 2000 00 2 001103-5 – Processo 0-11035, a procuração a ser usada para o fim de renúncia de herança, mesmo que tenha como mandatário o advogado dos autos, deve se revestir da forma pública, uma vez que o art. 1.581, não admite forma particular para a prática desse ato. O que percebemos nessa decisão quando exigiu o instrumento público para a procuração, é de que em nenhum momento a Lei, e mais precisamente o referido artigo 1.581 permitiu a escrita particular para o herdeiro assim proceder, ou seja, a alternância que ali se vê envolve a escritura pública ou comparecimento pessoal do herdeiro em Juízo para a lavratura do respectivo termo. Desta forma, não podendo o herdeiro comparecer em Juízo para assim fazer, só por meio do instrumento público que poderia ver satisfeita sua vontade.

2.11 – RENÚNCIA NA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA – Algumas peculiaridades devem ser examinadas nesse caso, a saber:

a)      se o testador tiver previsto substituto ao renunciante, nenhuma dúvida vamos ter, uma vez que a parte que a ele renunciante seria destinada, irá para seu substituto, como pretendido pelo testador.

b)       se não previu tal substituição, e o herdeiro testamentário estiver isolado, a sucessão ocorrerá como se nenhum testamento tivesse sido feito, procedendo-se a entrega do patrimônio aos herdeiros legítimos do “de cujus”.

c)       em se verificando que a instituição foi conjunta, irá ocorrer ai o direito de acrescer (art. 1.710, do Código Civil)

d)       no caso de ser nomeado no testamento mais que um beneficiário, mas de forma isolada, sem a característica de conjunção, será tal nomeação vista como isolada, não podendo se admitir, no caso, o direito de acrescer, como previsto no caso mencionado no item anterior. Nessa situação, em ocorrendo a renúncia por parte de qualquer um deles, a parte que lhe seria atribuída se voltará para o herdeiro legítimo mais próximo (arts. 1.711 a 1.713, do Código Civil).

2.12 – RENÚNCIA DE HERANÇA – OUTRAS FORMAS – Tida como de forma indireta, ocorre quando o testador testa ou lega que o herdeiro testamentário, nomeado ou instituído, ou o herdeiro legatário entregue coisa de sua propriedade a outrem, para que possa receber a herança ou legado deixado em testamento. Em assim não se fazendo, entender-se-á que renunciou a herança ou legado, pois trata-se de encargo imposto pelo testador.

III   –   EXCLUSÃO DA SUCESSÃO

(arts. 1.595 a 1602, 1719, e do 1741 ao 1745, todos do Código Civil)

1. – NOÇÕES GERAIS:

1.1. – CONCEITOS E FUNDAMENTOS – Para que possamos tratar da exclusão da sucessão, precisamos saber, primeiro, que capacidade para suceder não deve ser confundida com capacidade civil. Esta é a aptidão que tem uma pessoa para exercer, por si, os atos da vida civil; é o poder de ação no mundo jurídico. A capacidade sucessória é a aptidão da pessoa para receber os bens deixados pelo “de cujus”. Maria Helena Diniz além de dar tais conceitos, assim os exemplifica: uma pessoa pode ser incapaz para praticar atos da vida civil e ter capacidade para suceder; igualmente, alguém pode ser incapaz de suceder, apesar de gozar de plena capacidade civil, como ocorre com o indigno de suceder, que não sofre nenhuma diminuição na sua capacidade para os atos da vida civil, mas não a tem para herdar da pessoa em relação à qual é considerado indigno, pelo que não tem eficácia jurídica a declaração que, porventura, tenha feito de aceitar a herança. Nesse sentido estrito, assevera Caio Mário da Silva Pereira, a incapacidade sucessória identifica-se como impedimento legal para adir à herança.

Importante lembrar que a lei que cuida de dar ou não capacidade para o herdeiro assim se apresentar, é a vigente na data do óbito do titular. Se mudanças ocorreram antes ou depois de seu falecimento, nenhuma influência terá no poder de aquisição dos herdeiros, visto que, como já dito, a lei do dia do óbito é que irá reger o direito sucessório do herdeiro legítimo ou testamentário

Também conhecida como exclusão de herdeiros, pode ser definida como a não inclusão de um herdeiro na sucessão, motivada por fato expressamente previsto em lei. Tem ela o alcance restrito a pessoa excluída, dando-se, desta forma por respeitados os direitos de seus herdeiros, pois será o excluído visto como se morto fosse para tais fins. Essa exclusão pode ser apresentada através do afastamento ou do impedimento do herdeiro em participar da herança.

Dentro do direito brasileiro, temos 3 institutos que cuidam de excluir o herdeiro em receber herança, apresentando os mesmos efeitos, porém com estruturas diversas, e que são:

a. –  por incapacidade – art. 1.719, do C.Civil;

b. –  por indignidade – arts. 1.595 ao 1.602,  do C.Civil;

c. –  por deserdação – arts, 1.595 ao 1.602, e 1.741 ao 1.745, do mesmo Código.

Incapacidade – consiste na falta de aptidão para receber a herança, como acontece com a pessoa ainda não concebida ao tempo da abertura da sucessão, ou, se concebida, não nascer com vida. Idêntico tratamento deve ser dado às coisas inanimadas e animais, pois não reúnem elementos para se apresentarem como sujeitos a algum direito. No art. 1.719, do Código vigente, temos expressamente catalogados casos dessa incapacidade, a saber: Art. 1.719 – Não podem também ser nomeados herdeiros, nem legatários:  I –  pessoa que, a rogo, escreveu o testamento; II – as testemunhas do testamento; III – a concubina do testador casado; IV – o oficial público, civil ou militar, nem o comandante, ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer, ou aprovar o testamento.

Indignidade – dá o herdeiro por excluído da herança à vista da prática de ato que contraria a ordem jurídica – atinge tanto os herdeiros legítimos – necessários e não necessários -, como também os testamentários, incluindo-se ai os legatários. É caracterizada como uma pena civil, pois priva o infrator do direito de herança.

Deserdação – situada no campo da sucessão testamentária, visa a exclusão punitiva do herdeiro necessário, por iniciativa do testador. Não pode ela atingir os herdeiros não necessários, cuja pena fica restrita ao instituto da indignidade.

2. – ASPECTOS QUE SE VOLTAM PARA A EXCLUSÃO DA SUCESSÃO:

2.1 – INDIGNIDADE:

2.1.1 – CASOS QUE TORNAM O HERDEIRO INDIGNO – Código Civil – Art. 1.595 – “São excluídos da sucessão – arts. 1.708, IV, e 1.741 a 1.745, do CCivil – os herdeiros, ou legatários”.

I – que houverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se trata;

O novo Código acrescenta ao que se vê neste inciso também a figura do cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente do titular da sucessão (art. 1814 – I)

II – que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra;

O novo Código também traz um acréscimo na redação que acima se apresenta, estendendo o ali previsto para as pessoas do cônjuge ou companheiro do titular da herança (art. 1.814 – II)

III – que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade.

Tais causas podem ser resumidas em atentados contra a vida (I), a honra (II) e a liberdade do “de cujus” (III), e levam o autor a ser considerado indigno para com o titular da herança.

No caso de indignidade por homicídio ou tentativa de homicídio, o Código não exige a condenação. Se absolvido por falta de provas, pode no caso de declaratória de indignidade ocorrer essa prova e assim ser declarado (não herdará).

A relação que aqui se expõe, é exaustiva, não se admitindo extensão analógica, uma vez que cuida ela da aplicação de uma pena civil, devendo ai prevalecer a máxima jurídica de que não há pena sem lei (nulla poena sine lege). Mesmo sob essa máxima, questão acadêmica se coloca na busca de também se considerar indigno o herdeiro que induz o titular da herança ao suicídio, equiparando-a ao homicídio.

2.1.2 – JULGAMENTO DO INDIGNO PELO JUÍZO CRIMINAL – A legislação brasileira não exige prévio julgamento condenatório do acusado na área criminal para considerá-lo indigno na área civil, excluindo-o, em conseqüência, da sucessão hereditária. Admite ela que tal prova seja produzida no cível. Não se discute, porém, que a absolvição do herdeiro na ação criminal, à vista de reconhecimento de uma excludente de criminalidade, impede o questionamento do fato no cível (art. 1.525, do C.Civil). Assim, como a sentença criminal produz efeito de coisa julgada em relação aos efeitos civis, lícito não será o juízo cível reconhecer a indignidade do acusado em sua área. O mesmo não pode ser dito quando o crime cuidar apenas da extinção da pena – prescrição ou indulto -, que não tem o condão de ilidir a exclusão do herdeiro.

Quanto ao agravo moral tratado no inciso II – “que a acusaram caluniosamente em juízo, ou incorreram em crime contra a sua honra” -, lembramos que a ofensa caluniosa só se caracteriza como motivo para decretação da indignidade do agente, se apresentada perante o juízo criminal, através de queixa ou de representação perante o Ministério Público, de maneira que não se configura indignidade se o herdeiro acusar, caluniosamente, o autor da herança em juízo cível (RT, 145:693; AJ, 97:45). Quanto aos crimes contra a honra, a que se estende dita disposição legal, temos a calúnia, a difamação e a injúria. Orlando Gomes, citado por Maria Helena Diniz, entende que a expressão “crimes contra a honra” deve abraçar também ofensas contra a memória do morto.

Analisando ao que temos no inciso III – “que, por violência ou fraude, a inibiram de livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhe obstaram a execução dos atos de última vontade” -, percebemos que o legislador visou punir o herdeiro que, fraudulenta, dolosa ou coativamente, venha a praticar atos que busquem inibir o titular de direitos no que efetivamente pretendia executar, tirando dessa situação proveito próprio. Maria Helena Diniz traz alguns exemplos do que ora ensina, dentre os quais destacamos o do herdeiro ou legatário que induz o “de cujus” a fazer testamento, ou que venha a impedi-lo de revogar tal ato feito em momento anterior. Como tal comportamento não se caracteriza ilícito penal, Caio Mário da Silva Pereira entende que o fato deverá ser provado por qualquer meio. Maria Helena ensina ainda que o ato lesivo do sucessor não será punido se ele tiver tempo de corrigir seus efeitos. Ex. – se induziu o testador a facção testamentária, executada de forma cerrada ou particular, e, posteriormente, inutiliza a cédula.

2.1.3. – EFEITOS DA INDIGNIDADE  –  Assim nos ensina Maria Helena Diniz:

2.1.3.1 – Os descendentes do excluído o sucedem, por representação, como se o indigno já fosse falecido na data da abertura da sucessão (art. 1.599, do C.Civil). Os bens que o indigno deixa de herdar são devolvidos às pessoas que o herdariam, como se ele morto fosse, devido ao caráter personalíssimo da pena, que não deve ultrapassar a pessoa do delinqüente, ante a injustiça de se estender a outrem as conseqüências de um fato a que se mostrou alheio. Observe-se, no entanto, que a substituição do excluído da sucessão ocorre tão-somente na linha reta descendente (art. 1.599, do C.Civil); não podendo, em conseqüência, ser sucedido pelos ascendentes ou colaterais.

2.1.3.2 – Retroação “ex tunc” dos efeitos da sentença declaratória da indignidade, pois, embora se reconheça a aquisição da herança pelo indigno, a legislação faz os efeitos da decisão judicial retroagirem à data da abertura da sucessão, considerando o indigno como pré-morto ao “de cujus”. Assim, se o herdeiro indigno durante o período entre a data da abertura da sucessão e o reconhecimento da indignidade, tirou proveito dos frutos e rendimentos do acervo, deverá restituí-lo ao monte, uma vez que está no caso equiparado ao possuidor de má fé. Apesar disso, terá ele direito ao ressarcimento dos gastos que teve com a conservação dos bens até então em sua posse, pois a ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. Todavia, no seu efeito retroativo, a sentença não poderá causar prejuízos aos direitos de terceiros de boa fé, daí respeitarem-se os atos de disposição à título oneroso ou de administração praticados pelo indigno antes da sentença; mas aos co-herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito a demandar-lhe perdas e danos (art. 1.600, do C.Civil);

2.1.3.3 – O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto e à administração dos bens que a seus filhos menores couberem na herança (art. 1.599, do C.Civil), ou à sucessão eventual desses bens (art. 1.602, do C.Civil), uma vez que quanto ao produto da herança que foi considerado excluído, é equiparado ao morto civil e, em assim sendo, não poderia receber tais direitos. Desta forma, se um de seus filhos que o substituiu vier a falecer, sem descendentes, não poderá o excluído receber o que for deixado à título de herança;

Devemos também observar que o indigno não está proibido de representar o ofendido na sucessão de outro parente, já que a pena deve ser considerada restritivamente.

2.1.4 – FALECIMENTO DO INDIGNO – Importante lembrar que se o indigno vier a falecer durante o processo de conhecimento, extinta estará a ação movida contra ele, não podendo as conseqüências de eventual declaração de indignidade se estender aos seus sucessores, porque, como já vimos, trata-se ela de uma pena, e nenhuma pena deverá ir além do criminoso.

2.1.5 – FORMALIDADES EXIGIDAS PARA CARACTERIZAR A EXCLUSÃO – O pretendente na exclusão de um herdeiro, deverá assim se manifestar através de testamento, onde, de forma expressa, fará consignar o motivo que lhe deu causa. A causa de assim se fazer deverá ser reconhecida judicialmente, em ação própria, a ser promovida por quem poderia se beneficiar com tal exclusão, ou até mesmo pelo próprio herdeiro prejudicado, que irá tentar refutar tal situação, mantendo-se como herdeiro regular, sem considerar a causa que o levaria a ser excluído da sucessão. O prazo da prescrição para tal ação é de 4 anos, contado da abertura da sucessão (art. 178, § 9º., IV, do C.Civil), e, enquanto se processa tal ação, o inventariante ficará na posse da herança, até sua decisão final. Percebemos pela forma como o legislador tratou da prescrição que a ação visando a exclusão de herdeiro não precisa ser impetrada com o titular de direitos ainda em vida, podendo e até mesmo devendo ela ser apreciada após seu falecimento, o que, com certeza, estaria a levar o caso a um julgamento mais justo, sem se ater ao sentimento do próprio ofendido, que, no caso, já não mais aqui está para assim se manifestar.

2.1.6 – REABILITAÇÃO DO INDIGNO – o ofendido pode reabilitar o indigno, dando-lhe condições para o ingresso na herança. Isso só pode ocorrer à vista de declaração do ofendido expressa em testamento ou em ato autêntico. Uma vez concedido o perdão, este será irretratável, não mais se reconhecendo aos co-herdeiros legitimação para reabrir o debate.

INCAPACIDADE SUCESSÓRIA E A INDIGNIDADE – DESSEMELHANÇAS  –  Ensina Maria Helena Diniz que, embora a indignidade esteja bastante próxima da incapacidade sucessória, com ela não se confunde, porque:

a)   a incapacidade impede que surja o direito à sucessão e a indignidade obsta a conservação da herança;

b)   a incapacidade é um fato oriundo do enfraquecimento da personalidade do herdeiro, enquanto a indignidade é uma pena que lhe é imposta, se violou o art. 1.595, do C.Civil;

c)    o incapaz não adquire a herança em momento algum, ao passo que o indigno já recebe a posse e o domínio dela por ocasião da abertura da sucessão, vindo a perder os bens hereditários somente com o trânsito em julgado da sentença declaratória de sua indignidade;

d)    o incapaz nunca foi herdeiro, nada transmitindo a seus sucessores; o indigno, por sua vez, foi herdeiro, e, devido ao caráter personalíssimo da pena, transmite sua parte na herança, como se morto fosse, a seus descendentes.

2.2 – DA DESERDAÇÃO:

2.2.1 – BASE LEGAL – Vem ela tratada nos artigos 1.741 a 1.745, do Código Civil, a saber:

1.741 – Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

1.742 – A deserdação só pode ser ordenada em testamento, com expressa declaração de causa.

1.743 – Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador (art. 1.742, do C.Civil).

Parágrafo único – Não se provando a causa invocada para a deserdação, é nula a instituição, e nulas as disposições que prejudiquem a legítima do deserdado.

1.744 – Além das causas mencionadas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:

I – ofensas físicas;

II – injúria grave;

III – desonestidade da filha que vive na casa paterna (ver art. 5º., I, da C.Federal – Todos são iguais perante a lei ….)

IV – relações ilícitas com a madrasta, ou o padrasto;

V – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

O novo Código Civil excluiu como motivo para deserdação o que vemos no inciso III, ou seja, “desonestidade da filha que vive na casa paterna”

1.745 – Semelhantemente, além das causas enumeradas no art. 1.595, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:

I – ofensas físicas;

II – injúria grave;

III – relações ilícitas com a mulher do filho ou neto, ou com o marido da filha ou neta.

IV – desamparo do filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade.

Nem sempre a manifestação de vontade do testador possui caráter positivo, no sentido de beneficiar alguém; pode ser negativo, visto que pode privar um herdeiro necessário de sua legítima (C.Civil – art. 1.741) por meio da deserdação, favorecendo com isso, ainda que indiretamente, outro herdeiro.

2.2.2 – DESERDAÇÃO – PENA PESSOAL – A deserdação é pena imposta ao herdeiro, não podendo, portanto, passar da sua pessoa, o que significa que não alcança seus sucessores.

A Lei 10.406/2002 – novo Código – prevê em seu art. 1.818, parágrafo único, que “não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária”

2.2.3 – EXCLUSÃO DE HERDEIROS NÃO NECESSÁRIOS – Como a deserdação só atinge herdeiro necessário, não se estendendo para os colaterais, o testador, se desejar, pode proceder à exclusão de herdeiros não necessários, segundo o comando do art. 1.725, do Código Civil, sem que para isso faça uso dos institutos da indignidade e da deserdação, bastando que disponha em vida que seu patrimônio seja atribuído a outras pessoas, sem necessidade de justificar tal posição. Estará, em assim se fazendo, excluindo esses pretensos herdeiros do direito que até então a lei lhes conferia, sem que para isso viesse a se manifestar expressamente seu desejo de excluí-los da sucessão.

2.2.4 – EFEITOS DA DESERDAÇÃO – Maria Helena Diniz alerta que, quanto aos efeitos da deserdação, seria de bom alvitre lembrar que:

a)      – pelo art. 1.572, do C.Civil, o deserdado adquire o domínio e a posse dos bens da herança com a abertura da sucessão; todavia, com a publicação do testamento, surge uma condição resolutiva da propriedade. Deveras, se se provar a causa de sua deserdação, será ele excluído da sucessão, retroagindo os efeitos da sentença até a data da abertura da sucessão. Ou seja, o deserdado é considerado como se morto fosse, portanto, como se nunca tivesse tido o domínio daqueles bens do acervo hereditário do autor da herança;

b)      – ante o caráter personalíssimo da pena de deserdação, os descendentes do deserdado sucedem como se ele fosse falecido, procedendo à sua substituição, não se estendendo a deserdação aos descendentes do excluído. Ela atinge exclusivamente o culpado, pois há um princípio geral de direito que impede a punição do inocente, consagrando a idéia do caráter personalíssimo da pena. Em sentido contrário, Washington de Barros Monteiro, que propugna a exclusão não só do deserdado, bem como de seus descendentes, por não haver no Código Civil, no capítulo atinente à deserdação, norma similar à do art. 1.599, alusivo à indignidade, ao prescrever que são pessoais os efeitos da exclusão do herdeiro por indignidade;

c)      há necessidade de preservar a integridade do acervo hereditário para entregá-lo ao deserdado, se ele vencer a ação proposta pelo beneficiado com a sua deserdação; ou para destiná-lo ao herdeiro instituído ou a outros favorecidos com a exclusão do deserdado, se este for vencido na referida ação. Para tanto, será preciso nomear um depositário judicial, que custodiará a herança até o trânsito em julgado daquela ação;

d)      se não se provar a causa da deserdação, ela não prevalecerá, mas o testamento produzirá todos os seus efeitos naquilo que não contrariar a legítima do herdeiro necessário, reduzindo-se os quinhões dos herdeiros legítimos, dos instituídos e dos legatários, se isso for necessário, para inteirar a legítima do herdeiro que foi infelizmente deserdado.

Maria Helena Diniz ensina ainda que convém mencionar que a mera reconciliação do testador com o deserdado não gera a ineficácia da deserdação, se o testador não se valer da revogação testamentária, porque, como aqui já dito, essa pena é imposta por testamento.

