Home Blog Page 286

A EC nº 45/2004 e a interposição de Interdito Proibitório durante a greve

0

* Diomar Boni Ribeiro –

Neste trabalho abordaremos a questão dos interditos proibitórios que são interpostos pelos empregadores na Justiça Comum, em defesa da posse, quando os trabalhadores de uma empresa decidem pelo movimento paredista, seu cabimento, a competência e o entendimento após a edição da Emenda Constitucional n. 45 de 2004.

 Palavras-chave: greve, posse, competência, interdito proibitório.

 INTRODUÇÃO

           A questão da greve e da interposição do instituto do interdito proibitório tem sido bastante controvertida tanto na doutrina quanto na jurisprudência, dado o fato de ser o interdito proibitório uma ação de natureza cível que deve ser proposta na Justiça Comum em defesa da posse e a greve muitas vezes ocasiona a ocupação dos locais de trabalho, daí o impasse: a Justiça do Trabalho, a rigor, não é competente para julgar lide possessória, e a Justiça Comum, por sua vez, não é competente para julgar ações decorrentes do movimento paredista.

O movimento paredista em todos os seus aspectos caracteriza um ato relacionado ao direito coletivo, e sem sombra de dúvida relacionado ao contrato de trabalho dos empregados que são envolvidos no movimento.

A utilização do instituto, normalmente vem acompanhado de multa pecuniária de valor altíssimo e de liminar que pode estar violando direitos consagrados pela nossa Carta Magna, dentre eles, o direito de liberdade de manifestação do pensamento, e o direito que todos os cidadãos possuem de se reunir pacificamente em locais abertos ao público, independente de permissão, e, ainda violando a lei infraconstitucional, a saber, a Lei de Greve, que prevê o uso de formas de aliciamento e convencimento dos trabalhadores a aderirem à paralisação do labor.

Com a edição da Emenda Constitucional n.º 45 de 08 de dezembro de 2004, parece estar definida a competência para se afirmar que a Justiça Trabalhista é quem deverá apreciar e julgar todas as ações decorrentes do exercício do direito de greve, dentre eles a ocupação dos locais de trabalho durante o movimento paredista, entretanto, ainda não está pacificado na doutrina ou na jurisprudência tal entendimento, como veremos no decorrer do presente trabalho.

1. DO INSTITUTO DO INTERDITO PROIBITÓRIO

           A ação de interdito proibitório, elencada nos artigos 932 e 933 do Código de Processo Civil, tem cabimento quando houver a ameaça, a turbação, ou esbulho à posse de alguém: o possuidor direto ou indireto que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá requerer ao juiz que o segure da turbação ou esbulho iminente, mediante mandado proibitório, em que se comine ao réu determinada pena pecuniária, caso transgrida o preceito.

Os requisitos essenciais ensejadores desta medida são: a posse atual do autor, a ameaça da turbação ou esbulho eminente dessa posse e o justo receio de se concretizar essa ameaça.

Da exegese do Código Civil, art. 1.210, há que se concluir que ESBULHO é a perda e TURBAÇÃO a perturbação da posse.

Assim, o interdito proibitório é cabível em caso de MOLÉSTIA da posse, real possibilidade de esbulho – perda ou turbação – perturbação da posse.

Manifesta-se nesse mesmo sentido o douto Humberto Theodoro Júnior: “Para manejar o interdito proibitório, deverá, outrossim, demonstrar o interessado um fundado receio de dano, e não apenas manifestar um receio subjetivo sem apoio em dados concretos aferíveis pelo juiz”. [1]

Para configurar turbação, a perturbação da posse deve ser tal que demonstre o objetivo do réu tomá-la para si.

Estando presentes todos os requisitos para obtenção da tutela possessória através do interdito proibitório, pode o juiz, com ou sem justificação prévia, por prudência, quando o caso concreto necessitar, em favor do possuidor deferir liminar que determine que o ofensor se abstenha de concretizar a ameaça feita.

2.  DO SEU CABIMENTO NA GREVE

Sempre existiu uma controvérsia muito grande em torno do interdito proibitório proposto pelo empregador, na Justiça Comum, com o objetivo de proteção à posse, quando os empregados decidem pelo movimento paredista.

Conforme já discorremos linhas atrás, a tutela possessória, através do interdito proibitório, tem cabimento quando há ameaça de moléstia ou de ofensa à posse de alguém por um terceiro. Trata-se dessarte de disputa pela posse de um determinado bem.

A questão é saber se há cabimento do interdito proibitório quando há um movimento grevista, e, para que se possa obter uma resposta, a esta questão, primeiro teremos que identificar o litígio que ocasiona a ocupação.

Os trabalhadores quando decidem pelo movimento paredista, utilizando-se dos instrumentos que lhes são permitidos pela lei maior e lei infraconstitucional, buscam ver atendidas as suas reivindicações trabalhistas, sejam estas relacionada a aumento salarial ou às condições gerais de trabalho. Em nenhum momento estão os trabalhadores disputando o direito de posse com o seu empregador. A lide assim formada é, por conseguinte, totalmente afeta às relações laborais mantidas pelos empregados que dela estão a participar.

A greve é o maior instrumento de pressão da classe trabalhadora, tendo como objetivo forçar o empregador a negociar ou atender suas reivindicações. A interposição do interdito proibitório pode ser uma forma de limitar este direito, já que os trabalhadores são constrangidos inclusive mediante presença de força policial.

Na interposição da ação de interdito proibitório, o autor busca uma ordem judicial que obrigue o réu a suspender a prática dos atos que estão a embaraçar o exercício de seus direitos e a molestar a posse mansa e pacífica do autor sobre seus imóveis, com a retirada de veículos, faixas e objetos que estejam a impedir a entrada de qualquer um ao seu local de trabalho, como também, aparelhos de som.

A utilização de veículos, faixas e objetos, são instrumentos do próprio piquete, o qual, é lícito. Já a proibição de utilização de aparelhos de som implica na violação do sagrado direito de liberdade de manifestação do pensamento, o qual constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião e ainda mais qualquer reunião pacífica em locais abertos ao público, é licita, inclusive com previsão constitucional (art. 5º, IV, e XVI da Constituição da República).[2]

Em relação à tentativa de impedimento da entrada dos empregados em seu local de trabalho, o direito de tentar persuadir os demais empregados a aderir ao movimento paredista e não ingressarem no local de trabalho está expressamente assegurado no art. 6º, I, da Lei 7.783/89 (LEI DE GREVE), sendo que a vedação imposta pelo art. 6º, parágrafo 2º, de citada lei, deve ser interpretada restritivamente, conforme leciona o mestre GODINHO:

                       

Há outra limitação trazida pela Lei de Greve, que se mostra de duvidosa constitucionalidade: trata-se da proteção especial conferida ao trabalhador que insista em trabalhar. De fato, dispõe a lei que as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho… (art. 6º, parágrafo 3º); completa o diploma legal que, em nenhuma hipótese, também poderão ser violados ou constrangidos os direitos e garantias fundamentais de outrem (art. 6º, parágrafo 1º). Ora, a lei tem de ser interpretada em harmonia com a Constituição: direitos e garantias, em nenhuma hipótese, poderão, efetivamente, ser violados ou constrangidos, exceto o acesso ao trabalho, desde que, aqui a restrição se faça sem violência física ou moral às pessoas. É que a Carta Magna assegura, enfaticamente, como direito fundamental, a greve, o movimento de sustação coletiva do trabalho: neste caso, o ato individual de insistir no cumprimento isolado do contrato choca-se com o direito coletivo garantido. Inexistindo violência física e moral nos piquetes, estes são lícitos, por força do direito garantido na Constituição, podendo, desse modo, inviabilizar, fisicamente, o acesso ao trabalho – repita-se, desde que sem violência física ou moral ao trabalhador.[3]

 

Ao acatar o pedido na ação interposta de interdito proibitório, o Juiz liminarmente manda que o réu (sindicato e empregados) se abstenham de usar instrumentos que empeçam o livre acesso ao local de trabalho, retirar materiais usados, exemplo faixas, carros de som. Ora, não estamos diante de uma forma de frustrar o movimento grevista, ato pelo qual está o empregador proibido conforme previsão da Lei de Greve?

 3. DA COMPETENCIA PREVISTA NA EC 45/2004

            O artigo 114 da Constituição Federal traz expresso a competência da Justiça do Trabalho e a EC 45/2004, incluiu dentre esta competência o inciso II, que atribui à esta Justiça Especializada a prerrogativa de dirimir as ações que envolvam o exercício do direito de greve. Conforme a Emenda Constitucional: “Artigo 114 – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:I – (…) II – as ações que envolvam o exercício do direito de greve”[4]

Entre as ações decorrentes do exercício do direito de greve, vamos encontrar a ocupação do local de trabalho, que vem sendo inibida pelos empregadores com o uso do instrumento processual do interdito proibitório.

Conforme já vimos anteriormente, o interdito proibitório é instituto para proteção da posse quando há disputa, podemos citar aqui como um perfeito exemplo, o caso do Movimento dos Sem Terra (MST), que quando anunciam a ocupação ou ingressam na posse de outrem, tem como objetivo claro a disputa pela posse.

Antes da nova redação do artigo 114 da Constituição Federal, mais precisamente seu inciso II, que é objeto do nosso estudo, existiam grandes controvérsias a respeito da competência para o processo e julgamento das lides relacionadas à greve, que eram propostas pelos empregadores com intuito de proteção da posse.

Inúmeros foram os julgados e a jurisprudência vinha decidindo pela competência da Justiça Comum, já que os argumentos dos empregadores sempre fora o receio de serem molestados em sua posse.

Com a nova redação, entendemos ter ficado claro que será da Justiça Especializada, ou seja, da Justiça do Trabalho, a competência para processar e julgar estas ações.

O professor Ricardo Fiorezi, em artigo publicado, se posicionou da seguinte forma:

É certo, no entanto, que a nova redação não mais permite dúvida quanto à competência para processar e julgar ação de interdito proibitório, quando fundada em receio do empregador, em razão do movimento de paralisação do trabalho promovido por seus empregados, ser molestado na posse do estabelecimento e dos equipamentos que o compõem, não mais se justificando, pois, o ajuizamento da ação perante a Justiça Comum, como vinha ocorrendo até então. Em situações tais, contudo, surge a dúvida quanto à competência funcional para processar e julgar a ação dada a semelhança que ela guarda com a ação de dissídio coletivo de declaração sobre a paralisação do trabalho decorrente de greve dos trabalhadores, a qual é sabido, é apreciada e julgada originariamente pelos Tribunais do Trabalho, e não pelos órgãos judiciários de primeiro grau.[5]

 

Apesar de parecer bastante claro o inciso II e a ocupação nos locais de trabalho durante o movimento paredista também demonstrar de forma clara que a ocupação é resultante de um litígio trabalhista, e que os trabalhadores usam esta ocupação simplesmente como mais uma forma de pressão, existem ainda muitos que consideram que se trata de uma lide possessória, e sendo assim, a competência seria da Justiça Comum; este foi o entendimento da Vigésima Câmara Cível da Comarca de Alegrete, Porto Alegre, quando decidiu por unanimidade negar provimento ao apelo do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Alegrete, considerando que não se tratava de discussão referente à direitos trabalhistas. Confira-se a ementa:

 

INTERDITO PROIBITÓRIO. DIREITO DE GREVE E LIVRE MANIFESTAÇÃO SINDICAL E DIREITO À PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. Não estando em discussão direitos trabalhistas, mas sim o direito à posse, como atributo da propriedade, não há falar em competência da Justiça do Trabalho, porquanto não caracterizada nenhuma das hipóteses contidas no art. 114 da CF. Direito político à greve e manifestações públicas daí decorrentes que, no caso concreto, implicaram ameaça à posse. Iminentes excessos praticados pela força sindical, inibindo o ingresso de cidadãos, clientes e funcionários na casa bancária, que, evidenciados, demonstraram a necessidade de ajuizar a medida preventiva. Utilidade da demanda reconhecida. Sentença mantida. APELO DESPROVIDO.[6]

 Estamos de acordo que a competência para apreciar ações civis ligadas à defesa da posse é da Justiça Comum, desde que não esteja esta diretamente relacionada ao contrato de trabalho, coisa que, no caso de ocupação do local de trabalho durante o movimento paredista, fica claro que uma situação não subsiste sem a outra, ou seja, se não há greve dos empregados contratados, não há a ocupação do local de trabalho; por outro lado, havendo a greve e a ocupação do local de trabalho, e, havendo negociação entre as partes (empresa e entidade sindical – representante) há natural e imediata desocupação do local de trabalho pelos manifestantes.

Seguindo este raciocínio, não podemos afirmar que a ocupação nos locais de trabalho durante a greve não tem relação com o exercício do direito de greve e com o contrato de trabalho.

E ainda, com relação a fatos criminosos que possam ocorrer durante o movimento paredista, não podemos deixar de lembrar que o artigo 482 da CLT traz elencada a previsão de Justa Causa e seu enquadramento. Em caso de greve não há de ser diferente.

Caso não haja identificação do responsável pelo ato, a responsabilidade deverá recair sobre a entidade sindical, uma vez que é ela a representante dos empregados e deve velar para que não haja abuso durante o movimento. Em se tratando de crime, não podemos retirar da Justiça Criminal a sua competência.

O professor João Orestes Dalazen, nos ensina que:

 

A interpretação sistemática das aludidas normas constitucionais parece conduzir induvidosamente à conclusão de que o art. 114 inc. II concerne às ações individuais entre empregado e empregador, nesta condição, em virtude do exercício do direito de greve, porquanto as ações coletivas a que a greve também possa dar causa já tratam os §§ 2º e 3º do art. 114.

Estou convencido de que o art. 114 inc. II passou a encartar na competência material da Justiça do Trabalho, entre outras, as ações possessórias entre empregado e/ou sindicato e empregador em face do exercício do direito de greve.

Como se sabe, a lei brasileira autoriza a defesa judicial da posse, fundamentalmente, mediante três ações: ação de manutenção de posse, em caso de turbação; ação de reintegração de posse, em caso de esbulho; e interdito proibitório, em caso de justo receio de violência iminente que possa molestar ou esbulhar a posse. Em qualquer dessas situações, se a turbação, o esbulho ou a violência iminente à posse deriva do exercício do direito de greve, a competência para equacionar a lide vem de ser deslocada da Justiça estadual para a Justiça do Trabalho.[7]

 Como podemos perceber, a competência está toda expressa no artigo 114 com as alterações procedidas pela Emenda Constitucional n.º 45/2004. O caput do artigo prevê que: Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar: o inciso I – as ações oriundas da relação de trabalho; o inciso II – as ações que envolvam exercício do direito de greve; o inciso III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; e o inciso VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.

A ocupação nos locais de trabalho durante a greve não pode ser uma exceção à regra, haja vista não haver neste caso uma disputa pela posse do imóvel.

Em recente decisão sobre interdito proibitório na greve, acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 15º, proferiu-se a seguinte decisão:

 

EMENTA

GREVE – INTERDITO PROIBITÓRIO – CONFLITO DE NATUREZA TRABALHISTA – COMPETÊNCIA FUNCIONAL DO JUIZ DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.

Os aspectos possessórios concernentes à realização de piquetes vinculados a movimentos paredistas, não desvirtuam a natureza trabalhista do conflito, o que atrai a competência material desta Justiça Especializada para dirimi-lo, pertencendo ademais a atribuição funcional correlativa ao juiz de primeira instância, mercê do contexto institucional que dimana da atual redação conferida ao artigo 114 da Constituição Federal, ilação que só pode ser afastada em se tratando de dissídios coletivos em sentido estrito.[8]

 

Conforme bem analisado no aresto acima, para se determinar a competência neste tipo de litígio, em primeiro lugar é preciso esclarecer se o conflito detém natureza trabalhista ou civil. E, como restou registrado no corpo do voto conducente, “a posse aqui, com as nuanças que a acompanham, é pura e simplesmente um efeito colateral, um dado menor, dentro de um fenômeno mais amplo, que a abrange e por inteiro a consome, que é a greve[9]

CONCLUSÃO

             A maior dificuldade encontrada para solução desta controvérsia está na definição do litígio; a Justiça Comum quando aprecia a Ação de Interdito Proibitório o faz dentro de sua competência para apreciar lide possessória, e, neste diapasão, o faz para proteção a direito protegido constitucionalmente.

Ocorre, no entanto, que em segurança de um direito assegurado pela Carta Magna, se viola um outro tão importante quanto, qual seja, o direito de greve.

É de sabença geral que a greve tem vários pontos reivindicatórios, que tanto podem se referir a melhores salários, a melhores condições de trabalho, ou a uma forma de protesto por qualquer violação que esteja ocorrendo por parte do empregador quanto aos seus empregados, inclusive com relação à segurança no trabalho, que muitas vezes não é devidamente observada pelos empregadores.

Se a ação dos trabalhadores durante o movimento paredista ameaçar ou turbar a posse de bens do empregador, com toda certeza haverá necessidade de delimitação do direito de greve, entretanto esta somente poderá ser feita pela Justiça do Trabalho, através do poder normativo que lhe foi conferido pela Constituição Federal.

Admitindo-se que pode ser proposta a ação de interdito proibitório, estaremos limitando o direito de greve previsto pela Constituição Federal e lei infraconstitucional, exatamente porque o instituto vem acompanhado de liminar que autoriza o uso de força policial e como já dito arbitra multas altíssimas se houver o seu descumprimento (claro constrangimento físico e psicológico).

