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Exame de consciência

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*João Baptista Herkenhoff  –  

Todo dia é véspera da morte e anúncio de um parto . Vida , morte , nascimento, renascimento , convergência , ruptura. Esta é a dialética da vida .

Para os que crêem na eternidade da essência humana , não existe a morte, simples passagem , igual a tantas outras que marcam a evolução do cosmos .

Numa Missa de réquiem , ouvi do Padre Alberto Fontana uma belíssima explicação , comparando o mistério do pós-morte, para quem se despede do mundo , com o mistério do pós-parto , para a criança que , do aconchego do ventre materno , irrompe para o desconhecido .

Quando jovem eu pensava que esta vida transitória, neste corpo perecível que vestimos, fosse infinita. Tenho hoje a consciência da transitoriedade. Cada manhã eu agradeço ao Senhor o dia que me é concedido.

Paulo Apóstolo tinha pressa de partir . Impaciência com a espera . Não tenho a urgência do Apóstolo. Pudera ser contemplado com o augúrio do Profeta : ver os filhos dos filhos , até a terceira e quarta geração .

Estas reflexões me acorrem porque dias atrás aniversariei. Estou apenas a um passo da sétima hora . Estas datas nos convocam para um balanço geral .

Gostaria de ser indulgenciado por todas as faltas , que são muitas, na pequenez do meu pó.

Que relevassem meu silêncio todos aqueles a quem devia ter agradecido por ajudas, conselhos , exemplos.

Não teria descortinado a dimensão social do Evangelho, se não fosse a convivência com Dom João Baptista da Mota e Albuquerque, Dom Luiz Gonzaga Fernandes, Padre Waldyr Ferreira de Almeida, Irmã Heloísa Maria Rodrigues da Cunha e outros.

Jamais teria compreendido que não existe profeta individual , mas que a profecia do mundo moderno é coletiva e partilhada, se não fossem as lutas travadas na Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória, ao lado de Rogério Coelho Vello, Antônio César Menezes Penedo , Vera Maria Simoni Nacif, Dante Pancini Pola, Sandro Chamon do Carmo, Ewerton Montenegro Guimarães, Pastor Claude Labrunie e tantos outros.

Não teria vislumbrado a visão humanista do ofício judicial se não tivesse comungado vida e experiências com os magistrados capixabas Carlos Teixeira de Campos , Mário da Silva Nunes, Homero Mafra, Pedro Borges de Rezende e com o magistrado carioca Eliézer Rosa.

Prezaria que a Misericórdia colocasse lentes de aumento nos pequenos serviços desta modesta vida .

Que o empenho de dar voz a quem não tinha voz , denunciar a injustiça mesmo sob a mira do perigo, junto a caminhantes da mesma caminhada , todos esses pequenos méritos fossem valorizados em cêntuplo .

Que o esforço de proporcionar tratamento humano aos presos tivesse a recompensa prometida aos que viram no encarcerado a imagem do Crucificado.

Que a busca por servir à dignidade da pessoa humana na cadeira de juiz , na tribuna de professor , no livro e no jornal fosse recebida como humilde oferenda Àquele sob cujo selo todos somos rigorosamente iguais , portadores da mesma dignidade e valor porque marcados pelo mesmo sopro divino.

 


Referência  Biográfica

João Baptista Herkenhoff  –  Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor.

 E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.joaobaptista.com

Pedágio e sua natureza jurídica

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* Jomar Luiz Bellini  –

INTRODUÇÃO 

Os governantes brasileiros com os cofres vazios estão concedendo serviços, anteriormente prestados diretamente, à empresas particulares e tendo a sua principal fonte de remuneração a cobrança de tarifas e em se tratando de rodovias através do pedágio. 

A discussão está aberta, pois se o pedágio for uma figura tributária, inviável essa delegação e, portanto a sua cobrança por particulares é ilegal, beirando a inconstitucionalidade. 

Longe de querer encerrar o assunto, este texto tem como única finalidade levantar as questões que entende importante para a solução desse dilema. 

PEDÁGIO, UMA ESPÉCIE TRIBUTÁRIA  

A jurisprudência e doutrina, inicialmente, não consideram o pedágio como uma das espécies tributárias constantes na Constituição, distinguindo-o da taxa. 

Segundo Alfredo Augusto Becker, a regra jurídica que tiver escolhido para base de cálculo do tributo o serviço estatal ou coisa estatal, terá criado uma taxa.[i] 

O pedágio como figura tributária surge de uma maneira pouco convencional na Constituição Federal. Ao estabelecer, no inciso V do artigo 150, que é vedado qualquer limitação ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, fez a ressalva da possibilidade de se cobrar pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. 

Luciano Amaro, diz que a Constituição relaciona o pedágio com uma atuação específica, pois ele tem por fato gerador a utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Continua ele, assinalando que, não é a construção de uma estrada de per si, que embasa a exigência do pedágio; essa obra pode dar lugar à contribuição de melhoria. Já o pedágio é cobrado de quem trafegue pela via pública, e, por isso, frui a utilidade proporcionada pela obra do Estado.[ii] 

Inexiste, a partir daí, qualquer dúvida de sua existência eliminando as discussões doutrinárias sobre ser sua cobrança um “preço público”, pois ao excepcionar a cobrança do pedágio após vedar a cobrança de qualquer tributo o texto lhe atribuiu, sem sombra de dúvida, a natureza jurídica de espécie daqueles. 

Somente para dar maior clarezas ao exposto, transcrevemos o inciso V do artigo 150 da CF. 

“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios… estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.” 

Necessário então identificar em qual das espécies tributárias se enquadra, pois segundo Alfredo Augusto Becker, no plano jurídico, todo e qualquer tributo pertencerá a uma dessas duas categorias: imposto ou taxa.[iii] 

Luciano Amaro classifica os tributos que, por se destinarem a financiar determinadas tarefas, que são divisivelmente referíveis a certo indivíduo ou grupo de indivíduos de modo direito ou indireto (o que traduz motivação financeira, pré-jurídica), têm fatos geradores (já agora no plano jurídico) conexos à própria atividade do Estado.[iv] 

Para ele essa atuação pode traduzir-se: a) na execução de um serviço público; b) exercício do poder de polícia; c) manutenção de via pública utilizada pelo indivíduo e d) na execução de uma obra pública que valorize a propriedade do indivíduo.[v] 

Manter conservado a via pública é preservar, resguardar de dano ou deterioração. Mais do que meros reparos. A conservação supõe a manutenção das vias públicas em estado normal de utilização (pista de rolamento livre de buracos e de outras imperfeições, acostamento, contenção de encostas, sinalização horizontal e vertical etc.).[vi] 

O indivíduo não usa o serviço prestado pelo Estado e sim utiliza a via pública, ou seja, um bem público e paga pelo seu uso. Portanto a hipótese de incidência ou fato gerador do pedágio é a utilização de via pública e não o serviço de manutenção. 

O serviço de manutenção é para o bem público do ente federado e não para o particular e nesse sentido, Alberto Xavier prescreve que, o facto constitutivo das obrigações em que se traduzem (as taxas) consiste ou não na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na remoção de um limite jurídico a actividade dos particulares.[vii] 

O pedágio nessa ordem de idéia é a prestação pecuniária compulsória que é devida pela utilização de bens de domínio público. 

Se ainda, entendêssemos que existe uma prestação de serviço, o pedágio também seria taxa. 

Para que seja considerada taxa, há um critério jurídico. Esta é a existência ou não da compulsoriedade legal de sua utilização potencial ou concreta do serviço que se traduz pela impossibilidade jurídica do uso de outros meios para satisfazer a mesma necessidade. Na presença da compulsoriedade legal tratar-se-á de taxa; na sua ausência, tratar-se-á de preço público, caso em que sempre estará presente uma relação contratual.[viii] 

Não existe alternativa para o não pagamento do pedágio nas estradas e como fazem parte de um sistema e que nenhuma outra opção restou ao usuário e a compulsoriedade passa a existir e é fato notório que a compulsoriedade dos tributos decorre da potestade tributária. Ao largo da divergência doutrinária e jurisprudencial quando a natureza jurídica do pedágio, certo e que, não havendo rodovias alternativas a disposição dos usuários, configura-se como taxa, espécie tributária que deve submeter-se ao princípio da legalidade.[ix] 

O pedágio sendo, pois, taxa (decorrente da utilização de via pública), deve o atender, entre outros, aos princípios e requisitos, existentes na constituição e na lei complementar (Código Tributário Nacional), tais como o da legalidade, anterioridade, indelegabilidade da competência tributária, limitação de sua cobrança ao valor despendido com a manutenção, impossibilidade dos recursos serem utilizados em outra destinação, impossibilidade de ser cobrada pessoas que sejam de direito público interno, vedada a participação de particulares.

É flagrantemente inconstitucional a privatização do pedágio, como tal considerada a delegação ou concessão de sua cobrança a particulares, em nome destes e em especial computando para o seu valor os custos de investimento, como duplicações e outras obras.

Para essas obras caberia a cobrança por parte da Administração Pública, de contribuição de melhoria nos moldes traçado pelo artigo parágrafo 5º do artigo 12 do Decreto-Lei 195, de 24 de fevereiro de 1967.

O que pode ser privatizado ou terceirizado, é tão e somente o serviço de manutenção e de conservação da via pública, condição para gerar o pedágio. Impossível privatizar o pedágio propriamente dito, qual seja, o direito de cobrá-lo para si, como credor, ainda que com o nome (hoje impróprio) de preço público.

O credor (sujeito ativo) do pedágio somente pode ser o Poder Público, podendo após arrecadá-lo, repassá-lo a terceiros, não como pedágio, mas como pagamento do preço ajustado pelos serviços de manutenção e de conservação da via pública respectiva, segundo o contrato firmado em decorrência de prévia licitação.