2.2.5 – REQUISITOS PARA A FORMALIZAÇÃO DA DESERDAÇÃO – Para que se efetive a deserdação, é necessária a presença de certos requisitos essenciais, como:

a)  existência de herdeiros necessários;

b)  exigência de testamento válido com expressa declaração do fato determinante da deserdação (C.Civil – art. 1.742), ocorrido, obviamente, antes de sua morte. O testador só pode deserdar seus herdeiros necessários por meio do testamento, ante a solenidade com que se reveste esse ato. Se nulo for o testamento, igualmente nula será a deserdação;

c)   fundamentação em causa expressamente prevista pelo legislador, pois nula será a cláusula testamentária pela qual o testador deserda herdeiro sem declarar-lhe a causa (RT, 263:135, 160:717), ou por motivo não contemplado em lei. O legislador retira do testador a decisão quanto aos casos de deserdação, devido à gravidade desse ato, não admitindo interpretação extensiva e muito menos o emprego de analogia;

d)   comprovação da veracidade do motivo alegado pelo testador para decretar a deserdação (RT, 329:243), feita pelo herdeiro instituído ou por aquele a quem ela aproveita (C.Civil – Art. 1.743), por meio de ação ordinária movida contra o deserdado dentro do prazo de 4 anos, contados da abertura da sucessão (C.Civil – art. 178, § 9º., IV). Se provar cabalmente o fato, a sentença privará o herdeiro de sua legítima. Se não se conseguir provar a causa da deserdação, nula será a instituição de herdeiro e todas as disposições que prejudicarem a reserva legitima do deserdado (C.Civil – art. 1.743 e parágrafo único; RT, 181: 708), mas, se se tratar de legado, cumprir-se-á a liberalidade que comporte a quota disponível.

O novo Código prevê o prazo de 4 anos, a contar da data da abertura do testamento, para se provar a causa da deserdação (art. 1.965 – § único). Proposta de modificação que se encontra no Projeto de Lei 6.960/2002, de autoria do Dep. Ricardo Fiúza, altera dito prazo para 2 anos, a partir da data a abertura da sucessão.

INDIGNIDADE E DESERDAÇÃO – DESSEMELHANÇAS – Apesar de a indignação e a deserdação terem o mesmo objetivo – a punição de quem ofendeu o “de cujus” – são institutos distintos, pois:

a)     a indignidade funda-se, exclusivamente, nos casos expressos no art. 1.595, do C.Civil, ao passo que a deserdação repousa na vontade exclusiva do autor da sucessão, que a impõe ao ofensor no ato de última vontade, desde que fundada em motivo legal (C.Civil – arts. 1.595, 1.744 e 1.745, do C.Civil);

b)     a indignidade é própria da sucessão legítima, alcançando, também, herdeiros testamentários, incluindo-se, ai, os legatários (art. 1.595, do C.Civil), enquanto a deserdação afasta da sucessão somente os herdeiros necessários, através de manifestação do titular da herança, que só pode ser feita mediante testamento.

 IV – BIBLIOGRAFIA

1. – Tratado dos Registros Públicos – Miguel Maria de Serpa Lopes – 3ª. edição – Editora Livraria Freitas Bastos;

2. – Curso de Direito Civil – Washington de Barros Monteiro – Direito das Sucessões – Editora Saraiva – 17ª. Edição;

3. – Curso de Direito Civil Brasileiro – Maria Helena Diniz – Direito das Sucessões – Editora Saraiva – 7ª. Edição;

4. – Publicações Jurídicas – Perrone Cartier – Roteiro de Informações Jurídicas para Serventias;

5. – Testamento – Leila Moreira Soares – Editora WVC;

6. – Vocabulário Jurídico – De Plácido e Silva – Editora Forense

 


 

Referência Biográfica

SERGIO BUSSO, 2º Tabelião de notas de Araraquara   (SP)

2.cartnot@techs.com.br

O direito de empresas no novo Código Civil

0

* Dilson França Lange,

Sumário: 1. Introdução 2. Da manutenção de velhas relíquias jurídicas; Quadro estatístico fornecido, via internet, pela junta comercial do estado do Mato Grosso do Sul 3. Da pungente questão da unificação do direito privado; Procurando entender o significado do artigo 966 do Novo Código Civil 4. Sociedade simples (997 a 1038) 5. A sociedade por quotas de responsabilidade limitada no Decreto 3708/19; Críticas e elogios ao Decreto 3708/19; Diagrama 6. A sociedade limitada no Novo Código Civil; Exclusão do sócio minoritário inoportuno; Prolixidade 7. Conclusão 8. Bibliografia.

1 – Introdução

            O novo Código Civil brasileiro foi promulgado em 10/01/2002 e deverá entrar em vigor em 10/01/2003. Esta vacatio legis de um ano é necessária para que todos e, principalmente, os operadores do direito, tenham tempo suficiente para estudá-lo.

            Uma equipe de renomados mestres do Direito, liderados pelo grande professor Miguel Reale, elaboraram o anteprojeto da Lei 10.406, tendo-o acompanhado até a sua promulgação. Evidentemente que, mesmo reconhecendo os incontestáveis méritos destes juristas, não nos furtaremos a tecer aqui ácidas críticas sobre alguns pontos desta obra, primeiro pelo gosto do saudável exercício da cidadania, por que é um direito democrático e finalmente, porque desta forma, penso estar colaborando com meu país.

            No que se refere à parte civil do novo código, nada tenho a dizer, uma vez que não tive ainda tempo para estudá-lo. Concentrei meus estudos no DIREITO DE EMPRESAS, LIVRO II, que faz a incorporação das nossas velhas leis comerciais e que revoga a parte primeira do Código Comercial de 1850, o Decreto 3708/19 e outras legislações comerciais esparsas.

            Na qualidade de contabilista, usuário diuturno da legislação societária e ex-professor de Direito Societário na Faculdade de Direito da UNIGRAN (Dourados), sinto-me muito à vontade na elaboração de minhas críticas, desejando que fossem avaliadas como positivas.

            Trata-se de um texto confuso que se pautou em transcrever os tipos societários de nossa velha lei comercial, apenas modernizando a linguagem e ignorando solenemente o caudal riquíssimo de nossa jurisprudência e de nossa doutrina, resultando disto, uma legislação de péssimo conteúdo.

            E as inovações? Ora, estas ficaram por conta do plágio ao CODICE CIVILE ITALIANO de 1942, promulgado no governo fascista de Benito Mussolini. E um exemplo bastante significativo do que estou afirmando é a instituição da SOCIEDADE SIMPLES, que sob o título de "Della Società Semplice" é tratada em 40 artigos naquele Código. Este novo tipo societário, de praticidade nula, obscuro, confuso, alienígena, absolutamente dissociado da nossa realidade, está condenado desde já, ao limbo das normas inúteis, o que não impediu que se escrevessem 42 artigos sobre ele, que, obviamente, não se constitui mera coincidência. Sobre a importantíssima sociedade limitada que representa 99,4% do universo das sociedades constituídas desde 1985 até 2001, em todo o Brasil, bastaram apenas 36 artigos.

            Para exposição mais didática que facilite o entendimento do leitor e até me ajude a melhor concatenação de minhas idéias, vou discutir assunto por assunto, de forma mais ordenada possível. Entretanto, quero deixar bem claro, que não é minha intenção me arvorar no dono da verdade, mas sim o de levantar uma polêmica sobre a oportunidade destas reformas, sua real necessidade, seus pontos falhos, se houve ou não a incorporação de nossa doutrina e jurisprudência, riquíssimas, acumuladas em um século e meio, por nossos doutos juristas e nossos tribunais.

            De qualquer forma, estamos em plena era de vacatio legis, onde todas as mudanças ainda são possíveis.

 2 –  Da manutenção de velhas relíquias jurídicas

            Não existe no Brasil, nenhuma sociedade mercantil, que não possa se adequar a um destes dois tipos societários clássicos: sociedade por quotas de responsabilidade limitada e sociedade anônima. O empresário nacional está bem consciente disto, tanto que, no total de 3.872.498 sociedades mercantis criadas desde 1985 até 2001 no Brasil, logo em 17 anos, 3.850.850, representando 99,44% são de responsabilidade limitada e 17.795, representando 0,46% são sociedades anônimas, perfazendo um total de 99,90% do universo brasileiro das sociedades mercantis.

            E aquele 0,10% faltante, representa a criação de 3.853 empresas que podem ser dos seguintes tipos societários: Sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade em comandita por ações, sociedade de capital e indústria e sociedade em conta de participação, sendo que estas últimas duas são utilizadas quase que exclusivamente em fraudes a direitos trabalhistas e fraudes contra a economia popular, na ordem.

            Se alguém achar que estou exagerando, examine o jornal "O Estado de São Paulo" de 18 de maio de 2002, caderno "economia", onde estão relacionadas 69 sociedades em conta de participação sendo processadas pelo Ministério Público, por envolvimento em fraudes na negociação de imóveis.

            A sociedade por quotas de responsabilidade limitada foi criada pelo Decreto 3708 em 10 de janeiro de 1919, tipo societário que limitava a responsabilidade dos sócios e de estrutura jurídica excessivamente simples, substituindo com enormes vantagens a sociedade em nome coletivo, que predominava, mas que a partir desta data, iniciou sua rota de exaustão. Escolher este tipo societário, hoje em dia, equivale a colocar uma plaqueta na testa com os dizeres: "bobo". Os demais tipos societários a que nos referimos acima, nunca gozaram de nenhum prestígio, servindo quase que exclusivamente para fraudar terceiros e até por isso mesmo, deveriam ser banidos de nossa legislação.

            Isto posto, nos perguntamos:

            – Por que reviver em nosso moderno Código Civil tais velharias decrépitas, em desuso absoluto?

            – Não seria isto, um despropósito oriundo do autismo de nossos legisladores mal informados?

            – Até neste particular, estas inclusões são fiéis ao Códice Civile Italiano, mas seria bom lembrar que este data de 1942, portanto, de 60 anos atrás?

 Quadro estatístico fornecido, via internet, pela junta comercial do estado de Mato Grosso do Sul:

 

CONSTITUIÇÃO DE EMPRESAS POR TIPO JURÍDICO – BRASIL – 1985-2001

ANOS

FIRMA
INDIVIDUAL

SOCIEDADE
LIMITADA

SOCIEDADE
ANÔNIMA

COOPERATIVAS

OUTROS
TIPOS

TOTAL

1985

168.045

148.994

1.140

363

66

318.608

1986

277.350

238.604

1.034

297

204

517.489

1987

222.847

195.451

857

319

161

419.635

1988

208.017

184.902

1.214

404

128

394.665

1989

240.807

209.206

1.251

437

151

451.852

1990

279.108

246.322

748

438

141

526.757

1991

248.590

248.689

611

447

156

498.493

1992

221.604

207.820

594

515

132

430.665

1993

254.608

240.981

697

757

161

497.204

1994

264.202

245.975

731

657

207

511.772

1995

263.011

254.581

829

879

187

519.487

1996

252.765

226.721

1.025

1.821

360

482.692

1997

275.106

254.029

1.290

2.386

410

533.221

1998

239.203

223.689

1.643

2.258

335

467.128

1999

244.185

229.162

1.422

2.330

246

477.345

2000

225.093

231.654

1.466

2.020

369

460.602

2001

241.487

245.398

1.243

2.344

439

490.911

TOTAL

4.126.028

3.832.178

17.795

18.672

3.853

7.998.526

           

Nossos cálculos:

 

            Total empresas: 7.998.526
            (-) Firmas individuais:4.126.028
            Total de sociedades:3.872.498100,00%
            (-) Sociedades anônimas 17.795 0,46%
            3.854.703
            (-) Outros tipos societários 3.853 0,10%
            Total de soc. Limitadas 3.850.850 99,44%
            (Cooperativas são LTDAs)

            Importante observar que as FIRMAS INDIVIDUAIS mercantis criadas neste período, totalizaram 4.126.028, isto é, 51.5% de todas as empresas constituídas no Brasil, nos últimos 17 anos. Constitui-se no que, o novo código, identifica como EMPRESÁRIO.

 

3 – Da pungente questão da unificação do direito privado

             O desenvolvimento do comércio no final da idade média e a impossibilidade jurídica da aplicação de preceitos do Direito Civil às pendengas que se avolumavam no campo negocial, gerou o Direito Comercial, que se fundamentava inicialmente nos usos e costume.

            O Código de Savary em 1673 é considerado o primeiro código comercial dos tempos modernos e adota a teoria subjetivista centrada na pessoa do comerciante.

            O Código Napoleônico de 1807 adotou a teoria objetivista, isto é, era considerado comerciante aquele que, efetivamente, praticava atos de comércio. Apesar da dificuldade jamais superada de conceituar cientifícamente tal expressão "atos de comércio", isto não impediu que esta teoria fosse a pedra angular do nosso Código Comercial Brasileiro de 1850, que vige até hoje.

            O dinamismo frenético das atividades empresariais que se chocava com o quase imobilismo das mudanças sociais do início da era moderna, resultaram na divisão do direito privado em dois ramos distintos: Direito Civil e Direito Comercial.

            Hodiernamente, o fantástico desenvolvimento dos meios de comunicação, dos transportes e a informática e seu uso intensivo nos negócios, resultaram na quebra de fronteiras, cujo traço mais marcante é a globalização. Vê-se, pois, com grande clareza, que o fosso existente entre estes dois ramos do direito privado agigantou-se consideravelmente.

            Em razão do que foi exposto, atribuo a um problema sério de autismo de nossos legisladores, quererem unificar hoje, o Direito Civil e o Direito Comercial, tarefa tão impossível como misturar água e óleo, tese, aliás, muito discutida no passado, mas totalmente fora de foco atualmente.

            Cesare Vivanti, jurista italiano, maior comercialista dos tempos modernos, era considerado o renovador do Direito Comercial italiano, antes da reforma legislativa de 1942. Era o mais respeitado defensor desta unificação até o momento que foi incumbido de elaborar o anteprojeto de reforma do Código Comercial italiano.

            Frente a frente, com os desafios da elaboração positiva do direito comercial, deu-se conta, Vivanti, de que cometera grave erro e com a humildade que só habita os espíritos mais altaneiros, retratou-se publicamente renegando a unificação e afirmando a partir daí, que a unificação acarretaria grave prejuízo para o Direito Comercial.

            O saudoso comercialista brasileiro, talvez o maior entre todos, o inesquecível professor Rubens Requião, sobre o assunto, assim se pronunciou:

            Justifica-se a autonomia pela diferença de método entre o direito civil e o direito comercial: neste prevalece o método indutivo, naquele o dedutivo. O direito comercial tem, de fato, uma índole cosmopolita que decorre do próprio comércio. A disciplina dos títulos de crédito, a circulação, o portador de boa fé, são institutos que dão uma feição diferente da que prevalece no direito civil. Os negócios à distância, entre ausentes, são problemas que o direito civil não resolve, e, por fim, o direito comercial regula os negócios de massa, ao passo que o direito civil se ocupa de atos isolados. (in Curso de Direito Comercial)

            Houve efetivamente a unificação do direito privado no nosso novo Código Civil?

            Antes de responder a esta questão é necessário que se defina com clareza dois conceitos básicos: unificação formal e unificação material.

            Que houve uma unificação formal, parece não haver a menor dúvida. Apanhou-se o que restava de nosso velho Código Comercial, algumas leis comerciais especiais como o Decreto 3708/19, Decreto 916/1890, Decreto 486/69 e outros mais, deu-se-lhes uma roupagem nova e uma linguagem mais moderna; copiou-se, sem nenhum pudor, páginas inteiras do código italiano de 1942 e jogou-se isto tudo, de pára-quedas lá dentro do novo Código Civil, resultando no LIVRO II, DO DIREITO DE EMPRESA, mais ou menos no estilo das pechinchas comerciais, do tipo, pague um, leve dois.

            Esta unificação formal, atabalhoada e anticientífica, representa um grande retrocesso para as ciências jurídicas de nosso país, indigna da grandeza de um Código Comercial promulgado em 1850, em plena época escravagista, perdurando até os nossos dias, perfazendo um século e meio de existência. Triste sina para um monumento jurídico de tal envergadura.

            Quanto à unificação material, aquela que utilizará uma legislação comum, tanto para o cidadão, como para a empresa, depende de estudos mais aprofundados para opinar. Entretanto, a não ser em casos pontuais, acredito ser impossível essa unificação, até mesmo pelo que já foi dito neste trabalho, sobre as dificuldades intransponíveis que existem entre o direito civil e o direito comercial.

             Procurando entender o significado do artigo 966 do novo código civil

             Diz o Artigo 966: Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços.

            Parágrafo único: Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

            Para entender o significado de tão obscuro dispositivo, busquei no código civil italiano de 1942, os dispositivos que lhe serviram de inspiração. Vejamos o que diz o Artigo 2082, Título II, Seção I, Do empresário:

            É empresário quem exerce profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim de produção ou de troca de bens e serviços.

            Vejamos também o Artigo 2228, Título III, do trabalho autônomo:

            Se o exercício da profissão constituir elemento de uma atividade organizada em forma de empresa, aplicar-se-ão também as disposições do Título II.

            (Obs.: Refere-se ao Título II, Capítulo I, Seção I, Do empresário)

            Em qualquer caso, se aquele que exerce uma profissão intelectual empregar substitutos ou auxiliares, aplicar-se-ão as disposições das Seções II,III e IV do Capítulo I, doTítulo II.

            (Obs.: Refere-se aos colaboradores da empresa, da relação de trabalho e do aprendizado, lembrando que este Código Civil agrega além das leis mercantis, também as leis trabalhistas).

            Podemos definir empresário, como sendo aquele que exerce individualmente uma atividade econômica organizada para a produção ou comercialização de bens, constituindo-se no que hoje seria o titular de firma individual.

            Se duas ou mais pessoas, se juntarem numa sociedade para exercerem uma atividade organizada para a produção ou comercialização de bens, teremos o que o artigo 982 (NCC), qualifica como sociedade empresária e se constitui no que hoje chamamos de sociedade comercial.

            Aquele, porém, que exerce individualmente uma profissão intelectual, como advogado, médico, contador, cientista ou artista, mesmo que tenha sob suas ordens um quadro de funcionários, não deverá ser considerado empresário, mas sim um profissional autônomo, como ocorre atualmente.

            Porém, se estes profissionais prestarem serviços, sob um estabelecimento, como atividade econômica organizada, sob a forma de uma sociedade, será a mesma considerada empresária, pois o exercício da profissão se constitui em elemento da empresa, isto é, seu objetivo social. Sob a legislação atual tais empresas são classificadas juridicamente como sociedades civis.

            Se meu raciocínio estiver correto, impõem-se as seguintes conclusões:

            a) Desaparecem na nova legislação, as chamadas sociedades mercantis e as sociedades civis, denominando-se no futuro, estas entidades com fins lucrativos, como sociedades empresárias.

            b) Entenda-se as sociedades civis, aquelas constituídas por advogados, contabilistas, médicos, engenheiros, todos aqueles sujeitos às profissões regulamentadas que exercerem uma atividade de acordo com a formação intelectual de cada um.

            c) Como sociedades empresárias devem todas se registrar nas juntas comerciais de seus estados e se sujeitarem à mesma legislação, dando como exemplo, a sujeição de todas à Lei de Falências.

            d) O agricultor ou pecuarista, individualmente ou em sociedade, ao se inscrever na junta comercial de seu estado, passa a ser considerado empresário ou sociedade empresária, passando a se sujeitar a todas as leis de natureza negocial, inclusive a Lei de Falências. Importante lembrar que, pela atual legislação, individualmente não pode ser considerada uma firma individual e como sociedade seria classificada como civil, sujeita à insolvência civil.

            A eliminação das diferenças conceituais entre sociedade mercantil e civil que perduram há quase um século, no direito brasileiro, trazendo as mais absurdas conseqüências jurídicas, foram efetivamente eliminadas, devo reconhecer, é o maior, talvez o único mérito, que eu reconheço neste Livro II – Da Empresa, do Novo Código Civil.

            É esta a interpretação que se impõe pela atenta leitura do caput do artigo 966 (NCC). Seu parágrafo único, faz a gente titubear na infeliz expressão "salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa". Confesso que só acabei com minhas dúvidas após uma análise minuciosa do Código Italiano de 1942, cuja conceituação de empresário foi literalmente copiada daquele. Ele confirma a extinção da sociedade civil e mercantil, sendo ambas substituídas pela sociedade empresária.

            O fato de se acabar com esta diferenciação odiosa e discriminatória entre o empresário que vende ou industrializa produtos, daquele outro empresário que vende serviços, não importa se mais manual ou mais intelectual, se fazia necessário há muito tempo. Eles sempre tiveram tudo em comum, a não ser um muro burocrático erguido entre eles pela própria lei, sem absolutamente nada de científico a justificar esta dicotomia.

            As diferenças materiais entre as sociedades mercantis e as civis são ínfimas. As leis tributárias, a nova lei do inquilinato, a jurisprudência e a doutrina se encarregaram de buscar a igualdade. A única diferença realmente significativa fica por conta da falência da empresa mercantil e a insolvência civil da empresa civil, diferenças, afinal criadas pela própria lei. Entretanto, na Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos não mais existe esta diferenciação, sujeitando-se todas as empresas, não importando o ramo de atuação, à Lei de Falências.

 4 – Sociedade simples (997 a 1038)

            A sociedade simples, criada pelo novo Código Civil, é definida em 42 artigos e não se constitui num tipo societário, tanto que pode optar pelo uso de qualquer deles, mas é sim, um tipo de sociedade sui generis, a exemplo das cooperativas.