Ousamos discordar dos que ainda acreditam que há possibilidade da interposição do instituto. Estamos convencidos de que ação decorrente do exercício do direito de greve deve ser proposta na Justiça do Trabalho, que deverá avaliar os abusos tanto do empregador quanto do trabalhador e da entidade sindical, durante o movimento paredista.

Avaliamos que a Emenda Constitucional veio para por fim em qualquer interpretação que se faça em contrário, haja vista que o artigo 114 com as alterações procedidas pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, traz expressa toda competência à Justiça do Trabalho. Podemos aqui fazer uma reflexão sobre estes incisos: a greve só pode ocorrer por parte dos trabalhadores contra seu empregador (não estamos aqui tratando do lockout), daí a relação de trabalho; a ocupação do local de trabalho durante a greve só ocorre enquanto não são atendidas ou negociadas as reivindicações dos empregados, é uma forma de pressão dos grevistas sobre seus empregadores (exercício do direito de greve); havendo danos causados por empregado determinado, este deverá responder, e quando não for determinado, a entidade sindical deverá responder, já que tem ela a incumbência e a responsabilidade de velar para que não ocorram ilícitos durante a greve; qualquer abuso (dano, ilícito) causado durante o movimento paredista, sujeita os responsáveis às penas da lei, § 2º do artigo 9º da Constituição Federal, e o inciso VI prevê que a Justiça do Trabalho é competente para ações de indenização por dano moral ou patrimonial.

 Muito embora, os empregadores já estejam acostumados a ingressar com esta medida judicial, sempre com os argumentos de que estão sendo violados os seus direitos de propriedade (posse), o que, sem sombra de dúvida merece proteção do Judiciário, o que nos parece é que os empregadores buscam no Poder Judiciário garantir o livre exercício das suas atividades empresariais, esquecendo-se que é da natureza do movimento grevista causar prejuízo, pressionar o empregador, senão não haveria razão para sua existência. Logo, e tal é a ilação final que a nosso ver se impõe, a utilização do interdito proibitório, com o escopo de diminuir a presença ou a atuação dos empregados em movimento paredista, implica violação explícita a direito trabalhista, assegurado e garantido em sede constitucional.

BIBLIOGRAFIA

Constituição Federal, Editora Saraiva, 1988.

SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada, 38ª ed., São Paulo: LTR, 2005.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 17ª ed., São Paulo: Forense, 1997, vol. III.

DALAZEN, João Orestes. A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalho no Brasil, edição março/2005, São Paulo: Revista LTR. 

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed., São Paulo: LTR, 2005.

FIOREZI, Ricardo. Justiça do Trabalho.A Nova Competência Atribuída à Justiça do Trabalho, edição  abril/2005, n.º 256, São Paulo: HS, 2005

NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e Legislação Civil em vigor. 22ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003.



[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, p. 164.

[2] Constituição Federal, artigo 5, inciso IV e XVI prescrevem que: “IV – É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.” e “XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso a autoridade competente.

[3] DELGADO, Mauricio Coutinho,  op.cit. p.. 1.424

[4] Emenda Constitucional n. 45/2004, editada em 08 de dezembro de 2004, alterando alguns dispositivos da Constituição Federal, dentre eles o artigo 114 que trata da competência da Justiça do Trabalho.

[5] FIOREZI, Ricardo. A Nova Competência Atribuída à Justiça do Trabalho, p. 24

[6] Acórdão proferido pela 20ª Câmara Cível da Comarca de Alegrete, Porto Alegre, onde foram partes Sindicato dos Empregados em Estabelecimento Bancário de Alegrete como apelante e Banco do Brasil S.A. como apelado, os desembargadores integrantes Dês. Arminio José Abreu Lima da Rosa (Presidente) Dês. Carlos Cini Marchionatti  e Dês. José Aquino Flores de Camargo (relator). .

[7] DALAZEN, João Orestes. A Reforma do Judiciário e os Novos Marcos da Competência Material da Justiça do Trabalho no Brasil, 69-03/274

[8] Acórdão proferido pelo TRT/15ª Processo TRT/15ª Região nº 01537-2005-000-15-00-8 Ação não Tipificada Requerente: Banco Bradesco S.A. Requerido: Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Rio Claro e Região.  Origem: Vara do Trabalho de Rio Claro, Juiz Relator: Manoel Carlos Toledo Filho.

[9] Ibid, id

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA  

* Diomar Boni Ribeiro é Advogada na cidade de Americana, São Paulo, com  Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, faz parte integrante do corpo de advogados do Sindicato dos Farmacêuticos no Estado de São Paulo, com atuação na Sede Regional de Campinas.

 Este texto é uma síntese da monografia apresentada no Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho da Pontifícia Universidade Católica de Campinas no ano de 2005.

Contato: diomarboni@terra.com.br

A Execução da Sentença conforme a Lei nº 11.232/05

0

Clovis Brasil Pereira

1. Introdução    2. Mudanças pontuais na nova execução da sentença judicial     3. O novo procedimento para o cumprimento da execução judicial     4. Conclusão

 

           Dando seqüência à reforma processual civil, com o objetivo de  atenuar a morosidade da prestação jurisdicional, foi publicada no Diário Oficial da União, a Lei nº 11.232/05, com vacacio  legis de 6 (seis) meses após sua  publicação, e que introduziu alterações no Código de Processo Civil, no tocante ao Processo de Execução, notadamente quanto às Sentenças Judiciais.

          Ao nosso ver, as alterações se alinham com o princípio constitucional que garante a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade processual, preconizado no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, em busca de maior efetividade na prestação jurisdicional, com a simplificação das regras e dos atos processuais,  que vêm orientando as alterações nas regras procedimentais, há mais de 12 anos.

          A reforma processual, visando uma legislação mais ágil, simplificada e útil à efetividade da jurisdição, teve início na década passada, com várias leis que se sucederam,  notadamente em 1994,  através das Leis 8.950, 8.951,  8.952 e 8.953,  que estabeleceram uma mini-reforma  do Código de Processo Civil; avançou em 1995, com as Leis 9.979 (ação monitória) e 9.099 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Estadual); prosseguiu nos anos 2001 e 2002, com as  Leis 10.259 (Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal), Leis  10.352/01, 10358/01, 10444,   culminando nos três últimos anos, com a EC nº 45/2004, e a legislação infraconstitucional que se seguiu, tendo como exemplos,  as Leis  11.187/05,  11.232/05 (sob comento),  11.276/06, 11.257/06 e 11.280/06.

          Outras certamente virão, ainda no decorrer de 2006, em  atendimento ao  pacto  firmado pelos Chefes dos Três Poderes, em dezembro de 1994, logo após a promulgação da EC nº 45/2004, que estabeleceu a  chamada  “Reforma do Judiciário”, quando de uma só vez, foram encaminhados quase 30 novos Projetos de Lei, à Câmara dos Deputados para  discussão e aprovação, para viabilizar a reforma então implementada.

          E porque tanto se reclama da necessidade de alterações no âmbito do processo, com o objetivo da maior celeridade  processual?

           É sabido de todos, que no processo de conhecimento, uma ação que segue o procedimento ordinário ou sumário, de sua distribuição, até a prolação da sentença e seu trânsito em julgado, leva em média, 7 (sete) a 8 (oito), notadamente no Estado de São Paulo, onde temos a vivência no exercício da advocacia.

          E no cenário atual, com a obtenção do título judicial, representado pela sentença, com trânsito julgado, o que de concreto tem o jurisdicionado,  com o encerramento dessa fase do processo de conhecimento?  Apenas o reconhecimento do direito, nada mais. A sua realização, esta somente é alcançada, com a concretização da fase executória, que se inicia com um novo processo, agora o de execução, e que segue a tramitação prevista a partir do artigo 566 do Código de Processo Civil, e que pode levar mais 7 ou 8 anos, para chegar ao seu término.

          Parece exagero, mas os jurisdicionados podem levar entre 14 a 16 anos, para a realização de um direito, isto quando, a fase executória não acaba sendo  frustrada, pela inexistência de bens do devedor. Neste caso, a frustração é  total, pois o autor buscou ao longo do tempo, simplesmente “o nada”.  

Mudanças pontuais na nova execução da sentença judicial  

          A Lei nº 11.232, objeto desta breve análise, modificou o procedimento da execução das sentenças judiciais, sendo que em  relação aos  títulos extrajudiciais, o novo texto legal  praticamente não procedeu nenhuma alteração significativa, permanecendo portanto inalteradas as normas então vigentes, ou seja,  a execução de títulos extrajudiciais continuará sendo  um processo autônomo, seguindo o regramento imposto no Livro II – Do Processo de Execução, do artigo 566 ao 795, do CPC.

          A execução das decisões judiciais, a partir da entrada em vigor da nova Lei (22/06/2006),  se constituirá num simples complemento do processo de conhecimento, quando o sucumbente poderá, independente de nova citação, intimação ou cientificação por qualquer modo,  cumprir a sentença judicial, sob pena de prosseguimento do feito, com a constrição de bens para garantia do julgado.

          Algumas alterações significativas foram feitas, para organização do Código Processual Civil,  ajustando-o à nova sistemática, quais sejam:

        a)  A  liquidação da sentença, antes prevista no Livro II – Do Processo de  Execução, Cap. VI, art. 603 à 611, foi transportada para o Livro I – Do Processo de Conhecimento, Cap. IX, art. 475-A  à  475-H.

        b) O  principal ponto a ser destacado  na liquidação da sentença, é que esta independe de citação do réu, nas liquidações por artigos  ou por arbitramento, bastando a intimação do advogado para seu início (art. 475-A, § 1º), podendo inclusive  ter início na pendência de julgamento  de recurso (art. 475-A, º 2º).

       c) É importante ainda destacar, a previsão contida no § 3º, do artigo 475-A, que  estabelece, que no procedimento comum sumário, para as ações cabíveis no art. 275, inc. II, alíneas d e e, do CPC, é defeso a sentença ilíquida, cumprindo ao juiz, se for o caso, fixar de plano, a seu prudente critério, o valor devido.

        d) Por sua vez, contra a decisão homologatória da liquidação, o recurso agora cabível, é o de agravo de instrumento (art. 475-H), o que contribuirá para a brevidade do incidente, já que a celeridade do  recurso de agravo, é inconteste, comparada a do recurso de apelação.  

        e) Os títulos executivos judiciais, foram transportados do art. 584, para o artigo 475-N, com  acréscimo de nossos títulos e mudanças em suas caracterizações, tais como:   inc.  I –  a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entrega de coisa ou quantia certa;  inc. IV – a sentença arbitral; inc. V – o  acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente; inc. VI –  a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; inc. VII – o formal e a certidão de partilha, exclusivamente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal.

        f) Os incisos  II  e  III conservaram a  mesma redação  do antigo rol dos títulos judiciais, previstos no  artigo 584,  não havendo alteração quando a esses títulos.   

       g) A execução provisória e a execução definitiva dos títulos judiciais, foi removida dos artigos 588 e 589,  para os artigos 475-O e 475-P, sem alterações substanciais, sendo que os requisitos da carta de sentença, até então previstos no artigo 590, têm previsão agora no § 3º, do artigo 475-O.

       h) Quanto a competência para o cumprimento e o  processamento da execução de títulos judiciais,  houve o deslocamento das regras do artigo 575 para o artigo 475-P, incisos I, II e III.

       i) A  matéria de defesa possibilitada ao  perdedor, antes oponível através de embargos à execução, e  delimitada no art. 741, e incisos, agora é prevista, na forma de impugnação, dentro dos limites estabelecidos no artigo 475-L, com modificações quanto aos incisos III – penhora incorreta e ou avaliação errônea; inc. IV – quanto a ilegitimidade de partes, que foi apenas renumerado; inc. V – excesso de execução, sendo modificando em parte o teor  do inciso V,  do artigo 741.

       j) O procedimento da execução das decisões judiciais  foi  todo modificado, uma vez que não está sujeito às regras do Processo de Execução, estas reservadas para os títulos executivos extrajudiciais, que em nada foram modificadas. Agora, o cumprimento da Sentença Judicial, está disciplinado no Cap. X, do Livro I, com o regramento previsto nos artigos 475-I  à  475-R, do CPC.

O novo procedimento para o cumprimento da sentença  judicial

          A Sentença recebeu nova conceituação, na Lei 11.232, conforme  a conjugação dos artigos 162, § 2º, e artigos 267 e 269, do Código de Processo Civil.

         Pela redação atual, revogada pena nova lei,  Sentença é “o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.

         Pela nova redação a vigorar a partir da vigência da Lei 11.232,  in verbis, “Sentença é o ato do juiz que implica algumas das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.  Quanto a extinção do Processo, o artigo 267, trocou a expressão “sem julgamento do mérito”, pela expressão “sem resolução do mérito”; quanto ao  artigo 269, que prescreve os casos de extinção do processo “com julgamento do mérito”, agora pelo novo texto, passa  prever, in verbis: “Art. 269. Haverá resolução do mérito”, sendo mantido o rol de situações previstas nos incisos I a V do texto revogado.

         Temos assim, que agora as sentenças são divididas entre as que extinguem o processo, sem resolução do mérito (art. 267), e as que resolvem o mérito, sem extinguirem o processo, e tal mudança, veio para adequar o novo procedimento para o cumprimento da sentença, já que esta se dará dentro do próprio processo de conhecimento,  e não mais em processo autônomo, de execução, como é  a previsão atual, e que restará revogada a partir da entrada em vigor da Lei 11.232/05.

         Assim, com o trânsito em julgado da sentença, que se constitui no título executivo judicial, ou em execução provisória, com as limitações impostas nesta modalidade, dá-se o próximo passo, dentro do próprio processo de conhecimento, em busca de seu efetivo cumprimento, procedendo de acordo com os arts. 461 e 461-A, ou tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos moldes do novo procedimento estabelecido nos artigos 475-I a 475-R, artigos estes acrescidos pela nova lei.

         Não sendo cumprida a obrigação, espontaneamente pelo devedor, no prazo de 15 dias, o montante do débito será acrescido da multa no percentual de 10% (dez por cento),  devendo observar o exeqüente,  o disposto no artigo 614, II, que prevê a juntada do demonstrativo do débito atualizado até o início da fase executória (art. 475-J, caput),   expedindo-se após,  o mandado de penhora e avaliação dos bens indicados (art. 475-J, § 3º),  a ser cumprido pelo oficial de justiça.

         Feita a penhora e procedida a avaliação, será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado, ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, no prazo de 15 dias (art. 475-J, § 1º).

         Observamos algumas alterações significativas no novo procedimento da execução da sentença judicial, das quais destacamos:  

         a) A execução da sentença judicial não mais se inicia com a citação do devedor, mas sim com a intimação de seu advogado ou  de seu representante legal.

         Como já foi dito, a execução não é um “novo processo”, com vida própria,  autônomo, mas sim, um mero incidente do processo de conhecimento, onde o agora executado, já foi  citado  desde o limiar da ação, quando se formou a relação processual.

         b) A citação pessoal do devedor, foi substituída pela intimação, que pode ocorrer na pessoa do advogado constituído nos autos,  pelo Diário Oficial; não existindo advogado constituído, será ela procedida pessoalmente ou via postal, na pessoa de seu representante.  Aqui parece-nos que os advogados terão que tomar algumas cautelas,  até se habituarem ao novo procedimento.

         É muito comum aos advogados, em razão da grande demora no julgamento das ações, contratarem com os clientes, seus honorários em razão das fases processuais, e era bem nítida, até o advento da Lei 11.232/05, que o processo de execução, na prática, se tratava de um processo à parte. Nesse passo, quando o cliente era citado para a execução do título judicial, procurava seu advogado para ajustar os honorários na nova fase processual.  Agora, não  havendo mais a citação, parece-nos prudente, que os advogados, ao se encerrar a fase de conhecimento, e na falta de ajuste de novos honorários, renunciem  tempestivamente aos poderes recebidos pela procuração ad judicia, sob pena de ficar vinculado à novas fase, com o risco de nada receberem.

          c) Vale ser destacado, que  a citação do executado,  segue sendo exigida apenas em algumas hipóteses, previstas no artigo 475-N, quais sejam: inc. II – sentença penal condenatória; inc. IV – sentença arbitral; e inc. VI – sentença estrangeira. Nas demais,  inicia-se com a simples intimação do advogado ou do próprio executado.  

         d) Os oficiais de justiças, estão autorizados a proceder à avaliação dos bens, quando da realização da penhora.

         Estendeu-se aos oficiais, de forma geral, o que já é praxe da Justiça Federal, onde os oficiais de justiça, classificados como analistas judiciários, procedem à avaliação das penhoras realizadas na Justiça Federal Comum e na Justiça Especializada do Trabalho.

         Achamos pouco provável que esta norma se aplique facilmente, uma vez que os oficiais de justiça, no âmbito da Justiça Estadual,  não são contratados para tal função, e certamente encontrarão muitas dificuldades para proceder tal avaliação, além, é lógico, do pouco interesse que terão em cumprir mais uma tarefa, da qual, ao que parece,  não receberão a devida remuneração.