Portanto, deverá o valor do pedágio ingressar, como receita, nos cofres públicos do titular da via pública correspondente, antes de seu repasse a terceiros como despesa. Assim se exige porque trata-se de tributo, na sua espécie taxa.

Com isso se evitaria a cobrança abusiva que se verifica nas estradas concedidas, até mesmo porque não se concede somente o serviço e sim as obras necessárias na via pública.

Dúvida inexiste, mesmo que para alguns o pedágio ainda seja preço público, com a edição da Constituição de 1988, pois trata-se de tributo, na espécie taxa e como tal deve ser tratado.

Não menos importante é a arguta observação de Leandro Paulsen, onde ele se preocupa com a cobrança do pedágio, que poderia vir a efetivamente limitar o direito de ir e vir, além de remeter o leitor ao artigo 175, inciso III, da Constituição Federal.

Diz ele que, considerando que a referência ao pedágio constitui exceção em norma que estabelece limitações ao poder de tributar, parece que a Constituição realmente considera o pedágio como tributo. E, dentre as espécies de tributo, enquadra-se como taxa. (…) Aliás, é importante que se sujeite às normas tributárias, particularmente às limitações do poder de tributar, uma vez que o pedágio, se excessivo, pode efetivamente implicar limitação ao tráfego de pessoas, cerceando a liberdade de ir e vir dos indivíduos.[x] 

Se o constituinte quisesse dar ao pedágio o caráter de preço público ou de tarifa, não teria inscrito no Título VI, Capitulo I, Seção II da Constituição, que trata do Sistema Tributário Nacional e das Limitações do Poder de Tributar e sim no Título VII, Capitulo I, dos Princípios Gerais da Atividade Econômica.

CONCLUSÃO

Em conclusão, temos, pois, que é juridicamente inviável a delegação a particulares, pelo Poder Público, da cobrança do pedágio, pelos seguintes motivos: 

a) A natureza jurídica tributária é de taxa, em decorrência da utilização da coisa estatal – via pública mantida pelo Poder Público; 

b) poderá privatizar, conceder ou terceirizar a prestação de serviços de manutenção, mas mediante o pagamento de um valor, previamente acertado em licitação. 

c) no valor do pedágio cobrado está embutido o investimento em adaptações e construções necessárias o que é fato gerador de contribuição de melhoria; 

d) o constituinte optou por dar ao pedágio as características de tributo colocando-o no capitulo destinado ao Sistema Tributário Nacional e não de preço público, pois se assim quisesse o teria criado no capitulo dos Princípios Gerais da Atividade Econômica; 

e) a cobrança somente ser feito pelo titular do domínio, ou seja, União, Estado, Distrito Federal ou Município, da via pública que gerar (CF, artigo 150, inciso V, e CTN, artigo 77); 

f) somente pode ser aplicado na manutenção e reparação da via pública que o gerar, sendo vedada a sua utilização para outra finalidade, como por exemplo, construção ou duplicação de vias públicas (CF, artigo 150, inciso V, e CTN, artigo 77); 

g) é intransferível a capacidade ativa tributária para particulares e a instituição do pedágio deverá ser feita pela pessoa jurídica de direito interno (CTN, artigo 7º c.c. 8º); 

h) não pode ser cobrado no mesmo ano de sua instituição ou aumento, devendo atender o princípio da anterioridade (CF, artigo 150, inciso III, letra “b”).

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[i] Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed., São Paulo, Lejus, 1998, p. 380.

[ii] Direito Tributário Brasileiro. 4ª ed. São Paulo, Saraiva, 1999, p. 49.

[iii] Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª ed., São Paulo, Lejus, 1998, p. 381.

[iv] Ob. cit., p. 81.

[v] Ob. cit., p. 81.

[vi] Ob. cit., p. 49.

[vii] Manual de direito Fiscal. Lisboa, 1981. V. 1.

[viii] Tese preparada para o X Simpósio Nacional de Direito Tributário, sobre o tema Taxa –Preço Publico, que entre outros participantes participaram Hugo de Brito Machado, José Eduardo Soares de Melo, “apud”, Aurélio Pintanga Seixas Filho. Taxa. Doutrina, Prática e Jurisprudência, Rio de Janeiro, Forense, 1990, p. 19, nota de rodapé.

[ix] TJRS – AC 598355485 – RS – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Arno Werlang – J. 09.06.1999.

[x] Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1998, p. 96.

           


Referência  Biográfica

Jomar Luiz Bellini:   Professor de Direito Processual Civil, Teoria Geral do Processo, na Universidade de Sorocaba e Faculdade de Direito de Itapetininga. Especialista em Direito Tributário pela PUC-SP. Especialista em Comércio Exterior pela FECAP-SP Mestre em Direito político e Econômico pela Universidade Mackenzie–SP e Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP

A educação e a propriedade intelectual

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* Mauricio Cozer Dias –

A propriedade intelectual compreende as marcas, as patentes, o desenho industrial, a biotecnologia, as plantas geneticamente alteradas, os programas de computadores, as obras literárias, artísticas e científicas.

Atualmente vivemos numa sociedade onde a produção, a criação de tecnologia é um elemento caracterizador do estágio de desenvolvimento de um país, influindo diretamente na produção de riqueza, nível de emprego e no bem-estar da população.

O Brasil possui um histórico de país exportador de produtos agrícolas: primeiramente foi a cana de açúcar, os minérios, depois o café; a hoje a soja lidera nossa pauta de exportação.

Recentemente a revista Época trouxe uma matéria relatando como a Coréia do Sul se transformou num dos tigres asiáticos, mencionando os investimentos pesados daquele país em educação, o que lhe garantiu posição de vanguarda e riqueza social.

Realmente a educação é o caminho para tirar o Brasil do Terceiro Mundo. Porém, embora eu seja um profissional da área de humanas, acredito que a política educacional brasileira deva investir, estimular de forma maciça a área de exatas: matemática, química, física e biológicas, entre outras relacionadas com a produção de tecnologia.

Esse investimento maciço deve ocorrer desde o ciclo básico até o universitário, investindo em instalações, no corpo docente e discente. Porém, em uma breve observação nas faculdades da região, percebe-se o desequilíbrio existente entre humanas e exatas, havendo uma oferta bem maior de cursos na área de humanas.

Acredito que o desequilíbrio decorre de falha na política educacional, bem como, no custo de implantação e manutenção dos cursos de humanas, que geralmente são mais baratos e mais lucrativos, pois não precisam de laboratórios, aparelhagem, pesquisadores, etc.

É uma necessidade urgente alterar esse quadro educacional. A propriedade intelectual é estratégica para o desenvolvimento do país. É necessária uma política educacional consciente e permanente e não ocasional e demagógica como temos.

Investir em cursos de exatas, investir em pesquisadores também é uma necessidade na capacitação do corpo docente. Porém, mais importante é estimular o alunado, desde o ciclo básico a se interessar mais por essas disciplinas, com a realização de jogos de matemática, maratonas de química, premiações para concursos nessas áreas.

Enfim, estimular e reconhecer novas capacidades na área de exatas é imprescindível para aumentar nossa produção tecnológica e, conseqüentemente, a riqueza da sociedade brasileira.

Há muitos anos nos vendem a idéia de que o Brasil é o país do futuro, um futuro que nunca chega. Mas, se não investirmos pesado na área de produção tecnológica nosso futuro continuará sendo de exportadores de bananas e não de tecnologia.

Dia 26 de abril é o Dia Mundial da Propriedade Intelectual e nossa política educacional deve ser repensada para nos garantir um futuro de bem estar social.

 

Referência  Biográfica

Maurício Cozer Dias  –  Mestre em Direito de Empresa e Direito Intelectual.


A impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação

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* Fabiano Tacachi Matte –  

Em recente decisão monocrática, no RE nº 352.940-4, o E. Ministro Carlos Velloso abonou a tese de que, com fulcro nos princípios constitucionais da isonomia e do direito a moradia prevista no art. 6º, caput, da Constituição Federal, em sua nova redação dada pela EC nº 26, a exceção que permite a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação, prevista no art. 3, VII, da Lei. 8.009/90, é inconstitucional. Na decisão in casu julgou-se pela liberação do bem de família da constrição e a sucumbência da locadora[1].

Tal decisão vem servir de precedente diante de um posicionamento majoritário contrário ao aventado. Assim, até então, com raras exceções, primava-se pela penhorabilidade do bem de família em contrato de locação pelas alterações que a nova Lei de Locações (L. 8.245/91) trouxe à Lei do Bem de Família (L. 8.009/90), o que pode ser vislumbrado nos seguintes julgados:

LOCAÇÃO. FIANÇA. BEM DE FAMILIA. – PENHORABILIDADE. RESSALVA DO ART.3. VII DA LEI 8.009/1990, COM A ALTERAÇÃO DO ART. 82 DA LEI 8.245/1991. Decisão. POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E LHE NEGAR PROVIMENTO. (STJ – RESP 73449 – Proc. 1995.00.44146-2 – SP – QUINTA TURMA – Rel. JOSÉ DANTAS – DJ DATA: 05.05.1997, p.17070)

AGRAVO REGIMENTAL RECEBIDO COMO AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A APELAÇÃO. OBRIGAÇÃO DECORRENTE DE FIANÇA PRESTADA EM PACTO LOCATICIO. PENHORABILIDADE DO IMÓVEL RESIDÊNCIAL. ENTENDIMENTO PACIFICO NESTA CORTE E NO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. (TJRS – AGR 70000727388 – 15 C.Cív. – REL. DES. MANUEL MARTINEZ LUCAS, J. 22.03.2000)

Neste sentido, Heitor Vitor Mendonça Sica advoga que pode ser refutada a afirmação de inconstitucionalidade, pois os princípios pleiteados, o da isonomia e do direito a moradia, não estariam em dissonância com a exceção permissiva pela penhorabilidade do bem de família em contrato de locação; sobre o primeiro o jurista labora sobre a diferenciação obrigacional que ocorre entre locatário e fiador, mas, no entanto, ele chega a uma situação que constata o surgimento de um gravame maior para o fiador, em contraste com o fim da fiança que é de ser um “contrato benéfico”, mas nada que daria azo a uma inconstitucionalidade. Sobre o segundo argumento, a norma do caput do art. 6º da CF é programática, e, portanto, carece de regulamentação, sem a qual não possui eficácia plena[2].