            Seu registro será no Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas. Pela leitura atenta dos artigos 966 e 982, conclui-se que foi criada exclusivamente para as cooperativas. Diz o artigo 983 do novo código, que basta que a sociedade formada como simples, escolha um tipo societário qualquer, regulados pelos artigos 1039 a 1092, para que esta passe a ser regulada pelo tipo societário escolhido, inclusive a sua inscrição obrigatória no Registro Público de Empresas Mercantis, as nossas atuais juntas comerciais. Será, pois, considerada, se assim o fizer, uma sociedade empresária.

            Uma maneira prática de o empresário fugir das perigosas malhas desta sociedade simples, será o de optar pelo tipo SOCIEDADE LIMITADA, pois de quebra a responsabilidade dos sócios ficará limitada ao montante do capital social.

            Esta sociedade foi transplantada do CODICE CIVILE ITALIANO, que foi promulgado em 1942, portanto uma legislação quase tão antiga quanto o nosso ordenamento civil, Livro V – DO TRABALHO. No capítulo II sob o título "DA SOCIETÁ SEMPLE" é ela definida entre os artigos 2251 até o 2290, em 40 dispositivos, portanto. O fato de terem ambas as sociedades, quase o mesmo número de artigos, não pode ser considerado, como se há de ver, uma mera coincidência.

            Esta tal de sociedade simples é muita complicada. Vejamos abaixo alguns comentários:

1 – É exageradamente prolixa, basta ver que foram necessários 42 artigos para descrevê-la. Desce a minúcias ridículas, engessando desnecessariamente a atividade administrativa e o livre exercício da vontade dos sócios. Tudo é minuciosamente regrado, um despropósito.

2 – Estabelece a responsabilidade ilimitada dos sócios no artigo 1023, o que já é mais do suficiente para a sua proscrição no mundo empresarial. A responsabilidade objetiva dos sócios, que respondem pelo passivo a descoberto da sociedade, independentemente de culpa ou dolo, mas calcado apenas na audácia do empresário em criar uma entidade, como um castigo, deveria ser coisa já proscrita de nosso ordenamento jurídico, há muito tempo. A bem da verdade, a sociedade civil, devidamente estruturada em nosso velho código é a única sociedade existente em nosso meio, que ainda preserva a responsabilidade objetiva, pois que as demais, de natureza mercantil, já há tempo foram relegadas ao ostracismo pelo empresário nacional.

3 – Os artigos 1019 e o 997, combinados com o 999, escondem uma terrível armadilha. Exigem decisões unânimes dos sócios, para mudanças até corriqueiras, como endereço, objetivo social, nome comercial, prazo da sociedade, capital, administração e outros. Mas o que realmente assusta é a novidade jurídica da irrevogabilidade dos poderes de administração, de um sócio investido por cláusula expressa no contrato social, salvo se houver justa causa, porém, com reconhecimento judicial. Estranho, por que aqui se busca preservar o interesse de um sócio-gerente, inepto e/ou desonesto, em prejuízo da entidade, o que fere o princípio constitucional da função social da propriedade. E é em nome deste princípio e não de disposição legal, que a moderna jurisprudência, reconhece como justa a expulsão de um sócio danoso, pois o que realmente interessa à comunidade, como um bem maior, é preservar a entidade, que cria riquezas, paga tributos e acima de tudo é geratriz de empregos diretos e indiretos.

            Estas regras vão nortear o funcionamento das cooperativas mas também, deverão suprir as omissões das sociedades limitadas, no silêncio do contrato social, conforme estabelecido no artigo 1053 caput. E é aí que reside o perigo! Como compatibilizar normas de uma sociedade altamente burocratizada como são as cooperativas, com a altamente desburocratizada sociedade limitada, lembrando que, para piorar ainda mais as coisas, a primeira é de responsabilidade ilimitada e a segunda, limitada.

            A sociedade limitada, para fugir desta armadilha, pode optar, no contrato social, pela regência supletiva da complexa sociedade anônima. Deus salve o pequeno empresário!

            E razão tinha meu avô, que lá do Rio Grande do Sul, dizia: além de queda, coice!

4 – Como se não bastasse, o artigo 1003 esconde mais uma perigosa armadilha, também novidade jurídica. O sócio que se retira da sociedade continua responsável, por mais dois anos, pelo passivo da sociedade. Imagine o prejuízo que um sócio adquirente, por inépcia ou má fé, pode causar ao sócio cedente, neste período. Não custa nada relembrar que a responsabilidade da sociedade simples é ilimitada, portanto, ao realizar um pequeno negócio de cessão de cotas, o cedente, estará, querendo ou não, colocando todo o seu patrimônio pessoal em risco, nas mãos de um estranho.

            Dadas as circunstâncias, não teríamos o menor pudor, como advogado ou contabilista, em orientar o eventual cedente a extinguir a sociedade, jamais vender ou doar suas cotas. Eis algumas questões não resolvidas:

            – O que significa a expressão "somente participa dos lucros na proporção da média do valor das cotas," no final do artigo 1007?

            – Como compatibilizar o artigo 1023 com o inciso VIII, do artigo 997?

            – Como compatibilizar a regra estabelecida no artigo 1016, com o disposto no artigo 1013?

5 – A sociedade por quotas de responsabilidade  limitada no decreto 3708/19

            A sociedade por quotas de responsabilidade limitada, nasceu em abril de 1892, na Alemanha. Portugal foi o segundo país a adotá-la em 1901.

            No Brasil, nasceu com o Decreto 3.708 de 10.01.1919 sob inspiração da lei portuguesa.

            Difundiu-se rapidamente e hoje praticamente todos os países do mundo já a adotaram.

            Afinal, a que se deve tanto sucesso?

            Até o final do século passado os tipos societários mais utilizados no meio empresarial eram as sociedades anônimas e as sociedades em nome coletivo.

            As primeiras se caracterizavam pela estrutura jurídica pesada, burocrática e onerosa. Serviam e servem até hoje como a estrutura ideal para as grandes corporações, empresas que necessitam enormes aportes de capital.

            Já as sociedades em nome coletivo eram utilizadas em pequenas e médias empresas, por terem uma estrutura jurídica leve e barata. Entretanto, padeciam do enorme inconveniente, de serem os seus sócios responsáveis de forma ilimitada e solidária, pelas obrigações da empresa. O empresário, gerador de empregos e de riquezas, corria riscos extraordinários quando criava uma empresa, ao colocar todos os seus bens particulares para garantir as dívidas de sua empresa, fosse ele administrador ou um simples sócio sem poderes de gerência. Isto, logicamente, inibia o progresso econômico.

            Fazia-se necessário, a criação de um novo tipo societário para as pequenas e médias empresas que absorvesse as vantagens de ambas e repelisse suas deficiências. Na verdade, um tipo ágil e leve, que limitasse a risco do investidor.

            Mais uma vez a Alemanha, berço de grandes doutores da lei, veio ao mundo mostrar o seu gênio, criando em 1892 o tipo societário tão necessário, introduzindo o princípio da limitação da responsabilidade, nas sociedades individualistas.

            CRÍTICAS E ELOGIOS AO DECRETO 3708/19

            O Decreto 3708 originou-se do projeto de lei do deputado Joaquim Luiz Osório, que não ignorava suas imperfeições e esperava que a discussão na Câmara de Deputados lhe trouxesse melhorias.

            Entretanto, o decreto foi aprovado às pressas e praticamente sem discussões, o que foi lamentável considerando-se a importância deste novo tipo societário, que em pouco tempo, seria o modelo preferido pelo empresariado brasileiro.

            Outra crítica que se faz ao texto legal é o seu caráter sintético, exageradamente generalista, fácil de se notar pela quantidade de artigos, dezoito apenas.

            O professor Rubens Requião, afirma, peremptoriamente, que no laconismo desta lei está a sua maior virtude, no que nós humildemente concordamos.

            Ao dizer pouco, ao estabelecer apenas linhas gerais de procedimento, a nova lei criou um campo enorme para o empresário expressar a sua vontade e imaginação.

            No contrato social o comerciante usa sobejamente desta liberdade, podendo criar uma empresa ágil e desburocratizada, como também pode optar por uma empresa de estrutura jurídica complexa e sofisticada.

            Vale a pena transcrever aqui, o que escreveu nosso ilustre comercialista brasileiro, um dos maiores que o Brasil já teve, Prof. Rubens Requião, in Curso de Direito Comercial :

            "Na realidade, porém, o estilo lacônico da lei não resultou em grande prejuízo para as empresas que adotaram este tipo societário como sua estrutura jurídica. Ao revés, deixou ao alvedrio dos sócios, regularem como bem desejassem, dentro, evidentemente, dos princípios gerais que regem as sociedades comerciais em nosso direito, a vida societária, através das normas contratuais. Permite-se, assim, à livre criatividade dos empresários e dos juristas, a estruturação da vida social através da liberdade do contrato".

            O ilustre professor Theophilo de Azeredo Santos, atual presidente do Instituto Brasileiro de Direito Comercial, ao criticar o anteprojeto da lei das sociedades de responsabilidade limitada, que ainda tramita no Congresso Nacional, embora tenha sido preterida pelo texto legal inserido na Lei 10.406, assim se expressa em relação ao exagero de normas (51) deste anteprojeto:

            "A experiência acumulada em oito décadas e a vocação dos empresários para estruturar pessoalmente suas atividades, indicam que engessar ou limitar a vontade contratual, impondo regras ao mercado, é divorciar-se da realidade. O Decreto 3708, de 10 de janeiro de 1919, proporciona facilidade à estruturação dos negócios no país, até para joint ventures e grandes empresas, o que levou os professores Lamy Filho e Bulgarelli a discordarem desta ampla reforma, já que as disposições daquele Decreto permitem aos empreendedores, modelar seus negócios com engenho e arte. E aqui cabe a pergunta: se estas sociedades representam cerca de 98% dos registros de norte ao sul do Brasil, por que garrotear uma liberdade que deu certo, modificando o que funciona bem?"

            Este anteprojeto de lei, apesar de seus inúmeros defeitos, sendo um deles a já comentada prolixidade, era o que nós, estudiosos do Direito Comercial, gostaríamos de vê-lo discutido no Congresso Nacional, porque, apesar de tudo, ainda é muito melhor que o texto introduzido, sem nenhum critério científico, no novo Código Civil. Ademais, foi elaborado por alguns dos maiores comercialistas brasileiros como Arnold Wald, Jorge Lobo, Ministro César Astor Rocha, Alfredo Lamy Filho, Egberto Lacerda Teixeira e o incomparável Waldirio Bulgarelli.

6 – A sociedade limitada no novo Código Civil

            A denominada Sociedade por quotas de responsabilidade limitada do Decreto 3708/19 foi substituída, no novo Código Civil, por uma denominação tão imprópria quanto aquela: sociedade limitada.

            Ora, sabemos todos, que a responsabilidade de ambas é ilimitada, respondendo com todos os seus bens, pelas dívidas da sociedade. Limitada é apenas a responsabilidade de seus sócios.

            O Decreto 3708 tem dezoito artigos, sendo dois meramente formais (1º e 19) e dois em desuso (5º e 12), restando pois quatorze para disciplinarem a sociedade por quotas de responsabilidade limitada. A nova sociedade limitada tem 36 artigos.

            Em linhas gerais, a nova legislação repete o que restava de válido no Decreto 3708. Entretanto, quatro de seus artigos (10º, 11, 14 e 16) foram incorporados à sociedade simples, lembrando que o artigo 1053 (NCC) reza que nas omissões da lei, a sociedade limitada se rege pelas normas da sociedade simples.

            Até aí tudo bem. O problema, porém, é que o § único do artigo 1053 (NCC) diz que a regência supletiva da sociedade limitada poderá ser, opcionalmente pelas normas da sociedade anônima. Ao optar a sociedade, pela regência desta última, como ficam as disposições omitidas no Decreto 3708?

            Vejamos:

            Decreto 3708/19Assunto tratado

            Art. 10 -responsabilidade dos sócios- gerentes

            Art. 11 -abuso da firma social

            Art. 14 -responsabilidade por atos dos gerentes

            Art. 16 – responsabilidade ilimitada

            À primeira vista, parece claro que ficou de fora da legislação específica, os assuntos relacionados à gerência administrativa deste tipo societário.

 

            EXCLUSÃO DO SÓCIO MINORITÁRIO INOPORTUNO

            Com o objetivo de dar maior proteção ao sócio minoritário, o artigo 1085 (NCC) extrapola em seus objetivos, representando um enorme retrocesso legislativo, dificultando tanto o afastamento unilateral de um sócio inoportuno, beirando mesmo a sua impossibilidade jurídica.

            Na legislação atual não existe dispositivo algum que permita a exclusão do sócio minoritário pelos majoritários, mas a jurisprudência já consagrou esta possibilidade, aplaudida pela doutrina, fundamentada no princípio da entidade e no princípio da função social da propriedade, onde desponta o interesse maior da comunidade, em detrimento do interesse menor de um sócio mesquinho, que a prevalecer sua vontade, poderá levar a sociedade à extinção ou à falência.

            E a exclusão do sócio minoritário sempre se faz por alegação da quebra da affectio societatis, um dos quatro pilares da sociedade, juntamente com a pluralidade de pessoas, patrimônio próprio e finalidade lucrativa.

            Quando se rompe a affectio societatis entre os sócios, espalhando-se a discórdia e a desconfiança entre eles, o estado intervém, buscando preservar a entidade, a empresa que gera riquezas, empregos e recolhe tributos aos cofres públicos.

            Sob a simples alegação de quebra de confiança e a paz entre os sócios, as juntas comerciais de todo o país acolhem as alterações contratuais assinadas pelos sócios majoritários que optaram pela exclusão do minoritário, ressalvando-se que o valor de suas cotas já deve estar à sua disposição, na tesouraria de sua entidade.

            Preserva-se, pois, o justo interesse do minoritário e a integridade da empresa, que a partir daí, poderá seguir o seu caminho sem as amarras que lhe tolhiam os movimentos.

            Vê-se, portanto, que para a efetivação da exclusão, basta a alegação dos sócios majoritários da quebra da affectio societatis, não necessitando a alegação de falta, leve ou grave, pois o sócio excluído pode nem sequer fazer parte da administração, não lhe surgindo, por isso, a possibilidade concreta de cometer uma ilicitude.

            Por enquanto as coisas funcionam assim, mas que diz afinal o artigo 1085 do Novo Código Civil?

            Ressalvado o disposto no art. 1030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.

            § Único: A exclusão somente poderá ser determinada em reunião ou assembléia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

            (grifo nosso)

            Portanto, para exclusão de um sócio inoportuno, a partir do novo Código Civil, é necessária a ocorrência de:

            a)previsão contratual para exclusão de sócio;

            b)justa causa, isto é, atos praticados pelo sócio minoritário, de inegável gravidade;

            c)exercício do direito de defesa em reunião de diretoria ou assembléia especialmente convocada;

            d)alteração contratual.

            Não desejo me aprofundar mais neste assunto, neste momento. Apenas quer me parecer que houve uma subversão total de motivos, saindo da quebra da affectio societatis e involuindo para os atos de inegável gravidade, que a doutrina vai ter que interpretar no futuro.

            Ridícula mesmo é a exigência da previsão contratual. Interessantíssimo para o majoritário, péssimo para o minoritário. Qual sócio, explicitamente minoritário, assinaria tal contrato? Só se for absolutamente idiota!

            É, na verdade, o fim da exclusão do sócio prejudicial à sociedade, prevalecendo, por força de uma legislação dissociada da realidade, o individualismo sobre o social, sobrepondo-se o interesse do indivíduo sobre o interesse de uma coletividade, solapando de vez, com dois importantes princípios jurídicos, o da entidade e o da prevalência do interesse social da propriedade.

            Só para melhor esclarecimento do assunto, na legislação atual, ao contrário do que exige a nova legislação, os sócios podem deixar explícito em cláusula contratual, que sob nenhuma hipótese poderá haver a exclusão do sócio minoritário. Muito justo, por que fica expressa a vontade do minoritário, que poderia ser prejudicado, e do majoritário que, mesmo não lhe sendo vantajoso, concorda com a situação.

            Por ora, basta!

            PROLIXIDADE

            Na ânsia incontida de decidir os mínimos detalhes de uma sociedade limitada, o legislador destruiu um dos grandes méritos do Decreto 3708/19, que era justamente, a exigüidade de disposições.

            Em poucos artigos, verdadeiros princípios norteadores desta sociedade que caiu no agrado dos empresários do mundo inteiro, o Decreto 3708 contém em seu âmago, um superprincípio intrínsico, que é o da ampla liberdade decisória, um princípio democrático enraizado na nossa lei comercial.

            Substitui-se a democracia, pela tirania pouco inteligente do legislador que, podia e devia, rever este excelente mas vetusto decreto, modernizando sua linguagem e enriquecendo suas disposições pela inserção da jurisprudência e da doutrina, que enriqueceu nosso Direito nestes 80 anos de sua vigência. Poderia incorporar também situações geradas pelos avanços tecnológicos nas comunicações, informática e transportes, principalmente pela inserção de nossa economia, no mundo globalizado em que vivemos.

            A verborragia substituiu o bom senso, o excesso de legislação destruiu aquilo que mais se valoriza no Decreto 3708/19, a parcimônia normativa.

7 – Conclusão

            Por tudo o que disse anteriormente, acredito piamente que a unificação formal do direito privado é desastre anunciado e trará aos operadores do direito, dificuldades enormes.

            O empresário nacional, maior usuário do direito comercial será, sem dúvida, o grande prejudicado. Surpreende-me, inclusive, que as entidades empresariais deste país se mantenham tão distantes em relação às mudanças anunciadas como se não tivessem nada a ver com elas.

            Gostaria de transcrever aqui, uma observação do professor Ecio Perin Júnior, em estudo publicado sob o título A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito Comercial em relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil:

            "Com efeito, dois exemplos de unificação apenas, se apresentam: a Suíça, no século passado, unificou o Direito das Obrigações, tão-somente; a arrogância e o orgulho fascista, na Itália, impôs o Código Civil unificado, de 1942, abrangendo não só os preceitos de Direito Comercial como também os de Direito do Trabalho. Mas essa unificação se explicava pela preocupação ideológica e política do regime fascista, que via no comerciante um personagem ultrapassado do decadente mundo capitalista, sendo substituído pela figura da empresa, na qual se sobressai a participação do elemento trabalho. A unificação do direito privado ali, portanto, foi ditado por uma intenção declaradamente política e ideológica, sem natureza científica. O que acontece, contudo, é que esse exemplo não prosperou."

            E é este novo Código Civil que começará a viger a partir de 10 de janeiro de 2003, que norteará as ações do empresário nacional, plagiado de um código fascista quase tão antigo como nosso velho Código Civil, do qual se pode tecer todos os tipos de elogios, menos chamá-lo de moderno, revolucionário, inteligente e novo.

            Estes são os comentários que queria fazer. É com um sentimento de pesar que atiro pedras, porque gostaria mesmo era de jogar flores, de elogiar o trabalho de todos aqueles que se dedicaram, de uma forma ou de outra, à instituição do Novo Código Civil.

            Porém, a honestidade intelectual deve ficar acima dos elogios baratos, os interesses de nossa pátria devem ficar acima dos interesses individuais.

            Afinal, se é para mudar que se mude para melhor, pois, do contrário, deixemos as coisas como estão e aí sim, sairemos todos ganhando.

8 – Bibliografia

            REQUIÃO Rubens, Curso de Direito Comercial, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1988

            CHINEN, Akira, Lições de Direito Comercial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991

            COELHO, Fábio Uchoa, Manual de Direito Comercial, São Paulo: Saraiva, 1991

            DORIA, Dilson, Curso de Direito Comercial, Vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1991

            MARTINS, Fran, Curso de Direito Comercial, Rio de Janeiro: Forense, 1987

            BULGARELLI, Waldírio, Sociedades Comerciais, São Paulo: Atlas, 1996

            PERIN JÚNIOR, Ecio. A teoria da vontade na formação dos contratos e a autonomia do Direito Comercial em relação ao Direito Civil face ao projeto do novo Código Civil. In: Jus Navigandi, nº 45, Internet (capturado 10.abr.2002)

            FIÚZA, Dep. Ricardo. Relator geral diz que críticas ao projeto de novo Código Civil são caricatas. Intelligentia Jurídica. Ano I – Nº 10, Internet, set/01

            REALE, Miguel. Visão geral do projeto do Código Civil. In: Jus Navigandi, nº 40, Internet (capturado 10.abr.2002)

            MACHADO, Daniel Carneiro. O novo Código Civil brasileiro e a teoria da empresa. In: Jus Navigandi, nº 56, Internet (capturado 25.abr.2002)

            TOMAZETTE, Marlon. A teoria da empresa: o novo Direito Comercial. In: Jus Navigandi, Internet

            VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Ainda sobre a unificação do direito privado no Brasil. In: Jus Navigandi, nº 55, Internet (capturado 10.abr.2002)

                        TOZZINI, Syllas; BERGER, Renato. Sociedades limitadas no novo Código Civil. Alguns pontos insustentáveis ou no mínimo polêmicos. In: Jus Navigandi, nº 55, Internet (capturado 10.abr.2002)
 

 


 

Referência Biográfica

* DILSON FRANÇA LANGE, contabilista, advogado, especialista em Direito Tributário pelo Inst. Brasileiro Estudos Tributários (IBET).

dilsonlange@terra.com.br

 

A desconsideração da personalidade jurídica: a teoria, o CDC e o novo Código Civil

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 *Marlon Tomazette –

Sumário: 1. Introdução – 2. O uso da pessoa jurídica – 3. O que é a desconsideração da personalidade jurídica? – 4. Origem histórica da desconsideração – 5. Terminologia – 6. A desconsideração e as teorias a respeito da personalidade – 7. Aplicação da desconsideração – 8. Requisitos da desconsideração: 8.1 A personificação; 8.2. A Fraude e o abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial: 8.2.1. Fraude 8.2.2 – Abuso de direito; 8.3. Imputação dos atos à pessoa jurídica; 9. O direito positivo brasileiro; 10. A desconsideração no código de defesa do consumidor: 10.1. Hipóteses autorizadoras da desconsideração; 10.2. Os grupos, consórcios e sociedades coligadas; 10.3. O parágrafo quinto do artigo 28; 11. A desconsideração no novo código civil. 12. Bibliografia

1. Introdução

A pessoa jurídica é um dos mais importantes institutos jurídicos já criados, cujo uso, todavia, nem sempre atendeu às finalidades a que se destinava originalmente, quando de sua concepção. Tal fato gerou uma reação que permite excepcionalmente desconsiderar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.