         As dificuldades advindas dessa nova determinação, certamente serão contemporizadas com a alternativa  colocada  no § 2º, do artigo 475-I, que prevê, in verbis:  “Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinalando-lhe breve prazo para a entrega do laudo”.  

         e) A indicação dos bens para penhora não é feita mais pelo devedor, mas sim pelo credor.

         Pela disposição expressa no artigo 475-J, § 3º, ao contrário do que ocorre atualmente, e que permanece válido para a execução dos títulos executivos extrajudiciais, a indicação  dos bens para penhora, não é mais uma prerrogativa do devedor, mas sim do próprio credor/exeqüente. Esta afirmação decorre do contido no aludido dispositivo, que estabelece, in verbis: “O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados”. 

        f) A defesa do devedor, na execução da sentença judicial, não mais se dará na forma de embargos à execução, mas sim, na forma de impugnação.

         Tal impugnação pode ser oferecida no prazo de 15 dias, através de petição, admitindo-se como matéria de defesa, as questões constantes no artigo 475-L, incisos I a VI, cuja petição deve ser juntada aos próprios autos do processo de conhecimento,  sem contudo suspender o curso da execução, salvo se “o juiz atribuir-lhe tal efeito, desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”, conforme a previsão expressa no artigo 475-M, caput, do CPC.

        Mesmo ocorrendo a hipótese do efeito suspensivo, pode o exeqüente requerer o prosseguimento da execução, desde que ofereça e preste caução idônea, arbitrada pelo juiz, nos próprios autos (art. 475-M, § 1º); quanto ao processamento da impugnação, se deferido o efeito suspensivo, será instruída e decida nos próprios autos, e na hipótese de tal efeito não ser atribuído, será autuada em apenso. 

         g)  Se o devedor alegar, na impugnação,  excesso de execução, deverá informa o valor devido.

         Esta previsão contida no art. 475-L, § 2º, que autoriza o juiz a rejeitar liminarmente o incidente da impugnação, por certo afastará as impugnações infundadas, de caráter  protelatório, e possibilitará,  ainda, o prosseguimento da execução da sentença pelo valor incontroverso, o que se constitui em dispositivo que por certo, agilizará o andamento  do procedimento executório.  

        h)  A decisão proferida no incidente da impugnação, desafiará o recurso de agravo de instrumento.

         O não acolhimento da impugnação do devedor,  tem natureza de decisão interlocutória, e por isso ensejará  o recurso de agravo de instrumento, e não mais o recurso de apelação, este, próprio para atacar a sentença proferida no  julgamento dos embargos à execução, que subsistem, no novo diploma legal, para a execução de títulos executivos extrajudiciais, e nas execuções contra a Fazenda Pública.  Por certo, o agravo de instrumento é muito mais célere do que o recurso de apelação, que no Estado de São Paulo, pelo menos, demora, via de regra, entre 40 a 50 meses para ser julgado.

         Outras alterações foram introduzidas, notadamente em relação às execuções contra a Fazenda Pública e à ação monitória, porém sem grande significado, pois apenas ajustaram o texto legal, ao que já vinha sendo perfilhado  pela jurisprudência.

          Especificamente sobre a execução contra a Fazenda Pública, parece-nos que o legislador  perdeu  a grande oportunidade de por um fim  ao privilégio desmedido  concedido à Fazenda Pública, para sua defesa, as preservar as  regras vigentes, para a execução da sentença condenatória em que é executada.

          É público e notório, que a Fazenda Pública é ré em dezenas de milhares de processos que entulham as prateleiras do Poder Judiciário, em todo o país, e da postura protelatória que adota, para evitar o cumprimento das sentenças que lhe são desfavoráveis.  Se fossem sinceras as intenções dos agentes públicos, que  reclamam por maior celeridade na prestação jurisdicional, certamente estimulariam  os legisladores, a adotarem as mesmas regras desburocratizantes, que emperram  o andamento dos processos judiciais.

          Ao contrário, contrastando com o jogo de cena que fazem para a platéia, os legisladores conservaram o artigo 730, do CPC, para as execuções contra a Fazenda Pública, e conseqüentemente, tem ela, que ser citada, ao invés de intimada, do início da execução, tendo, a partir daí,  30 dias para opor seus embargos, suspendendo estes a execução, em mais um privilégio odioso que se perpetua, em desfavor da efetividade da prestação jurisdicional.

Conclusão

          No presente trabalho, procuramos simplesmente elencar, de forma didática, as principais mudanças introduzidas pela Lei nº 11.232/05, para melhor compreensão e assimilação dessas alterações.  As mudanças processuais introduzidas, e as em marcha,  parecem, vir em prol da melhor qualidade da prestação jurisdicional, e da simplificação e desburocratização da prática dos atos processuais.

          Se mostram, ao nosso ver, no rumo certo,  acabando paulatinamente com a autonomia dos processos de conhecimento, de execução e cautelar, e colocando todo o instrumento processual, à serviço da prestação jurisdicional mais dinâmica, mais eficaz.

          Como exemplos disso, temos  o instituto da antecipação da tutela (art. 273, do CPC), e as medidas acautelatórias autorizadas no  § 7º, do mesmo artigo, além das modificações introduzidas pela Lei 11.232, que retirou do processo de execução autônomo,  a realização do direito material, para assegurá-lo, como um  incidente do próprio processo de conhecimento, o que certamente redundará em melhoria na qualidade da prestação jurisdicional, e na confiança das pessoas no Poder Judiciário.

          Por certo, não podemos perder de vista, que o açodamento em  busca da celeridade processual, não pode vir em desfavor  do respeito de princípios fundamentais assegurados às partes, no âmbito dos processos judiciais, representados, notadamente,  pelo devido processo legal e pela garantia do direito à  ampla defesa.

          Por fim, somos de opinião que a reforma da legislação processual,  deve buscar o ponto de equilíbrio, entre uma prestação jurisdicional qualificada, sem perder de vista o respeito aos esses princípios basilares assegurados no texto constitucional, incluindo-se aí, a garantia ao duplo grau de jurisdição, o que nós dá a certeza, de que o direito das  pessoas, nunca será tutelado apenas pela vontade um único juiz, o que não é próprio dos regimes democráticos, em  pleno estado de direito.

 

Referência  Biográfica

CLOVIS BRASIL PEREIRA  –  O autor é  Advogado, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em direito, Professor Universitário, ministra cursos na ESA – Escola Superior da Advocacia no Estado de São Paulo e Cursos de Atualização Profissional em Cursos Jurídicos, É colaborador, com artigos  publicados nos Sites Jurídicos  www.ultimainstancia.com.br;  www.jus.com.br; www.jusvi.com; www.juristas.com.br; www.trinolex.com e www.prolegis.com.br, do  qual  é  coordenador  e  editor  responsável. Tem artigos publicados na Revista Consulex  e  Revista Jurisclick, 

E-mail: prof.clovis@54.70.182.189


Feminista, eu?

0

* Maria Berenice Dias –

Ninguém duvida que a maior revolução do século passado foi a revolução feminista. Ainda assim, se questionadas, as mulheres, em sua grande maioria, negam esta condição. Não tem coragem de dizer: eu sou feminista. Afinal, as feministas sempre foram identificadas como mulheres que odiavam homens, feias, mal amadas. Também, ao se referir a elas não podia faltar o adjetivo “sapatão”.

O interessante é que somente para rotular as ativistas do movimento de mulheres é que foi lembrada a orientação homossexual feminina, pois a maneira de agredir uma mulher sempre foi outra.

Para os homens terem certeza de sua ascendência, ou seja, que os filhos da sua mulher efetivamente são seus, a sociedade impôs a virgindade às mulheres. A preservação da integralidade de seu hímen tornou-se o símbolo da pureza feminina. Esta passou a ser a qualidade mais apreciada e valorizada em uma jovem que, para casar, precisa manter-se virgem. Casar vestida branco e de véu tem esta simbologia e até bem pouco tempo atrás era possível o marido pedir a anulação do casamento se desconhecia o desvirginamento da esposa. 

Com toda esta áureo de recato imposto à mulher, seus atributos sempre foram decantados sob esse viés: honesta, decente, séria, pura eram os seus predicados mais prestigiados. Por isso a forma de agredir uma mulher era exatamente atribuir-lhe atitude oposta. Era, não, ainda é, basta ir a um jogo de futebol e ver como os torcedores se referem à mãe do juiz…

Portanto causa estranheza que, no momento em que se pretendeu desprestigiar o movimento de mulheres, ninguém chamou as feministas de prostitutas, mas de lésbicas.

Não parece, mas este é um dado significativo.

Claramente mostra o temor das profundas mudanças que a revolução feminista causaria, e a desesperada tentativa de impedir sua expansão foi denegrir suas líderes. Assim, por medo, ninguém se identificaria com elas e o movimento tenderia a arrefecer.

No entanto, com o surgimento dos métodos contraceptivos e a própria liberação feminina, a mulher assumiu o livre exercício de sua sexualidade e seus atributos deixaram de ser mensurados exclusivamente por uma aparente vida celibatária. 

De outro lado, em face da discriminação de que sempre foi alvo a homossexualidade, principalmente masculina, mais uma vez encontrou a sociedade uma forma de agredir o sexo forte, cuja virilidade e livre exercício da sexualidade sempre foi um atributo altamente incentivado. Felizmente, como o preconceito está diminuindo, vem deixando de ter caráter ofensivo chamar os homens de homossexuais. Ao depois, o movimento pela livre orientação sexual está inibindo manifestações de caráter discriminatório.

Agora estamos vivendo um novo momento. As mulheres têm orgulho de se identificarem como feministas, ninguém mais têm medo de assumir sua identidade sexual e se está vendo uma salutar soma de esforços dos mais variados segmentos sociais buscando resgatar a cidadania não só dos iguais, mas de todos. Afinal é isso que se chama democracia, liberdade, igualdade, coisas que todos anseiam para si, mas que temos que aprender a respeitar perante os outros.

 


Referência  Biográfica

Maria Berenice Dias  –  Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

www.mariaberenice.com.br

A Necessidade de uma Convenção Internacional Sobre Domínio Público.

0

* Mauricio Cozer Dias –

O direito intelectual (autoral, software e patentes) foi todo estruturado para proporcionar aos inventores, criadores, programadores e todos os titulares envolvidos com a produção intelectual, a segurança jurídica para a exploração dessas criações.

Durante determinados prazos de proteção os titulares poderão explorar financeiramente suas obras, seus inventos. Devendo o cidadão pagar pela  utilização das obras.

Após a expiração desses prazos, as obras não serão mais exploradas economicamente pelos titulares caindo em domínio público, podendo ser utilizadas livremente em qualquer parte do mundo por qualquer cidadão.

Além das legislações nacionais, Convenções Internacionais foram elaboradas para harmonizar as legislações dos mais diversos países, tais como: a Convenção de Berna, de Paris e de Roma, que tratam respectivamente do direito de autor, das patentes e dos direitos conexos dos produtores fonográficos e interpretes.

O interesse mundial pelo direito intelectual é tão forte que a Organização Mundial do Comércio (OMC) elaborou o Tratado sobre Aspectos da Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIP’S). Na mesma linha de interesse, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) elaborou o Wipo Copyright Treaty (WCT), o Wipo Performances and Phonograms Treaty (WPPT) e o Patent Cooperation Treaty (PCT), para regular mundialmente esses interesses.

A UNESCO procurando preservar e divulgar o patrimônio intelectual da humanidade adotou a Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Nacional em 1972. Mais de 30 anos depois dessa convenção a UNESCO adotou a Convenção Internacional para a salvaguarda do Patrimônio Imaterial, que sucederá a anterior.

Porém, todos os instrumentos multilaterais, bem como, as legislações nacionais não regulamentam com mais profundidade de detalhes o domínio público. O patrimônio de obras de todos os países caídas em domínio público constitui o patrimônio intelectual da humanidade que já pode ser livremente utilizado pelos cidadãos de todo o mundo e já deveria estar disponível a todos.

As obras caídas em domínio público, se bem disponibilizadas pelos governos ou instituições públicas e até particulares nacionais e internacionais, possibilitarão um acesso infinito dos cidadãos de todo o mundo à toda produção intelectual humana.

Esse acesso às obras, inventos  caídos em domínio público certamente servirá de importante ferramenta para a transferência de tecnologia e cultura para países em desenvolvimento.

Uma difusão cultural sem precedentes resultará da efetiva disponibilização ao público destas obras do intelecto humano, desse acervo cultural da humanidade.

O enriquecimento cultural dos cidadãos dos países em desenvolvimento poderá ser pleno, uma vez que o acesso à cultura é um direito humano elementar. Aliás esse é o grande diferencial entre países ricos e desenvolvidos e os países em desenvolvimento, o grande abismo. Nos países em desenvolvimento poucos têm acesso à cultura, aos estudos, e conseqüentemente à produção intelectual. Já nos países desenvolvidos esse índice é muito maior.

As obras caídas em domínio público estão sendo muito mal tratadas, podendo ser afirmado que o domínio público não é tratado pelas legislações dos países, bem como, pela Legislação Internacional. Seria por que está ausente o interesse capitalista? Seria por que está ausente o interesse de grandes corporações?

O domínio público deve ser tratado pelas legislações nacionais de forma mais detalhada, iniciando-se esse movimento legislativo por uma convenção internacional que estabeleça as bases e parâmetros da disponibilização desse acervo, pelos países integrantes das instituições internacionais.

Negar a regulamentação e efetiva disponibilização das obras, inventos caídos em domínio público é manter milhões ou bilhões de cidadãos com acesso limitado à cultura. É manter cidadãos e países na ignorância e até mesmo na pobreza.

É necessário equilibrar a proteção da propriedade intelectual, protegendo também os cidadãos, seus direitos de acesso à cultura, a preservação e difusão desse acervo intelectual humano,  uma vez que a justa retribuição pela utilização das obras protegidas patrimonialmente já está devidamente regulado internacionalmente.

Urge que o tema seja discutido em sede das organizações internacionais como a UNESCO, OMPI e a OMC, que têm a incumbência de liderar a normatização supranacional do domínio público, bem como em todos os países que integram essas organizações para  conseqüentemente tornar efetiva a disponibilização desse acervo intelectual humano que tanto pode contribuir para a redução das diferenças culturais e econômicas.


Referência  Biográfica

Maurício Cozer Dias  –  Mestre em Propriedade Intelectual e Professor de Propriedade Intelectual.

Acusações de dano moral a bancos de sangue com base em resultados de exames de material coletado – algumas observações.

0

*Jaques Bushatsky 

Repetem-se ações judiciais para a discussão de responsabilidade decorrente do exercício de profissão liberal, pertinentes a doações de sangue, em que doadores pretendem-se surpresos, estarrecidos com o que denominam “erro” dos laboratórios, que porventura apresentem um primeiro resultado indicando a possibilidade de contaminação.

Alegam-se aterrorizados (por isso pedem grandes indenizações[1]) até que mediante um segundo exame, é o que costumam descrever, “descobrem” não serem portadores de males, nessas peças processuais, sempre descritos como mortíferos e vexatórios.

Tenta-se aqui expor o tema, sob o enfoque de que é absurdo imputar responsabilidade quando não haja culpa e tudo se conduza com regularidade de conduta, configurando-se o cumprimento de dever. Se esta exposição for feliz, a névoa folclórica que anuvia o tema será afastada[2].

II – OS ÔNUS DA PROVA SÃO DO PACIENTE NA VERIFICAÇÃO DE EVENTUAL CULPA MÉDICA.

O “ato ilícito” tem como elementos essenciais e imprescindíveis para sua configuração, a presença de: a) fato lesivo, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência; b) ocorrência de um dano; c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.

Portanto, desde que a obrigação de indenizar é conseqüência jurídica do ato ilícito, que deverá estar devidamente comprovado e configurado, desde que a culpa profissional deve ser provada de forma incontestável (a culpa médica jamais poderá ser presumida, relembre-se), desde que a comprovação da culpa cabe exclusivamente ao Autor da ação (na exatidão do artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil), há de ser pesquisada a presença desses elementos em cada postulação.

A necessidade da comprovação inconteste da culpa profissional dos médicos é matéria uniforme em nossos Tribunais : “A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, constituindo espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em Medicina em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas regulamentares.”[3]

Portanto, a responsabilidade civil do prestador de serviços médicos somente decorre da culpa provada. Não se pode pleitear indenização, sob alegação da existência de dano causado por profissional devidamente habilitado, com base em hipóteses ou presunções.

Não se aplica em demandas promovidas por aqueles que buscam indenização diante de médicos, a responsabilidade objetiva do prestador de serviços (§ 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor[4]). É esse o norte, inclusive quanto a hospitais, da jurisprudência.[5]

De fato, o erro médico porventura imputado, deve ter sua ocorrência e extensão, provadas por quem acusa, pois o disposto no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, de nenhuma forma afastou-se das normas processuais atinentes ao ônus da prova, remanescendo do Autor o ônus quanto ao fato constitutivo de seu direito[6].

Aí, portanto, um primeiro aspecto a ser cuidado nessas ações.

III – A OBRIGAÇÃO É DE MEIO E NÃO DE RESULTADO

Sob um segundo prisma, observa-se que a obrigação em tela (coletar material, analisa-lo e processa-lo para futura transfusão é obviamente, ato médico), é entendida como sendo de meio e não de resultado.  Realmente, já se decidiu que: A responsabilidade do médico é contratual, mas baseada fundamentalmente na culpa. A obrigação não é de resultado, mas de meios, ou de prudência e diligência”[7].  Ora, o desempenho ora em foco, parece palmar, é atividade sujeita aos percalços – vários até previstos pela ciência – que impedem a promessa de um resultado imune a variações.