Por outro lado, é curial reconhecer que, atualmente, vislumbram-se situações em que ocorre o denominado conflito executivo[3], que nada mais é, que o conflito produzido entre a necessidade de se preservar a segurança jurídica e ao mesmo tempo de se dar o devido cuidado ao reclamo pela efetividade dos direitos, principalmente os direitos fundamentais[4]. Nestes termos, é profícuo para o alcance do desiderato proposto, a utilização das metanormas jurídicas; mesmo que apesar do referido RE não fazer menção a tal instrumento, benfazeja ferramenta é a proporcionalidade, que atua na tensão existente entre o direito de crédito do credor e o direito fundamental a moradia do devedor, em que este embricamento entre bens jurídicos no caso concreto pode ser resolvido pela proporcionalidade, que pelo exame da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, analisar-se-á a relação de causalidade entre meio e fim, buscando uma otimização, recaindo no devido sopesamento para o deslinde do conflito[5], e, que abstraia o máximo de efetividade das normas colocadas em exame. Não é outro, senão o alvitre de Gisele Santos, para quem:

“O processo de execução, por excelência, deve estar imbuído da máxima da proporcionalidade, pois que, verdadeiramente, é no interior dele que se concretiza o acesso à ordem jurídica justa, efetivando-se a mera declaração contida no julgado. Portanto, essa realidade somente pode existir se esse procedimento executivo estiver enraizado com o devido processo legal proporcional, na sua feição procedimental e substancial.”[6]

Nesta esteira, o direito a moradia consolidado na Carta Magna, em seu art. 6º[7] prevê que o referido é um direito social, que segundo o prestimoso escólio de José Afonso da Silva, constitui em duas faces, uma negativa, a qual “significa que o cidadão não pode ser privado de uma moradia nem impedido de conseguir uma, no que importa a abstenção do Estado e de terceiros”[8] e uma positiva, que “consiste no direito de obter uma moradia digna e adequada, revelando-se como um direito positivo de caráter prestacional, porque legitima a pretensão do seu titular à realização do direito por via de ação positiva do Estado”[9].

Outrossim, os direitos sociais tratam-se de direitos fundamentais[10], ou melhor, um direito fundamental de 2ª geração, portanto, possuindo incidência imediata nos termos do art. 5º, § 1º, CF. Deste modo, verifica-se que mesmo sem lei infraconstitucional que venha a regulamentar tais disposições, isto é, que haja uma intervenção legislativa, os direitos sociais, mesmo de cunho programático, já dimanam uma carga eficacial “comuns a todas as normas definidoras de direitos fundamentais, mesmo as que reclamam uma interpositio legislatoris (…)”[11], onde, desta maneira,

“a) Acarretam a revogação dos atos normativos anteriores e contrários ao conteúdo da norma definidora de direito fundamental e, por via de conseqüência, sua desaplicação, independente de uma declaração de inconstitucionalidade (…) d) Os direitos fundamentais prestacionais de cunho programático constituem parâmetro para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas (demais normas constitucionais e normas infraconstitucionais), já que contêm princípios, diretrizes e fins que condicionam, a atividade dos órgãos estatais e influenciam, neste sentido, toda a ordem jurídica”[12].

Por outro viés, é inegável que a Lei 8.009/90 pode (deve) ser lida com os olhos voltados ao preceituado no texto constitucional, que por conseqüência produzirá, a partir de uma interpretação sistemática, na qual “o sentido da norma é definido a partir de sua inserção no conjunto normativo”[13]. Não obstante, deve-se haver o respeito pelo sistema jurídico, e se este prevê como norma fundamental, que o direito a moradia encontra-se consagrado, como norma-princípio, deve-se impender que advindo qualquer lei que venha a inibir a eficácia deste direito, deve esta nova lei ser desaplicada, adotando, assim, um critério hermenêutico. Além do mais, na defesa dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, em luminares palavras, leciona o professor gaúcho Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, verbis:

“Às vezes, mostra-se necessária a correção da lei pelo órgão judicial, com vistas à salvaguarda do predomínio do valor do direito fundamental na espécie em julgamento. Já não se cuida, então, de mera interpretação ‘conforme à Constituição’, mas de correção da própria lei, orientada pelas normas constitucionais e pela primazia de valor de determinados bens jurídicos dela deduzidos, mediante interpretação mais favorável aos direitos fundamentais.”[14]

Aliás, nesta inserção no conjunto normativo, deve-se reconhecer a dignidade humana (CF art. 1º III), como princípio a “imantar” o sistema jurídico, como observa o professor Ingo Wolfgang Sarlet:

 “(…) parece-nos já ter restado clarificado ao longo da exposição, que o reconhecimento da condição normativa da dignidade, assumindo de princípio (e até mesmo como regra) constitucional fundamental, não afasta o seu papel como valor fundamental para toda ordem jurídica (e não apenas para esta), mas, pelo contrário, outorga a este valor uma maior pretensão de eficácia e efetividade.”[15].

Assim sendo, pelo exame das ilações expostas, pode-se concluir que a interpretação que possibilita a penhora do bem de família do devedor em fiança de contrato de locação não é a única. Tal disposição deve ser colocada em contraste com o texto constitucional que preza pela dignidade humana e o direito a moradia (CF arts. 1º, III e 6º caput). Neste diapasão, considera inconstitucional a possibilidade de penhora, a Desembargadora (TJRS) Genacéia da Silva Alberton, donde é inconstitucional o dispositivo que excetua a impenhorabilidade do bem de família na hipótese de fiança em contrato de locação, por afrontar os princípios da isonomia, dignidade e o direito a moradia do fiador[16]. Ademais, também comunga desta tese, o Desembargador Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, do TJRS:

APELAÇÃO CÍVEL LOCAÇÃO. FIANÇA. PENHORA DO ÚNICO IMÓVEL QUE SERVE DE RESIDÊNCIA DO FIADOR. IMPOSSIBILIDADE. São garantias constitucionais fundamentais do cidadão e de sua família o direito de propriedade (CF/88, art. 5°, XXII) e o direito à moradia (CF art. 6°, `caput¿, na redação da EC 26/00), sendo que a Constituição, em sua axiologia, prestigia como valor fundamental a moradia dos cidadãos e de sua família, tanto que no ad. 183 concede o usucapião para quem detenha imóvel urbano nas condições que menciona. A lei deve ser interpretada e aplicada atendendo aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (LICC, art. 5°), o que certamente não estará sendo atendido se o fiador perder sua residência para atender débitos de aluguéis do afiançado em beneficio do credor que explora economicamente a propriedade imobiliária. Outra deve ser a solução para a viabilização do mercado de locação, seja pelos cuidados do locador ao aceitar o fiador com patrimônio suficiente para a garantia, seja pela definitiva implementação do seguro-fiança. O credor ou locador, ao contratar, deve examinar a situação patrimonial do fiador, pois seu é o risco. Apelação provida. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70001271766, PRIMEIRA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO, JULGADO EM 20/06/2001)[17].

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[1] Como noticia o informativo eletrônico Espaço Vital de 27 de abril de 2005: “Inconstitucionalidade de artigo de lei federal afasta a penhora de imóvel familiar para o pagamento de fiança em locação”; editor Marco Antonio Birnfeld. Endereço eletrônico:  <http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas27042005a.htm>

[2] SICA, Heitor Vitor Mendonça. Questões polêmicas e atuais acerca da fiança locatícia. in A penhora e o bem de família do fiador da locação. coord. José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: RT, 2003. pp. 23/56. Defendendo, também, que o art. 6º, CF, (direito a moradia) por ser norma programática, para que gere efeitos no plano da realidade jurídica, faz-se mister a regulação própria e específica. (CRUZ e TUCCI, José Rogério. Penhora sobre bem do fiador de locação. in A penhora e o bem de família … pp. 15/19.)

[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao código de processo civil. coord. Ovídio A. Baptista da Silva. São Paulo: RT, 2003. v. VIII. p. 238.

[4] Sustenta Willis Santiago Guerra Filho que a Constituição também possui a natureza de uma lei processual, agasalhando “a fixação de certos modelos de conduta, pela atribuição de direitos, deveres e garantias fundamentais, onde se vai encontrar a orientação para saber a que se objetiva atingir com a organização delineada nas normas de procedimento.” (pp. 20/ 21). A busca dos valores fundamentais requer a intermediação de procedimentos, e estes mesmo aparecem “estabelecidos com respeito àqueles valores.” Daí, o processo aparece, então, como “resposta à exigência de racionalidade, que caracteriza o direito moderno.”. (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. in Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Willis Santiago Guerra Filho coord. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 21)

[5] ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 104 et seq.

[6] GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da proporcionalidade no processo civil: o poder de criatividade do juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2004. pp. 129/130.

[7] “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (NR) (Redação dada pela EC 26, de 14.02.2000)

[8] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21 ed rev e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 314.