2. O uso da pessoa jurídica

O direito existe em função do homem, vale dizer, existe para realizar da maneira mais adequada possível os interesses do homem. A situação não é diferente em relação à pessoa jurídica, que nada mais é do que "uma armadura jurídica para realizar de modo mais adequado os interesses dos homens" (1).

Para a realização de alguns empreendimentos, por vezes é imprescindível a união de várias pessoas, as quais, todavia, não querem simplesmente entregar recursos para que outra pessoa os administre, as mesmas querem assumir responsabilidades e atuar diretamente na condução do empreendimento. De outro lado, as mesmas pessoas têm medo de comprometer todo o seu patrimônio, e preferem não assumir o risco, e investem seus recursos em atividades não produtivas.

A fim de incentivar o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas, e conseqüentemente aumentar a arrecadação de tributos, produzindo empregos e incrementando o desenvolvimento econômico e social das comunidades, era necessário solucionar os problemas mencionados, encontrando uma forma de limitação dos riscos nas atividades econômicas. Para tanto, se encaixou perfeitamente o instituto da pessoa jurídica, ou mais exatamente, a criação de sociedades personificadas.

Cria-se um ente autônomo com direitos e obrigações próprias, não se confundindo com a pessoa de seus membros, os quais investem apenas uma parcela do seu patrimônio, assumindo riscos limitados de prejuízo. Esta limitação de prejuízo só pode ser reforçada com as sociedades de responsabilidade limitada (sociedade anônima e sociedade por quotas de responsabilidade), as únicas usadas atualmente no país.

As sociedades personificadas são, pois, uma das chaves do sucesso da atividade empresarial (2), proliferando-se cada vez mais como o meio mais comum do exercício das atividades econômicas. Trata-se de um privilégio assegurado aqueles que se reúnem e desenvolvem conjuntamente determinada atividade econômica. "A atribuição da personalidade corresponde assim a uma sanção positiva ou premial, no sentido de um benefício assegurado pelo direito – que seria afastado caso a atividade fosse realizada individualmente – a quem adotar a conduta desejada" (3).

Este prêmio, este privilégio que é a pessoa jurídica não existe apenas para satisfazer as vontades e caprichos do homem, e sim atingir os fins sociais do próprio direito. Como afirma Rubens Requião, "A sociedade garante a determinadas pessoas as suas prerrogativas, não é para ser-lhes agradável, mas para assegurar-lhes a própria conservação. Esse é, na verdade, o mais alto atributo do Direito: sua finalidade social" (4). Assim, a pessoa jurídica existe e deve ser usada por ser um instrumento importantíssimo da economia de mercado, sem, contudo, cometer abusos, e gerar iniqüidades.

Infelizmente, o uso adequado da pessoa jurídica por todos que gozem de tal privilégio é uma utopia.

Reconhecida a personalidade jurídica, nas sociedades regulares, o particular pode explorar atividade econômica com limitação de prejuízos pessoais. Todavia, tal possibilidade permitiu uma série de fraudes, de abusos de direito. As sociedades contraem, em seu nome, inúmeras obrigações (empréstimos, adquirem bens), não restando, porém, bens suficientes em seu patrimônio para a satisfação das obrigações, de modo que os sócios ficam com os ganhos, e o prejuízo fica com os credores e com a sociedade, cuja falência, via de regra é decretada.

A fim de coibir esse uso indevido da pessoa jurídico surgiu a desconsideração da personalidade jurídica.

3. O que é a desconsideração da personalidade jurídica?

A lei reconhece a pessoa jurídica como um importantíssimo instrumento para o exercício da atividade empresarial, não a transformando, porém num dogma intangível A personalidade jurídica das sociedades "deve ser usada para propósitos legítimos e não deve ser pervertida" (5). Todavia, caso tais propósitos sejam desvirtuados, não se pode fazer prevalecer o dogma da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus membros.

A desconsideração é, pois a forma de adequar a pessoa jurídica aos fins para os quais a mesma foi criada, vale dizer, é a forma de limitar e coibir o uso indevido deste privilégio que é a pessoa jurídica (6), vale dizer, é uma forma de reconhecer a relatividade da personalidade jurídica das sociedades. Este privilégio só se justifica quando a pessoa jurídica é usada adequadamente, o desvio da função faz com que deixe de existir razão para a separação patrimonial (7). "O conceito será sustentado apenas enquanto seja invocado e empregado para propósitos legítimos. A perversão do conceito para usos impróprios e fins desonestos (e. g., para perpetuar fraudes, burlar a lei, para escapar de obrigações), por outro lado, não será tolerado. Entre esses são várias as situações onde as cortes podem desconsiderar a pessoa jurídica para atingir um justo resultado" (8).

Desvirtuada a utilização da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que retirar os privilégios que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial no caso concreto, esquecer a separação entre sociedade e sócio (9), o que leve a estender os efeitos das obrigações da sociedade. Assim, os sócios ficam inibidos de praticar atos que desvirtuem a função da pessoa, jurídica, pois caso o façam não estarão sob o amparo da autonomia patrimonial.

Há que se ressaltar, que não se destrói a pessoa jurídica, que continua a existir, sendo desconsiderada apenas no caso concreto. Apenas se coíbe o desvio na sua função, o juiz "se limita a confinar a pessoa jurídica à esfera que o Direito lhe destinou" (10). "A teoria da desconsideração não visa destruir ou questionar o princípio de separação da personalidade jurídica da sociedade da dos sócios, mas, simplesmente, funciona como mais um reforço ao instituto da pessoa jurídica, adequando-o a novas realidades econômicas e sociais, evitando-se que seja utilizado pelos sócios como forma de encobrir distorções em seu uso" (11)

Trata-se, porém, de medida excepcionalíssima, vale dizer, a regra é que prevaleça a autonomia patrimonial, sendo uma exceção a desconsideração. "A pessoa jurídica é um postulado básico que serve de base para transações comerciais e deve haver razões fortes para um tribunal ignorar este postulado." (12)Apenas se comprovado cabalmente o desvio no uso da pessoa jurídica é que cabe falar em desconsideração, e sacrificar a autonomia patrimonial.

A personificação das sociedades é dotada de um altíssimo valor para o ordenamento jurídico, e inúmeras vezes entra em conflito com outros valores, como a satisfação dos credores. A solução de tal conflito se dá pela prevalência do valor mais importante (13). O progresso e o desenvolvimento econômico proporcionado pela pessoa jurídica são mais importantes que a satisfação individual de um credor. Logo, deve normalmente prevalecer a personificação.

Apenas quando um valor maior for posto em jogo, como a finalidade social do direito, em conflito com a personificação, e que esta cederá espaço. "Quando o interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico como mais desejável e menos sacrificável do que o interesse colimado através da personificação societária, abre-se oportunidade para a desconsideração sob pena de alteração da escala de valores" (14).

Com tais contornos, Fábio Ulhoa Coelho assim define a desconsideração: "O juiz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi utilizada como instrumento para a realização de fraude ou de abuso de direito" (15). Similarmente se pronunciou Marçal Justen Filho afirmando que a desconsideração "é a ignorância, para casos concretos e sem retirar a validade do ato jurídico específico, dos efeitos da personificação jurídica validamente reconhecida a uma ou mais sociedades, a fim de evitar um resultado incompatível com a função da pessoa jurídica" (16).

Conquanto as definições sejam perigosas, neste particular, lançaremos mão de uma, assim formulada: a desconsideração da personalidade jurídica é a retirada episódica, momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus sócios ou administradores, com o fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica, perpetrada pelos mesmos.

4. Origem histórica da teoria da desconsideração

A importância do fenômeno da personificação e de seus efeitos levou a uma supervalorização da autonomia patrimonial, tida a princípio como não suscetível de afastamento. Erigida como um dogma, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica era sempre prestigiada, e tida como fundamental não se admitindo sua superação (17).

A partir do século XIX começaram a surgir preocupações com a má utilização da pessoa jurídica, em virtude do que foram buscados meios idôneos para reprimi-la, como a teoria da soberania HAUSSMANN e MOSSA, que imputava responsabilidade ao controlador de uma sociedade de capitais por obrigações não cumpridas, a qual, contudo não chegou a se desenvolver satisfatoriamente (18). Era necessário relativizar a autonomia patrimonial para não chegar a resultados contrários ao direito.

A desconsideração desenvolveu-se inicialmente nos países da Common Law, pois no direito continental os fatos não têm a força de gerar novos princípios, em detrimento da legislação (19). Na maioria da doutrina (20) se reputa a ocorrência do primeiro caso de aplicação da desconsideração da pessoa jurídica o Caso Salomon x Salomon Co em 1897, na Inglaterra.

Neste leading case, Aaron Salomon era um próspero comerciante individual na área de calçados que, após mais de 30 anos, resolveu constituir uma limited company (similar a uma sociedade anônima fechada brasileira), transferindo seu fundo de comércio a tal sociedade. Em tal companhia, Aaron Salomon tinha 20 mil ações, e outros seis sócios, membros de sua família, apenas uma cada um. Além das ações, o mesmo recebeu várias obrigações garantias, assumindo a condição de credor privilegiado da companhia.

Em um ano, a companhia mostrou-se inviável, entrando em liquidação, na qual os credores sem garantia restaram insatisfeitos. A fim de proteger os interesses de tais credores, o liquidante pretendeu uma indenização pessoal de Aaron Salomon, uma vez que a companhia era ainda a atividade pessoal do mesmo, pois os demais sócios eram fictícios. O juízo de primeiro grau e a Corte de apelação desconsideraram a personalidade da companhia, impondo a Salomon a responsabilidade pelos débitos da sociedade. Tal decisão foi reformada pela Casa dos Lordes, que prestigiou a autonomia patrimonial da sociedade regularmente constituída, mas estava aí a semente da "disregard doctrine".

Suzy Koury (21) noticia a existência de um primeiro caso nos Estados Unidos em 1.809 o caso Bank of United States vs. Deveaux, no qual o Juiz Marshall conheceu do caso e levantou o véu da pessoa jurídica (piercing the corporate veil) e considerou a característica dos sócios individualmente falando. Não se trata propriamente de um leading case a respeito da desconsideração da pessoa jurídica, mas apenas de uma primeira manifestação (22) que olhou além da pessoa jurídica e considerou as características individuais dos sócios (23).

Tratava-se não de uma discussão sobre responsabilidade, autonomia patrimonial, mais uma discussão sobre a competência da justiça federal norte americana, a qual só abrangia controvérsias entre cidadãos de diferentes estados. Não se podia considerar a sociedade um cidadão, então, levou-se em conta os diversos membros da pessoa jurídica, para conhecer da questão no âmbito da justiça federal (24).

Qualquer que seja a decisão considerada, foi a partir da jurisprudência anglo-saxônica que se desenvolveu a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, sobretudo na jurisprudência norte americana. Na doutrina, devemos ressaltar alguns trabalhos importantíssimos, como a obra Disregard of corporate fiction and allied corporation problems de Wormser publicada inicialmente em 1927, a obra Aparencia y realidad em las sociedades mercantiles de Rolf Serick publicada em alemão em 1953, e a obra Il superamento della personalitá giuridica delle societá di capitalli nella "common law" e nella "civil law" de Piero Verrucoli, que veio a lume em 1964. No Brasil devemos dar destaque especial ao artigo de Rubens Requião publicado em 1969, com o título Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica.

5. Terminologia

Surgida na jurisprudência anglo-saxônica a desconsideração lá é conhecida como "disregard of legal entity" ou "disregard doctrine", expressões por vezes usadas pelos autores brasileiros. Nos países da Common Law usam-se também expressões retóricas como levantar o véu da pessoa jurídica ("piercing the corporate veil". No direito alemão fala-se em "Durchgriff derr juristichen Person", no direito italiano "superamento della personalitá giuridica", no direito argentino "desestimácion de la personalidad" (25)

No Brasil a expressão mais correta para tal instituto é a desconsideração da personalidade jurídica, não se podendo falar em despersonalização. Não se trata de mero preciosismo terminológico, porquanto há uma grande diferença entre as duas figuras, despersonalizar é completamente diverso de desconsiderar a personalidade.

Despersonalizar significa anular a personalidade, o que não ocorre na desconsideração. Nesta, não se anula a personalidade, ao contrário, esta resta mais protegida, não se trata de despersonalização (anulação definitiva da personalidade), mas de simples desconsideração, retirada momentânea de eficácia da personalidade.

"A "disregard doctrine" não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto dentro de seus limites, a pessoa jurídica em relação às pessoas que atrás dela se escondem" (26). A pessoa jurídica é um instituto muito importante para ser destruído, de modo que não deve ocorrer a despersonalização, " a destruição da entidade pessoa jurídica, mas a suspensão dos efeitos da separação patrimonial in casu" (27).

Trata-se de uma técnica que se aplica aos casos concretos específicos, daí falar-se em suspensão episódica e temporária. A pessoa jurídica continuará a existir para os demais atos, nos quais não se apresente um motivo justificado para aplicar a desconsideração. Por isso, falamos em desconsideração e não em despersonalização.

6. A desconsideração e as teorias a respeito da personalidade

Qualquer que seja a explicação adotada para a personificação das sociedades, seja ficção, seja realidade, a desconsideração é perfeitamente justificada, como uma forma de controle do privilégio que é a personalidade jurídica das sociedades.

            Se a personalidade é uma criação do legislador, uma ficção, o ordenamento jurídico pode a qualquer tempo suspender seus efeitos desconsiderando-a. As ficções legais existem para alcançar um fim justo, não podendo dar margem a outras finalidades (28), e por isso, compete ao ordenamento jurídico controlar o uso desta ficção, definindo os exatos limites do uso adequado da pessoa jurídica. "Seria absurdo que o Estado criasse novos sujeitos destinados a operar no seu território, contra ele diretamente ou contra as finalidades por ele perseguidas e tuteladas" (29).

De outro lado, se a personalidade é uma realidade anterior a lei, a desconsideração é um instrumento de direito positivo, utilizada para adequá-la a seus referenciais meta – jurídicos, isto é, é uma forma de evitar um resultado injusto pela utilização da pessoa jurídica. A pessoa jurídica é uma realidade técnica para atingir fins lícitos (30).

A pessoa jurídica pela teoria da realidade é constituída de substrato, mais reconhecimento estatal (31). Este último elemento fundamental é negado, considerando-se os sócios individualmente, quando se usa indevidamente a personificação para atingir um resultado contrário ao direito (32). "Quando a noção de entidade legal é usada para frustrar o interesse público, justificar erros, proteger fraudes, ou justificar crimes, o direito deve considerar a sociedade como uma associação de pessoas" (33).

Há um consenso no sentido de que a personalidade é um privilégio, que deve ser controlado, por meio da teoria da desconsideração, mesmo nos países da tradição romano-germânica, como o Brasil.

7. Aplicação da teoria da desconsideração

Diante da possibilidade de se desvirtuar a função da personalidade jurídica é que surgiu a doutrina da desconsideração, a qual permite a superação da autonomia patrimonial, que embora seja um importante princípio, não é um princípio absoluto.

De imediato, há que ressaltar que a desconsideração prescinde de fundamentos legais para a sua aplicação (34), existindo inclusive algumas manifestações jurisprudenciais como o julgamento da 11ª Vara Cível do Distrito Federal em 25.02.60 Juiz Antônio Pereira Pinto, anteriores a qualquer positivação da doutrina. Não se trata da aplicação de um dispositivo que autoriza a desconsideração, mas da não aplicação no caso concreto da autonomia patrimonial da pessoa jurídica que está indevidamente usada (35). Nada mais justo do que conceder ao Estado através da justiça, a faculdade de verificar se o privilégio que é a personificação e conseqüentemente, a autonomia patrimonial, direito está sendo adequadamente realizado (36), pois assim, obsta-se o alcance de resultados contrários ao direito.

Entretanto, a importância do princípio da autonomia patrimonial nos leva, todavia, a aplicar a desconsideração com cautela, apenas em casos excepcionais, atendidos determinados requisitos, vale dizer, a regra é que prevaleça o princípio. Tais requisitos são bem específicos referindo-se basicamente ao desvirtuamento no uso da pessoa jurídica.

Não basta o descumprimento de uma obrigação por parte da pessoa jurídica (37), é necessário que tal descumprimento decorra do desvirtuamento da função da mesma. A personificação é um instrumento legítimo de destaque patrimonial, e eventualmente de limitação de responsabilidade (38), que só pode ser descartado caso o uso da pessoa afaste-se dos fins para os quais o direito a criou (39).

A aplicação generalizada da desconsideração acabaria por extinguir uma das maiores criações do direito a pessoa jurídica, e por isso, há que se ter cautela sempre, não considerando suficiente o não cumprimento das obrigações da pessoa jurídica. Assim, já se pronunciou o 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, afirmando que "percalços econômicos financeiros da empresa, tão comuns na atualidade, mesmo que decorrentes da incapacidade administrativa de seus gerentes, não se consubstanciam por si sós, em comportamento ilícito e desvio da finalidade da entidade jurídica. Do contrário seria banir completamente o instituto da pessoa jurídica" (40).

Para a desconsideração é fundamental a prova concreta de que a finalidade da pessoa jurídica foi desviada (41), isto é, é imprescindível que restem preenchidos os requisitos para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.

8. Requisitos para a desconsideração

A fim de desconsiderar o fenômeno da personificação, de modo que o patrimônio dos sócios, responda pelas obrigações contraídas em nome dos sócios, é necessário que se configure a fraude ou abuso de direito relacionado à autonomia patrimonial. Além disso, é necessária a existência de uma pessoa jurídica, e que não se trate de responsabilização direta do sócio, por ato próprio.

8.1 – A personificação

A própria terminologia usada deixa claro que a desconsideração só tem cabimento quando estivermos diante de uma pessoa jurídica, isto é, de uma sociedade personificada. Sem a existência de personalidade não há o que desconsiderar.

No sistema brasileiro a personalidade jurídica das sociedades nasce com o registro dos atos constitutivos no órgão competente (art. 18 código civil). Sem tal registro, não importa se exista ou não o ato constitutivo, não se pode falar em personificação da sociedade, mas em sociedade de fato ou irregular. Ora, não se tratando de uma pessoa jurídica, não há que se cogitar de autonomia patrimonial, não havendo a possibilidade uso desta autonomia para fins escusos.

Nas sociedades de fato ou irregulares os sócios assumem responsabilidade direta, solidária e ilimitada pelos atos praticados pela sociedade (42), não havendo motivo para a aplicação da desconsideração.

Em termos práticos, além da personificação é necessário que se cogite de uma sociedade na qual os sócios tenham responsabilidade limitada (43), ou seja, de sociedade anônima ou sociedade por quotas de responsabilidade limitada, praticamente as únicas que existem no país. Em outras palavras, a aplicação da desconsideração pressupõe uma sociedade, na qual o exaurimento do patrimônio social não seja suficiente para levar responsabilidade aos sócios.

A exigência da limitação de responsabilidade é de cunho eminentemente prático, pois nada impediria a desconsideração nos demais tipos societários, com o intuito de proteger a própria pessoa jurídica. Todavia, a excepcionalidade da superação da autonomia patrimonial por meio da aplicação da desconsideração, torna mais fácil a aplicação direta da responsabilidade ilimitada dos sócios, quando a mesma já é consignada na lei.

8.2 – A Fraude e o abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial

O pressuposto fundamental da desconsideração é o desvio da função da pessoa jurídica (44), que se constata na fraude e no abuso de direito relativos à autonomia patrimonial, pois a desconsideração nada mais do que uma forma de limitar o uso da pessoa jurídica aos fins para os quais ela é destinada.