Vai dessa premissa, cumprir em cada caso averiguar-se se ocorreu erro de técnica (observada a limitação do Tribunal em aprecia-lo, pois vários procedimentos médicos levantam dúvidas e debates, sendo por vezes impossível ao jurista, avaliar a correção deste ou daquele ato médico). E, se a técnica foi perfeitamente seguida, mesmo se ocorrer alguma falha desculpável, não haverá como imputar dever de indenizar ao banco de sangue.                   

IV – RESULTADO “FALSO POSITIVO” NÃO É ERRO

A terceira observação cinge-se à reiteração de que “falso positivo” não é sinônimo de “erro” laboratorial e esta evidência já foi exaustivamente analisada pelos nossos Tribunais. Mesmo assim, é a partir de resultados tais (falso-positivos) que se acumulam as ações em indevida perseguição de indenizações estupendas.

Generalizações, elucubrações deduzidas em termos leigos, que poupam ao articulista o trabalho de comprovar seus exercícios de ficção, não impelem à indenização, cumprindo sempre identifica-las e rechaça-las. Daí a conveniência de serem repetidas algumas certezas.

Em estudo[8] técnico bastante divulgado, chegou-se à seguinte conclusão: “A prevalência de RIBA em doadores anti-HCV positivo foi 62% caracterizando alto índice de reações falso-positivas com ELISA nesta população (doadores de sangue)”. É assertiva auferida cientificamente, que deve presidir a análise das alegações cansativamente lançadas nessa modalidade de demanda judicial: simplesmente, alta proporção de doadores de sangue apresenta resultados positivos, ao menos quando submetidos ao teste caracterizado pela alta (e necessária, para os fins a que é destinado), sensibilidade.

Em rapidíssima lembrança, vale realçar que resultados “falso-positivos” podem ter causas biológicas, tais como semelhanças antigênicas entre microorganismos, doenças auto-imunes, infecções por outros vírus, uso de drogas endovenosas.

E, não é novidade existir a “janela imunológica”, à qual cumpre atentar quando haja resultado “negativo”, pois é possível que corra algum tempo entre a aquisição da infecção e a soroconversão (positivação da sorologia), que no caso no HIV, pode levar de seis a doze semanas, diante do atual estado da arte médica.

Evidentemente, um resultado “falso positivo” não é erro, um resultado “negativo” durante a “janela imunológica”, não é erro, sempre admitido neste estudo, que as coletas de sangue e os testes se façam de acordo com as boas técnicas.

É preciso, sempre, recordar um aspecto crucial: quanto mais acurada a análise feita pelo Banco de Sangue (leia-se, quanto mais sensíveis os testes adequadamente realizados), menor será o risco de transmissão de doenças aos pacientes que receberem o sangue. Vale repisar: é exatamente esta, a razão de ser do banco de sangue.

Talvez melhor que invocar neste momento as explicações dos cientistas médicos, seja mais proveitoso trazer à luz a interpretação já oferecida à matéria pelo Judiciário.  Nesse mister, percebe-se que assim julgou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Responsabilidade Civil. Ação Indenizatória. Banco de Sangue. Teste de Triagem. Exame de alta sensibilidade. Os testes realizados com doadores de sangue são de alta sensibilidade e não de alta especificidade, estando, portanto, sujeitos a falso positivo. Inexistência de culpa do Banco de Sangue ao prestar informação de falso positivo. Doadora orientada a realizar novos exames. Inocorrência de Dano Moral”.[9]

Ou seja, o oferecimento de um resultado “falso positivo” contrariado depois (por outro tipo de teste), não configura “erro”. Logo, não enseja pleito de indenização. Não é diferente a posição do Tribunal de Justiça de São Paulo[10] [11] [12].

Vale o realce a duas decisões relatadas pelo hoje Ministro CEZAR PELUSO, bem representando a compreensão acurada da questão:

“ Não caracteriza dano moral o conhecimento de resultado falso-positivo de sífilis em exames de alta sensibilidade usados nas coletas de sangue, sobretudo quando o doador tenha sido advertido dessa possibilidade, a que atribuível a fator pessoal de caráter não patológico, não constitui erro”[13].

“Indenização. Indemonstrada a culpa no comportamento o réu. Conduta normal do Laboratório. Imprecisão do resultado do exame ELISA não configura culpa do Réu, que agiu dentro dos limites atuais das técnicas de análises clínicas para a verificação da presença do organismo – Recurso do Autor desprovido”[14]

Perceba-se bem o significado desses julgados: 1) testes de alta sensibilidade podem fornecer resultados falso-positivos; 2) tal não significa erro; 3) não há erro se tudo se faz de acordo com o estado da arte médica; 4) conhecer esse tipo de resultado não gera dano moral.

Conclui-se, portanto, pela inexistência de qualquer culpa do Laboratório que porventura tenha oferecido resultado após o primeiro teste.  Não há negligência, imperícia ou omissão de sua parte, mormente naquelas hipóteses em que recomende a execução de testes confirmatórios.     

Não há, pois, como considerar exista dano moral quando se tenha conhecimento do resultado de um exame que apenas sinaliza a possibilidade de ter o mal, mas não conclui que o tenha, dada a própria natureza e ante o objetivo desse tipo de exame.

E a certeza ganha acréscimo, quando se verifica tenha o Laboratório respeitado os padrões técnicos e informativos, sempre lembrado que a Medicina não é uma ciência exata e o exame laboratorial, é um meio de pesquisa que convive com gradações.

V – BANCOS DE SANGUE NÃO DIAGNOSTICAM DOENÇAS.

Muitos pleitos surgem do enganado entendimento de que os Bancos de sangue ofereceriam diagnósticos. Não, não é essa a finalidade dessas entidades. Elas servem à coleta de sangue, à análise respectiva (com o máximo da segurança admitida pelo estado da arte) e ao fornecimento do material para transfusões.

Bem por isso, em apertado resumo, a Portaria 1376/93 do Ministério da Saúde[15] dispôs que os bancos de sangue não realizam diagnósticos, e sim exames para garantir a qualidade do sangue doado.  Nesse sentido já julgou o Tribunal de Justiça do Paraná[16]:

“Ocorre que aquele exame foi efetuado pelo método ELISA, nos moldes do que determina o disposto na legislação regulamentadora desse tipo de atividade, ou seja, o Decreto no. 95.721/88, o qual diz que os exames realizados no doador têm apenas a função de prevenir a propagação de doenças transmissíveis através do sangue, eliminando qualquer risco para o receptor do sangue, paciente a custeador dos exames. Não possuem a finalidade de diagnosticar doenças.”

Por conseguinte, é afastada a possibilidade de pretender-se do Banco de Sangue, um diagnóstico (com implicações outras, observe-se), pretensão que costumeiramente é manifestada pelos Autores de ações judiciais do naipe da que se cuida. Diagnóstico, quem o faz, é o médico; exames para subsídio desses diagnósticos os fazem os laboratórios de análises clínicas.

Os Bancos de Sangue, somente analisam o material doado, com o fito único de o proverem aos necessitados, com um mínimo de risco. Caso, na análise, se defrontem com a rejeição do sangue, devem notificar o candidato à doação, para que este consulte um médico.

VI  –  É CONHECIDA A POSSIBILIDADE DE RESULTADOS FALSO-POSITIVOS. A PORTARIA 488 DE 17/06/1998 – ANVISA

Os órgãos de controle não descuraram da rotina de coleta e de análise de sangue para fins transfusionais. A Portaria nº 488, de 17 de junho de 1998, da Secretária de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, editada considerando “a possibilidade da ocorrência de resultados falso-positivos ou falso-negativos nos testes utilizados para a detecção de anticorpos anti-HIV, em indivíduos com idade acima de 2 anos” (SIC), dispôs com clareza acerca dos procedimentos técnicos a serem cumpridos[17].

No primeiro anexo à Portaria, se preveniu que: “É obrigatória a coleta de uma segunda amostra e a repetição da etapa I, acima, para confirmação da positividade da primeira amostra. Caso os resultados da testagem dessa segunda amostra sejam não reagentes ou indeterminados, deverão ser cumpridas todas as etapas dos procedimentos seqüenciados.”

Importante asseverar o reconhecimento oficial da precariedade, ainda (se considerada a meta de 100% de segurança dos resultados), dos exames e a necessidade de novos exames, quando apontados resultados positivos.

VII – TODA TRANSFUSÃO É ARRISCADA – A RESOLUÇÃO RDC Nº 153, DE 14 DE JUNHO DE 2004.

Essa resolução dispõe sobre o “Regulamento Técnico para os procedimentos hemoterápicos, incluindo a coleta, o processamento, a testagem, o armazenamento, o transporte, o controle de qualidade e o uso humano de sangue, e seus componentes, obtidos do sangue venoso, do cordão umbilical, da placenta e da medula óssea” (SIC). Ela foi publicada no Diário Oficial da União (Poder Executivo, de 24 de junho de 2004) pela ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária[18]

Vale de proêmio, observar que a própria resolução alinhou em seu início, que “a.1 – Toda transfusão de sangue traz em si um risco, seja imediato ou tardio, devendo, portanto, ser criteriosamente indicada.”  . Asseverou em seu texto, adiante, que “A.9 — A transfusão de sangue e componentes deve ser utilizada criteriosamente, tendo em conta que é um procedimento que não está isento de riscos. Sua indicação poderá ser objeto de análise pelo serviço de hemoterapia.”               

Ao cuidar da doação de sangue , dispôs:

B.1 – A doação de sangue deve ser voluntária, anônima, altruísta e não remunerada, direta ou indiretamente. Por anonimato da doação entende-se a garantia de que nem os receptores saibam de qual doador veio o sangue que ele recebeu e nem os doadores saibam o nome do paciente que foi transfundido com componentes obtidos a partir da sua doação, exceto em situações tecnicamente justificadas.

B.2 – O sigilo das informações prestadas pelo doador antes, durante e depois do processo de doação de sangue deve ser absolutamente preservado. 

São aspectos que asseguram o sigilo emprestado à doação de sangue e os testes conseqüentes, vale gizar.

Ao tratar da informação dos resultados ao doador, esclareceu a Resolução que:

“Na triagem clínica, no caso de rejeição do candidato, o motivo da rejeição deve ser informado a ele, devendo, também, ficar registrado na ficha de triagem.

Na triagem laboratorial, o responsável técnico pelo serviço deve dispor de um sistema de comunicação ao doador, das anormalidades observadas nos exames realizados quando da doação. 

Esta comunicação é obrigatória e tem como objetivo o esclarecimento e a repetição dos exames, nos casos previstos na legislação.

No caso do doador apresentar exame(s) reagente(s) para doença(s) identificada(s) na triagem laboratorial o serviço de hemoterapia:

a) Pode realizar os exames confirmatórios.

b) No caso de não realizar os exames confirmatórios, deve encaminhar a amostra do sangue do doador para um serviço de referência para a realização desses exames.

c) No caso desses exames confirmarem o diagnóstico, o doador deve ser chamado pelo serviço de hemoterapia que realizou a coleta do seu sangue, orientado e encaminhado para um serviço de saúde para acompanhamento.”

Mais: é obrigatório,

d) Convocar e orientar o doador com resultados de exames reagentes, encaminhando-o a serviços assistenciais para confirmação do diagnóstico ou, no caso dos exames confirmatórios terem sido realizados, encaminhá-lo para acompanhamento e tratamento;

E.2.8 – Os resultados dos exames de triagem dos doadores são absolutamente sigilosos. Quando os exames forem feitos em instituição diferente daquela em que ocorreu a doação, o envio dos resultados deve ser feito de modo a assegurar a não identificação do doador, sendo vedada a transmissão verbal ou por via telefônica dos resultados. O envio por fax ou por e-mail é permitido, sem a identificação do nome por extenso do doador.

E.2.9 – Não é obrigatório que o serviço de hemoterapia firme o diagnóstico da doença.

Dessa rápida leitura, decorrem forçosas as conclusões: 1) o aviso ao Doador, a realização de novos testes, a rejeição do material, são legalmente obrigatórios, a par de configurarem perfeita atenção ao estado da arte médica; 2) não cumpre ao Serviço, firmar qualquer diagnóstico.

VIII – SE NÃO OCORREU DIVULGAÇÃO DO RESULTADO, NÃO EXISTE DANO MORAL.

Autores dessa sorte de demanda buscam indenização por danos morais, merecendo acrescente-se mais um óbice a desideratos do gênero: o resultado inconclusivo que é recebido, permanece entre o doador e o médico preposto do Banco de Sangue, sendo obrigatório que este, comunique o resultado àquele.

Não vai a público, de onde não ocorrer “alterabilidade” a ser examinada na questão, a que a doutrina faz menção, para pesquisar a ocorrência de danos morais. A personalidade do doador, bem como sua imagem, não são atingidas, essa a real rotina.

Lê-se a este propósito, no corpo de parecer do eminente Prof. IVES GANDRA DA SILVA MARTINS[19]:

“Sendo o direito instrumento de convivência social, que não nasce sem a existência de “outro“- Robinson Crusoé não precisava de Direito repercussão enquanto estava sozinho em sua ilha –  à evidência , o dano moral é , essencialmente , um dano à personalidade atingida numa relação com “alguém “, ou seja com o mundo , pois a desfiguração da imagem , da honra , e da personalidade dá-se nos limites do ambiente em que tais valores deveriam ser preservados.

Por esta razão, a doutrina sobre danos morais situa-se, fundamentalmente, na configuração de uma relação – e não de uma situação – em que a ofensa atinge a pessoa , em função do respeito e da dignidade a que faz jus perante terceiros” .

Não bastasse, o TJDF[20] já rechaçou pleito de indenização ante a divulgação aos parentes:

“Além de constar tal advertência no próprio resultado, o qual ficou na posse da autora, atualmente têm sido noticiados na imprensa falada e escrita, vários casos de resultados de HIV incorretos, razão por que a autora deveria Ter refeito os exames.

Com efeito, a autora refez os exames e obteve resultado negativo, o que foi confirmado por outros exames. Entretanto, só veio a faze-lo, dias depois.

Por outro lado, percebo que os danos morais alegados pela autora referem-se a constrangimentos diante de pessoas conhecidas e parentes, bem como a preconceito e comentários maliciosos a sua imagem e reputação.

Neste sentido, deve ser frisado o fato de que o resultado falso positivo, por si só, não envolveria a autora em tal situação embaraçosa, mormente se o exame tivesse sido refeito, pois logo ficaria esclarecida tal situação”.

Aí está mais um óbice às pretensões indenizatórias: o sigilo reforça a inexistência de dano moral.

Vale insistir, à luz dos diplomas específicos já ventilados: é obrigatória a informação, pelo Serviço de Triagem, ao candidato à doação de sangue (logo, não há de se pensar em punir o Serviço que cumpre a lei, avisando o candidato!)

IX – A EXACERBADA PRETENSÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL ENCONTRA RESISTÊNCIA DOUTRINÁRIA

Na verdade, essas ações buscam o enriquecimento de seus autores, jamais sua indenização. E, a esse propósito, a resistência à exacerbada reparabilidade do dano moral funda-se em um grande número de razões apontadas pelos doutrinadores, uns e outros mais apegados a este ou àquele fundamento, embora sempre concordes em linhas gerais.

PIRES DE LIMA[21], em arrojado trabalho apontou algumas das principais objeções à indenização por danos morais: 1) Falta de um efeito penoso durável; 2) A incerteza, nessa espécie de danos, de um verdadeiro direito violado; 3) A dificuldade de descobrir-se a existência do dano; 4) A indeterminação do número das pessoas lesadas.

ALFREDO COLMO[22] acrescenta outra objeção “ao lembrar o enriquecimento sem causa, eis que o pretendido credor teria, com a reparação, um aumento em seu patrimônio econômico, sem que, antes, tivesse tido nenhum desembolso”.

De qualquer forma, sem a clara demonstração dos danos morais e sua valoração, não é possível a reparação. Não se dá ao juiz o poder de exercício, no caso concreto, de sua jurisdição.

Por essa razão, a despeito da Constituição Federal acolher a indenização do dano moral, este deve vir fundado em elementos essenciais para justifica-lo. Neste sentido, a jurisprudência e a doutrina não discrepam. Lê-se no corpo do V. acórdão relatado pelo Desembargador OLAVO SILVEIRA[23]: “É imperioso lembrar que o dano moral só se justifica quando o ilícito resulte de ato doloso, em que a carga de repercussão ou perturbação nas relações psíquicas, na tranqüilidade, nos sentidos e nos afetos de uma pessoa, se reflita como decorrência de repulsa ao ato intencional do autor do crime. Tal carga, à evidência, não pode ser encontrada num delito culposo, especialmente como no caso, sem demonstração de culpa, em qualquer de suas modalidades e ressalte-se, duvidosa até a prova da ocorrência do apontado erro médico.” (SIC)

 Aí mais um empeço às pretensões ora discutidas. De resto, em cada caso, é necessário indagar: 1) qual o fato concreto? 2) Qual o nexo causal? 3) Que cálculo se fez para lançar o valor pleiteado?