[9] idem

[10] José Afonso da Silva com fulcro em Pérez Luño. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6º ed. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 151. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2 ed., rev e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 259. Ricardo Lobo Torres apud Genacéia da Silva Alberton. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. in A penhora e o bem de família … p. 127.

[11] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia …  p. 272.

[12] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia… pp. 272/273. negritos acrescentados.

[13] CUNHA, José Ricardo. Fundamentos axiológicos da hermenêutica jurídica. in Hermenêutica plural: possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos/ organizadores Carlos Eduardo de Abreu Boucault, José Rodrigo Rodrigues. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 328.

[14] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O Processo Civil na Perspectiva dos Direitos Fundamentais. in Revista de Processo 113:16.

[15] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2 ed., rev., ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. pp. 75/76. José Afonso da Silva apoiado em Jorge Miranda, ressalta a “função ordenadora dos princípios fundamentais, bem como sua ação imediata, enquanto diretamente aplicáveis ou diretamente capazes de conformarem as relações político constitucionais, aditando, ainda, que a ‘ação imediata dos princípios  consiste, em primeiro lugar, em funcionarem como critérios de interpretação, pois são eles que dão coerência geral ao sistema’”. (SILVA, José Afonso da. Curso … pp. 95/96.) Também, “É por força dos princípios constitucionais que os sistemas constitucionais alcançam a unidade de sentido e a valoração de sua ordem normativa”, no preenchimento do caso concreto “carente de solução normativa” (FIGUEIREDO, Sylvia Marlene de Castro. A Interpretação Constitucional como “Concretização” ou Método Hermenêutico Concretizante. in  Revista de Direito Constitucional e Internacional 127:16). Penso que cabe o princípio da interpretação das leis em conformidade com a constituição, trazida na lição do insigne prof. J.J. Gomes Canotilho. Entretanto, o princípio referido alcança somente as situações onde exista um espaço de decisão (=espaço de interpretação), nas palavras do prof. luso. Contudo, entendo que no momento em que a norma infraconstitucional não diz tudo o que deveria dizer, mesmo não havendo este “espaço”, esta deve ser interpretada conforme a Constituição, pois, do contrário, haveria uma inconstitucionalidade pela omissão. (Obra citada: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5 ed. Coimbra: Almedina, 2002. pp. 1212/1213.). Assim, “o elenco do art. 3º da Lei 8.009 comporta por si só interpretação restritiva, exatamente porque expõe exceções à regra geral, que é a da impenhorabilidade do bem destinado à moradia da família. Nessa linha, a ressalva, portanto a penhora, deve prevalecer somente quando, por meio dela, assegura-se um direito de relevância igual ou maior que aquele da moradia, o que se dá diante de crédito alimentar, trabalhista ou, ainda, quando da aquisição de bem com produto de ato ilícito. No caso da locação isso não se verifica, até porque se coloca como credor, na relação obrigacional, alguém que é somente um investidor.” (FORNACIARI JÚNIOR, Clito. O bem de família na execução da fiança. in A penhora e o bem de família … p. 102.)

[16] “CONSTITUCIONAL – CIVIL – PROCESSO CIVIL – PENHORA INCIDENTE SOBRE IMÓVEL RESIDENCIAL DE FIADOR EM CONTRATO DE LOCAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – PROVIMENTO DO AGRAVO. 1. Com a promulgação da EC 26, de fevereiro de 2000, que modificou a redação do art. 6º da CF, incluindo a moradia no rol dos direitos sociais, derrogado fciou o inc. VII do art. 3º da Lei 8.009/90, introduzido pelo art. 82 da Lei 8.245/91, daí resultando a impossibilidade de penhora destinado à residência do fiador. 2. Agravo improvido. (TJDF, 4Tª T. Civ. AgIn 2000.00.2.003055-7, Rel. Des. Estevam Maia)” in (ALBERTON, Genacéia da Silva. Impenhorabilidade de bem imóvel residencial do fiador. in A penhora e o bem de família … p. 128.)

[17] No mesmo sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70000649350, PRIMEIRA CÂMARA ESPECIAL CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO, JULGADO EM 28/03/2000.

 


 

Referência  Biográfica

FABIANO TACACHI MATTE  –  Acadêmico do 8º semestre do curso de direito da FEEVALE/RS. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABPC

O recurso de agravo sofre mudanças, para vencer a morosidade da Justiça. Conseguirá?

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* Clovis Brasil Pereira –

SUMÁRIO:   1.  Introdução   2.  Principais alterações introduzidas pela nova lei   3.  Visão crítica das mudanças introduzidas   4.  O “Novo Agravo” e a morosidade da Justiça   5.  Conclusão

1.  Introdução

A primeira alteração processual adotada com objetivo de dar maior celeridade aos processos judiciais, de natureza cível, após a promulgação da Emenda Constitucional 45/2004, denominada de “Reforma do Judiciário”, veio com a Lei nº 11.187/05, sancionada pelo Presidente da República em 19.10.2005, em vigor desde  19 de janeiro de 2006.

Pelo nova lei, foram alterados os artigos 522, 523 e 527, da Lei nº 5.869/73 –   Código de Processo Civil –  vigente, e as mudanças deram ênfase especial ao recurso de agravo, na forma retida, que terá predominância, nas hipóteses de cabimento do recurso, ficando o agravo de instrumento restrito aos casos que comprovadamente vier sofrer a parte sucumbente, “lesão grave e de difícil reparação”, bem como nos casos de inadmissão do recurso de apelação e nos relativos aos efeitos atribuídos ao mesmo recurso de apelação, quando de seu acolhimento. 

Como justificativa para as mudanças ora introduzidas, repete-se que a utilização constante e em grande número do agravo de instrumento  pelos advogados,  acabou abarrotando os Tribunais, com milhares de recursos que diariamente são interpostos, sendo essa uma das preocupações das autoridades do Poder Judiciário, uma vez que a morosidade da justiça, passou a ser um questionamento constante da sociedade. 

Ao que parece, foi para tentar estancar essa enxurrada de agravos de instrumento, é que chegou a Lei 11.187/05, pois estreitou consideravelmente o leque de situações para o cabimento dessa modalidade do recurso, e cujas hipóteses e reflexos no cotidiano dos operadores do direito, serão a seguir analisados.

2.  Principais alterações introduzidas pela nova lei

Pela legislação vigente, o recurso de agravo cabe das decisões interlocutórias, estas definidas no artigo 162, § 2º do Código de Processo Civil,  e que são proferidas na 1ª e 2ª Instâncias, cujo recurso pode  ser nas modalidades de agravo retido ou  agravo de  instrumento.  

O Agravo Retido, interposto na própria Instância recorrida,  tem efeito prático restrito, uma vez que não produz efeitos imediatos, e tem seu exame apenas depois do julgamento do feito, ou seja, proferida a Sentença, julgando ou não o mérito da causa (art. 162, § 1º, CPC),  e somente na hipótese de ser interposto recurso de apelação,  pelo sucumbente, quando o recurso deve ser suscitado em matéria preliminar às razões da apelação. 

Pela legislação vigente, ora modifica pela Lei 11.187/2005, em algumas situações previstas no CPC, a forma retida já é obrigatória, conforme a previsão do § 4º, do artigo 523, tais como,  das decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento e das posteriores à sentença, salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida. 

Na maioria das vezes, em que a decisão interlocutória traz prejuízo às partes, os interessados se valem do agravo de instrumento, interposto perante o Juízo “ad quem”, com o deliberado objetivo de reverter, de imediato,  os efeitos da decisão atacada. 

Quando o recurso não é acolhido pelo Juiz relator, e este converte o agravo de instrumento, em agravo retido (art. 527, II, CPC),  determinando sua remessa  à 1ª Instância, possibilita ao agravante o manuseio do agravo regimental, ensejando o reexame da urgência ao órgão recursal competente. 

Pelas mudanças introduzidas pela Lei 11.187/05, preponderará a partir de 19.01.2006, o recurso de agravo retido, o que, se de um lado, provocará o desejado desafogo dos Tribunais, de outro, por certo, trará prejuízo significativo, ao nosso ver, aos jurisdicionados, que não terão a oportunidade para reverter de imediato, as decisões interlocutórias que lhes forem  desfavoráveis. 

Observe-se, por oportuno, que o agravo de instrumento, em princípio, é recebido apenas no efeito devolutivo, não postergando, sua interposição, o andamento do processo no juízo “a quo”.  Portanto, parece-nos inconsistente o argumento de que o recurso é responsável pelo retardamento da solução dos processos. 

Dentre as alterações trazidas na Lei 11.187/05, destacam-se as seguintes: 

Cabimento do recurso de Agravo de Instrumento, a ser interposto perante o Juízo “ad quem”:

– quando a decisão interlocutória agravada, ameaçar ao recorrente de  “lesão grave e de difícil reparação”;

– nos casos de não ser recebida a apelação;

– quanto  aos efeitos em que o recurso de apelação é recebido. 

Assim, se o juiz na 1ª Instância, ao receber uma apelação, lhe atribuir somente efeito devolutivo, e o recorrente almejar o duplo efeito (também o suspensivo), terá cabimento o agravo de instrumento.  A  situação inversa – apelação recebida no duplo efeito, e o agravante se insurgir contra a decisão,  entendendo não ser cabível o efeito suspensivo –  também ensejará o agravo de instrumento. 

Observe-se que pela nova disposição legal, caberá ao juiz relator, ao receber o recurso, em decisão monocrática e irrecorrível, decidir e mensurar sobre  a existência de “lesão grave e de difícil reparação”. 