Entretanto, não se trata de orientação pacífica. Fábio Konder Comparato (45) entende que tal formulação da desconsideração é equivocada, entendendo que é a confusão patrimonial o requisito primordial da desconsideração, desenvolvendo o que se costumou chamar de sistema objetivo. Ousamos discordar de tal entendimento.

Sem sombra de dúvida a confusão patrimonial é um sinal que pode servir, sobretudo de meio prova, para se chegar a desconsideração, mas não é o seu fundamento primordial. A confusão patrimonial não é por si só suficiente para coibir todos os casos de desvio da função da pessoa jurídica, pois há casos, nos quais não há confusão de patrimônios, mas há o desvio da função da pessoa jurídica, autorizando a superação da sua autorizando a superação da autonomia patrimonial.

Assim, partilhamos o entendimento de que a fraude e o abuso de direito relacionados à autonomia patrimonial são os fundamentos básicos da aplicação da desconsideração.

 8.2.1 – Fraude relacionada à autonomia patrimonial

A autonomia patrimonial da pessoa jurídica é um meio legítimo de destaque patrimonial, limitando os riscos da atividade empresarial, facilitando o desenvolvimento da chamada economia de mercado. Todavia, pessoas movidas por um intuito ilegítimo, podem lançar mão de autonomia patrimonial para se ocultar, e fugir ao cumprimento de suas obrigações. Neste particular, estaremos diante de uma fraude relacionada a autonomia patrimonial.

A fraude é o artifício malicioso para prejudicar terceiros, isto é, "a distorção intencional da verdade com o intuito de prejudicar terceiros" (46). O essencial na sua caracterização é o intuito de prejudicar terceiros, independentemente de se tratar de credores (47). Tal prática a princípio é lícita (48), sua ilicitude decorre do desvio na utilização da pessoa jurídica, nos fins ilícitos buscados no manejo da autonomia patrimonial.

Um exemplo bem ilustrativo nos é dado por Fábio Ulhoa Coelho ao se referir ao descumprimento da cláusula de não restabelecimento no trespasse do estabelecimento comercial (49). Quando um comerciante aliena seu estabelecimento (trespasse), normalmente é imposta uma cláusula de não restabelecimento, isto é, se impõe ao alienante a obrigação de não se restabelecer fazendo concorrência ao adquirente. Trata-se de obrigação pessoa do alienante, que para se furtar ao cumprimento da mesma, poderia constituir uma pessoa jurídica, a qual sendo dotada de existência distinta, não seria imposto o não restabelecimento. Todavia, vê-se claramente neste particular um artifício para prejudicar o adquirente, isto é, uma fraude.

Ora, claramente não é esse o fim para o qual foi criada a pessoa jurídica, não podendo prevalecer em detrimento do alcance da almejada justiça (50). A pessoa jurídica não existe para permitir que a pessoa física burle uma obrigação que lhe é imposta, não existe para permitir que pessoa física faça algo que lhe é proibido (51), ela existe como ente autônomo para o exercício normal das atividades econômicas, isto é, para o tráfico jurídico de boa fé (52).

Cogitamos aqui dos chamados negócios indiretos entendidos como aqueles pelas quais as partes tentam alcançar uma finalidade que não é a típica do negócio em questão (53). Todavia, há que se ressaltar que não é suficiente que se busque uma finalidade diversa da típica das sociedades para aplicar a desconsideração, vale dizer, não basta o negócio indireto para a desconsideração. A utilização da pessoa jurídica para alcançar fins diversos dos típicos pode ser válida (54), desde que os fins visados sejam lícitos.

A fraude à lei é uma subespécie dos negócios indiretos, onde a ilegitimidade decorre não do desvio de função, mas da finalidade ilícita de tal desvio (55). Assim, é o uso da autonomia patrimonial para fins ilícitos que permite a desconsideração.

Há que se ressaltar que não basta a existência de uma fraude, é imprescindível que a mesma guarde relação com o uso da pessoa jurídica, isto é, seja relativa à autonomia patrimonial. Fraudes podem ser cometidas pela pessoa jurídica, como a emissão de um cheque sem provisão de fundos, contudo, se tal fraude não tiver qualquer relação com a utilização da autonomia patrimonial não podemos aplicar a desconsideração (56).

8.2.2 – O abuso de direito relacionado à autonomia patrimonial

Não é só com a intenção de prejudicar terceiros que ocorre o desvio da função da pessoa jurídica, outros desvios no uso da pessoa jurídica também devem ser coibidos com a aplicação da desconsideração. Neste particular, aparece o abuso de direito (57) como fundamento para a desconsideração.

Os direitos em geral, como o de usar a pessoa jurídica, têm por origem a comunidade, e dela recebem sua finalidade (58), da qual não pode o seu titular se desviar. Quando ocorre tal desvio, não há o uso do direito, mas o abuso do direito que não pode ser admitido. O exercício dos direitos deve atender à sua finalidade social, e não apenas aos meros caprichos de seu titular.Em suma, "é abusivo qualquer ato que por sua motivação e por seu fim, vá contra o destino, contra a função do direito que se exerce." (59), é o mau uso do direito.

No abuso do direito, o ato praticado é permitido pelo ordenamento jurídico (60), trata-se de um ato a princípio plenamente lícito. Todavia, o mesmo foge a sua finalidade social, e sua prevalência gera um mal estar no meio social, não podendo prevalecer. Os direitos se exercem tendo em conta não apenas o seu titular, mas todo o agrupamento social, o exercício dos mesmos normalmente não é absoluto, é relativo.

No uso da personalidade jurídica tais abusos podem ocorrer, e freqüentemente ocorrem. Quando existem várias opções para usar a personalidade jurídica, todas lícitas a princípio, mas os sócios ou administradores escolhem a pior, isto é, a que mais prejudica terceiros, nos deparamos com o abuso de direito.

Este "mau uso" da personalidade jurídica, isto é, a utilização do direito para fins diversos dos quais deveriam ser buscados, é que primordialmente autoriza a desconsideração, variando com a experiência de cada país outros fundamentos. Ao contrário da fraude, no abuso de direito o propósito de prejudicar não é essencial (61), há apenas o mau uso da personalidade jurídica.

8.3 – Imputação dos atos praticados à pessoa jurídica:

 Aplicando-se a desconsideração chegaremos a responsabilização dos sócios ou administradores, a qual, todavia, também pode ocorrer em outras situações que não se confundem com a teoria da desconsideração.

 Quando os sócios ou administradores extrapolam seus poderes violando a lei ou o contrato social, a lei lhes impõe a responsabilidade por tais atos. Entretanto, não se cogita da desconsideração, mas de responsabilidade pessoal e direta dos sócios. "Em tal caso, há simplesmente uma questão de imputação. Quando o diretor ou o gerente agiu com desobediência a determinadas normas legais ou estatutárias, pode seu ato, em determinadas circunstâncias, ser inimputável à pessoa jurídica, pois não agiu como órgão (salvo problema de aparência) – a responsabilidade será sua, por ato seu. Da mesma forma, quando pratique ato ilícito, doloso ou culposo: responderá por ilícito seu, por fato próprio" (62)

 Nestes casos, a autoria do ato é imputada diretamente ao sócio ou administrador que o executou (63), não havendo que se suspender, nem momentaneamente a eficácia da autonomia patrimonial, vale dizer, a pessoa jurídica não é obstáculo ao ressarcimento. É o pressuposto da licitude (64), necessário para distinguir a desconsideração de outros casos de responsabilização dos sócios. "Portanto, quando a lei cuida de responsabilidade solidária, ou subsidiária, ou pessoal dos sócios, por obrigação da pessoa jurídica, ou quando ela proíbe que certas operações, vedadas aos sócios, sejam praticadas pela pessoa jurídica, não é preciso desconsiderar a empresa, para imputar as obrigações aos sócios, pois, mesmo considerada a pessoa jurídica, a implicação ou responsabilidade do sócio já decorre do preceito legal. O mesmo se diga se a extensão da responsabilidade é contratual" (65).

 Nos casos dos artigos 10 e 16 do Decreto 3.708/19, 117 e 158 da Lei 6.404/76, 135 da Lei 5.175/66 (CTN) não tratamos da desconsideração, nem de suas origens, como pretendem alguns. Estamos diante de hipóteses de responsabilidade civil simples dos sócios, ou administradores (66), não foi a pessoa jurídica que teve sua finalidade desvirtuada, foram as pessoas físicas que agiram de forma ilícita, e por isso tem responsabilidade pessoal.

9. A desconsideração da personalidade jurídica no direito positivo brasileiro

A teoria da desconsideração prescinde de fundamentos legais  para a sua aplicação, uma vez que nada    mais justo do que conceder ao Estado através da justiça, a faculdade de verificar se o direito está sendo  adequadamente realizado. Apesar disso, o legislador houve por bem acolher a teoria da desconsideração em    determinados dispositivos, quais sejam, artigos 28 da Lei 8.078/90, artigo 18 da Lei 8.884/94 e artigo 4º da Lei 9.605/98, embora sem uma precisão desejável.

Tais dispositivos embora desprovidos da melhor técnica, por confundirem institutos diversos, acolhem ainda que de maneira confusa a desconsideração no direito brasileiro.

O pioneirismo coube ao Código de Defesa do consumidor, cujas regras foram copiadas e estendidas a outras relações, que não as relações de consumo. Em relação às infrações a ordem econômica (Lei 8.884/94) houve praticamente a repetição do teor do artigo 28 da Lei 8.078/90. Posteriormente, acolheu-se a desconsideração em relação às lesões ao meio ambiente (Lei 9.605/98), também praticamente reproduzindo o artigo 28, § 5º do Código de Defesa do Consumidor. Assim sendo, em termos de direito positivo a análise a ser feita é aquela à luz do CDC.

De imediato há que se afastar o entendimento de que o artigo 2º, § 2º da CLT acolhe a desconsideração (67). Tal dispositivo excepciona a autonomia resultante da formação de grupos empresariais, determinando a solidariedade das várias empresas integrantes do grupo, sem cogitar do abuso ou da fraude.

Ora, não se trata de desconsideração, mas de simples solidariedade, por três motivos: "primeiro, porque não se verifica a ocorrência de nenhuma hipótese que justifique sua aplicação como fraude ou abuso; segundo, porque reconhece e afirma a existência de personalidades distintas; terceiro, porque se trata de responsabilidade civil com responsabilização solidária das sociedades pertencentes ao mesmo grupo" (68).

Em tal hipótese não se discute o uso da pessoa jurídica, mas se protege de maneira direta o empregado, garantindo-lhe uma responsabilidade solidária das diversas integrantes do grupo, independentemente de fraude ou abuso. Não se suprime sequer momentaneamente a personalidade jurídica, apenas são estendidos os riscos da atividade econômica.

10 – A desconsideração no código de defesa do consumidor

A introdução da teoria da desconsideração no direito positivo brasileiro é atribuída ao artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, o qual, todavia, se afastou dos pressupostos, e desvirtuou a teoria, consagrando hipóteses diversas sob a mesma rubrica.

Trata-se de dispositivo aplicável exclusivamente às relações de consumo, não havendo que se cogitar de sua aplicação extensiva, a menos que se afigurem presentes os elementos de uma eventual aplicação analogia. Há que se ressaltar que em relação às infrações à ordem econômica, e ao meio ambiente há uma legislação própria que reproduz o CDC, não se devendo falar em aplicação analógica.

10.1.  Hipóteses autorizadoras da desconsideração

O caput do artigo 28 do CDC enumera as hipóteses nas quais é cabível a desconsideração da personalidade jurídica, em redação pouco aconselhável.

A primeira hipótese de desconsideração elencada pelo artigo 28 do CDC, é o abuso de direito, que representa o exercício não regular de um direito. A personalidade jurídica é atribuída visando determinada finalidade social, se qualquer ato é praticado em desacordo com tal finalidade, causando prejuízos a outrem, tal ato é abusivo e, por conseguinte atentatório ao direito, sendo a desconsideração um meio efetivo de repressão a tais práticas. Neste particular, o CDC acolhe a doutrina que consagrou e sistematizou a desconsideração.

Na seqüência o código refere-se ao excesso de poder, que diz respeito aos administradores que praticam atos para os quais não tem poder. Ora, os poderes dos administradores são definidos pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, cuja violação também é indicada como hipótese de desconsideração. Assim, podemos reunir em um grupo o excesso de poder, a violação ao contrato social ou ao estatuto, a infração a lei e os fatos ou atos ilícitos (69). A redundância na redução deve ter resultado de uma preocupação extrema em não deixar lacunas, o que levou a uma redação tão confusa.

Tais hipóteses não correspondem efetivamente a desconsideração, pois se trata de questão de haver imputação pessoal dos sócios ou administradores, não sendo necessário cogitar-se de desconsideração (70). A inclusão de tais hipóteses é completamente desnecessária, pois muito antes do Código de Defesa do Consumidor já existiam dispositivos para coibir tais práticas, como os artigos 10 e 16 do Decreto 3.708/19, 117 e 158 da Lei 6.404/76 e 159 do Código Civil de 1916, que tratavam da responsabilidade pessoal dos sócios ou administradores (71).

Por fim, o caput do artigo 28 menciona a falência, insolvência, encerramentos das atividades provocado por má administração. Neste particular, mais uma vez nosso legislador não foi feliz na medida em que a definição do que vem a ser má administração, é tão abstrata e subjetiva, que poderá levar a inaplicabilidade do dispositivo.

Fábio Ulhoa Coelho tenta esclarecer a má administração, como a conduta do administrador eivada de erros, por desatender as diretrizes técnicas da ciência da administração (72), afastando também tal hipótese dos contornos da desconsideração propriamente dita. Tal desleixo dos administradores é uma questão de comprovação muito difícil, pois uma atitude arriscada que gera prejuízos pode ser considerada má administração, contudo, se a mesma atitude produz grandes lucros, trata-se de atitude arrojada e genial, demonstrando a dificuldade prática da introdução deste particular.

10.2 – A desconsideração e os grupos, consórcios e sociedades coligadas.

Os parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo referem-se a responsabilidade pelos danos causados ao consumidor no caso de grupos societários, consórcios e sociedades coligadas, estabelecem a responsabilidade no caso de sociedades que mantêm entre si alguma relação.

Nos grupos, cujo conceito é controvertido, há responsabilidade subsidiária, vale dizer, se a sociedade causadora do dano ao consumidor, não tiver condições de ressarci-lo, o consumidor poderá se socorrer do patrimônio das demais integrantes do grupo. Já nos consórcios (reuniões de sociedades para realizar determinado empreendimento – art. 278 da Lei 6.404/76) a responsabilidade é solidária, ou seja, o consumidor escolhe entre as integrantes do consórcio aquela da qual ele irá cobrar o seu prejuízo. Por fim, há referência às sociedades coligadas ( ma é sócia da outra com mais de 10% do seu capital, sem controla-la – artigo 245, § 1º da Lei 6.404/76), exigindo-se a culpa para responsabilização da sociedade que não agiu perante o consumidor.

Tais hipóteses também não se referem à desconsideração propriamente dita (73), mas a instituto diverso, no sentido da extensão da responsabilidade das sociedades que mantêm relações entre si.

"Embora estejam intergrados no rótulo da desconsideração, as hipóteses ali previstas se afastam do tema. Nesses parágrafos há apenas a preocupação com a responsabilidade das sociedades controladas, consorciadas e integrantes de grupo, dando-lhe responsabilidade subsidiária ou solidária e reforçando os limites da coligadas. Note-se, pois, que não há efetiva desconsideração, mas, sim, consideração de cada uma, aumentando o seu âmbito de responsabilidade " (74).

10.3 – O parágrafo quinto do artigo 28

Elencando expressamente no "caput" algumas causas de desconsideração, o artigo 28 § 5º afirma que "também poderá ser desconsiderada a personalidade jurídica, sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores". A extensão de tal dispositivo deu margem a diversas controvérsias de interpretação, e novas críticas.

Para Zelmo Denari (75), o parágrafo quinto é que foi vetado, ao contrário do parágrafo primeiro, que consta como vetado, a luz das razões do veto presidencial. Assim, o referido parágrafo não existe no mundo jurídico. Tal interpretação é incoerente na medida em que pressupõe um erro legislativo do presidente da república, não corrigido num prazo de 10 anos.

Luiz Antônio Rizzato Nunes (76) ao analisar o referido dispositivo entende que as hipóteses do caput do artigo 28 são meramente exemplificativas, sendo completadas pelo parágrafo quinto, pelo qual bastaria a existência do prejuízo em razão da autonomia patrimonial para aplicar a desconsideração. Tal linha de entendimento parece ser partilhada por Guilherme Fernandes Neto (77).

Tal orientação, embora seja plausível, não é melhor sobre a matéria. Conquanto a proteção do consumidor seja importante, sendo um princípio basilar do CDC, é certo que a pessoa jurídica também é importantíssima, sendo um dos mais importantes institutos do direito privado. A prevalência de tal interpretação representaria a revogação do artigo 20 do Código Civil no âmbito do direito do consumidor, objetivo que não parece ter sido visado pelo legislador pátrio, dada a importância do instituto. Além do que, a própria forma com que foi colocada tal regra, no parágrafo quinto, não nos permite interpretá-la literalmente e, por conseguinte ignorar o caput do referido dispositivo.

Luciano Amaro faz uma crítica extremamente procedente afirmando que a interpretação literal levaria a seguinte situação analógica: "Se causares prejuízo com abuso irás preso; também irás preso se causares prejuízo por má administração; e também irás preso sempre que, de qualquer forma, causares prejuízo" (78). Não é o simples prejuízo que autoriza a desconsideração, há que se fazer uma interpretação lógica e teleológica do dispositivo.

Para Fábio Ulhoa Coelho (79) deve se fazer uma interpretação sistemática, aplicando o § 5º somente no que tange às sanções não pecuniárias (a proibição de fabricação do produto, suspensão das atividades ou do fornecimento de produto ou serviço – artigo 56 do CDC), porquanto na interpretação literal se desvirtua completamente a teoria, e se revoga o artigo 20 do C. C, extinguindo a pessoa jurídica no âmbito do direito do consumidor. Embora mais coerente, tal posição nos parece também equivocada porquanto o texto do referido parágrafo fala em ressarcimento, o que indica a natureza pecuniária da aplicação desconsideração.

Outros autores, a nosso ver, com razão entendem que o referido parágrafo não pode ser interpretado como uma extinção da autonomia patrimonial no âmbito do direito do consumidor, devendo ser interpretado como uma possibilidade de desconsideração a mais, sem contudo, abstrair os fundamentos da desconsideração. Para Luciano Amaro, há que se entender o parágrafo como uma abertura do rol das hipóteses, sem abrir mão dos pressupostos teóricos da doutrina da desconsideração (80).

Genacéia da Silva Alberton afirma que: "no que se refere ao § 5º do art. 28, é necessário interpretá-lo com cautela. A mera existência de prejuízo patrimonial não é suficiente para a desconsideração. Leia-se, quando a personalidade jurídica for óbice ao justo ressarcimento do consumidor" (81).

Esse justo ressarcimento é o cerne da interpretação do referido dispositivo. Haverá a desconsideração se a pessoa jurídica foi indevidamente utilizada, e por isso impede o ressarcimento do consumidor, pois em tal caso haveria injustiça. No caso, por exemplo, de um acidente com os produtos, ou de um furto de todo o dinheiro da sociedade, o não ressarcimento do consumidor é justo, pois decorreu de um fato imprevisto, e não da indevida utilização do expediente da autonomia patrimonial. Assim, quando a personalidade jurídica for usada de forma injusta, caberá a desconsideração.

E não se diga que o risco inerente à atividade econômica impõe a desconsideração na hipótese, pois tal risco é da pessoa jurídica, sujeito de direito autônomo e não do sócio. O risco do sócio é limitado de acordo com o tipo societário escolhido, não tendo a ver com a sorte econômica da empresa. Ademais, ainda que se cogite de uma responsabilidade objetiva há que existir um nexo de causalidade entre a conduta do sócio ou do administrador e o dano, o que só ocorrerá em se prestigiando essa última interpretação.

11. A desconsideração no novo Código Civil

O projeto de Código Civil, ao tratar da desconsideração, estabelecia a expulsão do sócio, ou a dissolução da sociedade, o que foi extremamente criticado pela doutrina, pois além de se distanciar da teoria da desconsideração não atendia aos objetivos da mesma. Todavia, o projeto já foi emendado e passou a ter a seguinte redação:

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".

A desconsideração neste particular vem claramente positivada como uma forma de repressão ao abuso na utilização da personalidade jurídica das sociedades, fundamento primitivo da própria teoria da desconsideração. Assim, vê-se que o direito positivo acolhe a teoria da desconsideração em seus reais contornos.

Tal abuso poderá ser provado pelo desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial. Ao contrário do que possa parecer, nosso código não acolhe a concepção objetiva da teoria, pois a confusão patrimonial não é fundamento suficiente para a desconsideração, sendo simplesmente um meio importantíssimo de comprovar o abuso da personalidade jurídica, que ocorre nas hipóteses do abuso de direito e da fraude. Destarte, o necessário para a desconsideração é o abuso da personalidade jurídica, que pode ser provado inclusive pela configuração de uma confusão patrimonial.