X – CONSEQÜÊNCIAS DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA AO AUTOR

Essa é outra questão terrível, porém para os Réus de demandas tais: a outorga dos benefícios da Justiça Gratuita. Independentemente da manutenção do benefício, questão estudada pelo Juiz, merece ser ponderado que o Autor deve suportar os ônus da sucumbência vindo a ação a ser julgada improcedente. Este entendimento é pacífico e vem sendo reiteradamente confirmado pela jurisprudência. Confira-se: “O artigo 11 da Lei de Assistência Judiciária diz respeito apenas às ações em que o beneficiário da assistência judiciária sai vencedor da causa, o que não é o caso dos autos, pois saiu vencido. O parágrafo segundo do referido dispositivo legal, somente tinha sentido antes da Lei nº 4.632/65, que instituiu o principio da sucumbência para todas as causas cíveis. Assim no caso em que o beneficiário saiu vencido só tem direito de isenção das taxas judiciárias e das despesas com publicações em órgãos oficiais, bem como dos honorários de seu próprio advogado”[24] (SIC). 

Ou seja, a gratuidade outorgada não exime o Autor de ação judicial, do suporte da condenação, quando decretada a extinção ou improcedência da ação.

XI – O VALOR DA CAUSA NÃO PODE SER EXAGERADO

Saliente-se que a questão da gratuidade, há de ser sopesada com o valor (costumeiramente absurdo) que o autor atribui à causa: livre de suportar as custas, ele imagina-se à vontade para brandir qualquer número.

Contudo, é de se ver que a mantença desses valores altos impede ao Réu, o acesso à Justiça. De fato, eventual recurso ofertado pelo Réu dependerá do recolhimento de preparo calculado sobre algum importe absurdo, inviabilizando o manejo recursal. Imagine-se, admitida a atual tabela de custas paulista, um recurso em causa com o valor de R$ 500.000,00, implicaria no recolhimento de R$ 5.000,00, os quais jamais seriam reembolsados, mesmo se provido o recurso, essa é a prática.

Concluiu por unanimidade a 4a Câmara de Direito Privado do TJSP[25] que: “O valor da causa, nas circunstâncias, deve ser fixado tendo em conta o critério da razoabilidade e o elevado valor pode dificultar a defesa da parte contrária. O Poder Judiciário, no caso, não deve olvidar as tentativas que se repetem com inusitada freqüência de procurar inviabilizar a defesa e igualmente eventual via recursal diante da obrigatoriedade do recolhimento de custas, por meio de atribuição de valores exagerados à pretensão inicial.”[26]

É quanto leva a mais esta anotação: não há de se admitir o processamento de causas tais, mormente se beneficiadas pela Justiça Gratuita, com valores exacerbados.

E, o valor adequado pode ser singelamente extraído dos valores que findam decretados pelos Tribunais[27], quando efetivamente ocorra algum dano moral em situações da estirpe ora comentada.

Ações judiciais que aleguem erros não existentes, apontadas contra Serviços de Hemoterapia, trazem a estes institutos, sérios desconfortos, graves prejuízos, abalos. Colocam em dúvida a seriedade dessas entidades, injustamente. Podem destruí-las, pois cada uma delas sobrevive graças à sua idoneidade.

Podem, tais demandas, gerar, aí sim, pleitos de indenização, porém em favor dos Serviços acusados. Se não vemos ações judiciais nesses moldes, não é porque não tenha havido dano, mas, certamente, porque as condições concretas, materiais, dos acusadores, no mais das vezes sugerem venha a ser infrutífera a busca de indenização ante eles.

Mas, exatamente esta circunstância, pode estear, do Judiciário, decisões que rapidamente espanquem as ações indenizatórias mencionadas neste pequeno estudo, desde que verificada a presença de qualquer das situações antes descritas, providência que ao menos, minorará o dano à entidade injustamente acionada e sinalizará à sociedade a impossibilidade de pleitos descabidos.                       

——————————————————————————–

[1] Nas palavras de FRANCISCO BALESTRIN (A importância do gerenciamento do risco legal em saúde, em Consultor Jurídico , 01/03/2004), “… os brasileiros estão mais atentos à defesa de seus direitos, tendo aprendido que a Justiça é o leito para o qual devem encaminhar suas queixas. De outro, mostra que a prática também pode estar se vulgarizando, criando-se o hábito da reclamação pela reclamação ou da reclamação em busca de indenizações milionárias e descabidas ou, pior ainda, a indústria das indenizações”

[2] Impossível deslembrar neste passo, a candente lição do Juiz MAURY ÂNGELO BOTTESINI, em memorável palestra promovida em S. Paulo pelo Instituto de Estudo e Pesquisa do Sangue na Associação Paulista de Medicina (25/06/2004): Disto se conclui que deve ser uma das preocupações permanentes das instituições ligadas à Hemociência, a divulgação entre os integrantes do Poder Judiciário, das atividades da hemoterapia e da hematologia, bem como das vicissitudes a que elas se submetem. Só assim os julgamentos em todas as Instâncias terão qualidade e adequação aos casos concretos, e aplicarão a legislação específica, que em alguns casos se mostra contraditória com as regras gerais do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Há casos de dúvidas, também, a respeito de qual norma é adequada, se as regras especiais da hemoterapia ou a legislação ordinária, como a Lei dos Planos e Seguros de Saúde.

[3] TJRJ – 2ª C. – Ap. – Rel. FELISBERTO RIBEIRO – j. 20.08.81 – RT 558/178.

[4] – Lei nº 8.078 de 1990. O parágrafo 4o dispõe: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação da culpa”

[5] “INDENIZAÇÃO – Responsabilidade civil – Hospital – Ajuizamento com base no Código de Defesa do Consumidor – Responsabilização objetiva – Inadmissibilidade – Hipótese de exercício de profissão liberal, na medida em que o que se põe em exame é o próprio trabalho médico – Necessidade da prova de que o réu agiu com culpa ou dolo – Artigo 14, § 4º, do referido Código – Recurso não provido”.

Em ação de indenização contra hospital, ajuizada, com base no Código de Defesa do Consumidor, embora se trate de pessoa jurídica, a ela não se aplica a responsabilização  objetiva, na medida em que o que se põe em exame é o próprio trabalho médico – Aplicável, pois, o § 4º do artigo 14 do referido Código”. (Agravo de Instrumento nº 179.184-1 – São Paulo – Agravante: Ignaz Thallinger – Agravada: Policlínica Santa Amália SC Ltda.).

[6] Artigo 333 inciso I do Código de Processo Civil.

[7] TJRJ – 4ª C. – Ap. 10898 – j. 11.03.80 – Diário da Justiça do Rio de Janeiro, 7.5.81, p. 64, In Responsabilidade Civil, Coordenador YUSSEF SAID CAHALI, Saraiva, 2ª ed., 1988, p. 348;

[8] Evandro Oliveira Jr. , “Determinação de Anticorpos Anti-HCV por Immunoblott Recombinant (RIBA) em Doadores de Sangue – Relação com Ensaio Imunoenzimático”, “in” http://saudetotal.com.br.

[9]Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação 598373116, 9ª Câmara Cível, julgamento: 06/10/99, Relatora: Desembargadora MARIA ISABEL BROGGINI.

[10] TJSP, Apelação nº 103.006.4/3-00, relator Desembargador GUIMARÃES E SOUZA:

[11] Apelação Cível nº 61.981.5/0-00 – Bauru, 8ª Câmara de Direito Público – Relator Desembargador JOSE SANTANA, constando do corpo do acórdão: Essa conclusão do autor – de que o resultado do exame era ‘errado’ (atestou doença inexistente) – constitui, evidentemente, uma premissa falsa, porque o resultado do exame apenas detectou a “possibilidade” de ser o paciente portador da doença. O exame é realizado para isso mesmo, ou seja, a verificação dessa possibilidade, cuja leitura é apenas técnica, fato que, evidentemente deveria – se não o foi – ter sido esclarecido ao apelante pelos médicos que o assistiram. A falta desse esclarecimento, ou mesmo com esse, o fato pode, possivelmente, diante da mera possibilidade de portar a doença, ter acarretado ao Autor o sofrimento psicológico e até as outras conseqüências relatadas na inicial, mas que não guardam, rigorosamente, relação causal nenhuma com o resultado do exame realizado pelo laboratório  estatal”. (SIC).

[12] apelação cível nº 101.243-4/0-00-Sorocaba 7ª Câmara de Direito Privado, julgamento aos 20/09/00, v.u., Relator: Desembargador SALLES DE TOLEDO: Vários podem ter sido os motivos conducentes ao primeiro resultado. Vejam-se a propósito, os folhetos de f. 36/37 e 58/61, divulgados, respectivamente, pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e pela Sociedade Brasileira de Análises Clínicas. Em ambos se lê que o teste anti HVI pelo ELISA pode revelar falsos resultados positivos. Isso pode decorrer da “presença, no soro, de determinantes que simulam proteínas virais” (f. 36). Os fatores são diversos, como por exemplo, a administração de vacina antigripal até 3 meses antes, hemodiálises, hemofilia, ou causas desconhecidas”

[13] Apelação Cível nº 110.196-4- São Paulo, Relator Desembargador CEZAR PELUSO.    

[14] Apelação Cível nº 261.135-1, Relator Desembargador CEZAR PELUSO.

[15] A Portaria 1376 de 19/11/93 foi publicada no DOE de 02/12/93, alterou a Portaria 721/GM de 09/08/89. Em seu item 4.3, dispôs: “Notificação do doador: no caso de rejeição do candidato, a causa motivante deve ser registrada na fichade triagem. O candidato à doação deve ser notificado acerca de qualquer anomalia observada durante a avaliação clínica ou quando dos resultados dos testes laboratoriais, devendo-se garantir total sigilo das informações. Também deverá ser encaminhado a profissional ou órgão competente para elucidação diagnóstica e/ou seguimento clínico.”

[16] Apelação Cível n. 114077-2 – Curitiba, DJE 6445 aos 01-09-2003, relator Desembargador Paulo Roberto Hapner.

[17] Veja-se que foi disciplinado, na Portaria:

 “Art. 2º As unidades hemoterápicas, públicas e privadas, que realizam atividades de Hematologia, ficam obrigadas a cumprir as etapas do conjunto de Procedimentos Sequenciados na conformidade do estabelecido no Anexo I.

Parágrafo único. Para a triagem sorológica de bolsas de sangue as unidades de que trata o caput deste artigo (hemocentros, bancos de sangue, serviços de hemoterapia e assemelhados) ficam obrigadas a cumprir a Etapa I, do conjunto de Procedimentos Sequenciados estabelecidos no Anexo I, desta Portaria.

Art. 4º Deverão constar dos laudos laboratoriais de diagnóstico sorológico da infecção pelo HIV:

4.1. As metodologias e antígenos virais utilizados em cada ensaio, conforme estabelecido no Anexo I.

4.2 A informação: O Diagnóstico Sorológico da infecção pelo HIV somente poderá ser confirmado após a análise de no mínimo 02 (duas) amostras de sangue coletadas em momentos diferentes.” (SIC)

[18] De caráter cogente, porquanto editada no uso da atribuição que lhe confere o art. 11, inciso IV, do Regulamento da ANVISA aprovado pelo Decreto 3.029, de 16 de abril de 1999, art. 111, inciso I, alínea "b", § 1º do Regimento Interno aprovado pela Portaria nº 593, de 25 de agosto de 2000, republicada no D.O.U. de 22 de dezembro de 2000, em reunião realizada em 7 de junho de 2004, considerando a competência atribuída a esta Agência, a teor do artigo 8o, § 1o, VII e VIII da lei nº 9.782 de 26 de janeiro de 1999; considerando as disposições contidas nos artigos 2º e 3o da lei nº 10.205 de 21 de março de 2001; considerando que o sangue e seus componentes, incluindo as células progenitoras hematopoéticas, devem ser submetidos a procedimentos de coleta, processamento, testagem, armazenamento, transporte e utilização visando a mais elevada qualidade e segurança; considerando que a padronização dos procedimentos em hemoterapia, acima descritos, é imprescindível para a garantia da qualidade do sangue e componentes utilizados no país; considerando a necessidade de regulamentar a padronização dos procedimentos em hemoterapia; considerando a necessidade de regulamentar o funcionamento dos serviços de hemoterapia e de bancos de sangue de cordão umbilical e placentário para uso autólogo (BSCUPA); considerando a importância de compatibilizar, integralmente, a legislação nacional com os instrumentos harmonizados no âmbito do Mercosul, Res. GMC nº 42/00.

[19] In RT 722/114-121         

[20]apelação cível nº 1999071011197-4, 5ª Turma Cível, relator Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA, julgamento 26/03/01, v.u.

[21]Revista Forense, vol. 83, pág. 218.

[22] “in” “De las Obligaciones en General”; 3ª edição; nº 158; citado por WILSON MELO DA SILVA; “in” “Dano Moral e Sua Reparação”; Ed. Forense; 3ª edição; 1983; pág. 337

[23]Apelação nº 181.514-1/1 – 4º Câmara, julg. 11.2.93, acórdão assim ementado: DANO MORAL – Indenização – Erro médico – Fato não comprovado – Verba, ademais, que se justifica quando o ilícito resulte de ato doloso e não culposo – Improcedência da ação decretada – Declaração de votos. Consta do acórdão a indicação doutrinária: “Nesse sentido a lição de Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 19ª ed., Saraiva, 1984, 3/413; Sílvio Rodrigues, Direito Civil, 8ª ed., Saraiva, IV/227-9 n. 69, ao sustentarem que a regra do art. 1.537 indenização por homicídio e, assim, não pode ser ampliada. Esse entendimento é acompanhado pela jurisprudência (cf. Teresa Ancona Lopes de Magalhães, em Responsabilidade Civil , coord. de Yussef Said Cahali, 1ª ed., Saraiva, 1984, n. 7, p. 324; Caio Mario da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, 2ª ed., Forense, 1990, n. 252, p. 339).”(SIC)

[24] 2ª TACIVIL – 8ª Câmara; Apelação com Revisão nº 233.973/0 – Santo André; rel. Juiz CUNHA CINTRA; julg. 09.05.89; v.u, assim ementado: HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – Condenação do beneficiário da Justiça gratuita, quando vencido – Inaplicabilidade do artigo 11 da lei nº 4.632/65.

[25] relator, Desembargador JACOBINA RABELLO, ao julgar o Agravo de Instrumento n° 313 575 de Guarulhos (Agte.: REINALDO HOLZCHUH; Agda. INDÚSTRIA DE MEIAS SCALINA LTDA.)

[26]  Outros excertos do mesmo venerando acórdão: Mas nem por isso, há de se permitir que o Juiz fique como observador impassível, no decorrer do processo, desde a inicial, acatando propostas de evidente exagero, sem nenhum fundamento fático, as quais devem ser repelidas, ou reduzidas a seus justos limites, independentemente do que virá a ser decidido na sentença.

Não se justifica aceitar o valor arbitrário reclamado pelo autor, cabendo ao juiz adotar uma estimativa razoável, tomando por base uma quantia moderada. Caso contrário, o autor poderá pedir quantias gigantescas, sem nenhuma conseqüência processual imediata, ele que goza da assistência judiciária gratuita…”

A doutrina também considera que, quando o pedido de reparação é fundado no dano moral, não é o valor perseguido pelo autor que determinará aquele da causa, certo que a questão meramente econômica não pode desestimular o autor a pedir a quantia que entenda devida pelo dano moral que o martiriza, em conformidade com as palavras de Antônio Jeová Santos (cf. “Dano Moral Indenizável”, págs. 5 16/5 17). Também Paulo Esteves, Sérgio Toledo, Saio Kibrit, Mauro Rosner, Concita Cernicchiaro e Maria Martins, em “Dano Moral”, publicado pela Ed. Fisco e Contribuinte, na pág. 98, ressaltam que “A Constituição  não dispõe sobre a limitação do valor da indenização por danos morais nem remete ao legislador ordinário a tarefa de discipliná-la. Se o legislador ordinário não tem autorização para prefixar o valor da indenização por dano moral, também ao lesado é vedado tarifa-la. Nessas circunstâncias, exigir-se que o autor fixe o valor que pretende receber por dano moral fere a Constituição, porque caracteriza uma hipótese de limitação prévia, o que não se afeiçoa ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade”. O Tribunal de Justiça do Estado de S. Paulo tem estabelecido como parâmetro para o valor da causa, em ação de indenização por dano moral, o disposto no artigo 258, do CPC, na linha tomada a respeito pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça  (RSTJ 29/384), corno registrado nessa última obra citada (v. págs. 108 e seguintes).

Pelo exposto, ao recurso foi negado provimento”

[27] A questão do “quantum” é espinhosa. Tramitam projetos de lei, propondo a fixação de valores de indenização, lembrando um retorno aos primórdios do Direito, em que eram tabeladas algumas penas. Seja como for, rápida consulta aos anais forenses resultará na conclusão de que, no mais das oportunidades, são pleiteados importes em absoluta desconformidade com os estipulados pela jurisprudência. Realmente, o STJ (RESP 506837, julg. 05/06/2003) impôs a indenização de R$ 200.000,00 em caso de erro médico que levou à morte do paciente; o TJMG (apelação 10105.01.028847-7/001, julg. 06/12/2005), também em caso de óbito do paciente, impôs a indenização de R$ 100.000,00. São somente dois exemplos, relativos a situações extremamente mais graves, que talvez indiquem a tendência dos tribunais na fixação de indenizações. Qualquer dos exemplos, este o aspecto a sublinhar, exibe valores muito inferiores aos milhares de salários mínimos, volta e meia perseguidos em demandas como as ora cuidadas.