Cabimento do recurso de Agravo Retido, que será interposto perante o Juízo onde tramita a ação:

– Como regra, caberá de todas as decisões interlocutórias proferidas no decorrer de uma ação, excetuando-se as que possam provar lesão grave e de difícil reparação. Assim,  o agravo retido será o recurso próprio a ser utilizado pelos recorrentes;

– Caberá nas decisões proferidas em audiência, quer as de conciliação, quer as de instrução e julgamento;

– Quando o recurso de agravo retido couber em audiência, deverá ser interposto oralmente, ou seja, no ato e será lançado no respectivo termo.

3.  Visão crítica das mudanças introduzidas

Pela nova lei,  o que antes era facultativo aos jurisdicionados, ou seja, a escolha da modalidade do agravo, dependendo da urgência  e de seu interesse, agora passa a ser obrigação às partes.   Pela lei vigente,  o recorrente pode interpor o recurso oralmente (art. 523, § 3º, CPC), ou no prazo de 10 (dez) dias,  assinalado na legislação processual. 

Essa nova disposição, do agravo na forma oral, certamente causará muita polêmica, pois criará situações de conflito, inclusive quanto ao tratamento das partes, diante de um mesmo processo.  

Ao nosso ver, o legislador, de forma afoita e equivocada, acabou criando um novo prazo recursal, o prazo “à vista”, no próprio ato, quando a parte prejudicada, terá poucos minutos, até o encerramento do termo de audiência, para manifestar seu inconformismo. 

A nova previsão legal parece-nos absurda, e se coloca em desalinho  com os princípios processuais e constitucionais, que garantem igual tratamento às partes litigantes. 

Tomemos algumas situações passíveis de agravo, para melhor entender o conflito que por certo advirá dessa nova imposição legal. 

De um lado, teremos o autor requerendo  o pronto provimento jurisdicional com pedido liminar de antecipação da tutela. Na hipótese do juiz indeferir o pedido, possibilitará ao autor o manuseio do recurso de agravo de instrumento, alegando urgência no provimento e risco de lesão grave e de difícil reparação. Terá para tanto, o prazo de 10 (dez) dias para interpor o recurso de agravo de instrumento. 

De outro lado, o requerido,  que venha argüir a contradita de uma testemunha, não acolhida pelo juiz, ou ainda, que venha impugnar a juntada de um novo documento em audiência, documento este que já existia quando do ajuizamento da ação, e esta impugnação for indeferida, terá que promover o recurso de agravo retido, no ato,  ou seja, “à vista”. 

Teremos nessas hipóteses, ao autor, assegurado o direito do agravo de instrumento em dez dias;  e ao requerido, o agravo retido, no ato, na própria audiência, o que por certo estará em total falta de sintonia  com o tratamento isonômico que o magistrado deve dispensar às partes.  

Por fim,  outra alteração que trará prejuízos aos agravantes, é a que prescreve que a decisão do juiz relator, que converter o agravo de instrumento em agravo retido, será irrecorrível. Esta é mais uma previsão que acaba dando poder ilimitado  ao juiz  relator do recurso,  reconhecendo suas decisões como intocáveis, e que certamente afronta. Na sua essência,  princípios inerentes ao regime democrático. 

Melhor andaria o legislador, se tivesse mandado aplicar para essa hipótese, a norma contida no artigo 557, § 1º,  do Código de Processo Civil, autorizando o manuseio do chamado  agravo regimental, possibilitando ao órgão julgador, reapreciar a decisão monocrática do relator. 

Não temos nenhuma dúvida, que os Tribunais vão ficar desafogados, com o novo procedimento a ser adotado. Pena, no entanto, é  que  esse  desafogo, venha em evidente prejuízo aos juridicionados. 

4.  O “Novo Agravo” e a morosidade da Justiça

Há muitos anos  se discute, a respeito das causas que determinam o mau funcionamento da Justiça no Brasil, com repercussão na morosidade das decisões judiciais e no descrédito da própria Instituição. 

Lembramos que nos idos de 1980 a 1985, no Estado de São Paulo, onde temos experiência profissional e pessoal,  o tempo médio para o julgamento de um recurso de apelação, era de 9  a 12 meses. 

No início  de 1990 e nos anos subseqüentes, esse tempo médio passou para 24 meses. Em 1995, passamos a esperar entre 30 a 36 meses para o julgamento do mesmo recurso. 

E agora, mais recentemente, a partir de 2003, a demora para o julgamento do recurso de apelação pode chegar a  48 meses. Isso mesmo, 48 meses!!! 

Então, é de se perguntar, o que o recurso de agravo de instrumento tem a ver com isso? 

Temos conhecimento, pelo contato e depoimentos de  funcionários do Poder Judiciário, notadamente dos Fóruns do interior do Estado,  onde temos muitos  alunos ou ex-alunos, que a estrutura e condições de trabalho em alguns Cartórios, é simplesmente caótica.  

 Os computadores ainda são aqueles modelos desprezados pelos Bancos e grandes empresas, nos idos de 1.993, 1,994, 1995, e anos subseqüentes,  doados ao Poder Judiciário, em atos de duvidosa generosidade, e cujos modelos ainda estão em pleno uso, por falta de outros mais atualizados. Ainda são encontrados em algumas dependências do Judiciário, os então famosos XT, ou PC “286”, “386”, 486, 586, etc…, e que têm como  redator, ainda os programas Carta Certa 3, 5 ou 8, lembram deles?  Para não falar na falta de papel,  fita para as impressoras matriciais, dentre outras necessidades básicas para o  atendimento dos juridicionados. 

Certamente, enquanto perdurar esse quadro de total abandono na estrutura dos Cartórios e Ofícios do Poder Judiciário, não será com uma “Reforma do Judiciário”, apenas no papel, e com mudanças na legislação, que venham ferir de morte princípios processuais e constitucionais antes assegurados aos juridicionados, que vamos acabar com a morosidade da Justiça.

5.  Conclusão

Pela breve análise ora feita, sobre os efeitos que advirão  da Lei 11.187/05, a partir de sua vigência, em 19 de janeiro de 2006,  acreditamos, que a morosidade da Justiça, em nada será afetada, pois na prática, teremos novos embates, com a procura pelos advogados, no dia a dia das lides processuais, de saídas para suprir a limitação do uso do recurso de agravo de instrumento. 

De concreto mesmo, entendemos que a nova sistemática, acabará simplesmente  ressuscitando  o Mandado de Segurança, como remédio heróico,  a ser utilizado pelos advogados,  depois de restar esgotada a via recursal do agravo de instrumento, como meio idôneo para  barrar injustiças, e restabelecer o equilíbrio nas relações processuais entre os juridicionados.

 


 

Referência  Biográfica

CLOVIS BRASIL PEREIRA  –  Advogado, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em Direito, na área de Direitos Difusos e Coletivos, Professor Universitário, ministra cursos na ESA – Escola Superior da Advocacia no Estado de São Paulo e Cursos de Atualização Profissional em Cursos Jurídicos, É colaborador com artigos  publicados nos Sites Jurídicos  www.ultimainstancia.com.brwww.jus.com.br; www.jusvi.com; www.juristas.com.br;  www.trinolex.com e www.prolegis.com.br , do  qual  é  coordenador  e  editor  responsável.   

Contato:   E-mail:     prof.clovis@terra.com.br

Delação premiada

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*João Baptista Herkenhoff –

Com uma ressalva que registro no final, não vejo com simpatia o instituto jurídico da delação premiada.

Introduzida há poucos anos no Direito brasileiro, a delação premiada de muito tempo é utilizada em países como Estados Unidos e Itália.

A meu ver, a delação premiada associa criminosos e autoridades, num pacto macabro.

De um lado, esse expediente pode revelar tessituras reais do mundo do crime.

Numa outra vertente, a delação que emerge do mundo do crime, quando falsa, pode enredar, como vítimas, justamente aquelas pessoas que estejam incomodando ou combatendo o crime.

Na maioria das situações, creio que o uso da delação premiada tem pequena eficácia, uma vez que a prova relevante, no Direito Penal moderno, é a prova pericial, técnica, científica, e não a prova testemunhal e muito menos o testemunho pouco confiável de pessoas condenadas pela Justiça.

Ao premiar a delação, o Estado eleva ao grau de virtude a traição. Em pesquisa sócio-jurídica que realizamos, publicada em livro, constatei que, entre os presos, o companheirismo e a solidariedade granjeiam respeito, enquanto a delação é considerada uma conduta abjeta (Crime, Tratamento sem Prisão, Livraria do Advogado Editora, página 98).

Então, é de se perguntar: Pode o Estado ter menos ética do que os cidadãos que o Estado encarcera?  Pode o Estado barganhar vantagens para o preso em troca de atitudes que o degradam, que o violentam, e alcançam, de soslaio, a autoridade estatal?

A tudo isso faço apenas uma ressalva. Merece abrandamento da pena ou mesmo perdão judicial aquele que, tendo participado de um crime (seqüestro de uma pessoa, por exemplo), desiste de seu intento no iter criminis (trajeto do crime) e fornece às autoridades informações que permitam (no exemplo que estamos citando) a localização do seqüestrado e o conseqüente resgate da vida em perigo. Numa hipótese como essa, o arrependimento do criminoso tem a marca da nobreza e o Estado, premiando sua conduta, age eticamente.

 


Referência  Biográfica

João Baptista Herkenhoff  –  É Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo e escritor. E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Home-page: www.joaobaptista.com Autor, dentre outros livros, de “Ética, Educação e Cidadania” (Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre).

STJ anula processo em razão da não aplicação do procedimento previsto na Lei 10.409/2002

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* Renato Marcão –

Sumário: 1. Primeiras reflexões; 2. Primeiros acórdãos; 3. A recente decisão do STJ; 4. Considerações finais.