A par disso, a nova legislação deixa claro que a desconsideração não extingue a pessoa jurídica, mas estende os efeitos de determinadas obrigações aos sócios e administradores, vale dizer, há uma suspensão episódica da autonomia da pessoa jurídica.

Não se trata, em verdade, de uma inovação, pois a aplicação da desconsideração independe de fundamento legal, e já podia ser aplicada com os mesmos contornos. Todavia, nossa tradição, extremamente ligada ao direito escrito, impõe o acolhimento da teoria da desconsideração pelo direito positivo, facilitando sua aplicação, tendo em vista a existência de um fundamento legal explicito. Portanto, a positivação da teoria em tais termos mostra-se extremamente interessante, para se reconhecer a relativização da personalidade jurídica (82).

12. Bibliografia

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Notas

1. FERRARA, Francesco, Trattato de diritto civile italiano, p. 598, tradução livre "La personalitá non é che um’armatura giruidica per realizzare in modo piú adeguato intreressi di uomini".

 2. ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: Um estudo de direito civil constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (Coordenador). Problemas de direito civil constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.245.

 3. KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 13, jan- mar/95, p. 80

 4. REQUIÃO, Rubens, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 58, nº 410, dez/69, p. 15

 5. WORMSER, I Maurice, op. cit., p. 9, tradução livre de "it must be used for legitimate business purposes and must not be perverted".

 6. VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle societá di capitali nella Common Law e nella Civil Law, p. 195.

 7. RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 11, jul-set/94, p. 7.

 8. HENN, Harry G. e ALEXANDER, John R. Law of corporations. 3. ed. St. Paul: West Group, 1983, p. 346, tradução livre de "The concept will be sustained only so long as it is invoked and employed for legitimate purposes. Perversion of the concept to improper uses and dishonests ends (e. g., to perpetuate fraud, to evade the law, to escape obligations), on the other hand, will not be countenanced. In between are various situaitosn where the courts might disregard coporateness to achiev a just result".

 9. SERICK, Rolf, Apariencia y realidad em las sociedades mercantiles: El abuso de derecho por meido de la persona jurídica. Traduccíon y comentarios de derecho Español por José Puig Brutau. Barcelona: Ariel, 1958, p. 241.

 10. SERICK, Rolf., op. Cit., p. 242, tradução livre de "se limita a confinar a la persona jurídica a la esfera que precisamente el Derecho le tiene asignada"

 11. SILVA, Alexandre Couto, op. Cit., p. 35

 12. HAMILTON, Robert W. The Law of corporations. 5. ed. St. Paul: West Group, 2000, p. 134, tradução livre de "The corporate fiction is a basic assumption that underlies commercial transactions and threre must be compelling reasons for a court to ignore that assumption"

13. LARENZ, Karl. Metodología de la ciencia del derecho. Traducción y revisión de Marcelino Rodríguez Molinero. Barcelona: Ariel, 1994, p. 400.

14. KRIGER FILHO, Domingos Afonso, op. Cit., p. 80.

15. COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica. São Paulo: RT, 1989, p. 92.

16. JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, São Paulo: RT, 1987, p.57.

 17. VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle societá di capitali nella Common Law e nella Civil Law. Milano: Giuffrè, 1964, p. 81.

 18. VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle societá di capitali nella Common Law e nella Civil Law, p. 164.

 19. VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle societá di capitali nella Common Law e nella Civil Law, p. 200.

 20. FRANCO, Vera Helena de Mello, Manual de direito comercial, v. 1, p. 239; GUIMARÃES, Flávia Lefèvre. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor – aspectos processuais. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 21;

 21. KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 64.

 22. SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. São Paulo: LTR, 1999, p. 32

 23. WORMSER, I. Maurice. Disregard of corporate fiction and allied corporation problems. Washington: Beard Books, 2000, p. 45.

 24. WORMSER, I. Maurice, op. cit., p. 45-46.

 25. KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante, op. Cit., p. 65.

  26. REQUIÃO, Rubens, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, p. 14.

 27. COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 2 ed. São Paulo: RT, 1977, p. 272.

28. WORMSER, I. Maurice, op. cit., p. 10.

29. VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle societá di capitali nella Common Law e nella Civil Law, p. 203, tradução livre de "Sarebbe assurdo che lo Stato creasse nuovi soggetti destinati ad operare nel suo ambito contro di esso direttamente o contro le finalitá da esso perseguite e tutelate".

30. HALPERIN, Isaac. Sociedades Anónimas. Actualizada e ampliada por Julio C. Otaegui. 2. ed. Buenos Aires: Depalma, 1998, p. 143.

31. FERRARA, Francesco. Le persone giuridiche. 2. ed. Torino:UTET, 1956, p. 46; PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 269.

32. JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da Personalidade Societária no Direito Brasileiro, São Paulo: RT, 1987. p. 59.

33. HENN, Harry G. e ALEXANDER, John R, op. cit., p. 346, tradução livre de "when the notion of legal entity is used to defeat public convenience, justify wrong, protect fraud, or defend crime, the law will regard the corporation as an association of persons"

34. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 2, p. 53

35. SERICK, Rolf, op. cit., p. 241

36. REQUIÃO, Rubens, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, p. 15.

37. SERICK, Rolf, op. cit., p. 246

38. WORMSER, I Maurice, op. cit., p. 18.

39. SERICK, Rolf, op. cit., p. 135

40. 1º TACivilSP – 3ª Câmara – AP. 507.880-6, j. em 15.9.92, Relator Juiz Ferraz Nogueira.

41. 1º TAPR – 2ª Câmara Cível – Ap. 529/90, j. em 18.4.90, Relator Juiz Gilney Carneiro Leal.

42. ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência). 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 15; FRANCO, Vera Helena de Mello, Manual de direito comercial, p. 158.

43. SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. p. 26; ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção, A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: Um estudo de direito civil constitucional, p. 261.

44. SILVA, Alexandre Couto. Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro. p. 34; ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção, A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: Um estudo de direito civil constitucional, p. 261; COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial, v. 2, p. 44; ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor – aspectos processuais. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 7, jul-set/93, p. 15

45. O Poder De Controle Na S/A, p.274-275.

46. SILVA, Alexandre Couto, op. Cit., p. 36.

47. SILVA, Alexandre Couto, op. Cit., p. 39.

48. COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3ª ed. São Paulo: RT, 1983, p. 283.

49. COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 217.

50. WORMSER, I. Maurice, op. Cit., p. 29

51. AMARO, Luciano, Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor, p. 174

52. SERICK, Rolf, op. cit., p. 52.

53. GARRIGUES, Joaquín. Curso de derecho mercantil. 7. ed. Bogotá: Temis, 1987, v. 2, p. 17

54. ASCARELLI, Tullio. Le unione di imprese. Rivista Del diritto commerciale. V. XXXIII, parte I, 1935, p. 173.

55. GARRIGUES, Joaquín, op. cit., p. 18; ASCARELLI, Túllio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. Campinas: Bookseller, 2001, p. 181.

56. COELHO, Fábio Ulhoa, O empresário e o direitos do consumidor, p. 223

            57. Boa parte da doutrina prefere falar em abuso do direito, uma vez que nenhum abuso seria de direito (justo, jurídico).

            58. JOSSERRAND, Louis. Del abuso de los derechos y otros ensaios. Bogotá: Temis, 1999, p. 4

59. JOSSERRAND, Louis. Del abuso de los derechos y otros ensaios, p. 5, tradução livre de "es abusivo cualquier acto que, por sus móviles y por su fin, va contra el destino, contra la función del derecho que se ejerce"

60. WARAT, Luis Alberto. Abuso Del derecho y lagunas de la ley. Buenos Aires: Abeledo- Perrot, 1969, p. 56-57

61. REQUIÃO, Rubens, Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica, p. 16.

62. OLIVEIRA, José Lamartine Côrrea. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 520

63. ZANNONI, Eduardo A. La normativa societaria ante los actos fraudulentos de le la teoría del "disregard". Revista de direito civil, imobiliário, agrário e empresaria, São Paulo, ano 3, nº 9, jul-set 1979, p. 178

64. COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial, v. 2, p. 42-43

65. AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor, p. 172.

66. SILVA, Alexandre Couto, Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 90-99; ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência), p. 164-165; RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor, p. 17; AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor, p. 175; GUIMARÃES, Flávia Lefèvre. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor – aspectos processuais, p. 64; KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas, p. 88

67. GUIMARÃES, Flávia Lefèvre. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor – aspectos processuais, p. 35; KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas, p. 170

68. SILVA, Alexandre Couto, Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 112.

69. COELHO, Fábio Ulhoa, O empresário e os direitos do consumidor, p. 226; KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor, p. 83

70. SILVA, Alexandre Couto, Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 158; RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor, p. 18; AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor, p. 175; COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial, v. 2, p. 50

71. ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor – aspectos processuais, p. 20.

72. COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial, v. 2, p. 51

73. SILVA, Alexandre Couto, Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro, p. 159; KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Aspectos da desconsideração da personalidade societária na lei do consumidor, p. 82;

74. ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor – aspectos processuais, p. 20.

75. DENARI, Zelmo, in: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coordenadora). Código de Defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 197.

76. NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao código de defesa do consumidor: parte material. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 357-358.

77. FERNANDES NETO, Guilherme. O abuso do direito no código de defesa do consumidor: cláusulas, práticas e publicidades abusivas. Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 187-188.

78. AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor, p. 178

79. COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de direito comercial, vol. 2, p. 52, no mesmo sentido, ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção, A desconsideração da personalidade jurídica e o direito do consumidor: Um estudo de direito civil constitucional, p. 272-273

80. AMARO, Luciano, Desconsideração da pessoa jurídica no código de defesa do consumidor, p. 179, no mesmo sentido RODRIGUES, Simone Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica no código de defesa do consumidor, p. 19.

81. ALBERTON, Genacéia da Silva, Desconsideração da personalidade jurídica – aspectos processuais, p.21.

82. VERRUCOLI, Piero. Il superamento della personalità giuridica delle societá di capitali nella Common Law e nella Civil Law, p. 20.

 


 

Referência Biográfica

MARLON TOMAZETTE, procurador do Distrito Federal (DF), professor de Direito na UniCEUB e da Escola Superior de Advocacia do DF.

marlon@apendf.com.br

O Novo Código Civil

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* Maria Berenice Dias

Todos os seres só têm uma razão de viver, que é o encontro da felicidade, como já decantava o próprio Aristóteles. 

Ao Estado, a quem foi delegada essa tarefa, cabe organizar de tal forma a sociedade, que, além de regular as relações das pessoas, precisa respeitar sua dignidade, para garantir o direito à vida, não só a vida como mero substantivo, mas vida de forma adjetivada, vida com dignidade, vida feliz. 

Para isso, é necessário o estabelecimento de regras de comportamento, que, para ser respeitadas, devem ser dotadas de sanções: nascem assim as normas jurídicas. Cabe ao legislador “carimbar” – para usar a expressão de Pontes de Miranda – os fatos da vida, outorgando a obrigação de fazê-las cumprir ao Executivo e a vigilância para seu cumprimento ao Judiciário. 

A sociedade evolui, transforma-se, reforma-se por fenômenos múltiplos, o que implica a necessidade constante de atualização das normas jurídicas. O influxo da chamada globalização rompeu com as tradições, vinculações e amarras, e mudar as regras que dizem com a própria vida da pessoa é uma tarefa para gigantes – como já tive oportunidade de referir quando tive o privilégio de participar de uma reunião da Comissão Especial de elaboração do Código Civil da Câmara Federal. 

Principalmente quando se trata das relações afetivas, matéria que diz com a própria vida das pessoas, pois se refere a seus sentimentos, à sua alma – afinal é disso que trata o Direito de Família -, a questão é mais árdua. 

Mas preferir que as coisas fiquem como estão – postura tipicamente humana, pelo medo de mudanças – ou tecer críticas é a postura mais fácil, mas que em nada contribui para que algo seja mudado. 

A limitação de tempo impõe que me restrinja a fazer algumas considerações sobre pontos que entendo merecem ainda ser repensados. 

Por isso, por favor, não tenham minhas observações como uma postura detratora ou escatológica, até porque, quem sabe, ainda haja tempo para se fazerem algumas modificações. 

De primeiro, é necessário chamar a atenção a um fato: que o Projeto original do Código Civil data de 1972, ou seja, é anterior, inclusive, à Lei do Divórcio, que é de 1977. 

Tramitou pelo Congresso Nacional antes da promulgação da Constituição Federal, que adotou uma nova ordem de valores, dando outro enfoque ao próprio sistema jurídico, privilegiando a dignidade da pessoa humana. 

Assim, o sem-número de emendas com que foi bombardeado o pré-código decorre dessa circunstância. Mas obrigatório reconhecer que arrojada foi a verdadeira luta empreendida pelo relator desse Projeto, Deputado desta terra, Ricardo Fiúza, que deve ser motivo de orgulho a todos. Preocupado com a constitucionalidade do Projeto, conseguiu alterar o próprio Regimento do Congresso Nacional, procurando um meio de afeiçoar a lei para regulamentar o conteúdo dos direitos já consagrados na Lei Maior. 

Louvável o trabalho do Des. Jones Figueiredo e dos Drs. Alexandre Assunção e Mário Delgado, que em muito aperfeiçoaram o texto legal. Mas, apesar de todo esse esforço, imperioso questionar inúmeros pontos, pois é mister reconhecer que chega uma lei velha. As plásticas a que foi submetida não lhe deram o viço que todos queríamos que ela, e até mesmo nós, tivéssemos. 

A legislação que ainda se encontra em vigor regula a família do início do século passado, com nítida influência da Igreja. A família era só o vínculo decorrente dos sagrados laços do matrimônio, assim, verdadeira instituição, matrimonializada, patrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual. Tanto que era indissolúvel, o regime legal era o da comunhão universal, com obrigatória identificação pelo nome do marido, com a relativização da capacidade da mulher. 

O surgimento dos novos paradigmas da família, quer pela emancipação da mulher, quer pelo surgimento dos métodos contraceptivos, levou à dissolubilidade do vínculo do casamento. A evolução da engenharia genética dissociou casamento, sexo e reprodução, que não mais são conceitos atrelados. 

O moderno enfoque dado à família pelo Direito deixou de priorizar suas características exclusivamente patrimoniais, voltando-se muito mais à identificação do vínculo afetivo, tanto que a moderna doutrina fala de uma despatrimonialização do direito privado, de modo a bem demarcar a diferença entre o atual sistema em relação àquele de 1916, patrimonialista e individualista. 

Mantença da separação 

Antes o casamento era indissolúvel, as pessoas, no máximo, podiam se desquitar – e cabe lembrar que os desquites, ainda que amigáveis, eram submetidos a reexame necessário. Com o advento da Lei do Divórcio, tributo que devemos à ingente luta do Senador Nelson Carneiro, surgiram duas modalidades de “descasamento”. Primeiro as pessoas se separam, o que rompe os direitos e deveres, mas não rompe o casamento, e só depois é que podem se divorciar, estágio em que resgatam as pessoas a possibilidade de voltar a casar. Assim, a separação é quase um limbo, em que a pessoa não está mais casada, mas não pode casar de novo, e nesse estado deve permanecer por um ano para só depois poder-se libertar pelo divórcio. A sociedade conjugal termina pela separação (art. 1.571, III), mas só o divórcio e a morte dissolvem o casamento (§ 1º do art. 1.571). 

É de questionar-se: por que a mantença da separação? Por que não podem as pessoas, no momento em que o “príncipe vira sapo”, simplesmente romper com o casamento? Por que o estabelecimento de um prazo para se pôr fim ao casamento, ainda que ambas, consensualmente, não mais queiram continuar casadas? Que legitimidade tem o Estado para impor que permaneçam unidas pessoas que não mais se amam? 

Só se pode concluir que ainda permanece a prevalência do interesse na preservação da família sobre o interesse das pessoas. Por outro lado, como a Constituição determina que a lei busque transformar a união estável em casamento e a condição de separado impede o casamento, a permanência da separação não afrontaria a recomendação legal?

Culpa 

A mesma perplexidade persiste com referência à necessidade da identificação de um culpado para que se rompa o vínculo marital, quer para propor a anulação do casamento (art. 1.654), quer para pedir a separação (art. 1.572), só se conferindo ao “inocente” o direito de buscar o fim do casamento. 

A postura é nitidamente punitiva. Quase que impõe a pena de morte ao culpado, pois quem não tem condições de se manter pode morrer de inanição. 

Agora o § 2º do art. 1.694 mitiga um pouco essa sentença de morte, ao deferir alimentos indispensáveis à subsistência quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem pleiteia.     

Mas que juiz pode identificar o culpado pelo fim do amor? Quando e quem a ele deu causa? Como provar, por exemplo, o carinho que não foi feito e que quem sabe foi o que levou ao desencantamento, às mágoas, que se transformaram em frustrações, brigas e até em agressões? Ainda que tenha o Estado interesse na preservação da família – a quem delega a função de formar o cidadão -, de todo descabida a intromissão de terceira pessoa, no caso o juiz, para considerar o motivo como suficiente a por fim à relação. 

Ao contrário do que sustenta o ilustre relator, tal matéria é de órbita constitucional, podendo ser suprimida. Infringe o cânone maior da Constituição, que é a garantia do direito à privacidade e à intimidade, impor que seja revelado o comportamento, a maneira de as pessoas viverem no interior de seus lares. O casamento não outorga a qualquer dos cônjuges o direito à invasão dessa auréola de privacidade. Portanto, de todo incabível que, para o seu desfazimento, imponha a lei a um o ônus de expor a vida do par; mais, é indevida, é inconstitucional tal ingerência na vida privada. 

Nome 

Como grande novidade, o art. 1.565, § 1º, faculta a qualquer dos cônjuges adotar o nome do outro. Novidade? Inexiste qualquer vedação na Lei dos Registros Públicos que o impeça. 

Ora, se facultado a qualquer do par, quando do casamento, adotar o nome do outro, a partir do casamento o nome de um passa a ser também do outro. Ou seja, para se ficar na exceção, se adota o marido o nome da mulher, este passa a ser o seu nome e a servir para sua identificação. A pessoa, ao adotar outro nome, este integra seu direito à identidade. Assim, o nome não mais é do outro, passa a ser o seu. O nome não tem dono. Nada justifica que seja impositiva a perda de um atributo da própria personalidade, pelo fato de haver o rompimento da vida em comum. Ainda mais que a honra é um atributo pessoal, e a postura de um não pode se refletir na imagem do outro, a não ser que se considere que um é propriedade do outro. 

Portanto, infringe sagrado princípio constitucional impor a perda de um atributo da personalidade, que é o nome, cuja alteração decorreu de permissivo legal, concessão outorgada, mas não de forma condicionada. Assim, descabida a possibilidade de assegurar o direito de escolha de continuar a usar o nome só ao cônjuge inocente. Para o culpado permanecer usando o nome – possibilidade inovadora do art. 1.578 – depende da concordância do outro, ou seja, é quase um favor concedido pelo “dono” do nome.

Bem de família 

Ainda que a Constituição outorgue especial proteção à família, sua maior responsabilidade é com o cidadão. O enfoque central do ordenamento jurídico, ditado pela Constituição Federal, é a proteção do ser humano.

Assim, a possibilidade de constituição como bem de família exclusivamente da sede onde reside uma entidade familiar é descabida. Fere o princípio da igualdade deixar à margem da lei, e, por conseqüência, ao relento, o indivíduo que por opção ou contingência vive só ou mantém um relacionamento que prefiro chamar de homoafetivo. 

Ao depois, cabe observar que só no primeiro dispositivo que trata do tema (art. 1.711) é outorgada a possibilidade de sua instituição ao cônjuge ou à entidade familiar. Em todos os outros dispositivos, a regulamentação usa só a expressão cônjuge. Como interpretar tal limitação ante a conceituação plural do conceito de família, que outorga igual proteção aos conviventes da união estável e às famílias monoparentais?

Regime de Bens 

Outra previsão cuja reprodução não se justifica é a imposição do regime da separação legal de bens, quando as pessoas casam descumprindo as ordens legais, ou seja, quando não atendem à “recomendação” de não casar. Ora, nitidamente punitiva a previsão legal, pois parece que a lei quer se vingar da desobediência, impedindo a liberdade de decidir sobre seus bens (art. 1.641). 

Mas talvez a mais esdrúxula reprodução seja a da regra que impõe o regime da separação de bens sem a comunicação dos aqüestos face à idade dos nubentes. A única equalização foi quanto à idade. Até agora – e esta minha frase ecoou em todo o Brasil – nós mulheres somos idiotas a partir dos 50 anos, mas daqui para frente todos passaremos a ser imbecis aos 60. Bela vantagem: ganhamos nós mulheres mais 10 anos de higidez mental. 