 


 Referência  Biográfica

JAQUES BUSHATSKY  –  Procurador do Estado de S. Paulo; Associado do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo; Membro do IEPS – Instituto de Estudos e Pesquisa do Sangue.

Erro Médico e Anestesia

0

* Neri Tadeu Camara Souza  –

A Anestesiologia  vem cada vez se diferenciando mais como especialidade médica, mas já houve época em que se atrelava, em termos jurídicos, a atividade do médico anestesiologista à do médico cirurgião. Devido a isto se pode aceitar que nem todos ainda considerem que esta autonomia, no momento atual, seja integral e em todos os casos. Cabe, portanto, uma revisão da maneira como atualmente a responsabilidade civil regra esta responsabilização dos anestesiologistas pelos danos porventura causados a um paciente, em casos de avaliação judicial de erro médico em Anestesiologia pelos tribunais brasileiros.

Sobre a atividade do anestesiologista nos diz Hildegard Taggesell Giostri: “Modernamente, com a evolução da Especialidade desse último (não mais anestesista, mas anestesiologista) tem-se como conseqüência, uma necessária dissociação de responsabilidades entre a deste Especialista e a do médico-cirurgião. No passado, era ele considerado como auxiliar do operador, trabalhando sob as suas ordens, bem como a tarefa de anestesiar o paciente era, muitas vezes, desempenhada, até mesmo por enfermeiras. Todavia com o avanço científico-tecnológico, o ato anestésico tornou-se extremamente complexo. As drogas utilizadas, bem como toda a aparelhagem necessária para sua realização, passaram a demandar do profissional um alto conhecimento, tanto técnico quanto científico, o que veio mudar drasticamente a situação anterior. Atualmente, o anestesiologista ocupa posição de destaque no ato cirúrgico, em pé de igualdade com o cirurgião, e nem poderia ser diferente, pois trata-se de dois profissionais, com a mesma habilitação legal (são médicos), apenas com Especialidades diferentes.” (algumas Reflexões Sobre a Arte da Anestesia e a Responsabilidade Profissional do Anestesiologista. REVISTA DE DIREITO MÉDICO E DA SAÚDE. Associação Pernambucana de Direito Médico e da Saúde – APEDIMES, Livro Rápido: Recife, Ano I, nº3, julho de 2005, p.60-61). No mesmo sentido vai Cleonice Casarin da Rocha: “Essas mudanças modificaram a posição do anestesista com respeito ao cirurgião, que deixa de ser um mero auxiliar ou colaborador subordinado deste, e se converte num profissional independente em condições de igualdade com o cirurgião, chefe da equipe, pois a atuação especializada do anestesista produziu uma dissociação da responsabilidade, que será de um ou outro, segundo as diversas tarefas que cada um exerce dentro da equipe médico-cirúrgica.” (A RESPONSABILIDADE CIVIL DECORRENTE DO CONTRATO DE SERVIÇOS MÉDICOS. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p.57).  O ensinamento sobre a atividade do Anestesiologista junto ao paciente, nos transmitido por João Monteiro de Castro, complementa o entendimento: “Hoje, o anestesista tem sua atuação estratificada nas seguintes fases:

a)   a fase pré-anestésica, na qual o anestesista avalia o paciente na véspera da operação programada com antecedência ou mesmo antes da operação de urgência. (…)

b)   a indução anestésica, quando a sensibilidade e reação do paciente estão sendo postas à prova: como nesta fase, a concentração dos anestésicos é alta, requer uma pronunciada atenção;

c)   a per anestésica, durante a qual o paciente deve ser acompanhado, por ser imprescindível o controle de suas condições ventilatórias e cardiovasculares, logo inadmissível a saída do anestesista da sala de cirurgia, mesmo com a melhor monitoração por aparelhagem;

d)   a de recuperação anestésica, consistente em trazer o paciente às condições prévias à anestesia. O paciente, paulatinamente, vai readquirindo seus reflexos, apresentando com muita freqüência, náusea e vômito. A aspiração do vômito pode produzir pneumonia, com graves conseqüências, às vezes letais. Existe um risco comum e perigoso para o paciente já reanimado do estado em que se encontrava quando anestesiado, mas ainda não totalmente recuperado, pois no organismo dele pode haver quantidade suficiente da substância anestesiante, ainda não metabolizada, capaz de agir repentinamente e, na falta de atendimento imediato, causar parada respiratória, matando-o. A preocupação com o paciente é tão grande na fase que se instalou sala de recuperação anestésica, em que vários doentes são monitorados permanentemente por anestesiologistas e enfermagem especializada.” (RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO. São Paulo: Editora Método, 2005, p.163).

Portanto, o anestesiologista tem uma atividade altamente técnica e, assim, justifica-se sua inteira autonomia na execução do ato médico em Anestesiologia. Está , o anestesiologista, em termos não só de responsabilidade civil, mas também éticos sujeito à mesma normatização aplicada aos demais profissionais da Medicina. Gize-se a necessidade dele ser prudente, perito e diligente, abstendo- se da conduta culposa prevista pelo Código de Ética Médica (Resolução CFM – Conselho Federal de Medicina de nº1246, de 8 de janeiro de 1988) em seu artigo 29, verbis:

“É vedado ao médico: Art. 29 – Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência.”.

Em termos de Direito Civil, sua responsabilidade civil vem regrada, entre outros, pelos artigos 186 (“Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.) e 951 (“O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”), ambos do nosso Código Civil.

Se lhe aplica, como aos demais médicos, a necessidade de ser responsabilizado civilmente através da comprovação da culpa no seu proceder médico, o que vem disposto no   Código de Defesa do Consumidor – CDC (Lei nº8.078, de 11 de setembro de 1990), mais especificamente em seu artigo 14, no parágrafo 4º, verbis: A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”.

Assim a RESPONSABILIDADE SUBJETIVA – TEORIA DA CULPA, em tudo se refere à atividade do médico em Anestesiologia, quando da avaliação pelos tribunais de danos por erro médico. A responsabilidade civil do anestesiologista segue os mesmos ditames gerais da responsabilidade civil genérica, aplicável ao médico pelos julgadores. A responsabilidade subjetiva tem como característica a exigência doutrinária de ser indispensável uma prova inequívoca de que houve culpa no proceder do anestesiologista.

A culpa do profissional, ainda que levíssima, obriga a indenizar. Sem a prova da culpa, no agir do anestesiologista, tudo há de ser debitado ao infortúnio. O erro médico é um inadimplemento, bem definido, de um contrato. Contratualmente falando, trata-se de uma conduta bem caracterizada de falha na prestação de serviços em anestesia, enquadrando-se na abrangência do campo da responsabilidade contratual quando acompanhada de culpa  (presente no agir do anestesiologista), gerando uma obrigação de indenizar o lesado (aquele paciente que teve o seu direito violado). O anestesiologista tem, pois, com o seu paciente uma relação de natureza contratual. Assim, ensina Pontes de Miranda: “A responsabilidade dos médicos e cirurgiões é contratual”. (TRATADO DE DIREITO PRIVADO. 2 ed.,Rio de Janeiro: Borsoi, 1966, Tomo LIII, p.439). Este contrato tem suas características, cabendo citar ser “intuitu personae” (é realizado com um específico – determinado – profissional médico em anestesiologia), bilateral (ou seja, se dá entre o anestesiologista e o paciente, cada com um com seus direitos e deveres neste contrato), oneroso ou gratuito (pode ser remunerado ou sem ônus para o paciente, em ambos os casos com as mesmas características contratuais, com os mesmos direitos e deveres, tanto para o paciente, como para o anestesiologista, inclusive em termos de responsabilidade civil), cumulativo (além da obrigação principal comporta a presença de obrigações acessórias) e aleatório (não tem um resultado específico e determinado, cabendo ao anestesiologista utilizar-se dos adequados recursos técnicos da medicina para se haver bem  no cumprimento da sua obrigação contratual). O anestesiologista, pois, neste contrato assume uma obrigação de meios, e o erro médico em anestesiologia é um descumprimento deste contrato. Na obrigação de meios, o anestesiologista se compromete a fazer uso dos meios para realizar a anestesia no paciente dentro do compatível com o “estado da arte” médica em anestesiologia, naquele lugar e momento, atuando com prudência, perícia e diligência  para realizar sua tarefa. Como bem diz, Ruy Rosado de Aguiar Jr.: “A obrigação é de meios quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu título, com os recursos de que dispõe e com o desenvolvimento atual da ciência sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado. O médico, normalmente, assume uma obrigação de meios.” (Responsabilidade Civil do Médico, in: DIREITO & MEDICINA – Aspectos Jurídicos da Medicina. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Coordenador, Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2000, p.139). O atuar em conformidade com a adequada técnica anestesiológica é o que é perquirido, pelo magistrado, na conduta do anestesiologista, para averiguar se cumpriu com a sua obrigação de meios para com o paciente. Agindo assim desempenhou a contento a sua obrigação contratual com o paciente, pois o objeto do contrato que se estabelece entre o anestesiologista e o paciente é uma obrigação de meios.

É atribuição do paciente fazer prova, em juízo, de que o anestesiologista laborou com culpa, ao causar-lhe dano. A palavra dano, etimologicamente, deriva de demere que quer dizer tirar, reduzir, diminuir. Pode-se afirmar ser uma diminuição do patrimônio, tanto do ponto de vista material, como do ponto de vista moral. As provas têm a função de fazer emergir o liame entre o ato anestésico danoso e o prejuízo experimentado pelo paciente. Tem que haver relação de causa e efeito entre o agir do anestesiologista e o dano verificado. De acordo com o Código Civil brasileiro, apenas danos diretos e efetivos estão sujeitos a  ressarcimento pelo anestesiologista que causou este damnum. Como disposto, em nosso Código Civil no artigo 403, verbis: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dele direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”. Para comprovação do erro, causa do dano, no atendimento em Anestesiologia, usam-se todos os meios probatórios em direito aceitos. Em particular os prontuários e fichas de anotações clínicas com dados dos pacientes, ressaltando-se a importância, pela complexidade e controvérsias do agir nos tratamentos hospitalares, da prova pericial que pode, até, tornar-se indispensável.

A responsabilidade civil do anestesiologista pode ser solidária, tanto em relação ao serviço de saúde onde executa as suas atividades (hospital), como no que refere aos profissionais médicos com o qual executar conjuntamente o seu ato médico, assim como no que tange às condutas de seus auxiliares no ato anestésico, em todas as suas etapas. Como determina o Código Civil brasileiro em seu artigo 932, no inciso III, que expressa: “São também responsáveis pela reparação civil:

(…)

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”, muito bem complementado pela Súmula 341, do STF – Supremo Tribunal Federal, que diz:

“É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.”, colocando em termos de presumir haver culpa na conduta do preponente (empregador, patrão, comitente ocasional) a caracterização desta responsabilização.

Em determinadas situações, apesar de não ser o habitual, devido a extrema diferenciação técnica que atingiu a Anestesiologia, pode se configurar a responsabilidade solidária do cirurgião pelos atos do anestesiologista.

No caso da equipe cirúrgica – grupo de profissionais para atendimento médico, em uma cirurgia – que encontramos muito nos hospitais para realização de cirurgias, principalmente no que tange à responsabilidade do cirurgião e do anestesiologista, por causa da característica cada vez mais autônoma da atividade do anestesiologista, não é comum encontrarmos uma relação de preposição entre este e o cirurgião. Haverá responsabilização isolada de cada um em caso de dano ao paciente, a não ser que o cirurgião contrate, ou mesmo indique o anestesiologista (com um forte grau de preposição – preponente/cirurgião e preposto/anestesista – no relacionamento com este profissional por ele indicado). Ou seja, se houver algum problema anestésico que cause lesão ao paciente o anestesiologista, não sendo indicado ou contratado pelo cirurgião, deverá ser responsabilizado sozinho, judicialmente, naquilo que o ato anestésico foi prejudicial ao paciente.

A responsabilidade solidária do hospital com o anestesista pode se configurar, até porque certos hospitais mantêm serviços próprios de anestesia disponibilizando-os para as equipes cirúrgicas que nele labutem. Ela se configurará seguindo as mesmas regras que a doutrina e a jurisprudência consideram para haver solidariedade entre a classe médica em geral e os hospitais. Ou seja, o anestesiologista que faz parte do quadro clínico de um hospital e a instituição (pessoa física ou jurídica) de saúde são preposto e preponente, respectivamente, havendo, ou não, entre eles, um vínculo de emprego. São, pois, responsáveis solidariamente pelos prejuízos – indenização, ressarcimento – que venham a causar a outrem.  O mesmo raciocínio é válido em relação aos planos de saúde. Aquele que se responsabiliza por fornecer serviços de anestesiologia, através de plano de saúde, é responsável pelos serviços prestados por meio dos anestesiologistas que credenciou.

Em termos de responsabilidade civil de grupos a solidariedade segue o que é conhecido, doutrinariamente, como “Princípio da Causalidade Alternativa”, significando isto que qualquer dos membros do grupo responde solidariamente, a menos que demonstre que do seu modo de atuar e do seu agir não resultou o dano. O Código Civil responsabiliza a todos que tiveram participação efetiva no dano causado ao paciente, como diz o caput, do seu artigo 942, verbis: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado: e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. Como bem nos ensina Vasco Della Giustina: “É um grupo homogêneo, talvez um grupo permanente, que se mantém grupalmente no campo das intervenções cirúrgicas.

Sabe-se quem o integra, mas se ignora onde está a autoria em um caso concreto. Onde há relação entre o dano e a causalidade?

Nossos tribunais há mais tempo vêm resolvendo que, nestes casos, qualquer dos membros do grupo responde solidariamente, a menos que demonstre que do seu modo de atuar e do seu agir não resultou o dano.”. (RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GRUPOS – Inclusive no Código do Consumidor. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 1991, p.14).

A responsabilidade civil pelo fato da coisa está presente na atividade do anestesiologista, haja vista a miríade de equipamentos e substâncias com que o mesmo executa seus atos médicos no ambiente hospitalar. E ao serem analisados, pelos tribunais, os erros decorrentes do ato anestésico é utilizado como regramento aplicável a estas situações o artigo 938 do nosso Código Civil, que diz: “Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.”, visto ser este o dispositivo, do nosso direito positivo empregado, via de regra, na falta de outro mais específico, em casos de responsabilidade civil por fato da coisa pelos nossos julgadores. Compete ao anestesiologista revisar, previamente, o adequado funcionamento dos equipamentos que vai utilizar em um ato anestésico. A utilização do objeto confunde-se com a tarefa executada pelo profissional no exercício da sua atividade.

Em relação aos produtos farmacêuticos o anestesiologista deve observar a recomendação do fabricante e ajustá-lo ao paciente.

Não pode o anestesiologista efetuar anestesias simultâneas – ao mesmo tempo – em dois ou mais pacientes, sob pena de, em caso de dano a algum deles, ser responsabilizado civilmente – reparação pecuniária dos prejuízos – por estar o seu agir eivado de culpa. Especificamente no que se refere ao seu atuar em obstetrícia transcreve-se a ementa do Processo Consulta do Conselho Federal de Medicina -CFM – nº5.462 / 2002, PC / CFM nº43 / 2003:

“ASSUNTO: Analgesia de parto

RELATOR: Conselheiro Oliveiros Guanais de Aguiar

EMENTA: O anestesista não deve realizar analgesias obstétricas simultâneas pelo risco a que pode expor as pacientes que cuida.”,

E, transcreve-se, por elencar determinações do Conselho Federal de Medicina sobre a atuação do anestesiologista em sua área de trabalho médico, a Anestesiologia em geral, o primeiro artigo da Resolução do mesmo Conselho Federal de Medicina – CFM, de nº 1.363/93, que diz:

“Art. 1º – Determinar aos médicos que praticam anestesia que:

I – Antes da realização de qualquer anestesia é indispensável conhecer, com a devida antecedência, as condições clínicas do paciente a ser submetido à mesma, cabendo ao anestesista decidir da conveniência ou não da prática do ato anestésico, de modo soberano e intransferível;

II – Para conduzir as anestesias gerais ou regionais com segurança, assim como manter a vigilância permanente ao paciente anestesiado durante o ato operatório, o médico anestesista deve estar sempre junto a este paciente;

III – Os sinais vitais do paciente serão verificados e registrados em ficha própria durante o ato anestésico, assim como a ventilação, oxigenação e circulação serão avaliadas intermitentemente;

IV – É ato atentatório à Ética Médica a realização simultânea de anestesias em pacientes distintos pelo mesmo profissional, ainda que seja no mesmo ambiente cirúrgico;

V – Todas as conseqüências decorrentes do ato anestésico são da responsabilidade direta e pessoal do médico anestesista;

VI – Para a prática da anestesia deve o médico anestesista avaliar previamente as situações de segurança do ambiente hospitalar, somente praticando o ato anestésico se estiverem asseguradas as condições mínimas para a sua realização, cabendo ao diretor técnico da instituição garantir tais condições.”.