1. Primeiras reflexões

Desde que a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos) entrou em vigor passamos a defender a aplicabilidade do procedimento nela previsto, relativo a instrução criminal, conforme regulado no Capítulo V, art. 38 e seguintes.[1]

 Alguns doutrinadores se posicionaram em sentido contrário[2], e na mesma toada seguiu o entendimento firmado pela Egrégia 3ª Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, que elaborou a seguinte ementa para orientação quanto a seu posicionamento: “Para as infrações penais da Lei 6.368/76, continua em vigor o procedimento previsto no mesmo diploma legal, tendo em vista a inaplicabilidade do procedimento da Lei 10.409/2002, ressalvando-se que eventual reconhecimento de nulidade por adoção de rito indevido estará sujeito a comprovação de efetivo prejuízo, nos termos do art. 563 do CPP.”

Acrescente-se que no material produzido pela Egrégia 3ª Procuradoria anotou-se que a Lei 10.409/2002 entrou em vigor em 11 de janeiro de 2002, entendimento com o qual não concordamos, por concluirmos que a mesma entrou em vigor em 28 de fevereiro de 2002[3], conforme já expusemos em outras ocasiões.[4]

2. Primeiros acórdãos

Julgando o habeas corpus nº 206.389-4, de que foi Relator o Excelentíssimo Dr. Lauro Augusto Fabrício de Melo, em 05 de setembro de 2002 o Tribunal de Alçada do Paraná decidiu, por votação unânime, que: “A inobservância da regra prevista no art. 38, da Lei 10.409/2002, que alterou disposições da Lei 6.368/76, impõe seja declarado nulo ex radice o procedimento, por importar óbvia violação do direito constitucional à ampla defesa”, fundamentando e citando no V. Acórdão a doutrina de Renato de Oliveira Furtado[5] e a posição por nós defendida no sentido de que se a denúncia for recebida sem a observância do rito novo tal decisão deve ser atacada pela via do habeas corpus.

Aliás, no citado HC, foi concedida medida liminar parcial, que acabou confirmada no julgamento do mérito.

Comentando tal decisão, o notável Luiz Flávio Gomes consignou seu sempre respeitável posicionamento no sentido de seu acerto.

Argumentou o Jurista: “A decisão retro foi muito acertada. Toda lei vigente e válida deve ser observada estritamente. Não pode o juiz negar vigência a uma lei adequadamente aprovada pelo Parlamento e válida. Havia polêmica em torno da Lei 10.409/02 no que diz respeito à sua eficácia jurídica. Mas ocorre que ela entrou em vigor no dia 28.02.02 e tem compatibilidade vertical com a Constituição (é válida, portanto, como diz Ferrajoli)”.[6]

E complementou: “Discutia-se, entretanto, sua eficácia jurídica em virtude do que dispõe o seu art. 27 (“Nos crimes previstos nesta lei, será observado o procedimento…”). Pergunta-se: quais crimes, se todos os que estavam previstos na Lei 10.409/02 foram vetados pelo Presidente da República?. Apesar disso, como não existe a menor dúvida sobre a quais crimes refere-se o art. 27 da Lei 10.409/02 (é evidente, óbvio e ululante que esse dispositivo legal diz respeito aos crimes previstos na Lei 6.368/76), segundo nosso ponto de vista – já externado no nosso curso pela Internet sobre a nova lei de tóxicos: cf.www.ielf.com.br -, parece muito claro que o novo procedimento tem que ser observado em todos os seus termos, sob pena de nulidade total do processo (por inobservância do devido processo legal)”.

Em 10 de setembro de 2002 a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também concedeu habeas corpus[7] em processo por crime de tráfico que tramitava na comarca de Santa Isabel, anulando o processo a partir da citação e determinando sua renovação com a adoção do rito dos arts. 38 a 41 da Lei 10.409/2002, relaxando a prisão em flagrante por excesso de prazo no término da instrução.

Desde então, outras tantas decisões se seguiram, em vários Tribunais,[8] reconhecendo nulidade absoluta em razão da não aplicação do procedimento “novo”, contudo, sempre persistiu, e ainda persiste, certa resistência por parte de alguns aplicadores da lei quanto a inafastável necessidade de se aplicar o procedimento judicial previsto na Lei 10.409/2002.

3. A recente decisão do STJ

Julgando o RHC 15053-SP, de que foi relator o Min. Paulo Medina, no dia 11 de outubro de 2005, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso, concedendo habeas corpus a condenado por tráfico de entorpecentes, determinando a anulação do processo em razão de não ter sido aplicado o procedimento da Lei 10.409/2002.

Segundo o entendimento exposto, e que coincide com aquele que sempre defendemos, a omissão gera nulidade absoluta do processo em razão de manifesto cerceamento de defesa, notadamente em razão da supressão da possibilidade de resposta escrita prevista no art. 38 da Lei 10.409/2002.

É bem verdade que no julgamento em testilha o habeas corpus foi concedido em parte, tão-somente para anular o processo desde o início, determinando-se que o réu permaneça preso. Entretanto, uma melhor reflexão, talvez em outro habeas corpus, por certo identificará excesso de prazo na formação da culpa, não atribuível à defesa, e, por conseqüência, encontrará justificada a possibilidade de se aguardar o julgamento em liberdade.        

4. Considerações finais

O alerta que fizemos no passado recente, ignorado por alguns, agora evidencia o resultado que tentamos evitar. Bem por isso o reiteramos, agora, pedindo vênia para transcrevê-lo:  

“Se adotado o procedimento da Nova Lei, e não encontramos razão para não adotá-lo, eventual posicionamento da Superior Instância no sentido de sua inaplicabilidade não acarretará qualquer nulidade, visto tratar-se de procedimento mais benéfico, que amplia as chances de defesa, notadamente em razão da possibilidade de resposta escrita e dilação probatória antecedentes ao recebimento da inicial acusatória, para o efeito de apurar elementos para o acolhimento desta ou não.

Por outro lado, a não adoção do procedimento introduzido com a Lei 10.409/2002 sujeita o processo e a Justiça Criminal aos transtornos decorrentes do reconhecimento de nulidade por violação da ampla defesa e quebra do procedimento, podendo acarretar a soltura de traficantes que não merecem ganhar a liberdade.

Como se vê, ainda que se pense não ser aplicável o procedimento novo, a prudência recomenda a sua adoção em benefício da estabilidade das decisões do Poder Judiciário, e em prol da sociedade que já não suporta a convivência com os “Senhores do Tráfico”, e nem entenderá a soltura destes em razão de questiúnculas técnico-jurídicas.

Respeitado o Douto entendimento em sentido contrário ao que defendemos desde sempre, estamos convictos de que é melhor não correr o risco a que se tem exposto os processos envolvendo crimes relacionados com a Lei Antitóxicos”.[9] 

Mais não é preciso dizer.

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[1] Renato Marcão, Novas considerações sobre o procedimento e a instrução criminal na Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos), Revista Meio Jurídico, ano V, n.º 52, junho de 2002, pág. 18/28; “Plural”: Boletim Informativo do CEAF/Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, ano 6, n.º 34 – março-abril/2002, p. 13;RT 800/500; http://www.direitopenal.adv.br;  http://www1.jus.com.br; http://www.bpdir.adv.br; http://www.juridica.com.br; http://www.apoena.adv.br; http://www.suigeneris.pro.br; http://www.emporiodosaber.com.br;  http://www.mundojuridico.adv.br/penal.html; http://www.direitonet.com.br;  http://www.ibccrim.org.br; http://www.saraivajur.com.br.

[2] cf., p. ex.: Guilherme de Souza Nucci. Breves comentários às Leis 10.259/01 (Juizados Especiais Criminais Federais) e 10.409/01 (Tóxicos),  http://www.cpc.adv.br/doutrip.htm  

[3] Damásio E. de Jesus, em seu artigo intitulado: Nova Lei Antitóxicos (Lei 10.409/02) – Mais confusão Legislativa, disponível em: <www.damasio.com.br/novo/html/ frame_artigos.htm>, expôs entender que a Lei entrou em vigor em 27 de fevereiro de 2002. Do mesmo entendimento comunga Renato de Oliveira Furtado, conforme escreveu em seu artigo: Nova Lei de Tóxicos – anotações ao art. 38 e parágrafos, disponível em: http://www.ibccrim.org.br, 22.02.2002. Jorge Vicente Silva comunga do mesmo pensamento nosso, conforme anotou em sua obra: Tóxicos, 2ª ed., Curitiba: Juruá, 2002, p. 13.

[4] Renato Marcão. Anotações pontuais sobre a Lei 10.409/2002 (Nova Lei Antitóxicos) – Procedimento e Instrução criminal; RT 797/493; Renato Marcão. Legislação Antitóxicos – Novos problemas iminentes (Projeto de Lei 6.108/2002, que altera a Lei 10.409/2002), www.ibccrim.org.br, 03.05.2002; http://www.mp.sp.gov.br; .htm; www.direitopenal.adv.br; www1.jus.com.br; www.mundojuridico.adv.br; www.juridica.com.br; www.saraivajur.com.br; http://www.direitonet.com.br.

[5] Nova Lei de Tóxicos – anotações ao art. 38 e parágrafos, Revista Jurídica 295 – maio/2002, pág. 85.

[6] Nova Lei de Tóxicos (10.409/02): nulidade do processo por inobservância da defesa preliminar; http://www.iusnet.com.br/webs/ielf/temas/Novalei10409-02.cfm e http://www.direitopenal.adv.br, Revista n.º 28.

[7] Habeas corpus n.º 390.665.3/6, rel. Des. Hélio de Freitas.