A evolução da ciência passou a buscar e a encontrar meios de cada vez mais aumentar, não só a quantidade de vida, mas principalmente a sua qualidade. Cada vez as pessoas vivem mais e melhor, e a expressão terceira idade já é um termo tido por pejorativo. Que preconceito é este de presumir a lei, de forma absoluta, que a partir de determinada idade somos incapazes de despertar o amor de alguém? Será que aos 60 anos se perde a capacidade de viver um amor verdadeiro? Será que toda aproximação configura interesse de ordem patrimonial, “será um golpe do baú”? E por que se preocupa o Estado em proteger os “velhinhos” para que não sejam alvos de aventureiros ou interesseiros? 

De outro lado, por que alguém que trabalhou uma vida inteira, formou seu patrimônio, não pode livremente dele dispor, escolhendo o regime de bens que lhe aprouver? De todo injustificável, e flagrantemente inconstitucional, a intervenção do Estado em impor o regime de bens aos nubentes. Nessa hipótese, que bem quer a lei tutelar? Ao certo o patrimônio da família, ou seja, será que quer garantir o direito à herança de pessoa viva? 

Ao depois, a norma peca por inconstitucionalidade de outra ordem, ao ferir o princípio da isonomia, pois privilegia as relações estáveis dos idosos. Se o par resolver casar, pelo regime que a lei impõe, não pode dividir nem o patrimônio amealhado durante a vida em comum. Mas tal vedação inexiste se a relação for estável. Portanto, está-se privilegiando um vínculo em relação ao outro.

União estável 

Com referência à união estável, coerente e pertinente ter sido afastado o tempo para sua configuração, pois de todo descabida foi a tentativa de estabelecer requisito temporal para a configuração da união estável, delimitação que nunca foi posta pela jurisprudência, que foi quem construiu essa figura jurídica. Igualmente não consta prazo no texto constitucional, que emprestou juridicidade ao instituto. 

Cabe lembrar a Lei nº 8.971/94, primeira a regulamentar dita entidade, que estipulou como conditio sine qua non ao reconhecimento da união o requisito temporal de 5 anos ou a existência de prole. Porém, tais foram as críticas que esse dispositivo sofreu, que antes de ano e meio de sua vigência foi promulgada a Lei nº 9.278/96 afastando o fator tempo. Com certeza, melhor foi ter copiado a definição consolidada na legislação infraconstitucional. O estabelecimento de parâmetros objetivos para regular relações que nascem dos fatos acabaria relegando à margem do manto legal um sem-número de situações que não se poderia deixar de identificar como entidade familiar. 

No entanto, todos os parágrafos que integram esse dispositivo, mediante remissões aos impedimentos dirimentes e impedientes ao casamento, visam a restringir a possibilidade do reconhecimento da união estável às pessoas desimpedidas de casar, ou seja, quando estiver um dos conviventes separado de fato ou judicialmente. 

Temo que a volta do dever dos cônjuges de vida em comum no domicílio conjugal (inciso II do art. 1.566) traga reflexos para o reconhecimento da união estável, passando a ser requisito para tal a residência sob o mesmo teto, pressuposto esse afastado pela jurisprudência e não contemplado na lei atual.

Concubinato 

Nítida a tentativa de excluir da proteção legal o que se chama, em sede doutrinária, de concubinato adulterino, impuro, de má-fé ou concubinagem, tanto que acabou o texto ressuscitando a figura do concubinato no art. 1.727, sepultada, em boa hora, pela nova ordem constitucional. 

Só que criar um instituto e nada dizer sobre ele revela uma postura meramente punitiva. Se um do par deixa de cumprir o dever de fidelidade – aliás, não previsto no art. 1.724 – e mantém um duplo vínculo familiar, afronta o consagrado sistema da monogamia, um dos princípios basilares da organização social. Logo, é injustificável que quem assim age seja beneficiado. Ao vetar-se a possibilidade do reconhecimento de uma entidade familiar, se estará subtraindo os efeitos patrimoniais do vínculo que, com o respaldo social ou não, existiu. Isso só beneficiaria o parceiro adúltero, que não dividiria o patrimônio amealhado inclusive com a colaboração mútua. 

Se a pretensão é ressaltar que tal situação não deve ser inserida no âmbito do Direito de Família, por configurar uma sociedade de fato, então deveria ser regulada no Código das Obrigações. E, se esta é a intenção, de todo descabido inserir-se nas normas que tratam da família instituto que se pretende seja inserido em outra sede, sendo no mínimo heterotópica… 

Ainda que se tenha por inquestionado que as demandas merecem tramitar nas Varas de Família – resistência que ainda existe, em alguns Estados, apesar da expressa previsão legal -, recomendável seria insistir na indicação da competência, sob pena de interpretar-se que se trata de “silêncio eloqüente do legislador” para afastar as demandas envolvendo a união estável das Varas especializadas. 

Ao depois, com a supressão de diplomas legais explicitando direitos decorrentes da Constituição Federal, o silêncio do Código implicaria retrocesso, caracterizando verdadeira inconstitucionalidade por omissão, se nem vierem os novos dispositivos a assegurar os mesmos direitos. 

Igualmente preocupa o silêncio do Projeto com referência ao direito a alimentos. Só há a menção no art. 1.694 – que fala em conviventes. Talvez não baste tal previsão, sendo mais seguro uma especificação explícita, que garanta o reconhecimento da permanência do direito a alimentos entre os companheiros, já que tal previsão consta expressamente na Lei. 

Também não é estabelecida a presunção de colaboração mútua na aquisição dos bens. Talvez não baste a determinação de aplicação supletiva do regime da comunhão parcial dos bens. Tal lacuna pode afastar o reconhecimento do estado condominial, com partição igualitária do patrimônio. 

Tais ponderações têm pertinência pelo fato de que, com a nova lei, ficará derrogada toda a legislação esparsa, havendo um sério risco de a jurisprudência deixar de reconhecer ditos direitos. Isso seria um sério golpe, principalmente para as mulheres que ainda não detêm a titularidade dos bens e são quem mais necessitam de alimentos.

Direitos sucessórios 

Apesar do esforço em não afrontar a norma constitucional, que impõe o reinado da igualdade, em sede de direitos sucessórios acabou seriamente violado esse cânone maior. O art. 1.790 produz verdadeiro retrocesso ao direito dos conviventes, direitos já consolidados na legislação infraconstitucional. 

Cabe referir que correta a inserção que restringe os direitos sucessórios aos bens adquiridos na vigência da união estável – o que corresponde, no casamento, ao regime de bens da comunhão parcial -, com o que não se deferem aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges. 

No entanto, indevido excluir da parceria estável a sucessão necessária, condição a que o cônjuge foi guindado (inciso III do art. 1.829). De todo descabida, por conseqüência, a disparidade de tratamento que resultou. 

O art. 1.829 estabelece que o cônjuge concorre com os descendentes, mas aos companheiros somente concede o mesmo direito se concorrerem com os filhos comuns. Limita à metade o quinhão se os herdeiros forem filhos só do autor, distinção que não é feita quanto ao vínculo matrimonial. O tratamento desigual conferido ao cônjuge e ao parceiro não se justifica, tendo em vista o reconhecimento da união estável como entidade familiar. 

A disparidade prossegue no que diz com o direito real de habitação deferido somente ao cônjuge (art. 1.831), bem como ao subtrair do parceiro sobrevivente a garantia da quarta parte da herança, benesse assegurada ao cônjuge sobrevivo se concorrer com os filhos comuns (art. 1.832). Indevido excluir o direito real de habitação e a garantia da quarta parte da herança, se concorrer com os filhos comuns, direitos deferidos ao cônjuge (arts. 1.829 e 1.831). 

Mesmo passando o cônjuge à condição de herdeiro necessário, são-lhe assegurados o direito real de habitação (art. 1.829) e o quinhão hereditário não inferior à quarta parte da herança (art. 1.832). 

É de lembrar que ambas as leis regulamentadoras da união estável deferem direitos outros, não contemplados no código projetado. A Lei nº 8.971/94 garante o direito de usufruto da metade ou da quarta parte da herança, a depender da existência de filhos do de cujus. Já a Lei nº 9.278/96 assegura o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família. 

Como o novel estatuto irá disciplinar com exclusividade a matéria, restando derrogada toda a legislação esparsa, há sério risco de a jurisprudência deixar de reconhecer ditos direitos. Isso será extremamente injusto, principalmente para as mulheres que ainda não detêm a titularidade dos bens.  

Trata-se, pois, de severa limitação às relações extramatrimoniais. Não prospera a justificativa do relator – de que a união estável é instituição-meio, enquanto o casamento seria instituição-fim – para dar prevalência à relação matrimonial sobre o relacionamento estável. Essa predileção, inegavelmente, afronta o princípio da igualdade, base da ordem constitucional, que equiparou a união estável e o matrimônio como entidades familiares, sem distinções de ordem patrimonial. 

Tendo a Constituição Federal rompido o modelo exclusivamente matrimonializado da família, deferindo status de família à união estável, descabe qualquer tratamento discriminatório entre ambas as entidades familiares. 

A supressão do direito real de habitação, que surgiu porque a família existiu e o imóvel foi utilizado como seu abrigo, constitui ofensa à norma da Constituição de tratamento isonômico à entidade familiar, fere frontalmente o princípio constitucional da igualdade. O casamento e a união estável guardam igualdade quanto ao regime legal dos bens.

Uniões homoafetivas 

Se a realidade social impôs o enlaçamento das relações afetivas no Direito de Família, e estando a moderna doutrina e a mais vanguardista jurisprudência a definir a família pela só presença de um vínculo afetivo, não mais se justifica deixar de identificar como espécie desse gênero também as relações homoafetivas. 

Mudaram os paradigmas da família e deixou de ser o casamento seu traço identificador. Esta não mais tem por finalidade precípua e exclusiva a função reprodutiva – quer pelo surgimento dos métodos contraceptivos, quer pela evolução da engenharia genética. Deixar à margem da lei os vínculos afetivos que não se definem pela diferença do sexo do par, embora haja convivência duradoura, pública e contínua, com objetivo de constituição de família, é uma omissão nitidamente preconceituosa e discriminatória, pois, como bem disse o Deputado Ricardo Fiúza, a lei atende ao novo conceito de família. 

 


Referência  Biográfica

 

MARIA BERENICE DIAS, Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, sendo Presidente da 7ª Câm. Cível; Membro efetivo do órgão especial do TJ, Professora da Escola Superior da Magistratura, Vice-Presidente Nacional do IBDFam.

www.mariaberenice.com.br

A União Estável no Novo Código Civil

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* Maria Berenice Dias –

UNIÃO ESTÁVEL

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Parágrafo 1º – A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato.

Parágrafo 2º – As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável, na forma do seu parágrafo único.

Parágrafo 3º – Poderá ser reconhecida a união estável diante dos efeitos do art. 1.576.

Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

Art. 1.725. Na união estável, salvo convenção válida entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.

Art. 1.727. As relações não-eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. 

Definição do instituto 

Não se pode deixar de reconhecer como pertinente e coerente haver a norma codificada copiado a definição da união estável consolidada na legislação infraconstitucional.

De todo descabido estabelecer requisito temporal para sua configuração, delimitação que nunca foi posta pela jurisprudência, à qual se deve a construção dessa figura jurídica. Igualmente, o texto constitucional, ao emprestar juridicidade ao instituto, não lhe fixou prazo.

Cabe lembrar que a Lei nº 8.971/94, primeira a regulamentar a união estável, estipulou o prazo de 5 anos ou a existência de prole para o seu reconhecimento. Porém, tais foram as críticas sofridas por esse dispositivo, que antes de haver passado ano e meio foi promulgada a Lei nº 9.278/96, afastando a exigência de tempo mínimo fixado em lei como conditio sine qua non do reconhecimento da união.

Inegavelmente, a tentativa de impor parâmetros objetivos para regular relações nascidas dos fatos e do afeto acabaria deixando à margem do manto legal um sem-número de situações que, na realidade, constituem entidade familiar.

Nada justifica o § 2º do art. 1.723. De todo desmotivada é a remissão ao art. 1.523, tão-só para dizer que não incidem na união estável os impedimentos impedientes para o casamento. São limitações de caráter temporário, que não afetam a existência, a validade ou a eficácia do casamento. Ainda assim, a inserção final na forma do seu parágrafo único é equivocada, pois esse parágrafo se refere ao pedido de autorização judicial para celebração do casamento, se provada ausência de prejuízo. Como para estabelecer a união estável inexiste qualquer formalidade, a remissão à autorização judicial é absolutamente ilógica.

A faculdade assegurada pelo § 3º do mesmo artigo – de ser reconhecida a união estável em face dos efeitos da separação judicial – procura limitar a possibilidade de reconhecimento da união ao caso em que estejam os cônjuges separados de fato ou judicialmente. Parece nítida a tentativa de excluir da figura jurídica da união estável o que a doutrina chama de concubinato adulterino, ou impuro, ou concubinagem, tanto que o texto acabou por ressuscitar a figura do concubinato no art. 1.727. 

E os direitos? 

É preocupante não ter sido expressamente inserido o instituto no âmbito do Direito de Família, não havendo sequer a indicação da competência das Varas de Família para apreciar as demandas envolvendo a união estável.

Igualmente preocupa o silêncio do Projeto com referência a direitos reconhecidos aos parceiros. Sobretudo o fato de não haver qualquer referência ao direito a alimentos pode ensejar o entendimento de que houve a exclusão de dito direito. A menção no art. 1.694 – que fala em conviventes – não basta para suprir a necessidade de uma especificação explícita, que garanta o reconhecimento da permanência do direito a alimentos entre os companheiros.

Também não se estabelece a presunção de colaboração mútua na aquisição dos bens. Isso pode afastar o reconhecimento do estado condominial, com partição igualitária do patrimônio. Para suprir essa lacuna, não basta a determinação de aplicação supletiva do regime da comunhão parcial dos bens. 

Renascimento do concubinato 

A mais severa crítica à regulamentação da união estável é a tentativa de ressuscitar a figura do concubinato, sepultada, em boa hora, pela nova ordem constitucional.

Por exclusão, pretende o Projeto expungir do conceito de união estável, não as pessoas impedidas de casar, mas, na verdade, as chamadas relações adulterinas. Como se permite o reconhecimento da união entre pessoas separadas de fato ou separadas judicialmente – sendo ambas impedidas de casar -, não se vê o alcance que se quer dar ao nominado concubinato.

Ademais, criar uma figura e nada dizer sobre ela revela uma postura meramente punitiva. Se um do par deixa de cumprir o dever de fidelidade e mantém duplo vínculo familiar, afronta o consagrado sistema da monogamia. Logo, é injustificável que quem assim age seja beneficiado. Ao vetar a possibilidade do reconhecimento de uma entidade familiar, estar-se-ão suprimindo os efeitos patrimoniais do vínculo que, com ou sem respaldo social, existiu. Isso só beneficiará o parceiro adúltero, que não irá dividir o patrimônio amealhado com a colaboração mútua, sendo causa de enriquecimento ilícito.

DIREITO SUCESSÓRIO 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos na vigência da união estável, nas condições seguintes;

I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma cota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Com relação aos direitos sucessórios, chama a atenção a deficiente técnica legislativa ao referir a companheira ou o companheiro. Despicienda a especificação do gênero, pois, usando o termo no plural, indiscutivelmente se trata de uma previsão referente tanto ao homem quanto à mulher.

Correta a inserção que restringe os direitos sucessórios aos bens adquiridos na vigência da união estável, o que corresponde, no casamento, ao regime de bens da comunhão parcial, ou seja, de comunhão dos aqüestos, com o que não se deferem aos companheiros mais direitos do que aos cônjuges.

Conquanto imperioso reconhecer o esforço da pré-legislação em não afrontar a norma constitucional que impõe o reinado da igualdade, acabou violado esse cânone maior, produzindo verdadeiro retrocesso aos direitos dos conviventes, direitos já consolidados na legislação infraconstitucional.

Indevido excluir da parceria estável a sucessão necessária, condição a que o cônjuge foi guindado. De todo descabida, por conseqüência, a disparidade de tratamento que resultou. O art. 1.829 estabelece que o cônjuge concorre com os descendentes, mas aos companheiros somente concede o mesmo direito se concorrerem com os filhos comuns; e limita à metade do quinhão, se os herdeiros forem filhos só do autor, distinção que não é feita quanto ao vínculo matrimonial. O tratamento desigual dado à condição de cônjuge e à de parceiro não se justifica, tendo em vista o reconhecimento da união estável como entidade familiar.

A disparidade prossegue no que diz com o direito real de habitação deferido somente ao cônjuge (art. 1.831), bem como ao subtrair do parceiro sobrevivente a garantia da quarta parte da herança, benesse assegurada ao cônjuge sobrevivo, se concorrer com os filhos comuns (art. 1.832).

Lembre-se ainda que ambas as leis regulamentadoras da união estável deferem direitos outros, não contemplados no código projetado. A Lei nº 8.971/94 garante o direito de usufruto da metade ou da quarta parte da herança, a depender da existência de filhos do de cujus. Já a Lei nº 9.278/96 assegura o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família.

Como o novel estatuto irá disciplinar com exclusividade a matéria, restando derrogada toda a legislação esparsa, há sério risco de a jurisprudência deixar de reconhecer ditos direitos. Isso será extremamente injusto, principalmente para as mulheres que ainda não detêm a titularidade dos bens. 

Trata-se, pois, de severa limitação às relações extramatrimoniais. Não prospera a justificativa do relator – de que a união estável é instituição-meio, enquanto o casamento seria instituição-fim – para dar prevalência à relação matrimonial sobre o relacionamento estável. Essa predileção, inegavelmente, afronta o princípio da igualdade, básico da ordem constitucional, que foi quem igualou a união estável e o matrimônio como entidades familiares, sem distinções de ordem patrimonial.

Uniões homoafetivas 

Se a realidade social impôs o enlaçamento das relações afetivas no Direito de Família – e estando a moderna doutrina e a mais vanguardista jurisprudência a definir família pela só presença de um vínculo afetivo -, não mais se justifica deixar de incluir como espécies desse gênero as relações homossexuais.

Mudaram os paradigmas da família. O casamento deixou de ser seu traço identificador. A entidade familiar não mais tem por finalidade precípua e exclusiva a função reprodutiva – quer pelo surgimento dos métodos contraceptivos, quer pela evolução da engenharia genética, que permite a fecundação manipulada. Deixar à margem da lei os vínculos afetivos que não se definem pela diferença do sexo do par, embora haja convivência duradoura, pública e contínua, com objetivo de constituição de família, é omissão inadmissível. As relações homoafetivas, tanto quanto as heteroafetivas, na sua enorme maioria realmente se baseiam no afeto entre os conviventes. Daí só se pode concluir que a discriminação traduz, de fato, um puro preconceito de ordem sexual, hoje não mais aceitável, banido expressamente pelo inciso IV do art. 3o da Constituição da República

 


 

Referência  Biográfica

MARIA BERENICE DIAS, Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, sendo Presidente da 7ª Câm. Cível; Membro efetivo do órgão especial do TJ, Professora da Escola Superior da Magistratura, Vice-Presidente Nacional do IBDFam.

www.mariaberenice.com.br

Direito ao Trabalho

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* Mara Vidigal Darcanchy  –

SUMÁRIO:

Introdução.

1. Contextualização do Desemprego.

2. Das Micro e Pequenas Empresas

2.1. Normas Trabalhistas mais Favoráveis.

3. Tendências Flexibilizadoras.

4. O Modelo Brasileiro.

5. Do Direito Comparado. Conclusão.


 

INTRODUÇÃO

            Não obstante ser o único animal capaz de, imotivadamente, destruir outro de sua espécie, felizmente, é também, o homem, em sua incessante busca de melhoria de condições de vida, possuidor de uma capacidade de criação quase ilimitada, que tem propiciado o extraordinário progresso tecnológico iniciado neste século.

            Entretanto, o quadro atual, sem precedentes na história da humanidade, de tamanha integração cultural e econômica entre os povos, ao mesmo tempo em que propicia inúmeras facilidades para a sociedade, como um todo, traz para o mundo das relações trabalhistas, uma nova questão social — resultante da extinção de postos de trabalho, nos mais diversos setores — com elevados índices de desemprego e uma crescente exclusão social.

            Contingente de excluídos que tem assumido proporções assustadoras, mesmo nos países de economia mais estável, com o trabalho humano tornando-se a cada dia menos necessário e os níveis de competitividade aumentando as dificuldades de inserção no processo de globalização.

            O que dizer então da nossa realidade, de desigualdades sociais tão flagrantes, num mercado sem condições de absorver toda mão-de-obra disponível, em sua maioria totalmente despreparada para um mercado de trabalho mais seletivo e alheia aos interesses que a mantém assim…

            Numa visão juslaborista, este estudo evidencia a importância de se produzir leis ou adaptar as existentes à realidade das micro e pequenas empresas, responsáveis por uma elevada e crescente parcela de trabalhadores brasileiros; apresenta também algumas experiências verificadas no direito comparado com a utilização de várias modalidades contratuais, mais maleáveis e menos onerosas, como uma das tendências da flexibilização trabalhista; bem como o total descompasso em que se encontra a nossa legislação, visto que não se pode prescindir da relevância atribuída à todas as tentativas de adaptação das relações jurídicas à conjuntura econômica.