O anestesiologista tem, como todos os médicos, o dever de informar – instruir – o paciente e obter o seu consentimento para os atos médicos que for executar. É o Consentimento Informado, que Joaquim Clotet diz que: “Trata-se de uma decisão voluntária, verbal ou escrita, protagonizada por uma pessoa autônoma e capaz, tomada após um processo informativo, para a aceitação de um tratamento específico ou experimentação, consciente de seus riscos, benefícios e possíveis conseqüências.” (O CONSENTIMENTO INFORMADO: UMA QUESTÃO DO INTERESSE DE TODOS.  Jornal MEDICINA do Conselho Federal de Medicina, Brasília – DF, Out/Nov, 2000, p.9). O Consentimento Informado constitui dever  do anestesiologista, dentro do contrato de serviço médico que se estabelece entre ele e o paciente, e a sua inobservância caracteriza conduta culposa. Por isto, poderá haver responsabilização civil do profissional pelos danos eventualmente ocasionados pelo ato médico em Anestesiologia, e passíveis de ocorrerem mesmo sem culpa do anestesiologista, quando não precedido o ato anestesiológico do Consentimento Informado, no que se refere à informação prévia da possibilidade de ocorrência destes incidentes, ou seja, o risco deles ocorrerem.

A Anestesiologia já teve uma situação diferente dentro do contexto de atendimento a um paciente, mas, atualmente, mormente pela complexidade técnica que adquiriu, o procedimento anestesiológico, passou a ocupar um lugar autônomo, até de destaque na atividade médica junto ao paciente. Por isto, sua responsabilização civil, quando objeto de análise pelos tribunais em situações de erro médico, se identifica com o tratamento dado pelos tribunais brasileiros ao médico em geral. Estabelece-se entre o anestesiologista e o paciente um contrato e a sua obrigação para com o paciente, neste contrato, é uma obrigação de meios. Existem peculiaridades na responsabilização do anestesiologista, mas estas são manejadas, pelos julgadores, com as mesmas características doutrinárias e jurisprudenciais  da responsabilização civil de qualquer membro da classe médica quando em situações peculiares.

 


 

Referência  Biográfica

* Neri Tadeu Camara Souza  é  Advogado e Médico.

A nova Súmula 309 do STJ

0

* Luiz Felipe Brasil Santos –

Em 27 abril de 2005 o Superior Tribunal de Justiça, por sua Segunda Seção, editou o enunciado sumular que levou o nº 309, uniformizando o entendimento daquela alta Corte acerca do número de parcelas alimentares que poderiam ser exigidas na execução de alimentos pela modalidade coercitiva (art. 733 do CPC). Na ocasião, deixou assentado que :

SÚMULA 309 : O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo.

Em maio do mesmo ano, publicamos no SITE do Instituto Brasileiro de Direito de Família artigo onde criticávamos aquele enunciado, alertando que seu teor não correspondia à jurisprudência majoritária naquele Tribunal e que, ao considerar como executáveis somente as três últimas parcelas vencidas na data da citação – e não do ajuizamento, como propugnávamos –, seria grave a lesão ao direito do credor. Dissemos então:

Diga-se, por sinal, que esse mesmo parâmetro (três parcelas vencidas anteriormente ao ajuizamento) consta em sete dos dez precedentes indicados pelo STJ como fonte da súmula 309, a saber: Resp 57.579-SP (3ª T 12/06/95 – DJ 18/09/95), REsp 278.734-RJ (3ª T 17/10/00 – DJ 27/11/00), RHC 13.505-SP (3ª T 18/03/03 – DJ 31/03/03), RHC 9.784-SP (4ª T 04/05/00 – DJ 14/08/00), RHC 10.788-SP (4ª T 06/03/01 – DJ 02/04/01), HC 16.073-SP (4ª T 13/03/01 – DJ 07/05/01) e RHC 14.451-RS (4ª T 16/12/03 – DJ 05/04/04).

A data da citação, ou do respectivo mandado, consta apenas nos demais três precedentes invocados, a saber: RHC 13.443-SP 3ª T 17/12/02 – DJ 10/03/03), HC 24.282-RS (3ª T 04/02/03 – DJ 10/03/03) e HC 23.168-SP (4ª T 11/03/03 – DJ 07/04/03).

Assim, surpreende que a súmula 309 entre em rota de colisão com a maioria dos precedentes que a amparam, pois, como já foi ressaltado, a conseqüência de se adotar um ou outro entendimento repercute decisivamente sobre o montante do débito apto a ensejar o decreto prisional !

É grave a lesão ao direito do credor alimentar, na medida em que lhe é subtraída, sem que nenhuma responsabilidade a ele possa ser imputada, a possibilidade de executar de forma eficaz um expressivo número de parcelas alimentares a que tem direito, no mais das vezes exatamente aquelas que eram objeto inicial da execução. Isso porque, o entendimento sumulado opera algo processualmente inviável, qual seja : reduzir o objeto da pretensão deduzida na inicial (ver em http://www.ibdfam.com.br/public/artigos.aspx?codigo=190 )

Pois bem, decorrido pouco menos de um ano, é grande a satisfação ao constatar que a mesma Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HABEAS CORPUS Nº 53.068 – MS (2006/0013323-4), em que foi relatora a em. Ministra Fátima Nancy Andrighi, reviu aquela súmula, adequando-a aos precedentes daquela mesma Corte. Na ocasião, assinalou:

Por oportuno, com fundamento no art. 125, § 2º, do RISTJ, e atenta ao Ofício n.º S-170/2006 formulado pela Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, que solicitou providências no sentido de sanar possível equívoco na redação do Enunciado 309 da Súmula do STJ, proponho a sua revisão. A análise dos precedentes citados como embasadores do Enunciado 309 da Súmula do STJ, apontam para o descompasso destes com o texto do Enunciado. Sete, dos dez precedentes citados, anotam direta, ou indiretamente, que são passíveis de cobrança pelo rito disposto no art. 733 do CPC, as três parcelas anteriores a data do ajuizamento da ação, além daquelas que vencerem no curso da execução. São eles:

1. RESP 57579/SP, Rel. Min. NILSON NAVES, DJ 18/09/1995
2. RESP 278734/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJ 27/11/2000
3. RHC 9784/SP Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ 14/08/2000
4. RHC 10788/SP Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, DJ 02/04/200 1
5. HC 16073/SP ,Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ 07/05/200 1
6. RHC 13505/SP, de minha relatoria, DJ 3 1/03/2003
7. RHC 14451/RS, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 05/04/2004

Em contraponto, apenas 03 precedentes indicam a data da citação como marco para a contagem das três parcelas anteriores que estarão sujeitas a execução com base no art. 733 do CPC, a saber:

1. RHC 13443/SP, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Dj 10/03/2003
2. HC 24282/RS, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, DJ 10/03/2003
3. HC 23168/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 07/04/2003

Quero crer, que se laborou em equívoco quando da redação do referido Enunciado, mesmo porque, admitir-se que o devedor possa afastar o decreto prisional, na ação de execução de alimentos, com o pagamento das três últimas parcelas anteriores a sua citação, é premiar e incentivar a má-fé daquele que se esquiva de cumprir a obrigação de prestar alimentos. Assim, submeto a proposta de revisão do Enunciado a esta Segunda Seção, que passará a ter a seguinte redação: O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.

Com esta revisão, a Súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça passa a adotar exatamente o entendimento já consagrado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que há longo tempo editou a conclusão nº 23 do seguinte teor:

CONCLUSÃO 23 : A execução de alimentos, na modalidade coercitiva (art. 733, CPC) abrange as três últimas parcelas vencidas à data do ajuizamento da ação, além de todas as que se vencerem no curso da lide (art. 290, CPC).

Como se vê, em boa hora o Superior Tribunal de Justiça, em caso talvez inédito, teve a atitude, sob todos os títulos elogiável, de adequar uma súmula aos seus precedentes, reconhecendo um manifesto equívoco, e repondo o interesse do jurisdicionado acima de qualquer outra consideração. Nestes tempos sombrios, é fato a comemorar!
           


 Referência  Biográfica

Luiz Felipe Brasil Santos: é  Desembargador do TJRS. Professor da Escola da Magistratura da AJURIS. Presidente do IBDFAM-RS

www.direitodafamilia.net

 


Alimentos e presunção da necessidade

0

* Maria Berenice Dias –

Nem é necessário justificar o porquê a Lei de Alimentos (Lei nº 5.578-68 – LA) dispõe de rito especial e procedimento a br eviado. A razão está em seu próprio nome: visa a dar cumprimento a direito que necessita de adimplemento imediato, direito que garante a vida, a so br evivência.

Proposta a ação de alimentos, mediante a prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar (LA, art. 2º), o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios. As necessidades do autor não precisam ser comprovadas, pois a busca de alimentos é a prova da necessidade de quem os pleiteia. Tanto é assim, que a própria lei impõe a concessão dos alimentos provisórios. A necessidade é presumida. Independente da origem do encargo alimentar, impositiva a concessão de alimentos provisórios, ainda que não requeridos. Trata-se de presunção juris tantum. É o que está dito claramente na lei (art. 4º): Ao despachar a inicial, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita. A norma é cogente, de redação cristalina, a não dar margem a interpretações ou dúvidas.

Cumulada a ação de alimentos com demandas outras, determina a lei  seja adotado o rito especial (LA, art. 13), e não o rito ordinário (CPC, art. 292, § 2º), exceção que se justifica em face da natureza da obrigação alimentar. Assim, nas ações de separação e de anulação de casamento em que há pedido de alimentos, por expressa imposição legal, devem ser deferidos alimentos provisórios.

Vem sendo admitida a cumulação de pedido de alimentos nas ações de investigação de paternidade e de reconhecimento da união estável. Nessas ações em que é busca da declaração da existência da relação jurídica, de um modo geral, não há prova pré-constituída da obrigação alimentar. No entanto, como a própria lei admite a possibilidade de ser dispensada a prova da obrigação alimentar (LA, art. 1º, § 1º), havendo indícios da verossimilhança da existência do vínculo obrigacional, são deferidos alimentos provisórios a título de tutela antecipada.

Os alimentos são devidos desde a data em que são fixados, ou seja, mesmo antes de ser o réu citado para a ação. Não há como sujeitar o pagamento ao ato citatório. O credor não pode aguardar a citação do devedor para começar a perceber os alimentos, quer seja o pagamento feito por meio de desconto dos rendimentos do alimentante quer não. Como a o br igação é preexistente, o adimplemento tem de ser imediato. Fixados os alimentos, a quitação deve ser realizada de forma antecipada, e não subseqüente ao vencimento. Descabido determinar o pagamento para depois de vencido o prazo de um mês, como vem ocorrendo.

Na ação de alimentos, há inversão dos encargos probatórios. Ao autor cabe tão-só provar o vínculo de parentesco ou a o br igação alimentar do réu. Não há como lhe impor que comprove o quanto percebe o demandado, pois são informações sigilosas que integram o direito à privacidade. É do réu o ônus de demonstrar seus ganhos, para que o juiz fixe os alimentos atendendo ao critério da proporcionalidade. A ausência deste dado, no entanto, não pode inibir o juiz. Mesmo que o réu só possa trazer a prova de seus rendimentos quando da contestação, isso não serve de justificativa para não serem fixados alimentos provisórios. Sequer pode adiada a imposição dos alimentos serem. Há determinação legal para que sejam fixados ao ser despachada a inicial. Descabe aguardar ou a audiência ou a contestação.

Porém, em se tratando de alimentos buscados por filhos maiores, cônjuges, companheiros, netos, este claro dispositivo legal é olvidado. Para a concessão de alimentos provisórios, a jurisprudência vem exigindo a prova da necessidade do autor e da possibilidade do réu. Somente em se tratando de alimentos buscados por filhos menores é que são deferidos alimentos provisórios, ainda assim em valores cada vez mais acanhados, sob a justificativa de não se saber quais são os ganhos e encargos do genitor, para que ele não corra o risco de acabar na cadeia.

Esta tendência revela postura nitidamente protecionista do devedor de alimentos. Olvida-se a Justiça que está sendo acionado quem deixou de cumprir o br igação alimentar: o genitor que não cumpre com os deveres decorrentes do poder familiar; o cônjuge ou o companheiro que esquece do dever de mútua assistência. Existe a prova pré-constituída do vínculo o br igacional de natureza alimentar. Daí ser impositiva a concessão de tutela antecipada por meio dos alimentos provisórios. Durante o período de  convívio, tais deveres consubstanciam-se em o br igações de fazer. Rompida a convivência familiar, transformam-se tais encargos em o br igação de dar, mediante o pagamento de alimentos.

Quando é a mulher que ingressa com a ação, ainda que se qualifique como “do lar” – afirmando que, durante a vida em comum, se dedicou aos afazeres domésticos, não tem qualificação profissional e não trabalha -, sob o fundamento de ser ela jovem e apta a inserir-se no mercado de trabalho, simplesmente lhe são negados alimentos provisórios. Nem adianta demonstrar a condição de vida que o casal desfrutava e a boa situação econômica do varão. Prefere-se aguardar sua citação.

Também quando o filho já atingiu a maioridade, há resistência para a concessão de alimentos em sede liminar. Afastado o encargo da órbita do poder familiar e identificado como dever decorrente da solidariedade familiar,  é imposto ao autor o ônus de provar suas necessidades, o que inibe a concessão de alimentos provisórios.

Com relação à obrigação dos avós, igualmente há injustificável resistência. Mesmo que se trate de obrigação de natureza subsidiária e complementar, enorme é a relutância em deferir alimentos em favor do neto, mesmo que ele seja órfão, sua mãe esteja desempregada e haja prova de que os avós desfrutam de confortável condição de vida.

A exigência da prévia citação do réu e da dilação probatória para a concessão dos alimentos provisórios afronta expressa disposição da lei que determina a concessão de alimentos provisórios em sede liminar. Não se pode olvidar que a o br igação alimentar existe, sendo preferível fazer alguém que deve pagar a deixar quem necessita aguardando a instrução do feito para obter os alimentos.

Como a Justiça infelizmente está cada vez mais morosa, a apreciação do pedido de alimentos provisórios, que a lei quer que seja imediata, perde-se no tempo. Ou os juízes, pelo excesso de serviço, marcam a audiência de conciliação para depois de muitos meses ou, ao invés de designar audiência, determinam a citação do réu. Com isso, o pedido liminar é apreciado ou depois da réplica, ou quando da audiência instrutória. É muito tempo!

Trata-se de perversa inversão de valores e princípios.

Há que confrontar os interesses contrapostos: a necessidade de so br evivência de um e a resistência de outrem em cumprir com obrigação, cuja exigibilidade está comprovada e é indiscutível. Ainda que haja o risco de por breve lapso de tempo, ser contemplado com alimentos quem deles não necessita, este é um mal menor do que privar alguém do direito à vida. Não é mais possível que os juízes continuem protegendo devedores e formando legiões de famintos.

A Justiça não pode mais ser cúmplice de verdadeiros crimes contra quem só quer ter o direito de sobreviver.

 

 

Referência  Biográfica

Maria Berenice Dias:  Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

www.mariaberenice.com.br


Bem comum e interpretação da lei

0

*João Baptista Herkenhoff  –

Diz o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil:

"Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum".

Embora colocado na Lei de Introdução ao Código Civil, esse dispositivo não se aplica apenas à interpretação do Código Civil: é uma diretriz básica do ordenamento jurídico.

Não há unanimidade dos autores quanto ao alcance do art. 5º da Lei de Introdução do Código Civil. Duas correntes contrapõem-se:

a) entendem alguns que o bem comum a que a lei de destina é aquele que a norma, objeto da interpretação, está orientada a satisfazer;

b) outros pensam que deve o juiz atender as exigências últimas e gerais do bem comum, afastando a incidência da lei ao caso concreto, quando dessa incidência resulte obstrução àquele desiderato.

Dentre os autores que optam pela interpretação extensiva do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil podem ser citados: Rogério Gordilho de Faria, J. Pinto Antunes, J. A. Nogueira, Oscar Tenório e C. H. Porto Carreiro.

Modestamente, incluo-me entre os estudiosos que seguem esta corrente.

Comentando o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, escreveu Oscar Tenório:

"O direito positivo brasileiro preferiu caminho mais seguro e menos difícil. Deu ao juiz a missão de, na aplicação da lei, apreciar a sua finalidade social e as exigências do bem comum. Confiou ao juiz a missão de vencer óbices, criados por leis prenhes de individualismo. Instaurou-se o governo dos juízes, sem que possamos falar, entretanto, em oligarquia ou ditadura judiciária".

C. H. Porto Carreiro não vê, com otimismo, a efetiva aplicação do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, encontrando um conflito entre o artigo e o sistema jurídico-político-econômico, em que está inserido:

"Não especificando as fronteiras dos fins sociais a que se destina a lei, deixa a critério do juiz o exame da questão. Mas qual espada de Dâmocles, pendente sobre a cabeça do julgador, estão os princípios gerais do Direito, garantidores do status quo e das vigas mestras do regime. Teoricamente, o juiz tem liberdade de pesquisar os fins sociais da lei, perquirindo, como filósofo e como sociólogo, a verdadeira ratio legis. No entanto, ao fazê-lo, há ele de esbarrar, fatalmente com os institutos jurídicos preestabelecidos (e que não podem ser por ele mudados), que têm ser seguidos e mantidos, sob pena de ser apontado como uma ameaça à segurança nacional.