[8] Nesse sentido: cf., Renato Marcão, Tóxicos – Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 anotadas e interpretadas, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005.

[9] Renato Marcão, Nova Lei de Tóxicos: Tribunais anulam processos em razão da não observância do procedimento novo, Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, nº 48, 2002, p. 303; Revista da AJURIS – Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, nº 89, ano XXX, março de 2003, p. 323 – ISSN 1679-1363.               

 


Referência  Biográfica

Renato Marcão  –  Mestre em Direito Penal, Político e Econômico. Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor de Direito Penal, Processo e Execução Penal. Presidente da AREJ – Academia Rio-pretense de Estudos Jurídicos. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP), do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP) e do Instituto de Estudos de Direito Penal e Processual Penal (IEDPP). Autor dos livros: Lei de Execução Penal Anotada (Saraiva); Tóxicos – Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 anotadas e interpretadas (Saraiva), e, Curso de Execução Penal (Saraiva).

Understanding Piracy in Brazil 1: ‘The Three Points of Combat’

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* Mauricio Cozer Dias

The intellectual property legislation in Brazil, like in many other developing countries, is good, but its enforcement is weak.

All context of piracy in Brazil is more linked with the consumption of culture or technology than with the intellectual property production. As an example we can see the consumption of CD’s and DVD’s  of foreign musics and American movies.

New copyright criminal law was changed recently, with the nº 10.695/2003 federal act which changed the article 184 of the Penal Code and the articles of the Penal Procedure Code. These legal changes gave more power to the police authorities and district attorneys to prosecute the defendants of piracy increasing penalties.

For an efficient combat it is necessary to attack three main points: production; commerce and consumption, what doesn’t happen now.

Official and Collective Management Entities enforcement have been focused on only two points of piracy: production and commerce. But they did not strike the customers who buy and use these products.

They also commit another criminal conduct called ‘receiving stolen goods’, typed on the article 180 of the Brazilian Penal Code, as fence.

As long as the customer fence are not going to be prosecuted, it is an open and profitable market to be explored by the industry of piracy which will take chances against the legal system.

It is very important to strike piracy in Brazil to combat these three points: production, commerce and consumption.

Doing that way Brazilian’s authorities may have much better results against piracy, showing our compromise, with the intellectual property rules and a trustworth enforcement system. 
 

Understanding Piracy in Brazil 2: ‘Trade Marks and Patents’ Piracy’

Trade Marks and Patents’ piracy in Brazil is ruled by the nº 9.279/1996 federal act, which is also called industrial property law, with the Penal Code and the Procedure Penal Code.

The main problem of the piracy’s combat in this area is linked with type of criminal action, the private criminal action. This kind of criminal action depends very much on the plaintiffs or their collective management entities, which start the policy procedures and the criminal process.

The district attorneys do not play a significant role in this type of criminal action. Furthermore the penalties are very weak, from one month to one year of detention penalty in a half-open system.

These lengths of penalties are consider “small causes” by another procedure Brazilian law, the nº 9.099/1995 federal act, also called ‘special judgeship law”, which gave a different treatment to defendants. But the intellectual property is not a little cause or a little problem, turning easier of production, commerce and consumption of counterfeiting products.

It is necessary a complete review concerning the length of penalties also increasing them like the copyright penalties (1 to 3 years) of confinement system or closed system. And a legal change of the criminal action type, turn to a public criminal action, which will give more power to the district attorneys and a better official enforcement.

Doing that legal changes, following the copyright penalties and the public criminal action, the government will standardize the intellectual property criminal legislation in Brazil.

Another important point to improve official law enforcement is to create an intellectual property special court by specifying the apllication of the law as ruled in the 241 article of the industrial property law. This point was not observer until today which may help in the judicial law enforcement.

The standardization of the criminal intellectual property legislation with the creation of the special courts will certainly improve the official enforcement and reduce piracy to normal levels.


 

Referência  Biográfica

Maurício Cozer Dias  –  Msc in  Intellectual Property and Enterprise Law. Attorney at law in the copyright and related rights since 1998. Winner of the National Contest in Copyright from the Brazilian Ministry of Culture

A situação previdenciária do diretor de empresa

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*Adilson Sanchez  –

1.      Introdução 

2.      Da Contribuição Previdenciária 

3.      Da Aposentadoria 

4.      Conclusão  

 

1. INTRODUÇÃO

A transformação da sociedade veio a passos largos. Pouco tempo atrás, as pessoas não tinham a menor preocupação de preparar o seu futuro. Sem planejamento, sem frutos. 

Hoje, não raro, encontramos muitas pessoas que se deparam com situação calamitosa, próxima de total abandono, diante da ausência de um plano de vida. 

Esse isolamento, lamentavelmente, não se resume ao convívio familiar, destruído por novas convicções religiosas e por um individualismo crescente na sociedade. Também está presente na precária tutela prevista no nosso ordenamento jurídico, haja vista que a Previdência Social, responsável pelo amparo social e econômico, não tem cumprido o seu papel. Nem mesmo a Assistência Social possui essa capacidade para livrar milhões de pessoas da indigência, sejam quais forem os motivos. 

É sabido pela geração mais recente que, em razão da evolução da medicina, agraciada com avanços tecnológicos magníficos, o planejamento econômico e social é fundamental para quem deverá alcançar idade avançada, ao par da existência, na atualidade, de uma vida onerada pelo impulso de um consumismo exacerbado, que nem sempre virá acompanhado de plena capacidade de trabalho para a própria subsistência. 

Muito bem, essa preocupação não se limita a classes menos prestigiadas no mercado de trabalho. Alcançou também os diretores de empresas, capitalistas ou de carreira, haja vista que não se pode desprezar anos de contribuição previdenciária sem a devida contrapartida. 

Agrega-se muito valor presentemente para a situação acima, seja diante da necessidade de manter um determinado padrão de vida, bem como porque o executivo profissionalizou-se. Mesmo em grandes corporações notamos a figura do Diretor Executivo muito próxima da do empregado, senão exatamente essa. 

E no momento em que a idade avançada aos olhos do mercado de trabalho já não permite manter a mesma situação de vida do tempo de intensa atividade econômica, descobre-se que o Estado tem pouco a oferecer, seja assistencialmente ou no regime previdenciário. Além disso, o ímpeto de arrecadação estatal e a contra partida oferecida se tornam cada dia mais distante, obrigando o cidadão a exerce grande esforço para manutenção do seu bem estar.

Nesse momento a possibilidade de se obter um benefício previdenciário passa a ter suma importância, nem que seja para custear despesas básicas, como somente admite-se diante do reduzido valor do benefício (mesmo pago no seu valor máximo). 

E qual será a frustração de quem contribuiu por décadas ao descobrir alguma impropriedade na concessão de seu benefício. Isso sem mencionar os casuísmos nas constantes reformas das reformas das reformas previdenciárias, seja qual for a orientação política na condução da Seguridade Social no país. 

Urge, desde então, auditar o tempo de contribuição e os valores recolhidos, antecipando-se a qualquer desconforto futuro ao ver um benefício diminuído sensivelmente por uma glosa qualquer do Instituto Previdenciário ou simplesmente no indeferimento do benefício pretendido e desenhado por muitos anos. Da euforia por imaginar uma boa aposentação à depressão de uma situação de necessidade não cogitada.

O que se dirá da demora do judiciário para resolver os conflitos ? 

Portanto, é fundamental prevenir, antecipando-se a uma situação de desconforto que está presente a qualquer segmento da sociedade. Assim, impõe-se conhecer o que a Previdência Social reserva para o futuro, de modo a traçar alternativas para as necessidades que virão, diante da reduzida capacidade de trabalho em decorrência da idade avançada e de um mercado de trabalho ingrato para quem encontra-se nessa situação. 

2. DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA 

A contribuição previdenciária do Diretor de empresas depende de sua situação trabalhista. Poderá o executivo ser capitalista ou mesmo empregado. Conforme for, terá tratamento diferenciado pela legislação previdenciária. 

O diretor-empregado não está definido ou institucionalizado em lei. Daí a dificuldade crescente das empresas no tratamento a ele dispensado. Nem mesmo a doutrina ou jurisprudência são uniformes na sua caracterização. 

Surgem, inicialmente, três correntes: a que considera o diretor-empregado pessoa detentora dos dois “status” na empresa (diretor com registro de emprego), com plena vigência e concomitantemente, sem participação acionária mas com essa condição; aquela que interpreta ocorrer a passagem do empregado à condição de diretor mas que mantém o vínculo de emprego, suspenso ou interrompido, como analisaremos adiante; por último, a que considera incompatível a figura do diretor e, ao mesmo tempo, a de empregado. 

Nas denominadas sociedades limitadas, mostra-se incompatível a figura do diretor com a de empregado, posto que será capitalista e, diante disso, não poderá estar subordinado a si próprio, exceto em caso de pequeno capital ou mesmo de fraude para afastar o vínculo de emprego e os encargos sociais decorrentes.

Nas empresas conhecidas por sociedades anônimas, surgem situações que devem ser estudadas separadamente. A primeira é a eleição pela assembléia de acionistas a cargo diretivo (entendido como gestão ou deliberação), pela qualificação técnica do empregado. Outra situação é a eleição em conseqüência do capital obtido. 

Evidentemente, se o empregado passa a condição de diretor em caráter transitório, acionista ou não, apenas pela sua desenvoltura técnica, deve ser mantida a relação empregatícia inalterada, gozando de todos os direitos inerentes ao empregado, embora a contraprestação seja a título de honorários ou “pro-labore”. 