            O presente estudo, por claras razões, não pretende esgotar o assunto, contudo, ao tratar de um problema que envolve todos, direta ou indiretamente, tenta despertar a elite cultural presente na comunidade universitária, para a busca de soluções, uma vez que o futuro da Nação está em suas mãos, visto que as outras elites (política e econômica) preferem evitar mudanças que possam contrariar seus interesses.

1.CONTEXTUALIZAÇÃO DO DESEMPREGO

            O trabalho, concebido na antigüidade clássica como um castigo, algo penoso(1) representa em nossos dias um bem de valor imensurável. Assim, também, o direito ao trabalho, um dos valores sociais fundamentais trazidos pela Revolução Francesa, que sempre esteve axiologicamente associado ao dever de trabalhar como uma obrigação exigível à sociedade enquanto direito, e ao indivíduo enquanto dever.

            A globalização da economia, e conseqüente aumento da competição, além da revolução tecnológica, determinaram um intenso processo de alteração de paradigmas como o da gestão empresarial cuja nova política industrial trabalha com a idéia de reestruturação de setores sujeitos à condição de competitividade, produzindo mais, com menos empregados.

            Destarte, com a elevação dos níveis de desemprego e a precarização do trabalho em todo o mundo, tema que possui fundamental relevância, é o elevado custo social exigido em contrapartida às facilidades proporcionadas pelos avanços deste fim de milênio.

            Apontado por especialistas como um dos principais problemas da atualidade, atingindo índices alarmantes mesmo no chamado Primeiro Mundo, o desemprego manifesta-se ainda com maior força em nosso país, tão marcado por profundas questões sociais.

            Num contexto social em que os diversos tipos de marginalidade não têm encontrado ação de apoio e reintegração mais consistente dos Poderes Públicos, esta problemática não diz mais respeito somente à figura individual do trabalhador, mas trata-se já de uma questão de acomodação social, imprescindível à estabilidade da própria sociedade.

            Diversamente do anterior desemprego cíclico, o atual desemprego estrutural e não meramente conjuntural, apresenta-se como uma forma de ociosidade forçada de muito mais difícil contorno. Enquanto, à margem do mercado de trabalho, o trabalho informal constitui-se, a cada dia mais, numa importante fonte de renda para um enorme contingente de trabalhadores, o que ocorre por força dos entraves provocados pela regulamentação excessiva e pelo "Custo Brasil".

            Diante do obscurantismo geral no que tange à meios eficazes de combate ao desemprego, a extinção de postos de trabalho nos mais diversos setores, proveniente entre outras razões, da crescente automação dos processos produtivos, e da exigência de uma maior capacitação profissional e intelectual dos trabalhadores, apresenta-se em algumas economias como uma questão insolúvel, mesmo a longo prazo.

            Evidente é o impacto da automação sobre o número de empregos, quando se sabe que uma única máquina poderá substituir muitos trabalhadores, no entanto, como observam alguns autores, este impacto social não é uma característica necessária da tecnologia e sim resultado das condições sociais e políticas sob as quais ela foi introduzida.

            Verifica-se que, direitos que já representaram, no passado, grandes conquistas, na atualidade, ao invés de proteger o empregado estão desprotegendo-o…

            Não há mais lugar para a antiga visão do empregador como aquela "persona non grata" que em busca do lucro, explorava o empregado, o qual por esta razão, necessitava ser muito amparado através de leis que o protegessem de eventuais abusos do poder econômico. Muito pelo contrário, atualmente, pode-se até mesmo dizer que o empregador que está sofrendo os maiores abusos, no que tange aos encargos sociais, deve ser visto, em última análise, como aquele que protege o empregado contra os efeitos do desemprego.

            Em face disto, a legislação trabalhista deve tornar-se mais dispositiva e menos imperativa, com medidas mais flexíveis como a retipificação do contrato de trabalho, sobretudo com novas modalidades de contratos a prazo, que poderão amenizar os efeitos negativos da presente crise, uma vez que "há que ser avaliada a necessidade de se promover o emprego ou, menos ambiciosamente, repartir melhor o emprego disponível." (2)

2.DAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

            As microempresas (ME) e as empresas de pequeno porte (EPP), em nosso país têm sua origem, via de regra, em trabalhadores excluídos do mercado de trabalho, que entram no setor de serviços, ou de produção em pequena escala, com mínima tecnologia e pouca formalidade de atividades administrativas.

            Estas empresas representam, em última análise, pequenos capitais responsáveis pelo aproveitamento de uma considerável parcela de mão-de-obra. Parcela que poderia ser em número bem maior, se, conforme o principal fim objetivado pela nova lei, qual seja, de combate ao desemprego, houvesse um tratamento diferenciado aos empregados de empresas de menor porte, com normas trabalhistas mais simplificadas, que pudessem favorecer uma maior utilização dos contratos a prazo.

            Possibilidade já defendida por Octavio Bueno Magano na década de 80, quando escreveu :

            " Como o Brasil atravessa, presentemente, uma das mais sérias crises de sua história, gerada pela combinação de fatores exógenos e endógenos, o Direito do Trabalho não pode deixar de ser orientado no sentido de contribuir para mitigar os efeitos da apontada crise. Pelo adequado manejo de suas regras, a exagerada tendência à concentração da economia conducente ao realce das empresas multinacionais e das empresas públicas pode ser desacelerada em benefício das pequenas empresas, favorecendo-se dessa maneira, a riqueza nacional e a privatização da economia. Basta, para esse efeito, que o legislador, atentando para as disparidades existentes entre a macro e a microempresa, estabeleça para a última um estatuto especial, diferenciado por normas de maior plasticidade e menor onerosidade, entre as quais a da utilização mais ampla do contrato a prazo." (3)

            O Estatuto da Microempresa ( Lei n. 7.256, de 27 de novembro de 1984, regulamentada pelo Decreto n. 90.880, de 30 de janeiro de 1985), não alcançou tamanho desiderato. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, também não estabeleceu qualquer diferença entre os empregados em razão do tamanho da empresa em que trabalham, determinando tão somente em seu artigo 179 que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensem às microempresas empresas de pequeno porte um tratamento jurídico diferenciado, simplificando suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas.

            A Lei n. 8.864, de 28 de março de 1994, dando tratamento mais amplo à matéria regulada pelo Estatuto da Microempresa, estabeleceu para as microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), a adoção de alguns procedimentos simplificados para facilitar o cumprimento da legislação previdenciária e trabalhista.

            De se destacar ainda que em atendimento ao comando estabelecido ao Poder Executivo (Lei 8.864/94, art. 16), de criação de procedimentos simplificados, bem como a eliminação de exigências burocráticas acessórias prejudiciais da mesma lei, o Poder Legislativo, por meio da Lei n. 9.317, de 5 de dezembro de 1996, instituiu o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES, cujo objetivo indireto é o fomento do emprego.

            2.1. Normas Trabalhistas Mais Favoráveis

            O nosso obsoleto sistema de produção de normas que somente estabelece diversidade de tratamento entre as pequenas e grandes empresas na área fiscal, sem considerar suas enormes desigualdades no que diz respeito às exigências trabalhistas, deve ser amplamente revisto.

            Nada justifica a utópica visão de que todos os trabalhadores têm as mesmas necessidades e interesses num mercado de trabalho tão heterogêneo. Não é aceitável que uma empresa de poucos empregados e pequena renda bruta anual tenha as mesmas regras trabalhistas de uma empresa de grande porte, cuja possibilidade de assimilação de custos e conseqüente condição de competitividade no mercado é extremamente superior.

            Ademais, não se pode olvidar, também, que independentemente do tamanho das respectivas empresas, tudo que é firmado através de acordo coletivo, convenção coletiva e em sede de dissídio coletivo tem força abrangente de toda categoria funcional e econômica da base territorial.

            Neste sentido, Robortella observa:

            "Nossa legislação trabalhista praticamente não faz diferença entre o executivo de alto salário e o humilde operário. Isto contraria o mais elementar senso de justiça: através de uma igualdade puramente abstrata, cria-se uma desigualdade concreta…. A desigualdade também se amplia pela tendência à individualização das condições de trabalho; o trabalhador, principalmente nos níveis mais altos, exige cláusulas específicas em seus contratos, assim como a empresa quer ser tratada na lei segundo seu tamanho (microempresa, pequena, média ou grande). Nossa estrutura de proteção, que não admite essas desigualdades, gerou como subproduto o mercado informal de trabalho. Só há duas alternativas: contratar com todos os encargos, na forma da lei, ou com encargo nenhum. Entre o tudo e o nada não existem tipos particulares de contrato, com tratamento e custo diferenciado." (4)

            Destarte, a cada dia mais se evidencia que a área trabalhista necessita de urgentes modificações quanto ao tratamento jurídico dispensado aos empregados em empresas de menor porte, que devem ter seus contratos de trabalho regulados por normas mais simplificadas, flexíveis e adaptáveis às suas peculiaridades, capazes de favorecer-lhes, principalmente, uma maior utilização dos contratos a prazo.

            A consideração mais detida do problema revela que tal distinção não é fácil, uma vez que além do risco de abusos e fraudes, muito comuns em nossas relações de trabalho, há sempre a premissa de que as necessidades do empregado são as mesmas, independentemente do tamanho das empresas.

            Contudo, não é concebível que em nome de uma igualdade, inexistente, entre empregados de empresas com características tão diferentes, muitos sejam prejudicados.

            Com referência à nova contratação por prazo determinado, com base na lei n. 9.601/98, constata-se, que as micro e pequenas empresas, que poderiam ser suas principais beneficiárias, não a estão utilizando. Fato este decorrente do excesso de procedimentos burocráticos instituídos, que dificultam e muitas vezes impossibilitam a implementação prática da contratação em tela.

            A questão que se coloca, então, é a seguinte: — Sabendo-se que o escopo desta lei é a geração de novos empregos, como é possível que dificulte tanto as respectivas contratações com exigências absurdas? Se o objetivo de tamanha burocracia foi evitar uma contratação ilimitada, é de se lamentar, contudo, não ter ocorrido ao legislador que a situação brasileira é bem diversa de outros países onde este tipo de contrato, supostamente, não teve sucesso, em vista de que entre outras razões, a nossa legislação jamais teve a rigidez da européia, e nossos problemas, bem como a forma de enfrentá-los também não possuem termos de comparação.

            Nossa realidade é muito diferente, seja quanto ao comércio que não fecharia as portas para estes tipos de empregados, como não tem fechado para tantos trabalhadores da economia informal, ambulantes e outros, ou quanto às necessidades de nosso povo, ao qual interessa muito mais um emprego, mesmo que por um curto espaço de tempo, que muitas garantias para poucos.

3.TENDÊNCIAS FLEXIBILIZADORAS

            Flexibilização do Direito do Trabalho é:

            "o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação de trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social." (5)

            "A flexibilização também é conhecida por desregulamentação, Direito do Trabalho da crise ou da emergência, impacto da crise econômica, impacto das novas tecnologias, contratos atípicos direito da adaptação, segundo as mais diversas ideologias. A expressão flexibilização parece estar consagrada e indica o processo de ajustamento do Direito do Trabalho às atuais realidades da sociedade pós-industrial." (6)

            Constata-se que o tema flexibilização do Direito do Trabalho suscita uma polêmica que muitas vezes ultrapassa a dogmática jurídica, provocando debates impregnados de conteúdo ideológico.

            O argumento nuclear dos seus opositores considera que o novel movimento consiste na supressão dos direitos sociais aos trabalhadores, na redução drástica de direitos já conquistados, e que a flexibilização visa a favorecer tão somente os interesses das elites dominantes. Atentando ao fato de que o fracasso da flexibilização, em alguns países europeus, comprova que ela não é solução para as grandes questões sociais.

            Em contraposição, outras vozes asseveram que na maioria desses países a flexibilização constitui uma resposta à necessidade de se manterem competitivos e se ajustarem aos novos métodos de produção.(7)

            Com o intuito de conter o desemprego através de medidas próprias de sua área específica, inúmeros jurislaboristas recomendam que, a par de iniciativas correlatas de garantia da estabilidade do trabalhador, se admitam e, até mesmo em certas circunstâncias, se estimulem, os chamados "contratos precários" — aceitos, ainda hoje, com muita reserva e cautela pelo Direito do Trabalho — entre os quais encontram-se os contratos por prazo determinado, a tempo parcial, por temporada, entre outros.

            Frente ao surgimento de novos tipos de trabalho sequer imaginados outrora, e de maiores exigências, a crise financeira mundial está trazendo um novo tipo de mentalidade acerca dos direitos trabalhistas e o direito ao trabalho, e, mais adiante, da procura de trabalho e não de emprego.

            Verificam-se duas tendências básicas. A primeira diz respeito à descentralização da negociação e contratação em direção ao nível de empresa, por meio de acordos coletivos de trabalho identificados e não de uma suposta categoria, e a segunda ao encurtamento dos períodos de contratação.

4.O MODELO BRASILEIRO

            Na medida em que o emprego torna-se um bem a cada dia mais escasso, não se pode conceber um Direito do Trabalho distante da realidade, indiferente aos grandes problemas sociais, enfim, incapaz de atender aos fins que ensejaram a sua criação.

            Em nosso ordenamento, a flexibilização dos direitos laboristas encontra precedentes na Constituição Federal, que dispõe, em seu capítulo dos direitos sociais, inciso VI do artigo 7o, ser o salário irredutível, "salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo", e no inciso XIV prevê a jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos, "salvo negociação coletiva."

            As novas exigências do mercado interno e externo, preconizam a criação de normas trabalhistas mais flexíveis, quanto a alguns direitos que já representaram, no passado, grandes conquistas, que, entretanto, em nossos dias afiguram-se totalmente inadequados.

            Com efeito, a contratação de novos empregados, com encargos reduzidos, poderia enfrentar a questão concernente à abertura de novos postos de trabalho, para os desempregados que devem ser inseridos no mercado de trabalho, os trabalhadores do setor informal, com baixos níveis de qualificação, e os trabalhadores que perderam seus empregos em decorrência do processo de reestruturação produtiva.

            Há também que se incentivar a criação de empresas de menor porte, através de medidas que lhes propiciem melhores condições de existência, em virtude da situação econômica mundial. Incentivo que é fundamental, levando-se em conta a busca de novas opções de produção e trabalho, para a manutenção da qualidade de vida e bem estar social de todos.

5. DO DIREITO COMPARADO

            Diante da crescente problemática, onde os atores sociais buscam soluções para os novos ciclos evolutivos, verificou-se na experiência de outros países, as vantagens da utilização de várias modalidades de contrato de trabalho mais maleáveis e menos onerosas.

            Com efeito, a celebração de vários tipos contratuais a prazo determinado tem constituído idéia dominante, que, sob certas condições, este tipo de contrato pode servir de instrumento de fomento ao emprego, devendo proporcionar o ajuste de condições de trabalho às novas tendências, expandindo, assim, a tese da modernização do Direito do Trabalho.

            Inquestionavelmente, a tendência internacional é a da partilha do trabalho disponível, através da redução da jornada e da precarização do emprego, com os contratos atípicos, a tempo parcial e a prazo determinado. A multiplicação de contratos atípicos gera mais ocupações, embora precárias, porque reduz o custo da mão-de-obra.

            Para enfrentar a nova situação, na Europa e nos Estados Unidos surgiram alternativas como novas formas de contratar, descontratar, remunerar, e a adoção de mecanismos facilitadores de ajustes rápidos e descentralizados.

            Em todos os países afetados pelo desemprego, os governos e as entidades sindicais procuram desenvolver novos sistemas de trabalho, com regulamentação mais livre da jornada.

            A Espanha, desde 1976 vem editando leis reguladoras de contratos temporários para fomento de emprego. Portugal, com o mesmo intuito, criou novas formas negociais, como a contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração, além de outras situações previstas em legislação especial de política de emprego. (8)

            Na Argentina, foram criadas quatro novas figuras, o contrato como medida para o fomento do emprego, para o lançamento de uma nova atividade, para a prática aos jovens e o para o trabalho-formação, todas mediante manifestação em negociações coletivas e com redução dos encargos sociais.(9)

CONCLUSÃO

            A atual crise financeira mundial causada pela globalização está nos trazendo um novo tipo de mentalidade acerca do mercado de trabalho. Vemos, a cada dia que passa, inúmeras novas formas de trabalho surgindo, se adaptando às necessidades da sociedade, e de acordo também com as condições dos trabalhadores que se dispõem a executá-los, especialmente em nosso peculiar país, cujo povo tem uma criatividade ímpar, quase ilimitada. A qual, no entanto, infelizmente, provém da necessidade, que tem transformado esta terra num grande "circo", onde a maioria dos trabalhadores são verdadeiros "equilibristas" em busca da sobrevivência.

            A tecnologia é muito importante e benéfica para o homem, podendo trazer-lhe muito conforto, praticidade e bem estar, aumentando a sua longevidade, com mais saúde, facilitando-lhe muitas tarefas, diminuindo as distâncias e o tempo, etc., porém, é de se lamentar que o seu preço esteja sendo tão alto para o nosso povo, que está totalmente despreparado, em razão da desenfreada "ambição/corrupção" política que toma conta de quase todos os que provam o sabor do poder, em nosso país.

            De se lembrar ainda que, o Brasil apresenta um setor terciário inchado, com um contingente superior ao que se deveria esperar, formado por trabalhadores de perfis variados, que têm em comum a dificuldade de inserção no mercado como empregados. Inclusive com alguns não tão jovens, mas com necessidade de continuar trabalhando em virtude de um sistema previdenciário incapaz de propiciar uma vida com o mínimo de conforto e dignidade.

            Como se vê, tão distante da maturidade em matéria de justiça social quanto da noção de justiça distributiva, essencial ao Direito do Trabalho, nosso país revela-se ainda muito desajustado à nova realidade.

            Sabe-se que, o surgimento de novos empregos — diretamente ligado a fatores econômicos — não irá depender de uma legislação trabalhista ou de qualquer outra. Obviamente, não se criam empregos por leis ou por decretos.

            Todavia, em busca de soluções que poderão amenizar os efeitos da presente crise através de medidas próprias de sua área específica, a legislação trabalhista deve apresentar a sua parcela de contribuição, tornando-se mais flexível, tendo em vista que, embora as expectativas da flexibilização não se tenham cumprido integralmente, os problemas sociais seriam mais graves na sua falta.

NOTAS

            1. "… o termo grego pónos, que significa trabalho, tem a mesma raiz que a palavra latina poena. Em ambos está presente a mesma idéia de tarefa penosa e pesada, como em fadiga, trabalho, pena. Basta esta simples origem etimológica da palavra trabalho, para que fique demonstrada sociologicamente a sua tradição carregada de valores, ora depreciativos, ora penosos. Através dos tempos veio sempre o vocábulo significando fadiga, esforço, sofrimento, cuidado, encargo, em suma, valores negativos, dos quais se afastavam os mais afortunados."

            2.LUIZ C. A. ROBORTELLA. O Moderno Direito do Trabalho. LTr, 1994, p.78.

            3.OCTAVIO BUENO MAGANO, Contrato de Prazo Determinado, p. XII.

            4.ROBORTELLA. "A Surrealista Polêmica sobre o Novo Contrato de Trabalho", Revista Gênesis, n. 64, p. 534.

            5. ROBORTELLA. Ob. Cit., p. 128-129.

            6. NELSON MANNRICH. "Limites da Flexibilização das Normas Trabalhistas", Revista do Advogado, n.54, p. 29.

            7.JOSÉ PASTORE. Flexibilização dos Mercados de Trabalho e Contratação Coletiva, p.17.

            8. Lei n. 38 de 31 de agosto de 1996. Moreira, Antonio José. Compêndio de Leis do Trabalho. Lisboa, Almedina, 1976, p. 60.

            9. Lei Nacional de Empleo, Arts. 46 a 65.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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            PASTORE, José. Flexibilização dos mercados de trabalho e contratação coletiva. São Paulo: LTr, 1994.

            ROBORTELLA, Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1994.

            —————. "A Surrealista Polêmica sobre o Novo Contrato de Trabalho", Revista Gênesis, n. 64, p. 534.

            ROMITA, Arion Sayão. Direito do Trabalho — Temas em Aberto. São Paulo: LTr, 1998.

            —————. "Contrato de Trabalho por Tempo Determinado e Trabalho Temporário: Espanha, Itália, Brasil." Revista LTr, abril de 1998, vol. 62/04.

            SÁVIO, Luciane Alves. "Flexibilização do Direito do Trabalho e implantação da autonomia privada coletiva no Brasil". In Direito do Trabalho – Estudos. São Paulo: LTr, 1997.

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Referência  Biográfica

Mara Vidigal Darcanchy – Pesquisadora, professora universitária, advogada, mestra e doutoranda em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, especialista em Direito do Trabalho e em Didática do Ensino Superior.    E-mail: prof.mara@ig.com.br