E segurança nacional é preceito que visa à manutenção de uma situação vigente, mesmo que esteja ela panda de conflitos sociais. Qualquer reforma deve partir de cima para baixo, de governantes para governados, como uma espécie de outorga de direitos. As reivindicações, que têm sentido inverso, podem ser interpretadas como perigosas ao sistema jurídico e ao regime político. O mesmo ocorrerá ao aplicador que der interpretação diversa às leis vigentes, ainda que fundamente sua decisão com base nos fins sociais a que elas se destinam. Afinal, a que se destinam elas? À mudança social? À ampliação de direitos? Não cremos."

Penso que a interpretação teleológica – sufragada, sem restrições, pelo Direito brasileiro – arma o Judiciário de grandes poderes e de inarredável missão política.

De independência e coragem os juízes sempre precisarão, caso queiram ser úteis ao povo, e não dóceis instrumentos da dominação de poucos. Independentes e corajosos, ao aplicarem teleologicamente o Direito, tendo em vista as exigências da finalidade social e do bem comum, os juízes não poderão obscurecer que o bem comum é, até etimologicamente, felicidade coletiva, bem geral, e nunca o individualismo, a opressão, que uma lei particular ou artigo de lei consagrar.
 


Referência  Biográfica

João Baptista Herkenhoff  –  Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo. Como Professor itinerante, tem visitado cidades, universidades e instituições culturais de todo o país, onde ministra seminários e também profere conferências ou participa de debates. É Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutoramentos na Universidade de Wisconsin, EUA, e na Universidade de Rouen, França. Advogado, Promotor de Justiça, Juiz do Trabalho, Juiz de Direito e novamente Advogado, foi um dos fundadores (1976), primeiro presidente e ainda é membro (emétido) da Comissão "Justiça e Paz", da Arquidiocese de Vitória. Foi um dos fundadores (1977) e primeiro presidente da Associação de Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo. É membro: do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB),do Instituto dos Advogados do Espírito Santo, da Academia Espírito-Santense de Letras, do Centro "Heleno Fragoso" pelos Direitos Humanos (Curitiba), da Associação "Padre Gabriel Maire" em Defesa da Vida (Vitória), da Associação "Juízes para a Democracia" (São Paulo), da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (Curitiba) e da Associação Internacional de Direito Penal (França). Site: www.joaobaptista.com

Termo inicial da obrigação alimentar na ação de alimentos e investigatória de paternidade

0

* Maria Berenice Dias –

Uma verdade que se tem por absoluta é que os alimentos são devidos desde a data da citação, até porque isso é o que está escrito na Lei de Alimentos (LA, 5.578-68, art. 13, § 2º): Em qualquer caso os alimentos fixados retroagem à data da citação. Como há a determinação de incidência dessa lei às ações de separação, de anulação de casamento e às revisionais, em todas as demandas em que há a fixação de verba alimentar, o encargo tem como termo inicial o ato citatório.

Parece que este é um ponto que ninguém questiona: alimentos são devidos desde o momento em que o réu foi citado para a ação. Seja em demanda autônoma, seja o encargo alimentar estabelecido em ação outra, a eficácia da sentença tem efeito retroativo.

Na ação de alimentos

Para assegurar a tutela diferenciada que determinados direitos merecem, leis especiais prevêem ritos abreviados. Assim, os alimentos, que dizem com a subsistência, com a sobrevivência, necessitam de adimplemento imediato. Por isso, mediante a prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar (LA, art. 2º), o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios. Aliás, mesmo se não requeridos, os alimentos devem ser fixados, a não ser que o credor expressamente declare que deles não necessita (LA, art. 4º).

Os alimentos são devidos a partir do momento em que o juiz os fixa. Equivocado o entendimento que, invocando o § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos, sustenta que os alimentos provisórios se tornam exigíveis somente a partir da citação do devedor. Não há como sujeitar o pagamento ao ato citatório. Desempenhando o devedor atividade assalariada, ao fixar os alimentos, o juiz oficia ao empregador para que ele, desde logo, dê início ao desconto da pensão na folha de pagamento do alimentante. Os descontos passam a acontecer mesmo antes da citação do réu. Porém, não dispondo o alimentante de vínculo laboral, não há como lhe conceder prazo distinto para iniciar o pagamento dos alimentos, qual seja, só após ser citado. Descabido tratamento diferenciado. Além de deixar o credor desassistido, estar-se-ia incentivando o devedor a esquivar-se da citação, a esconder-se do Oficial de Justiça.

Deferidos alimentos provisórios são devidos até o momento em que eventualmente venham a ser modificados: no curso da demanda, pela sentença ou quando do julgamento do recurso. Alterado seu valor, passa a vigorar o novo montante, quer tenha sido majorado, quer tenha sido reduzido. A eficácia retroativa dos alimentos definitivos vai depender se houve aumento ou diminuição de valores. Este tratamento diferenciado decorre do princípio da irrepetibilidade do encargo alimentar. Assim, fixados os alimentos provisórios, devem eles ser pagos. Havendo redução, o novo valor terá eficácia ex nunc, ou seja, só valerá com relação às parcelas futuras. As prestações vencidas, ainda que impagas, continuam devidas pelo valor estipulado a título provisório, pois não há como emprestar efeito retroativo à decisão, sob pena de incentivar-se a inadimplência. Somente quando são estabelecidos alimentos definitivos em valor maior que a verba provisória é que cabe falar em retroatividade. O devedor terá que proceder ao pagamento da diferença desde a data da citação. Há que atentar a um detalhe: como os alimentos provisórios vigem desde a data da fixação, e os definitivos retroagem à data da citação, havendo majoração do valor dos alimentos, a diferença alcança somente as parcelas vencidas depois da data da citação. As prestações vencidas entre a data da fixação liminar e a citação permanecem pelo valor provisório.

Esta sempre foi a posição pacífica da jurisprudência com o respaldo da doutrina amplamente majoritária. Porém, nada justifica limitar a obrigação alimentar ao ato citatório. Os encargos do poder familiar surgem quando da concepção do filho, eis que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (CC, art. 4º). Ora, com o nascimento , mesmo antes de o pai proceder ao registro do filho, está por demais consciente de todos os deveres inerentes ao dever familiar, entre os quais o de assegurar-lhe o sustento e a educação. Enquanto os pais mantêm vida em comum, o genitor tem o filho sob sua guarda, e os deveres decorrentes do poder familiar constituem obrigação de fazer. Cessada a convivência dos genitores, não se modificam os direitos e deveres com relação à prole (CC, arts. 1.579 e 1.632). Restando a guarda do filho com somente um dos pais, a obrigação decorrente do poder familiar resolve-se em obrigação de dar, consubstanciada no pagamento de pensão alimentícia.

Assim, o genitor que deixa de conviver com o filho deve alcançar-lhe alimentos de imediato: ou mediante pagamento direto e espontâneo, ou por meio da ação de oferta de alimentos. Como a verba se destina a garantir a subsistência, precisam ser satisfeitas antecipadamente. Assim, no dia em que o genitor sai de casa, deve pagar alimentos em favor do filho. O que não pode é, comodamente, ficar aguardando a propositura da ação alimentar e, enquanto isso, quedar-se omisso e só adimplir a obrigação após citado.

Cabe lembrar que, na ação de alimentos , há inversão dos encargos probatórios. Ao autor cabe comprovar o vínculo de parentesco ou a obrigação alimentar do réu, bem como indicar as circunstâncias em que ocorreu a mora, ou seja, a data em que houve a cessação do convívio e o não-pagamento dos alimentos. Não há como lhe impor que comprove os ganhos do demandado, pois são informações sigilosas que integram o direito à privacidade. É do réu o ônus de provar seus ganhos para que o juiz possa fixar os alimentos atendendo ao critério da proporcionalidade. Também a ele compete demonstrar que continuou assegurando a subsistência do filho a partir do momento que deixou o filho de estar sob sua guarda.

Em se tratando de obrigação decorrente do poder familiar, é inequívoca a ciência do réu do direito reclamado pelo autor. Portanto, não há por que constituir o devedor em mora pelo ato citatório para lhe impor o adimplemento da obrigação alimentar (CPC, art. 219). A mora constituiu-se quando deixa o pai de prover o sustento do filho. Assim, na ação mister que reste provado o parentesco, os ganhos do genitor bem como o momento em que ele deixou de adimplir a obrigação de prover o sustento do filho. Por ocasião da sentença, o juiz fixará os alimentos indicando o termo inicial de sua vigência: aquém da data da citação e aquém da data da propositura da ação. O dies a quo será o momento em que houve a cessação do adimplemento do dever de sustento que decorre do poder familiar. Este é o marco inicial da obrigação alimentar.

Na ação investigatória de paternidade

Nas ações de alimentos, separação, anulatória de casamento, entre outras, existe a prova pré-constituída do vínculo obrigacional alimentar. Daí a possibilidade de uso de lei especial (Lei 5.478-68), que dispõe de rito diferenciado e admite a concessão de tutela antecipada por meio da fixação de alimentos provisórios.

Na ação de investigação de paternidade, inexiste o vínculo constituído da relação de parentesco. Aliás, este é o próprio objeto da ação. Ainda assim, por salutar construção jurisprudencial, passou-se admitir a concessão de alimentos provisórios nessa demanda. Havendo indícios da parentalidade, são fixados alimentos initio litis. Também cabe deferir alimentos provisórios, de modo incidental, com o resultado positivo do exame de DNA ou quando se recusa o réu a submeter-se à perícia.

Sendo os alimentos fixados por ocasião da sentença, o eventual recurso, no que diz com o encargo alimentar, dispõe do só efeito devolutivo. Em qualquer dessas hipóteses cabe promover a execução dos alimentos, ainda antes do trânsito em julgado da ação investigatória.

Depois de algumas vacilações, a jurisprudência, ao atentar à natureza declaratória da demanda investigatória de paternidade, deu mais um significativo passo, e o Superior Tribunal de Justiça veio a editar a Súmula 227: Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.

Acabou por invocar-se o art. 13, § 2º da Lei de Alimentos. A solução foi providencial. Uma bela forma de dar um basta à postura procrastinatória do réu, que fazia uso de expedientes protelatórios e um sem-número de recursos manifestamente improcedentes para retardar o desfecho da ação. Como a condenação ao pagamento dos alimentos ocorria somente na sentença, livrava-se o réu durante anos, ou décadas, do encargo alimentar.

Mas pai é pai desde a concepção do filho. A partir daí, nascem os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar. O simples fato de o genitor não assumir a responsabilidade parental não o desonera. No entanto, é isso o que se vê acontecer todos os dias. Ao saber que a namorada ou companheira está grávida, o homem tenta induzi-la ao aborto, nega ser o pai, a abandona. Ameaça denegrir sua imagem argüindo a malsinada exceptio plurium concubentium e que levará vários amigos como testemunhas para afirmarem que tiveram contato sexual com ela. A mulher, fragilizada, muitas vezes abandonada pela família, acaba criando o filho sozinha. Tem enorme dificuldade de procurar um advogado, de amealhar provas de um relacionamento íntimo que lhe causou tanto sofrimento e que, muitas vezes, por imposição do varão, se manteve na clandestinidade.

Mas o filho tem direito à identidade, à proteção integral, merece viver com dignidade, precisa de alimentos, quer ter alguém para chamar de pai. Quando, depois de vários anos, consegue obter o reconhecimento da paternidade, os alimentos injustificadamente são fixados a partir da citação do réu, como se o filho tivesse nascido naquele dia. Essa orientação consolidada da jurisprudência esquece o que se chama de responsabilidade parental. Nenhum pai mais irá acompanhar a mãe, registrar o filho e pagar alimentos sabendo que, se ficar inerte e lograr safar-se da citação, poderá ficar anos sem arcar com nada.

O filho necessita de cuidados especiais mesmo durante a vida intra-uterina. A mãe tem que se submeter a exames pré-natais, e o parto sempre gera despesas, ainda que feito  pelo SUS. Durante a gravidez, a mãe precisa de roupas apropriadas e adequada alimentação, sem olvidar que tem sua capacidade laboral reduzida durante a gestação e depois do nascimento do filho. Também seus ganhos são limitados no período da licença-maternidade.

É necessário dar efetividade ao princípio da paternidade responsável que a Constituição (art. 227) procurou realçar quando elegeu, como prioridade absoluta, a proteção integral a crianças e adolescentes, delegando não só à família, mas à sociedade e ao próprio Estado, o compromisso pela formação do cidadão de amanhã. Esse compromisso é também do Poder Judiciário, que não pode simplesmente desonerar o genitor de todos os encargos decorrentes do poder familiar e, na ação investigatória de paternidade, responsabilizá-lo exclusivamente a partir da citação.

Mas há outro princípio constitucional que necessita ser invocado: o que impõe tratamento isonômico aos filhos, vedando discriminações (CF, art. 227, § 6º). O pai responsável acompanha o filho desde sua concepção, participa do parto, registra o filho, embala-o no colo. Com relação ao filho que não recebeu estes cuidados, deve a Justiça procurar suavizar essas desigualdades e não as acentuar ainda mais limitando a obrigação alimentar do genitor, relapso.

Claro que a alegação do demandado sempre será de que desconhecia a gravidez, não soube do nascimento do filho e sequer tomara conhecimento da sua existência, só vindo a saber de tais fatos quando da citação. Nessas ações, como a prova é de fato que acontece a descoberto de testemunha, não há divisão tarifada dos encargos probatórios segundo os ditames processuais (CPC, art. 333). Aliás, a atribuição dos ônus probatórios até perdeu relevo, em face do alto grau de certeza dos exames de DNA e da presunção que decorre da negativa em submeter-se à perícia (CC, arts. 230 e 231). Súmula do STJ[1] atribui presunção juris tantum à omissão do investigado. Com referência à prova da ciência da paternidade, cabe ao autor demonstrar as circunstâncias em que réu tomou conhecimento de sua concepção, do seu nascimento ou da sua existência. Não logrando o demandado comprovar que desconhecia ser o pai do autor antes da citação, deverá ser-lhe imposto o pagamento dos alimentos desde o momento em que tomou ciência da paternidade. 

Outro fundamento a ser utilizado pelo réu para livrar-se dos alimentos com efeito retroativo é o de que não tinha certeza da paternidade, não podendo assumir o encargo sem saber se o filho era seu. No entanto, desde o advento do exame do DNA, que dispõe de índice de certeza quase absoluto, não há mais como alegar dúvida sobre a verdade biológica. Nem o custo do teste e nem a negativa da genitora em deixar o filho submeter-se ao exame servem de justificativa para não ser  buscada a verdade. Basta ingressar com ação declaratória ou negatória de paternidade. Também pode ajuizar cautelar de produção antecipada de prova. Em todas as hipóteses, a quem não tiver condições de pagar, o acesso ao exame genético é gratuito.

Nada justifica livrar o genitor das obrigações decorrentes do poder familiar, que surgem desde a concepção do filho. Como a ação investigatória de paternidade tem carga eficacial declaratória, todos os efeitos retroagem à data da concepção, até mesmo a obrigação alimentar. A filiação, que existia antes, embora sem caráter legal, passa a ser assente perante a lei. O reconhecimento, portanto, não cria: revela-a. Daí resulta que os seus efeitos, quaisquer que sejam, remontam ao dia do nascimento, e, se for preciso, da concepção do reconhecido.[2]

Esta é a orientação que já vem se insinuando na doutrina[3] e desponta na jurisprudência.[4]

É muito bonito falar-se em dignidade humana, em paternidade responsável, em proteção integral a crianças e adolescentes. Mas é preciso dar efetividade a todos esses princípios. Certamente a responsabilidade é da Justiça. Para isso, não é necessário aguardar o legislador. Basta o Poder Judiciário continuar desempenhando o seu papel com coragem e responsabilidade, para garantir a cidadania a todos, principalmente aos cidadãos de amanhã.

——————————————————————————–

[1] Súmula 301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

[2] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, 3ª. ed., Tomo IX, Borsoi: 1971, p. 99.

[3] FERNANDES, Thycho Barhe. Do Termo Inicial dos Alimentos na Ação de Investigação de Paternidade, Revista dos Tribunais , São Paulo, v. 694, p. 268-70, 1993; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. O Termo Inicial dos Alimentos e a Ação de Investigação de Paternidade , Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo , São Paulo, n. 6, p. 50-60, 2000; BORGHEZAN, Miguel. O Termo Inicial dos Alimentos e A Concreta Defesa da Vida na Ação de Investigação de Paternidade, Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, 3/18048, 2001.

[4] INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECUSA EM SUBMETER AO EXAME DE DNA. ALIMENTOS. FIXAÇÃO E TERMO INICIAL À DATA DA CONCEPÇÃO. A recusa em se submeter ao exame de paternidade gera presunção da paternidade. O fato de inexistir pedido expresso de alimentos não impede o magistrado de fixá-los, não sendo extra petita a sentença.

O termo inicial da obrigação alimentar deve ser o da data da concepção quando o genitor tinha ciência da gravidez e recusou-se a reconhecer o filho. REJEITADA A PRELIMINAR. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (TJRGS – AC 70012915062 – 7ª C.Cív. – Rel. Desa. Maria Berenice Dias – j. 9/11/2005).
 

 

Referência  Biográfica

Maria Berenice Dias  é  Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM

www.mariaberenice.com.br