Se a eleição a cargo diretivo privilegiou o capital que por ventura o empregado possua, entendemos ser correta a suspensão do contrato de emprego caso o cargo por desempenhar seja de caráter transitório, não fazendo jus a nenhum direito trabalhista enquanto perdurar a situação. No entanto, se o cargo a desempenhar na sociedade não for transitório, ou em virtude de o capital lhe permitir direito de controle, entendemos necessária a extinção da relação de emprego pela incompatibilidade de ambas as espécies – empregado e empregador. 

Essa matéria encontra-se uniformizada na jurisprudência (Súmula do TST nº 269), senão vejamos: 

O empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço deste período, salvo se permanecer a subordinação inerente à relação de emprego. 

Curioso notar que a dificuldade acerca da caracterização do diretor empregado ou estatutário também está na própria lei que define em termos genéricos, como segue (art. 9º, § 2º e 3º, respectivamente, do Regulamento de Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/99): 

Considera-se diretor empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja contratado ou promovido para o cargo de direção das sociedades anônimas, mantendo as características inerentes à relação de emprego. 

Considera-se diretor não empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja eleito, por assembléia geral dos acionistas, para o cargo de direção das sociedades anônimas, não mantendo as características inerentes à relação de emprego. Grifou-se. 

Em outras palavras, dependerá da existência fática da relação jurídica de emprego, que se impõe à relação societária formalizada. 

São empregados aqueles que prestam serviços com subordinação, mediante remuneração e permanentemente. O traço característico do empregado é a subordinação a que fica sujeito, sendo por dependência jurídica ou hierárquica. 

Os requisitos legais para a caracterização do vínculo empregatício estão previstos no artigo 3º da CLT, sendo a prestação de serviços por pessoa natural, de forma não eventual, mediante dependência e contraprestação. 

Portanto, é a subordinação fator primordial para concluir se há ou não relação de emprego em determinado caso, que se traduz na sujeição a ordens, medidas disciplinares, regulamentos internos, cumprimento de horário de trabalho, ausência de autonomia para o desempenho da função, entre outras situações. 

Assim, verificamos as variadas possibilidades de tratamento a ser dispensado aos empregados que venham a exercer cargos de gestão ou direção. 

Duas possibilidades são as mais comuns, quais sejam: aquela em que o empregado passa a condição de diretor, sem participação acionária e aquela em que possui essa participação. Nessa última hipótese, sendo a participação minoritária e não permitindo poder de mando, de modo a manter a subordinação característica do contrato de emprego, permanecerá o vínculo empregatício, independentemente do tratamento dispensado. 

Sendo empregado, ou seja, havendo registro em carteira de trabalho, as contribuições previdenciárias são presumidas (art. 216, § 5º do RPS) e o diretor, nessa condição, contribui tendo por base de incidência o valor do seu salário. 

Contudo, não havendo vínculo de emprego, a contribuição do diretor somente é presumida desde a edição da Lei nº 10.666 (08.05.03), devendo ser comprovado o recolhimento das contribuições devidas, anteriores a abril de 2003, sob pena de ver indeferido o requerimento da aposentadoria, ainda que não seja razoável ao Instituto Previdenciário indeferir, haja vista a condição de segurado obrigatório do empresário desde a vigência da Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS e eventual prescrição incorrida. 

Os contribuintes individuais contribuíam à Previdência Social até o advento da Lei nº 9.876/99 por meio de escala de salário base e de acordo com uma progressão do salário-base conforme o tempo de contribuição. Posteriormente, as escalas foram gradativamente extintas, até sua completa extinção no mês de competência abril/03, por força do artigo 9º da lei anteriormente mencionada.

Para os filiados (nunca tendo exercido atividade antes) no regime previdenciário após 28.11.99, a contribuição ao INSS já deveria ser recolhida de acordo com a remuneração efetiva, ou seja, tendo por base o valor da retirada “pro labore”. 

Assim, desde a competência abril/03 foi unificado o sistema de contribuição. O diretor não empregado, na condição de contribuinte individual, passou a recolher INSS sobre a remuneração efetivamente percebida, respeitados os limites mínimo e máximo de contribuição.

Equivale dizer que o diretor que recolhia sobre um salário mínimo até então por respeito a escala de salário-base, apenas como exemplo, mesmo tendo uma remuneração superior, passou a recolher, a partir da competência abril/03, obrigatoriamente, sobre o valor da retirada – limitada ao teto de contribuição. 

Diferentemente do sistema anterior, em que a contribuição individual era calculada e recolhida pelo próprio contribuinte, desde a competência abril/03 é da empresa a obrigação de reter e recolher o INSS, mediante o desconto na remuneração a ele devida efetuando a retenção na fonte de 11% da contribuição previdenciária. 

Quando do requerimento de seu benefício de aposentadoria, o diretor deverá reunir para apresentação ao INSS os antigos carnês de contribuição, além da documentação que comprove a sua situação de contribuinte individual, como o contrato social da empresa em que figurou como diretor. 

 

3. DA APOSENTADORIA

A aposentadoria por tempo de contribuição será devida, cumprida a carência devida, ao diretor que completar 30 anos de contribuição, se do sexo feminino e 35 anos, se do sexo masculino. 

Haverá uma carência será de 180 contribuições mensais, permitindo-se uma redução por força do artigo 182 do RPS. 

Há uma regra de transição para os segurados filiados anteriormente a 16 de dezembro de 1998, permitindo a possibilidade de se aposentar por tempo proporcional, como vemos abaixo: 

Contar com 53 anos de idade se homem e 48 se mulher;

Contar com tempo de contribuição de pelo menos 30 anos se homem e 25 se mulher;

Adicionar 40% ao tempo de contribuição (conhecido por “pedágio”), daquele faltante na data de 16.12.98.

Portanto, esses são os requisitos legais para a aposentadoria por tempo de contribuição, considerando a filiação anterior a data da vigência da Emenda Constitucional nº 20/98. 

Concluindo, há necessidade de verificar os fatores que levam ao direito à aposentadoria, conforme visto. Primeiramente, deve-se somar o tempo de contribuição total. 

Esse levantamento poderá ser efetuado pelo próprio diretor por meio dos carnês de recolhimento. Mas, se sentir dificuldade, poderá procurar um dos postos de atendimento da Previdência Social e obter seu cadastro – CNIS, o que poderá ser efetuado também no pela internet. 

Releva saber que atualmente o cálculo do benefício de aposentadoria levará em consideração todas as contribuições previdenciárias recolhidas pelo diretor, por todo período de contribuição, aproveitando-se 80% das maiores contribuições. 

Aos que já estavam filiados à Previdência Social na data de 28.11.99 (Lei nº 9.876/99), o benefício será calculado de acordo com uma média de 80% dos maiores salários-de-contribuição, desde a competência julho de 1994. 

4. CONCLUSÃO 

Não há dúvida da importância de um “planejamento previdenciário”, de forma a afastar os dissabores da inatividade desacompanhada de uma mínima garantia de conforto social e econômico. 

Esse fato torna imprescindível verificar a situação pessoal de cada contribuinte, em especial a do diretor cujas contribuições nem sempre foram presumidas e sofreram constantes alterações no critério de recolhimento, de modo a evitar indeferimento do benefício após décadas de contribuição à Previdência Social. 

Não menos importante é estimar o valor do benefício e a melhor data para seu requerimento, tornando valiosas as informações a respeito do tempo de contribuição e da forma do recolhimento efetuado, bem como dos valores contribuídos, para propiciar a melhor decisão por se aposentar tão logo alcance o tempo de contribuição necessário ou aguardar para obter um benefício mais condigno.  

 


Referência  Biográfica

Adilson Sanchez:  Advogado especializado em Direito Previdenciário. Professor da UNI-FMU. Co-autor do Livro “O Diretor Executivo no Direito Brasileiro” (Forense Universitária), entre outras obras.

Lavagem de dinheiro: uma nova esperança?

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*Lélio Braga Calhau  –

A lavagem de dinheiro é combatida no Brasil pela Lei Federal 9.613/98. Referida lei dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nessa lei; entre outras coisas. Ainda uma ilustre desconhecida por um grande número de policiais, promotores e juízes, os motivos dessa situação são evidentes.  

A Lei Federal 9.613/98 exige que a ocultação ou a dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, sejam provenientes exclusivamente dos seguintes crimes: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de terrorismo e seu financiamento; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa ou praticado por particular contra a administração pública estrangeira. É a figura do “crime antecedente”. 

Se, num caso concreto, não houver origem desses crimes específicos, não há o crime de lavagem de dinheiro, por mais absurda que seja a situação, em respeito ao princípio da legalidade penal. Daí que algumas defesas processuais são perpetradas no sentido de se desqualificar a origem do dinheiro dos crimes que estejam relacionados na lista acima. Algumas pessoas criticam essa figura do “crime antecedente”, pois ela acaba dificultando a aplicação da lei penal contra grandes criminosos. 

O governo federal comunicou recentemente que enviará um projeto de lei federal acabando com essa figura do crime antecedente. Fato é, que tudo poderia ser simplificado com apenas uma emenda á lei atual. Uma lei que incluísse o crime de sonegação fiscal no rol dos “crimes antecedentes” mudaria totalmente a perspectiva da punição deste crime.  

Assim, não haveria banalização do crime, pois, uma briga de casal, poderia, em tese, autorizar uma investigação por lavagem de dinheiro, o que se demonstra totalmente desproporcional. Por outro lado, o crime de sonegação fiscal sempre andou de mãos dadas com a lavagem de dinheiro. As provas são bens similares e o processo seria simplificado. É uma medida simples e que daria resultado rápido. Falta apenas vontade política para que isso seja feito. 


Referência  Biográfica

Lélio Braga Calhau  –  Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce.