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Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados

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* Renato  Marcão  –

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Sobre a liberdade provisória;  2.1. A liberdade provisória na Nova Lei de Tóxicos (Lei n. 11.343/2006); 2.1.2. A liberdade provisória no Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003). 3. Regime integral fechado; 4. Progressão de regime prisional; 4.1. Com relação aos crimes de tortura; 4.2. Com relação aos demais crimes hediondos; 5. Conclusão.

 

1. Introdução.

 Entrou em vigor no dia 29 de março de 2007, data de sua publicação, a Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007, que dá nova redação ao art. 2o da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal.

Com as modificações impostas, o art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, deixa de proibir expressamente a concessão de liberdade provisória em se tratando da prática de crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo (inc. II); acaba definitivamente com o regime integral fechado (art. 2º, §1º), e estabelece novos prazos para progressão de regime em se tratando dos crimes a que se refere (§ 2º).

2. Sobre a liberdade provisória

O art. 2º, II, da Lei n. 8.072/90, vedava expressamente a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, em se tratando da prática de crime hediondo ou assemelhado. Doutrina e jurisprudência sempre foram divergentes a respeito da validade da referida regra. De um lado, havia entendimento no sentido de que a proibição estava expressa e por isso não se deveria conceder liberdade provisória, sendo dispensável a análise de outros requisitos, bastando, portanto, o enquadramento na Lei nº 8.072/90 para ficar obstado o benefício. Para outros, dentre os quais nos incluímos, se ausentes os requisitos que autorizavam a decretação da prisão preventiva, era cabível a liberdade provisória, independentemente da gravidade do crime.

No sentido do descabimento da liberdade provisória, antes da mudança agora introduzida, confira-se:

“Diante do disposto no art. 2º, II, da Lei n. 8.072/90, ao réu preso em flagrante e denunciado pela prática de tráfico de entorpecentes, crime considerado hediondo, inadmite-se a concessão de liberdade provisória” (STF, RE 240.782-3-MA, 2ª T., j. 25-9-2001, rel. Min. Néri da Silveira, DJU de 26-10-2001, v.u., RT 797/532).

No mesmo sentido: STJ, HC 5.347-RJ (96.0078628-3), 5ª T., j. 4-3-1997, rel. Min. José Arnaldo, DJ de 14-4-1997, JSTJ 97/330; STJ, HC 470-AM, 6ª T., j. 6-11-1990, rel. Min. Willian Patterson, v.u., DJU de 26-11-1990, RT 671/373.

Em sentido contrário, também se decidiu que o simples fato de estar listado na Lei dos Crimes Hediondos não era causa impeditiva da liberdade provisória, cumprindo ao magistrado a análise de cada caso concreto (STJ, HC 12.714-SP, 5ª T., j. 15-6-2000, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 21-8-2000, RT 784/573).

Reiteradas vezes os Tribunais decidiram no sentido de que a gravidade do fato e a presumível periculosidade do agente não eram elidentes do princípio da presunção de inocência, e, inexistindo os requisitos autorizadores da custódia preventiva, deveria ser concedida a liberdade provisória (TJSP, HC 157.378-3, 3ª Câm. Crim., j. 27-12-1993, rel. Des. Luiz Pantaleão, JTJ 155/320).

No mesmo sentido: TJBA, HC 12.935-8/2003, 1ª Câm., j. 17-2-2004, rel. Des. Antônio Lima Farias, RT 829/613; TJRS, RSE 7000.88.22.298, 2ª Câm. Crim., j. 2-12-2004, rel. Des. José Antônio Cidade Pitrez, Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n. 3, p. 138.A discussão agora perdeu o sentido.

A liberdade provisória não está mais proibida expressamente, e seu cabimento deverá ser analisado em cada caso concreto.

2.1. A liberdade provisória na Nova Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/2006).

A Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, Nova Lei de Tóxicos, entrou em vigor no dia 8 de outubro de 2006, e seu art. 44, caput, veda expressamente a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, em se tratando da prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37.

A nova disciplina imposta pela Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007, derrogou o art. 44 da Nova Lei de Tóxicos e, portanto, não subsiste a regra proibitiva do benefício em questão.

Note-se que a Lei nº 11.343/2007 é posterior à Nova Lei de Tóxicos e a redação do art. 2º, caput, da Lei nº 8.072/90, foi mantida, estando preservada sua aplicação aos crimes hediondos, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo.

É indiscutível o cabimento, em tese, de liberdade provisória, sem fiança, em se tratando de crime de tráfico de drogas e delitos equiparados, previstos na Nova Lei de Tóxicos. A opção legislativa neste sentido restou clara.

2.1.2. A liberdade provisória no Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003)

A Lei nº 11.464/2007 deu nova redação ao art. 2º da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), e retirou a vedação antes expressa no inc. II do art. 2º, que proibia a concessão de liberdade provisória a réu processado pela prática de crime hediondo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo.

Agora, como já argumentamos, mesmo em se tratando da prática de crime hediondo ou assemelhado, não subsiste qualquer vedação expressa à liberdade provisória, cuja viabilidade deverá ser analisada em cada caso concreto.

Muito embora a mudança introduzida pelo art. 1º da Lei nº 11.464/2007 se refira expressamente ao art. 2º da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), sem qualquer alusão ao art. 21 da Lei nº 10.826/2003, a revogação deste dispositivo é irrecusável, não obstante o princípio da especialidade.

Seguindo a melhor doutrina e abalizada orientação jurisprudencial, ficou clara a opção do legislador no sentido de não mais estabelecer vedação antecipada e genérica de liberdade provisória, tanto que assim o fez em relação aos crimes mais graves, como é o caso dos crimes hediondos e assemelhados.

Se mesmo em relação aos crimes mais graves a liberdade provisória deve ser analisada caso a caso, contraria o bom senso imaginar que em relação aos crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 do Estatuto do Desarmamento persiste a vedação genérica, cuja constitucionalidade vem sendo questionada desde o início da vigência da Lei nº 10.826/2003.

Não são poucas as decisões baseadas no entendimento que segue apontado na ementa que abaixo transcrevemos:

“É inconstitucional o art. 21 da Lei n. 10.826/03, uma vez que inexiste, fora do âmbito da constituição federal, hipótese restritiva da supressão pura e simples do instituto da liberdade provisória, o princípio do devido processo legal prevê que somente poderá subsistir a prisão processual provisória, por flagrante ou preventiva se verificados os pressupostos legais para tanto, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal: se ausentes, a concessão do benefício é de rigor, nos termos do artigo 310, parágrafo único, deste diploma” (TJSP, HC 511584/0, 7ª CCrim, rel. Des. Cláudio Caldeira, j. 31-3-2005, v.u.).

No mesmo sentido: STJ, HC 61631/RJ, 5ª T., j. 28-11-2006, rel. Mina. Laurita Vaz, DJ de 18.12.2006 p. 435; TJSP, HC 474.333.3/3-00, 1a CCrim,  rel. Des. Péricles Piza, j. 7-3-2005, RT 836/537; TJMG, HC 1.0000.06.434731-3/000, 2ª CCrim, rel. Des. Reynaldo Ximenes Carneiro, j. 16-3-2006.

O art. 21 da Lei nº 10.826/2003 restou inaplicável.

É a voluntas legis, embora não expressa.

3. Regime integral fechado

Desde o advento da Lei dos Crimes Hediondos se estabeleceu aguda discussão sobre a (in)constitucionalidade do regime integral fechado, por ela imposto para o cumprimento de pena decorrente de condenação advinda da prática dos crimes a que ela se refere.

Foram vários e fortes os argumentos a favor e também contra a constitucionalidade do regime mais severo, e no dia 23 de fevereiro de 2006, invertendo orientação passada, por maioria de votos (6 contra 5), julgando o Habeas Corpus n. 82.959-SP, de que foi relator o Min. Marco Aurélio, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do regime integral fechado previsto no § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90.

Depois desta decisão surgiram novas discussões, agora a respeito de seu alcance e efeito, pois alguns passaram a defender que a mesma não tem efeito erga omnes, pois foi proferida diante de caso concreto, e não ocorreu a suspensão de sua execução pelo Senado Federal (art. 52, X, da CF), ficando seus efeitos restritos ao caso concreto, inter pars.

Para outros, os efeitos do julgado eram (são) extensivos aos demais casos em andamento (erga omnes), não se restringindo àquele caso concreto.

A Lei nº 11.464/2007, nesse particular, resolve definitivamente a discussão e enterra o regime integral fechado.

Tratando-se, nesse ponto, de lei penal mais benéfica, aplica-se também aos casos passados, em relação aos quais não se pode mais negar progressão de regime prisional, por força do disposto no inciso XL, do art. 5º, da Constituição Federal, e do parágrafo único do art. 2º do Código Penal.

4. Progressão de regime prisional

A Lei nº 11.464/2007 também estabeleceu novos prazos para progressão de regime (§2º) em se tratando dos crimes a que se refere o art. 2º, caput, da Lei nº 8.072/90.

A progressão de regime, no caso de condenado em razão da prática de crime hediondo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Não há qualquer referência à reincidência específica.

Após a decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a inconstitucionalidade do regime integral fechado era imprescindível dar nova regulamentação normativa à matéria, visto que estava ocorrendo desigualdade de tratamento quando da concessão de progressão de regime prisional, na exata medida em que o prazo de cumprimento de pena, requisito objetivo, era o mesmo em se tratando da prática de crime comum ou hediondo e assemelhado. Sempre 1/6 (um sexto), por força do art. 112 da LEP.

Tanto isso era exato que um dos Ministros do Supremo Tribunal Federal chegou a consignar em seu voto, quando daquela decisão, que do resultado do julgamento passaria a decorrer tratamento desigual quando da concessão de progressão de regime, pois crimes e criminosos desiguais passariam a receber tratamento idêntico quanto ao requisito temporal.

Algumas observações, entretanto, precisam ser feitas a respeito da nova realidade normativa em termos de progressão de regime, pois não é acertado dizer que o novo regramento é mais benéfico e retroage para alcançar todos os fatos passados.

4.1. Com relação aos crimes de tortura

O § 1º do art. 7º da Lei n. 9.455/97 previa apenas o cumprimento da pena no regime inicial fechado (O condenado por crime previsto nesta lei, salvo hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado), e não se aplicava, portanto, para tais casos, o regime integralmente fechado.

Era cabível, de conseqüência, e indiscutivelmente, progressão de regime prisional, bastando para tanto a satisfação do requisito subjetivo e o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena privativa de liberdade.

Em relação aos crimes de tortura, por força da redação contida no caput do art. 2º da Lei dos Crimes Hediondos, que a eles se refere expressamente e não teve sua redação modificada, a mudança impõe situação mais gravosa, e por isso o novo regramento só se aplica aos casos ocorridos após a vigência da Lei nº 11.464/2007; não retroage.

Com a Lei nº 11.464/2007 a Súmula 698 do Supremo Tribunal Federal, que não permitia que a progressão de regime prisional admitida para os crimes de tortura se estendesse para os demais crimes hediondos, perdeu sua eficácia.

4.2. Com relação aos demais crimes hediondos

Três hipóteses, ao menos, passam a ser identificadas.

  hipótese: retroatividade.

Diz respeito àqueles que entendiam que o regime integral fechado era constitucional, mesmo depois da decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Conforme anotamos acima, para alguns o regime integral fechado era constitucional e sempre deveria ser aplicado em caso de condenação decorrente da prática de crime hediondo ou assemelhado, mesmo depois da decisão proferida pelo Plenário da Suprema Corte no julgamento do Habeas Corpus n. 82.959-SP, em 23 de fevereiro de 2006.

Para aqueles convencidos de tal posicionamento o novo regramento que decorre da Lei 11.464/2007 é mais benéfico, pois ao contrário do que antes ocorria, quando o executado deveria cumprir 2/3 (dois terços) da pena para obter livramento condicional, agora será possível progressão de regime após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.

Sendo mais benéfico o regramento novo, sustentarão, deverá retroagir para alcançar todos os casos passados.

Diante de tal realidade, muitos serão os casos em que ainda se sustentará que o regime integralmente fechado era constitucional; que a decisão do Supremo Tribunal Federal não teve efeito erga omnes, e que os novos percentuais de cumprimento de pena, como requisitos objetivos para progressão de regime, se aplicam a todos os casos passados (e é claro, também para o futuro, o que, no particular, não se discute).

  hipótese: irretroatividade.

Diz respeito àqueles que entendiam que o regime integral fechado era inconstitucional, e desde o advento da Lei dos Crimes Hediondos sempre se levantaram vozes abalizadas sustentando a inconstitucionalidade do regime integral fechado.

Evidente que estes mesmos doutos passarão a sustentar, inclusive por coerência de raciocínio, que se antes do regramento novo o correto era conceder progressão de regime após o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena, os parâmetros agora estabelecidos como requisitos objetivos pela Lei nº 11.464/2007 são mais gravosos ao apenado e, portanto, inaplicáveis aos fatos passados.

Vale dizer: os novos prazos não se aplicam em relação às penas decorrentes de crimes praticados antes da vigência da Lei nº 11.464/2007, por força do disposto no inc. XL, do art. 5º, da Constituição Federal, e do parágrafo único do art. 2º do Código Penal.

3ª hipótese: retroatividade, com limites.

Há quem entenda, como nós (v. Renato Marcão, Curso de Execução Penal, 4ª ed., Saraiva, 2007, p. 130; Lei de Execução Penal anotada e interpretada, 2ª ed., Lumen Juris, p. 300), que o regime integral fechado era constitucional, e que após a decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus n. 82.959-SP, em 23 de fevereiro de 2006, deixou de ser, em relação a todos os casos, reconhecendo efeito erga omnes àquela decisão.

Para estes, as novas regras relativas aos prazos de cumprimento de pena para progressão de regime só retroagem para alcançar os crimes cometidos antes de 23 de fevereiro de 2006.

É que, segundo tal entendimento, antes de 23 de fevereiro de 2006 não era permitida a progressão de regime, que passou a ser após tal data, sendo necessária, diante do caso concreto, a presença do requisito objetivo, limitado ao cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena (além do requisito subjetivo).

Se antes de 23 de fevereiro de 2006 não se admitia progressão, sendo possível, agora, aqui a lei é mais benéfica e, portanto, deve retroagir para alcançar os fatos praticados antes de tal data.

Se, conforme tal entendimento, após 23 de fevereiro de 2006 passou a ser permitida a progressão, sendo necessário o requisito objetivo correspondente ao cumprimento de apenas 1/6 (um sexto) da pena (além do requisito subjetivo), para os crimes cometidos entre a data acima apontada e o início da vigência da Lei Nova, o requisito objetivo para progressão continuará sendo 1/6 (um sexto), pois o regramento novo, sendo mais severo, não poderá retroagir para alcançar os crimes cometidos após 23 de fevereiro de 2006 (até o início da vigência da Nova Lei).

Em outras palavras:

a). em relação aos crimes cometidos antes de 23 de fevereiro de 2006, a Lei nº 11.464/2007 retroage para regular os novos prazos de progressão de regime;

b). para os crimes cometidos entre 23 de fevereiro de 2006 e 28 de março de 2007 ela não retroage, aplicando-se a fração percentual de 1/6 (um sexto) do cumprimento da pena, como requisito objetivo.

É a posição que adotamos.

5. Conclusão

Como se vê, algumas discussões ainda surgirão.

As modificações já eram esperadas e, na verdade, estão vindo tardiamente.

Antes tarde que nunca!

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Renato Marcão: Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal, Político e Econômico. Professor no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito Damásio E. de Jesus; no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da UNAMA/UVB/Rede Luiz Flávio Gomes; no curso de pós-graduação da Escola Superior de Advocacia – ESA (OAB-SP), e no curso de pós-graduação do Instituto Busato de Ensino. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Lei de Execução Penal Anotada e Interpretada (Lumen Juris); Tóxicos (Saraiva), e Curso de Execução Penal (Saraiva). Co-autor dos livros: Notáveis do Direito Penal (Consulex) e Comentários à Lei de Imprensa (RT).

 

 


 

Profissão de Fé

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OPINIÃO   *João Baptista Herkenhoff  

Na minha infância fiz certa vez o que se chamava, naquela época, de “Confissão geral”, que era uma revisão de vida pelo lado negativo. Cheguei à conclusão de que tinha transgredido todos os Mandamentos da Lei de Deus, os da Igreja e, além disso, tinha incorrido em todos os pecados capitais.

Mantenho, na idade adulta, a Fé recebida na infância. Na medula, o legado religioso, que meus Pais me transmitiram, perdura. No complementar, fiz uma completa revisão de Fé.

Para essa revisão foi fundamental o encontro com a Teologia da Libertação, com as Comunidades Eclesiais de Base e com as grandes vozes do Ecumenismo. Decisivo foi também o tempo que vivi na França, estudando as raízes universais dos Direitos Humanos, quando convivi com cristãos, judeus e muçulmanos.

No âmbito das influências pessoais destaco dois bispos e um padre: Dom João Baptista da Mota e Albuquerque, Dom Luiz Gonzaga Fernandes e Padre Waldyr Ferreira de Almeida.

No campo das experiências religiosas, através da comunhão com irmãos, o que mais me marcou foi a participação na Comissão “Justiça e Paz” da Arquidiocese de Vitória.

Na Comissão “Justiça e Paz” pude entender, no plano prático, a relação entre Fé e Ação. A Fé exige posicionamentos, convoca a consciência para enfrentamentos penosos, mesmo que o preço das opções seja muito alto em termos de sacrifícios pessoais.

Sem prejuízo da reverência àquele Credo que aprendi de meus pais, seria possível agregar a ele um conjunto de afirmações de crença do adulto em que me tornei.

Creio na dignidade de todos os seres humanos sem qualquer exceção, centelhas que são da luz divina. Creio na absoluta necessidade de tolerância política e religiosa para que a vida em sociedade seja possível. Creio que não é preciso afirmar que se crê para que a Fé exista porque a Fé não é uma proclamação verbal, tem Fé o que se dedica ao próximo supondo que é ateu, não tem Fé o que bate com a mão no peito mas fecha os olhos para os dramas humanos. Creio que a Fé exige nosso esforço para construir uma sociedade na qual vicejem condições adequadas de vida para todas as pessoas. Creio na paz e no respeito entre as nações. Creio no Direito como veículo de convivência entre os diferentes. Creio que nenhuma religião tem o monopólio da verdade pois Deus sopra a verdade onde quer soprar. Creio que ressurgiremos das cinzas para usufruir da herança prometida aos que constróem pontes de solidariedade, aos que buscam a valorização das pessoas, aos que se opõem aos preconceitos e discriminações, aos que perdoam, aos que se compadecem, aos que amam.


 REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

João Baptista Herkenhoff:  Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo. Como Professor itinerante, tem visitado cidades, universidades e instituições culturais de todo o país, onde ministra seminários e também profere conferências ou participa de debates. É Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutoramentos na Universidade de Wisconsin, EUA, e na Universidade de Rouen, França. Advogado, Promotor de Justiça, Juiz do Trabalho, Juiz de Direito e novamente Advogado, foi um dos fundadores (1976), primeiro presidente e ainda é membro (emétido) da Comissão "Justiça e Paz", da Arquidiocese de Vitória. Foi um dos fundadores (1977) e primeiro presidente da Associação de Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo. É membro: do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB),do Instituto dos Advogados do Espírito Santo, da Academia Espírito-Santense de Letras, do Centro "Heleno Fragoso" pelos Direitos Humanos (Curitiba), da Associação "Padre Gabriel Maire" em Defesa da Vida (Vitória), da Associação "Juízes para a Democracia" (São Paulo), da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (Curitiba) eda Associação Internacional de Direito Penal (França). Site: www.joaobaptista.com

O início da vida e o STF

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OPINIÃO  *Ives Gandra da Silva Martins  –

Em inédita decisão,desde a sua fundação, há mais de um século, o Supremo Tribunal Federal convocou audiência pública para ouvir cientistas (29) e definir, cientificamente, o momento do início da vida.

O eminente Ministro Carlos Brito, em ação direta de inconstitucionalidade (n. 3510-0/600) ajuizada pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fontelles, em face da Lei n. 11.105/2005, que permite a manipulação de embriões humanos para pesquisas, entendeu que os esclarecimentos que esses pesquisadores poderiam prestar sobre a questão, permitiriam à Corte melhor decidir sobre a existência ou não de ofensa ao principal artigo da Constituição Federal, ou seja, o nº 5, que elege, no seu “caput”, a inviolabilidade do direito à vida como o primeiro e mais fundamental dos direitos pertinentes ao ser humano.

Desta forma, a inédita audiência determinada por este eminente magistrado -que é humanista e poeta de indiscutível mérito- objetivou saber, pela palavra da Ciência, o momento do início da vida.

E, neste particular, as duas correntes (a favor das pesquisas com células tronco adultas e aquela a favor das pesquisas com células embrionárias) reconheceram que, no zigoto, ou seja, na primeira célula decorrente da união do óvulo com o espermatozóide: 1) há vida; e 2) essa vida é vida humana.

O problema que se colocará, agora, para a Suprema Corte, será -tendo consciência de que a vida humana começa no zigoto- se haveria possibilidade de “violá-la” –para se utilizar o vocábulo da lei suprema- , na manipulação de embriões congelados, objetivando sacrificá-los em pesquisas científicas, como se faz com os embriões de ratos ou de outros animais.

É de se lembrar que a Constituição não fala nem em vida do NASCIDO, nem em vida do NASCITURO, mas em VIDA, que, no caso, só pode ser a vida humana, como está declarado no “caput” do artigo 5º da Carta Magna, assim redigido: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ….”.

Por lógica cartesiana, se há vida no zigoto, se esta vida é humana e se o início desta vida humana se dá na junção do espermatozóide com o óvulo, à evidência, a inviolabilidade do zigoto está assegurada, pela Lei Suprema, desde o instante da concepção, como todos os cientistas presentes à audiência pública ou esclareceram ou não contestaram a afirmação.

Toda a questão se resume, portanto, em interpretar a Lei Suprema à luz da Ciência, para que não se fique em discussões estéreis, inúteis, convenientes ou coniventes, tendo sido este o objetivo da audiência pública.

Não me parece, portanto, que os outros elementos sejam relevantes, apesar de à saciedade discutidos – ou seja, o sucesso indiscutível das experiências com células tronco adultas, assim como a falta de resultados exitosos, nas manipulações em outros países de embriões humanos, além do fato de terem sido descobertas alternativas de mobilidade nas células tronco adultas no mesmo nível das que apresentam as células embrionárias, sem ferir aspectos éticos ou de consciência – visto que a audiência foi convocada para se saber em que momento, do ponto de vista científico, a vida tem início, e quanto a esse aspecto praticamente todos os cientistas ouvidos explicitaram que o início se dá com concepção.

Por fim, não é despeciendo lembrar que, na Alemanha, as pesquisas com células embrionárias são permitidas, desde que sejam provenientes de mulheres “não alemãs”!

  


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Ives Grandra da Silva Martins:  Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU.

 

A lei é dura mais é lei.

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 OPINIÃO  *Arnaldo Xavier Junior  –

E quanto custa?…

“Entre 600 mil e um milhão! Com 600 mil ainda dá para guardar 400”

__ Apartamentos? Carros de luxo? Excelente contrato de compra e venda ou de prestação de serviço?

NÃO! Um contrato de prevaricação / corrupção (Dicionário Aurélio: Ato ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. Devassidão, depravação, perversão. Suborno, peita).

Mas existe essa triste e desavergonhada modalidade de contrato? E por se apresentar como crimes, previstos no Código Penal, não têm vedação legal suas existências? __ BINGOOOO! (entenda-se o bingo como sinônimo de afirmação, sem se perder de vista que vem acalhar com a realidade do que se pretende aqui discutir).

Um dos deveres do magistrado é fazer cumprir a constituição e as leis, juramento que fazem ao tomar posse; e retornando ao princípio “dura lex, sed lex”, a lei deveria ser e se fazer cumprida, sempre. Mas permita-se uma hipotética e prosáica interrogação: Por quem? Claro, com as devidas exceções. faz-se necessário excepcionar para não padecer de um processo, em vista de pelo menos para isto a lei e as vontades dos eventualmente ofendidos se fazer prevalecer, rasteira como um pé-de-vento que levanta as saias das mulheres distraídas, e até despenteia seus cabelos esvoaçantes.

CORPORATIVISMOS! “Ação (sindical, política), em que prevalece a defesa dos interesses ou privilégios de um setor organizado da sociedade, em detrimento do interesse público”; é o que lamentável e tristemente se tem parecido determinadas atuações de ‘Nobres’. De pessoas da mais alta estirpe, e donde nunca se esperou atuação “a contrario sensu” até ao interesse público.

Como sempre foi dito por um dos nossos mais conhecidos políticos: “lugar de bandido é na cadeia”; claro, que desde que este “bandido” não seja ele próprio, ou que a bandidagem não tenha seu envolvimento pessoal. E curioso é que os números mencionados em ambos os crimes trazerem certa similitude, em diferentes proporções, eis que numa ação, mencionava-se 400 mil, e noutra, o desvio de dinheiro público, que fartamente noticiado na imprensa, dá conta de 400 milhões.

Ora! Se lugar de bandido é na cadeia, e todas elas estão com dezenas de ‘pobres’ ou ‘pretos’ a mais do que o espaço físico suporta (hiper-superlotação); se os “peixes menores” (muitos deles apenas interlocutores, mediadores) de tal barganha nojenta, asquerosa, repugnante, vergonhosa; e praticada por homens que muito ganham exatamente para não precisar se envaidecer sequer com a possibilidade repita-se, possibilidade de aderir à criminalidade; os advogados apanhados, e cuja participação tem menor relevância, obviamente; um deles chega a mencionar até que fora vítima de extorsão por conta de dívida contraída por empréstimo de R$ 2.500,00; COMO SE EXPLICA SOMENTE OS PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS (vendiam o invendível), SEREM RAPIDAMENTE POSTOS EM LIBERDADE?…

A lei permite tais liberdades. E a aplicação dos dispositivos constantes do Código de Processo Penal, é a atitude mais sensata que se espera do Magistrado.

Até aqui era fazer prevalecer a Lei, dentro do já mencionado princípio! MAS SÓ PARA OS MAIS CULPADOS? PARA AQUELES QUE VENDIAM O QUE NÃO LHES PERTENCIA?

É por estas e outras que, dentro da corrosão moral desmedida no qual vemos o país e todos os seus cidadãos sucumbir, entendemos não restar outra forma de visão do problema, senão bradar inconformismos, e cada vez mais envergonhados.

O filho se espelha no pai; o subalterno no seu superior hierárquico!…

E o cidadão, com tantos políticos e autoridades tão desavergonhados, vai se mirar em quem? Qual modelo? E como cobrar honestidade dos votantes, se os votados são desonestos? E daqueles levados a julgamento, como crer serem imparcialmente julgados, frente a tantos noticiários / constatações de apodrecimento também da instituição julgadora?

Como eles conseguem, repita-se, cidadãos de alto escalão, e muitos de baixo calão (autoridades e políticos), vender o que não podem / têm, privatizar os lucros e estatizar os prejuízos, deveriam também prometer (e promessa pelo menos é de graça) o endereço de Deus para a ele reclamar, já que nos trilhos que as coisas vão, se demorar, talvez nem ele consiga refrear.

Ou será que tentariam corromper até Deus?…

A esse vergonhoso histórico de determinados figurões dos diversos setores da sociedade, cabe a humilde interrogação da sofrida população: Aonde anda a moral? Como se pode atribuir à menoridade criminal a responsabilidade pela violência? E os desmandos, a generalizada corrupção!?…

E esses cidadãos que se acham no direito de exigir respeito, retidão de caráter, que não seguem as doutrinas por eles mesmos criadas e/ou defendidas!?

Como diz o Boris Casoy: “Isto é uma vergonha!” Ainda mais quando visto de cima para baixo, do mais ao menos graduado.

E o que se pode esperar? A esperança não é a ultima que morre!?…

 

São Paulo, 8 de maio de 2007.

*Arnaldo Xavier Junior   

www.geocities.com/arnaldoxavier

 


 

A natureza jurídica do uso de sepultura

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  *Almir Morgado –

De início, devo confessar, foi com certa reticência que me dispus a escrever este pequeno artigo. Digo isso, dada a natureza do tema, que toca em um dos maiores temores do ser humano: Encarar a certeza de sua perenidade! A transitoriedade de sua existência, pelo menos, neste plano. Além do que, sempre que o abordo em sala de aula, quando do estudo do patrimônio público e dos serviços públicos, percebo claro mal estar.

O fato é, no entanto, que o denominado Direito funerário ainda é uma cadeira jurídica raramente estudada, com pouquíssimas obras publicadas, e pouquíssimos estudos e decisões judiciais que abordam diretamente o tema.

São inúmeras as implicações jurídicas deste tema, e no presente trabalho, abordaremos apenas alguns de seus aspectos, mais precisamente, a natureza jurídica do direito ao uso de sepultura em cemitérios públicos, tendo em vista que observamos que a temática tem sido abordada em concursos públicos diversos e recentes.

Daí sua brevidade e sintetismo.

O tema é complexo e extremamente controvertido, tendo sido apontadas mais de vinte teorias a respeito da natureza jurídica dos institutos envolvidos no denominado jus sepulchri.           

Inicialmente, é necessário distinguir o direito ao uso de sepultura em cemitérios[1] privados e públicos.

Relativamente aos cemitérios privados, o tema pertence ao Direito Civil. Cemitério particular é aquele que pertence à iniciativa privada, e seu funcionamento, face à natureza do serviço ali realizado, está sujeita à Permissão da entidade pública, no caso, a Municipalidade, que regulamenta, disciplina e fiscaliza sua instalação e funcionamento regular, mas não altera a natureza e a titularidade do domínio do bem, que continua privado, embora sujeito às limitações decorrentes do poder de polícia administrativa.

Via de regra a legislação dos municípios somente concede a referida permissão, para entidades de caráter assistencial e sem fins lucrativos, tais como Associações Religiosas e Grêmios Assistenciais, Educacionais e Filantrópicos, desde que atendam as condições previstas nos regulamentos aplicáveis[2]. Tais cemitérios poderão ter caráter secular ou religioso.

Eduardo Henrique de Oliveira Yoshikaua, em primoroso artigo publicado no site Jus navigandi aborda exaustivamente o tema, e, discordando daqueles que vêem semelhança entre o direito de sepultar em cemitério público e privado, constata, em síntese, que relativamente ao segundo, “… que o jus sepulchri, o qual consiste, basicamente, no direito de sepultar e de manter sepultados restos mortais, em se tratando de cemitérios particulares, pode resultar de enfiteuse ou superfície (conforme seja anterior ou posterior ao Código Civil vigente o negócio jurídico que lhe deu origem), concessão de uso (DL 271/67), locação ou comodato, eis que neles se encontra o conteúdo essencial do direito à sepultura (uso de bem imóvel e possibilidade de transmissão mortis causa, que se distinguem quanto à onerosidade, ao prazo de duração e à natureza real ou pessoal do direito, o que deverá ser verificado pelo intérprete no exame de cada caso concreto)”.[3]

A nós, no entanto, interessa aqui, o estudo do tema relativamente aos cemitérios públicos, tema afeto ao Direito Administrativo. Diz-se público o cemitério quando instalado em terreno público, sendo administrado diretamente pelo Município, ou explorado por terceiros através de instrumento jurídico-administrativo. Tais cemitérios terão, obrigatoriamente, caráter secular, em face do laicismo constitucional do estado brasileiro.

Necessário também se faz, aqui, estabelecermos um parêntese.

Às denominadas agências funerárias cabe o recolhimento, preparo, guarda e translado dos restos mortais ao cemitério. Tais entidades prestam relevante serviço público, tendo para tanto permissão da entidade administrativa competente. Logo, as funerárias são permissionárias de serviço público[4], sujeitas às normas regulamentares aplicáveis ao serviço que prestam, e à prática das tarifas estabelecidos em tabela pelo poder municipal, tendo as mesmas que obedecer ao princípio da modicidade e, no caso de indigentes, a regulamentação de diversos municípios as obrigam a proceder gratuitamente, como um ônus administrativo pela sujeição a uma atividade permitida. Há ainda, as casas de artigos funerários, que estão sujeitas à licença do poder público.

Bem, os cemitérios públicos são classificados, de forma unânime pelos administrativistas, como bens públicos[5] de uso especial[6].

Podem os mesmos ser diretamente administrados pelo próprio Município, ou explorados por terceiros. O título jurídico-administrativo que melhor se adequa a espécie é a concessão de uso de bem público, no entanto, várias legislações municipais referem-se à permissão de uso. Novamente nos vemos às voltas com a generalizada confusão que o legislador faz com os referidos institutos. Uma análise e conhecimento mais aprofundado dos institutos nos levam, forçosamente, à conclusão que somente a concessão de uso, dada sua natureza de contrato bilateral, confere ao explorador do bem, a necessária segurança jurídica para proceder ao seu mister, e, ao mesmo tempo, confere à administração o necessário poder de fiscalização e regulamentação do mesmo, já que se trata de uso privativo normal incidente sobre bem público de uso especial.

Já no que se refere ao uso específico de parcela do terreno – a sepultura, o título jurídico que o legitima, a nosso ver, pode ser a concessão[7] ou permissão de uso.

No caso dos denominados jazigos perpétuos, mausoléus ou assemelhados vemos que há verdadeira construção de benfeitoria, a cargo do interessado, muitas vezes de custo elevado, que, obviamente, adere ao solo, e ainda que sujeita à regulamentação às normas de utilização aplicáveis, somente a concessão de uso perpétua confere, à administração, ao concessionário, e também a coletividade[8], a necessária segurança jurídica, havendo aqui, um misto entre a utilidade pública e a utilidade privada, logo, concorrência tríplice de interesses, elemento caracterizador da concessão administrativa. Trata-se, pois, de concessão, conferida à título perpétuo, remunerada e transmissível mortis causa. É comum a cobrança de uma tarifa anual destinada à manutenção, conservação e segurança do cemitério a ser paga pelo concessionário.

No caso de utilização temporária, é possível também a permissão de uso[9]. Muitas legislações municipais a prevêem, estabelecendo para as mesmas, prazos relativamente longos, em torno de dez anos, sendo possível a prorrogação, desde que requerida pelo titular do termo de permissão ou por seus herdeiros, antes do advento do termo final.

A utilização da denominada “cova” destinada ao sepultamento rotativo também, a nosso ver, está sujeita a permissão, aqui, marcada por uma precariedade mais premente e prazos menores em face da necessidade constante de sua reutilização. Não seria o caso de autorização[10], pois a mesma sempre se dá quando a utilização do bem público se faz apenas para atender interesse do utente (autorizatário), o que não ocorre na espécie, pois, como vimos, tratam-se, aqui, de interesses convergentes do Poder Público, do particular e da coletividade.

Conclui-se, portanto, que o direito de uso de sepultura em cemitérios públicos, diferentemente do que ocorre em cemitérios particulares, se constitui através de instrumento jurídico de natureza publicista, sendo a concessão de uso, e, excepcionalmente, a permissão de uso, os meios jurídicos adequados a legitimar a utilização desta categoria de bem público de uso especial.

 

DADOS BIOGRÁFICOS DO AUTOR

ALMIR MORGADO é Professor Universitário da cadeira de Direito Administrativo, leciona também em cursos preparatórios para concursos públicos, no Rio de Janeiro e Minas Gerais, é Coordenador do Curso de pós-graduação em Direito da UNEC/MG, Diretor-Geral do CE Nilo Peçanha da SEE/RJ e autor, dentre outras, da obra Resumo de Direito Processual do Trabalho pela Editora Impetus e Direito do Trabalho para Área Fiscal, pela Editora Campus/Elsevier, ambos em co-autoria com a Prof. Isabelli Gravatá.



[1] Para José dos Santos C. Filho, os cemitérios públicos constituem áreas do domínio público, e os cemitérios privados são instituídos em terrenos do domínio particular, embora sob o controle do Poder Público. Para que haja a instituição de um cemitério particular, é necessário consentimento do Poder Público Municipal, através de permissão ou por concessão. Os cemitérios públicos qualificam-se como bens de uso especial, já que há em suas áreas prestação de um serviço público específico. O serviço funerário, por se tratar de interesse local, é da competência municipal (art. 30 ,I, da CRFB).

[2] São inúmeras e diversas as exigências administrativas, referindo-se a quesitos de higiene, saúde e segurança pública, aspectos urbanísticos, estéticos etc. Exige-se idoneidade financeira e prova inequívoca da propriedade territorial por parte da Permitente, devendo as mesmas ser  titulares do domínio pleno, sem ônus ou gravames do imóvel destinado ao cemitério, admitida, em alguns casos, a promessa de compra e venda irrevogável e irretratável, inscrita no Registro Geral de Imóvel, além da obrigação de destinar determinado número de sepulturas para sepultamento rotativo, sendo vedada a alienação das mesmas, prevendo a legislação aplicável, um prazo mínimo de permanência dos restos mortais. Tais cemitérios normalmente são classificados em cemitérios tradicionais, tipo parque ou verticais.

[3] YOSHIKAWA, Eduardo Henrique de Oliveira. Natureza jurídica do direito à sepultura em cemitérios particulares. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1122, 28 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8714>. Acesso em: 23 abr. 2007.

[4] O mesmo ocorre com os fornos crematórios e capelas de velórios.

[5] Cretella Júnior conceitua domínio público como o “conjunto de bens móveis e imóveis destinados ao uso direto do Poder Público ou à utilização direta ou indireta da coletividade, regulamentados pela Administração e submetidos a regime de Direito Público.”(CARVALHO FILHO, José dos Santos. Apud CRETELLA JUNIOR. Manual de Direito Administrativo. Ed. Lúmen Júris. RJ. 13ºed., 2005: p. 845).

[6] São aqueles que visam a execução dos serviços administrativos e dos serviços públicos em geral (CARVALHO FILHO, 2005:851). São exemplos desses bens os edifícios públicos (escolas e hospitais), prédios do Executivo, Legislativo e Judiciário, cemitérios públicos, museus etc.

[7] Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público confere a pessoa determinada o uso privativo de bem público, independentemente do maior ou menor interesse público da pessoa concedente.” (CARVALHO FILHO, 2005:877). A concessão é empregada nos casos em que a utilização do bem público objetiva o exercício de atividades de utilidade pública de maior vulto.Pode ser remunerada ou gratuita, de exploração ou de simples uso, temporária ou perpétua.

[8] O respeito aos mortos é um bem jurídico tutelado, inclusive pelo direito penal, pertencente à coletividade.

[9] Trata-se de ato administrativo unilateral, discricionário e precário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa de bem público, para fins de interesse público, podendo tal permissão recair sobre bens públicos de qualquer espécie.

[10] Autorização de uso, segundo Maria Sylvia Di Pietro, é o ato administrativo unilateral e discricionário, pelo qual a Administração consente, a título precário, que o particular se utilize de um bem público com exclusividade. É precária, podendo ser ainda gratuita ou onerosa.

 

 


Da necessidade de Representação no crime de lesão corporal leve praticado nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher

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  *  Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo Rezende  –

“E por que uma mulher se sujeitaria a manter-se subjugada por um homem, se não por sua própria opção? Se me respondem por amor, lhes retruco por alienação (e esta não seria causada por mera falta de instrução), a mulher então legitima sua própria condição.” Camila Delalibera[1]               

Caminhamos para oito meses da promulgação da polêmica Lei de Proteção da Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Nos pretórios e nas Delegacias de Polícia muito ainda se discute sobre a amplitude e a validade de alguns dispositivos questionáveis da referida lei. Alguns a criticam por ser fruto do calor dos movimentos sociais de proteção à mulher, enquanto outros a elogiam por ser mais enérgica no trato da violência doméstica, protegendo a parte mais fraca de uma relação familiar.

Entre vários dispositivos que mereceriam especial análise, talvez o mais discutido tenha sido o da necessidade ou não de Representação da mulher, para se instaurar um procedimento pelo crime de Lesão Corporal oriundade Violência Doméstica. É desse imbricado tema, que doravante vamos tratar.                     

Deve ou não a Autoridade Policial colher a representação da vítima para poder autuar o marido agressor? Com a regência dada pelos novos dispositivos legais permaneceria a necessidade dessa condição de procedibilidade? Fortalecidas vozes se enfrentam nos dois sentidos, dando-nos a impressão de que o assunto só se pacificará após a pronúncia final dos Tribunais Superiores, no caso, creio, principalmente do Superior Tribunal de Justiça, guardião da legislação federal.

Parece-nos, e é o que se passa a defender, que a melhor exegese e interpretação da lei, deve ser a que entende que o crime de Lesão Corporal praticado contra a Mulher, em situação que faça se encaixar na Lei de Proteção à Violência Doméstica, continua sendo condicionado à representação da vítima. Nesse sentido, sigam a linha de raciocínio que passo a expor.

 Referida lei nasceu de um conhecido movimento de valorização e proteção da mulher, encabeçado pelas seguintes entidades não governamentais: ADVOCACI, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, IPÊ/CLADEM e THEMIS, entre outras.  É conseqüência também do estudo de especialistas como Ela Wiecko, Ester Kosovisk, Leilah Borges, Rosane Reis, Simone Diniz e Wania Pasinato, citadas apenas como exemplos, para que o registro honorífico não seja injusto. Tais “forças” apresentaram um anteprojeto de lei de violência doméstica[2], que foi encaminhado ao Congresso Nacional.

 Tal anteprojeto tem em sua exposição de motivos, diga-se sintética, a informação de que referida lei visa cumprir as recomendações traçadas na Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, “Convenção de Belém do Pará”, aprovada em 09/07/1994.

 Analisando referida Convenção, vê-se que ao lado de garantir à mulher um tratamento diferenciado no aspecto da relação familiar/conjugal, propiciando a eficiente punição de agressões sofridas no âmbito do lar, a lei não deixa de resguardar também seu livre arbítrio, visto que é ela, a mulher, o objeto de proteção. São os seus interesses, e só eles, que se visam proteger. Assim, há em dispositivos da convenção a consagração do respeito à liberdade e à dignidade da mulher. Veja-se, por oportuno[3]:

 

“Art. 4º Toda mulher tem o direito ao reconhecimento, desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos e liberdades consagradas em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. Estes direitos abrangem, entre outros:

a) omissis

b) omissis

c)  Direito à liberdade e à segurança pessoais.

d) Omissis

e) Direito a que se respeite a dignidade inerente à sua pessoa e a que se proteja sua família.

                                                       f)  Direito à igual proteção perante a lei e da lei”

Como se pode ver a própria convenção para a proteção da mulher, fonte seminal da nossa Lei de Proteção à Violência Doméstica, fez questão de dizer que a mulher tem resguardado o direito fundamental à sua liberdade. Liberdade, em aspecto de Direitos Humanos, deve ser entendida com a amplitude mais larga possível, pois se trata de um direito do indivíduo frente à arbitrariedade do Estado, conquistado, diga-se, com muita luta e derramamento de sangue.

Liberdade, nesse aspecto, deve incluir inclusive o Direito de decidir se lhe interessa ou não ver o ente de sua família, que eventualmente a agrediu, preso e processado criminalmente pelo Estado.

Há casos em que a prisão do esposo da vítima é providência que desampara a própria vítima, tirando de casa a única pessoa provedora de alimentos, deixando os filhos sujeitos a serem cooptados pela criminalidade e pela prostituição. Há ainda, casos, em que a vítima que já passa por dificuldades financeiras, se vê obrigada a desfalcar mais ainda a economia do lar, para pagar a fiança do esposo agressor, que foi preso pela Polícia sem que assim quisesse a vítima agredida[4]. Muitas vezes, em uma briga sem maiores proporções e fato isolado na vida do casal.

Retroceder, a ponto de não permitir mais à mulher decidir se quer ou não ver seu agressor responder criminalmente pelas agressões praticadas é limitar o seu direito constitucional à liberdade. É diminuir um pouco o conteúdo que se atingiu desse direito, e isso seria inconstitucional, pelo tão falado princípio da vedação do retrocesso[5].

Diz ainda a convenção que se deve preservar sempre o respeito à dignidade da mulher. Não seria um atentado a tal dignidade interferir no lar da Mulher, impondo-a a prisão de seu marido, contra a sua vontade? Não se estaria ferindo de morte o direito constitucional à dignidade e à livre administração do ente familiar pelos consortes[6]?

A mesma convenção ainda cita que se deve resguardar à mulher a mesma proteção perante a lei e na lei.

Por fim, relativamente à convenção, no ponto em que fala sobre igualdade perante a lei, veja-se que o que ela procura, inclusive na letra “e” do artigo 4º, é estabelecer um mesmo tratamento às partes, uma isonomia material, e se para a agressão do homem pela mulher é necessária a representação como condição de procedibilidade, me parece que não exigi-la no caso da agressão vir do homem estabeleceria uma distinção sem justificativa plausível. Chegar-se-ia ao absurdo de, no caso de o homem e a mulher serem reciprocamente agredidos, sendo que nenhum quer representar, a mulher seria liberada e o homem desceria para o presídio, preso em flagrante delito obrigatório.

Com essas considerações me permito concluir que as técnicas de exegese da interpretação histórica (que busca os fundamentos fáticos da norma, seus antecedentes legislativos) e da interpretação teleológica (que busca os fins para os quais a lei foi criada), partindo-se de seu antecedente normativo mais remoto, a já citada convenção Inter-Americana, indicam que a Lei deve ser interpretada no sentido de se entender ainda ser condicionada à representação o crime de Lesão Corporal praticado em violência doméstica contra a mulher.

Distanciando-se um pouco de tal foco de discussão dos antecedentes normativos, passamos a enfrentar propriamente o debate doutrinário que se tem sobre o tema. As opiniões que mais se destacam são a de Damásio Evangelista de Jesus, que entende que o crime ainda é condicionado à representação, e a de Luís Flávio Gomes, que entende que o crime é de Ação Penal Pública Incondicionada.

Luís Flávio, com a colaboração de Alice Bianchini, elaborou e publicou artigo[7] sustentando a indisponibilidade da atuação policial e ministerial no caso, independentemente da vontade da vítima. Sustenta seu posicionamento, em síntese, no artigo 41 da Lei Maria da Penha[8], que manda não se aplicar a Lei 9099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. E como o que transformou a lesão corporal simples em Crime de Ação Penal Pública Condicionada foi justamente o artigo 88 da lei 9099/95, como esta lei não se aplicaria mais para a violência contra a mulher, tal crime, nesse caso, passaria a ser de Ação Incondicionada, sendo dever de o Estado agir, mesmo que contra o interesse da vítima.

Esse posicionamento do eminente Luiz Flávio prende-se a uma interpretação literal dos dispositivos da nova Lei “Maria da Penha”. Usa-se dos dizeres de tão só um artigo da lei (art. 41) para revogar toda uma construção que se consolidou no tempo e tinha aceitação plena da doutrina e da jurisprudência.

Já Damásio Evangelista de Jesus[9] dá pouca importância para a interpretação literal do art. 41 da nova lei, preferindo se apegar à interpretação sistemática de todo o ordenamento jurídico.

Segundo o culto e prestigiado autor “o propósito da lei foi o de excluir da legislação a permissão da aplicação de penas alternativas, consideradas inadequadas para a hipótese, como a multa como única sanção e a prestação pecuniária, geralmente consistente em “cestas básicas””. Até porque, retroceder a ponto de entender como incondicionada referida Ação Penal seria contrariar a tendência mundial de um Direito Penal fincado na idéia de um Direito Penal mínimo e subsidiário. Estaríamos é acabando com um dos meios de restaurar a paz no lar, indo contra a idéia da lei.

Para Damásio, ainda, quando a Lei de Violência Doméstica diz no seu artigo[10] 16 que a renúncia à representação só pode ser feita em juízo (na verdade trata-se de retratação), estaria ela reconhecendo o crime de lesão corporal condicionado à representação, senão, para ele, o artigo da lei ficaria sem função[11].

Em artigo publicado Emanuel PINTO[12] ainda sustenta o seguinte argumento em prol de se entender que a Ação ainda deve ser tida como condicionada à representação. Diz ele, que acaso entenda-se que a Ação Penal passou a ser pública incondicionada, estar-se-ia diante de um absurdo jurídico. É que a lei estaria prevendo como pública incondicionada a Ação para um crime como o de lesão corporal leve praticado em violência doméstica, enquanto que outro, muito mais grave, como o estupro praticado em situação de violência doméstica, continuaria a ser condicionado à representação.Como se viu, fizemos uma abordagem, que apesar de sucinta, passou desde os antecedentes normativos da nova lei até os atuais posicionamentos doutrinários que se tem sobre o tema. Utilizou-se de métodos como os das interpretações histórica, teleológica, sistemática e literal. Entendemos, em análise, que este, isoladamente, não deve prevalecer sobre os demais.

Assim, após esse estudo, parece-nos que quando a nova lei diz que para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não se aplica a Lei 9099/95, não está incluso aí, é claro, o seu artigo 88, que prevê ser a Lesão Corporal condicionada à representação. O que quis dizer o dispositivo guerreado do art. 41 é que para os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não se aplicam os dispositivos benéficos ao agressor da lei 9099/95, tais como transação penal e conciliação civil extintiva da ação penal. Os dispositivos benéficos à agredida, tais como o seu direito de decidir se o agressor será ou não responsabilizado penalmente pela agressão, através do seu direito de representação, continuam a valer. O motivo é simples, a lei veio para aumentar os direitos da mulher agredida, e não para diminuí-los.

Ainda, o artigo 16 da nova lei está implicitamente reafirmando a existência das hipóteses antes previstas na legislação de crimes condicionados à representação, entre eles o de lesão corporal. Se quisesse extinguir a representação no crime de lesão corporal teria o feito aí, extinguindo-a expressamente em um parágrafo desse artigo 16, que é o que trata justamente do tema representação criminal.

Enfim, após as argumentações acima lançadas, fazendo um passeio pelas técnicas reconhecidas de interpretação jurídica, a melhor exegese que se pode fazer do art. 41 da Lei Maria da Penha é a que alcança uma interpretação restritiva do combatido artigo, para concluir que não se aplicam nos casos de violência doméstica contra a mulher as disposições da lei 9099/95 benéficas ao agressor, aplicando-se normalmente as benéficas à agredida, como o fato de a Ação Penal por crime de Lesão Corporal Leve ser condicionada à representação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2ªed. 1998.

CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”. Secretaria Geral da OEA. Belém: Junho de 2004.

 ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 15ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.

 JESUS, Damásio de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2006. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

 ________. Direito Penal. Volume 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

 NUNES, Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. 4ª ed. ver. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

 Minuta de anteprojeto de lei sobre violência doméstica e Familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.mulheresdeolho.org.br/?cat=8>.Brasília: Dezembro de 2003.

 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 5ª ed. São Paulo: editora Atlas, 2003.

 PINTO, Emanuel Lutz. Brevíssimas considerações sobre a (in)exigência da representação. Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1249, 2 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9229>. Acesso em: 12 mar. 2007.

 SILVA, José Geraldo. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária. 2ª ed. São Paulo: editora de Direito. 1996.

 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Curso de Processo Penal, São Paulo, 2002.

 


 

[1] Frase da Dra. Camila Delalibera em evento de Tribunal do Júri Simulado realizado na centenária Faculdade de Direito da UFG.

[2]  Minuta de anteprojeto de lei sobre violência doméstica e Familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.mulheresdeolho.org.br/?cat=8>.Brasília: Dezembro de 2003.

[3] CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER, “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”. Secretaria Geral da OEA. Belém: Junho de 2004.

[4]  É o que mais acontece no dia-a-dia de uma Delegacia de Polícia.

[5] A lição de J.J. Gomes Canotilho demonstra que “a idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo.  (…) O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (…) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ´anulação` pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado”[2]

[6] A administração dos assuntos da família é de livre decisão pelo casal, consoante os termos do art. 226, § 7º, da CF/88.

[7]

[8] Art. 41: “Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995” (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).

[9]  JESUS, Damásio de. Da exigência de representação da ação penal pública por crime de lesão corporal resultante de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006). São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2006. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

 [10]  Art. 16: “Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.

[11] Temos reservas a esse entendimento, pois existem outros crimes que poderiam ser praticados com violência doméstica contra a mulher que ainda são condicionados à representação, e não só o de Lesão Corporal.

[12] PINTO, Emanuel Lutz. Brevíssimas considerações sobre a (in)exigência da representação. Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1249, 2 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9229>. Acesso em: 12 mar. 2007.

 


 

DADOS BIOGRÁFICOS

* O autor é Delegado de  Polícia do Distrito Federal, Bacharel em  Direito pela UFG. Pós graduado em Direito Penal, em Direito Processual  Penal e em Criminologia pela UFG. Ex-Servidor da Justiça Federal.

  

O Princípio do Non Olet

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* Ives Gandra da Silva Martins  –

A operação “Furacão” levada a efeito pela Polícia Federal -tirante os desnecessários efeitos cinematográficos- desventrou, com particular eficiência, para o povo brasileiro, uma realidade que o mundo já conheceu, em diversos períodos históricos e espaços geográficos, sempre que os vícios humanos são também sancionados pela lei.

Nos Estados Unidos, quando se proibiu a venda de bebidas alcoólicas, os grandes grupos de gangsters, então existentes naquele país, passaram a monopolizar o comércio ilegal desses produtos, apropriando-se de toda a lucratividade que era capaz de gerar. Os famosos “Intocáveis”, da Polícia Federal americana, combateram, com perda de vidas, tais criminosos, até que o governo desistiu de proibir o consumo de bebida alcoólica, e, permitindo-o, começou a taxar elevadamente sua comercialização. Com isso, eliminou o monumental gangsterismo existente, que era acompanhado da corrupção de agentes públicos, inclusive do Judiciário americano.

Em minha tese de doutoramento apresentada perante a Universidade Mackenzie, em 1982, defendi a tributação elevada das atividades que se encontram no limite da licitude, para que os criminosos não se beneficiassem da lucratividade de sua exploração, em vez dos Governos. Sugeri, inclusive, que os recursos provenientes de tal imposição fiscal fossem direcionados ao aparelhamento das polícias e à construção de presídios, tornando-os capazes de recuperar os criminosos e não de se transformarem em verdadeiras escolas do crime.

Na época, enfocava principalmente o vício social do jogo de bicho, visto que os bicheiros não pagavam qualquer imposto sobre a renda e usufruiam receitas consideráveis.

De rigor, reproduzia o famoso “princípio do non olet”, isto é, de que o tributo “não tem cheiro”. A expressão vem do curioso episódio, da Roma antiga, em que, diante da reclamação de seu filho Tito por haver tributado as latrinas romanas, Vespasiano, dando-lhe uma moeda, perguntou : “Olet?”, (“Cheira?”). O filho respondeu: “Non olet” (“não cheira”), ao que o pai retrucou: “O tributo também não”.

Tal princípio foi hospedado no art. 118 do CTN.

Quando se pretendeu regularizar os bingos no país, através de projeto de lei, coerente com minhas posições doutrinárias anteriores, sugeri, em pareceres e artigos, forte tributação sobre a atividade, como ocorre em todos os países civilizados (Estados Unidos, França, Portugal, no Principado de Mônaco, e outros países). O governo ganharia, duplamente: de um lado, em perceber receita tributária e de outro, não ter que sustentar forte aparato policial para combater a criminalidade e a corrupção, corolário permanente de qualquer atividade ilícita.

Em verdade, o jogo, no Brasil, é permitido e explorado pelo governo federal (loteria federal, esportiva etc.). Na minha tese, sustentei que melhor seria permiti-lo em cidades turísticas, como ocorre em Punta del Leste ou Las Vegas, o que facilitaria a arrecadação, a fiscalização e o controle.

A proibição do jogo tem levado à triste realidade de perene corrupção. À evidência, não estou pré-julgando ninguém, mas um Ministro da envergadura de Cesar Peluso seria incapaz de qualquer decisão superficial. O certo, todavia, é preferível controlar tais atividades com forte tributação e fiscalização, a permitir que ocorram, na clandestinidade. Como dizia Roberto Campos, é melhor conhecer os fatos para poder evitar a fatalidade.

A matéria merece, pois, reflexão, como alertei no distante 1982, no livro “Teoria da Imposição Tributária”, publicado pela Saraiva em 1984 e, em 2a. edição, pela LTR Editora, em 1997.

É de se lembrar, finalmente, que o nível de seriedade dos agentes da Receita Federal e da Polícia Federal, nos últimos anos, melhorou, sensivelmente, em parte pelos concursos muito mais rígidos, e, em parte, pelos recursos de controle que a informática pôs ao alcance de seus superiores hierárquicos.

Estão hoje, portanto, as duas instituições aparelhadíssimas para um controle vigoroso das atividades, nesta área, desde que legalizadas, impedindo a ação de corruptos, corruptores, criminosos e aproveitadores, e fazendo com que gerem receita para o governo e não para facínoras.

Constato, pois, que passados 25 anos, a tese que defendi quando de meu doutoramento, em 1982, continua atual. O tema poderia ser servir para que parlamentares e governantes tentassem um novo caminho de combate à corrupção.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA  

IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS:  Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU.

 

O Novo Processo de Execução: uma análise crítica dos vetos à Lei 11.382/2006

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*Clovis Brasil Pereira  –  1. Introdução   2. O que foi vetado do  Projeto de Lei 51/2006   3.  Análise crítica dos vetos    4.  Conclusão

1.  Introdução

Ao sancionar o Projeto de Lei nº 51/2006,  convertido  na Lei nº 11.382/2006, no dia 06 de dezembro de 2006, quando foram introduzidas significativas alterações no Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73), que trata do Processo de Execução de Títulos Executivos Extrajudiciais,  o Sr. Presidente da República, ouve por bem vetar três dispositivos introduzidos pelo legislador, quais sejam: a penhorabilidade dos rendimentos recebidos a título de rendimento e verba salarial, em percentual de 40% do que exceder ao equivalente a 20 (vinte salários) mínimos, e ao bem imóvel considerado “bem de família”, no valor excedente a 1000 (mil) salários mínimos, bem como ao vacatio legis da nova lei, estipulado em 6 meses pelo legislador pátrio.

Temos convicção que os vetos impostos  pelo Sr. Presidente da República, através da Mensagem nº 1047, encaminhada ao Presidente do Senado Federal, não se ajustam aos ditames da maior celeridade jurisdicional, em consonância com a Reforma do Judiciário aprovada através da EC nº 45/2004,  bem como atenderam o interesse social, de forma geral, embora no caso concreto, tenham os dois primeiros vetos, vindo em socorro aos devedores sob execução judicial.

Por outro lado, é verdade que os vetos  servirão para discutir melhor a matéria concernente a limitação ou não da impenhorabilidade das verbas tidas como alimentares, e dos bens de família, assim considerados à luz da Lei 8.009/90, cabendo ao Congresso Nacional, em votação oportuna, após discussão mais profunda, derrubar ou não o veto presidencial.

Neste breve trabalho crítico, esperamos contribuir para a discussão da conveniência ou não da impenhorabilidade plena de referidos bens, na forma escolhida  pelo Presidente da República, ou se prevalecerá ao final, a vontade manifestada pelos deputados e senadores, ao aprovarem o Projeto de Lei que redundou na aludida Lei nº 11.382/06, em vigor desde  22 de janeiro de 2007.

2. O que foi vetado do  Projeto de Lei 51/2006

Por ocasião do sancionamento da Lei  11.382/2006, foram vetados três dispositivos introduzidos ao Código de Processo Civil, sendo os dois primeiros com redação dada pelo artigo 2º da nova Lei, e o último, pelo seu artigo 6º, assim expressos:

Diz o  § 3º do artigo 649:

“§ 3º. Na hipótese do inciso IV do caput deste artigo, será considerado penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios”.

O parágrafo único do artigo 650, prevê:

“Parágrafo único. Também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade”.

 

O artigo  6º do Projeto de Lei nº 51/2006, diz:

      

“Art. 6º. Esta Lei entra em vigor 6 (seis) meses após a data de sua publicação”.

3.   Análise crítica dos vetos

No § 3º,  do artigo 649, o legislador teve a cautela de preservar, mensalmente em favor do devedor, para seu sustento e de sua família, o  equivalente a 20 (vinte) salários mínimos, em seu valor líquido, o que na atualidade equivale a R$ 7.000,00 (sete mil reais).

Esta parcela pelo texto vetado, seria absolutamente impenhorável, podendo no entanto recair a constrição judicial, em parte do valor excedente, ou seja, 40%.

Considerando-se que parcela ínfima da população brasileira percebe rendimentos maiores que R$ 12.000,00 (doze mil reais), valor bruto que na prática, resulta no valor líquido de R$ 7.000,00 (sete mil reais), em razão dos inúmeros descontos – IR e contribuição previdenciária, principalmente –  e que apenas 40% do valor excedente  poderia ser objeto de penhora, não vemos como saudável do ponto de vista prático, e mesmo ético e moral, que se favoreça o devedor aquinhoado com um rendimento mensal líquido de mais de 20 salários mínimos,  em desfavor do credor, muitas vezes menos privilegiado, mais necessitado, com ganhos que não atingem muitas vezes, ao menos 5 salários mensais.

A justificativa do veto, é de que a “tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade absoluta e ilimitada de remuneração”. No caso específico, privilegiamos a “tradição jurídica” consolidada ao longo dos anos em que a realidade brasileira era muito diferente, e perdemos, em nosso particular entendimento,  uma boa oportunidade de quebrá-la, acompanhando o dinamismo das relações sociais, que impulsionam as mudanças cotidianas nas relações humanas e econômicas, das quais o direito deve sempre estar associadas.

Mais aguda  é nossa crítica ao veto ao parágrafo único,  do artigo 650, que tratava da preservação da impenhorabilidade do imóvel considerado bem de família, até o valor equivalente a 1000 (um mil) salários mínimos.

Ao nosso ver, o texto vetado, na verdade, corrigia uma grave distorção ocasionada pela Lei nº 8.009/90, que tornou impenhorável todo o imóvel que serve de residência do devedor e sua família, independentemente de seu valor ou suntuosidade.

Assim, pela legislação vigente, qualquer cidadão que tenha 2 ou mais imóveis de características simples, construídas com economias feitas anos a fio, para o complemento da renda familiar, oriunda muitas vezes dos parcos recursos recebidos a título de aposentadoria, a grande maioria, no valor de um salário mínimo, como é público e notório, pode ter o imóvel ou imóveis não utilizados para moradia, muitas vezes construídos no fundo do quintal, penhorados em processo de execução.

Já o devedor que tem um único imóvel, representado por uma verdadeira mansão, de R$ 1.000.000,00 ou mais, este tem a proteção legal da impenhorabilidade. Não podemos esquecer que a Lei 8.009/90, nasceu de uma Medida Provisória, assinada em 9 de março de 1990, ao apagar das luzes do governo do então Presidente José Sarney, e foi convertida, em tempo recorde,  no dia 29 do mesmo mês, sob a euforia do início do governo do Presidente Fernando Collor, na Lei 8.009/90, sem que a propositura fosse adequadamente discutida dentro do próprio Congresso Nacional, a nível de Câmara dos Deputados e Senado Federal, e muito menos, com os diversos segmentos da sociedade brasileira.

É bom lembrar ainda, que essa foi talvez a Medida Provisória aprovada e convertida em lei, no menor tempo (apenas 20 dias), desde que essa malfadada solução adotada pela Constituição de 1988, para casos urgentes e de relevância, e que ao longo do tempo acabou sendo desvirtuada de sua origem constitucional, e  vem sendo usada, por todos os Presidentes eleitos e reeleitos, de forma desmedida, abusiva, aniquilando todo o processo legislativo brasileiro.

Parecia-nos, quando acompanhávamos a discussão e tramitação do Projeto de Lei nas casas congressuais, que o legislador acabaria por corrigir uma injustiça criada pela Lei nº 8.009/90. ao delimitar a impenhorabilidade do bem de família no valor equivalente  até 1000 (um mil) salários mínimos, representando na moeda atual em R$ 350.000,00 (trezentos mil reais).

Tal valor, vinculado ao salário mínimo, seria  reajustado anualmente, e parece-nos suficiente para que o devedor, independente da natureza da dívida, reserve para si e sua família, moradia digna, com a aquisição de imóvel deporte médio/alto, com conforto suficiente, mesmo nos centros urbanos mais desenvolvidos, em perfeita  consonância com a própria Constituição Federal, que garante em seu artigo 1º, inc. III, dignidade humana a todos os brasileiros, e no seu artigo 6º, coloca a moradia como um direito social de 2º geração, podendo com o valor excedente, possibilitar a penhora para garantia do  pagamento de suas dívidas.

Mais uma vez,  a justificativa do veto foi que “o Projeto de Lei quebrou o dogma da impenhorabilidade absoluta do bem de família, ao permitir que seja alienado o de valor superior a mil salários mínimos”.  As razões apresentadas na mensagem presidencial se mostram pouco convincentes,  pois o direito não pode ser alimentado simplesmente por “dogmas”, pela “tradição”, que no caso são até discutíveis, pois tal proteção existe há apenas 16 anos, o que é pouco tempo para “construção de um dogma”, “formação de uma tradição”,

No mais, se o veto foi oposto para proteção do “dogma da impenhorabilidade”, porque ainda não se excluiu do texto da Lei 8.009/90, a possibilidade da penhorabilidade do bem de família do fiador locatício?  Por acaso, os fiadores estão alijados da proteção constitucional do direito à moradia, e o tal dogma da impenhorabilidade não pode favorecê-los também?

Temos assim, que os dois vetos aos dispositivos criados pelo legislador no Projeto de Lei vetado, não contribuíram para o aperfeiçoamento do  equilíbrio das relações humanas e sociais que devem permear constantemente na sociedade, protegendo, de forma equânime, equilibrada,  tanto os devedores quanto os credores, de forma justa e equilibrada.

Por fim, o veto ao artigo 6º, consiste no prazo entrada em vigor da nova lei, que o legislador previu para 6 meses, e que  acabou, face ao veto presidencial, tendo a vacatio legis de apenas 45 dias, tempo muito exígüo, ao nosso ver, para a divulgação e discussão entre os operadores do direito, do novo texto legal, que introduziu profundas alterações no Processo de Execução de Títulos Extrajudiciais.

É incompreensível o veto, pois as  alterações introduzidas na execução dos títulos judiciais, através da Lei 11.232/05, tiveram 6 meses para serem discutidas e assimiladas, e o mesmo tratamento foi negado aos operadores do direito, para a Lei sob comento. Oportuno ainda, é lembrar que a Lei foi sancionada no mês de dezembro, às vésperas do recesso do judiciário, em pleno período de festividade do Natal e Ano Novo, em que as atividades acadêmicas estão em período de descanso e tradicionalmente (isso sim é tradição), as atividades forenses estão a passo de tartarugas. Chegamos certamente à vigência da Lei, a partir de 22 de janeiro de 2007, sem que a comunidade jurídica de forma geral, tenha se adequou ou assimilado as mudanças introduzidas. Nem Códigos de Processo Civil atualizados tínhamos à época  ainda no mercado para consulta!!!

Afinal de contas, porque tanto açodamento, tanta pressa para a nova lei entrar em vigor, se na prática, de início, pouca aplicação prática essas alterações vão trazer, em razão do desconhecimento das novas normas processuais?

Sabemos que esse veto, na prática, tornará definitiva a nova data atribuída pelo Presidente da República, por força de disposição contida na Lei de Introdução do Código de Processo Civil. Isso em razão do recesso parlamentar, e da exigüidade do prazo para apreciação  e exame do veto imposto.

Mesmo sabendo de que a derrubada de tal veto, é na prática inviável, não podemos, coerentes com posição assumida em artigos anteriores, silenciar nosso inconformismo com o prazo de 45 dias de vacatio legis, atribuído à vigência da Lei 11.382/06, que tantas alterações procedimentais trouxe ao Código de Processo Civil, no que tange ao Processo de Execução,  pois temos opinado de que a reforma processual, após a Emenda Constitucional 45/2004,  deveria ter sido  feita de uma só vez, com prazo de  6 meses a um ano para entrada em vigor, para o fim de assegurar  maior segurança jurídica e melhor efetividade jurisdicional, com a  possibilidade de  harmonização, de uma só vez, das diversas  normas processuais, para melhor assimilação dos operadores do direito em geral, e  dos acadêmicos de direito, em particular,  estes que tem sido sacrificados com as mudanças constantes dos conteúdos programáticos ao longo do ciclo regular de estudos nas Instituições de Ensino Superior. 

Nos últimos dois ou três anos, particularmente, os estudantes assimilaram um conteúdo durante o curso, e se viram  submetidos ao Exame da OAB ou concursos públicos, na área jurídica, logo após concluírem o bacharelado, com questionamentos  sobre  conteúdos diversos.

Essas mudanças constantes na legislação, feitas em conta-gotas, ao nosso ver, se mostram nocivas e em nada contribuem para o melhor aproveitamento da máquina jurisdicional, no exercício do seu mister, que a solução e a pacificação dos conflitos na sociedade.

4.  Conclusão

Embora a Lei 11.386/06 apresente mudanças positivas no aprimoramento e agilização do processo de execução, temos que os vetos feitos pelo Presidente da República, por ocasião da sanção da nova lei, se mostram em desalinho com os propósitos  da reforma do judiciário e o aprimoramento da legislação processual, para torná-la mais efetiva e harmoniosa com a realidade social do país. Isto porque, perdemos uma grande oportunidade para corrigir as imperfeições e injustiças ocasionadas pela Lei 8.009/90, que tratou da impenhorabilidade plena do bem de família, independentemente de seu valor, e porque não possibilitou a “quebra do dogma” da impenhorabilidade da verba remuneratória, especialmente  quando esta for superior ao valor líquido equivalente a 20 salários mínimos, o que na prática, representa o valor bruto mensal de praticamente R$ 12.000,00, na moeda atual. Observe-se ainda, que a penhorabilidade, nesse caso,  recairia sobre a porcentagem de 40%, do valor líquido excedente  a 20 salários mínimos.

Por certo, retornando o Projeto vetado, ao Poder Legislativo, terá este melhor oportunidade de discutir internamente entre seus pares, e   com a sociedade em geral, e a comunidade jurídica em particular, a conveniência de se manter o atual texto sancionado pelo Presidente da República,  ou  de derrubar os vetos, no tocante a impenhorabilidade plena ou limitada do bem de família, e das verbas remuneratórias, aniquilando, quem sabe, o chamado “dogma da impenhorabilidade absoluta” e a “quebra da tradição” surgida na recente  Lei 8.009/90, ajustando o texto legal ao clamor de maior celeridade jurisdicional, com a justa solução dos conflitos, respeitando ao mesmo tempo, direitos fundamentais do devedor, sem esquecer também os direitos fundamentais do credor.

Está com o Poder Legislativo, a oportunidade da melhor resposta à sociedade brasileira.    

 


 

DADOS BIBLIOGRÁFICOS DO AUTOR

* O autor é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em Direito,  Professor  Universitário,  ministra cursos práticos de Atualização  Profissional nas Unidades da ESA – Escola Superior da Advocacia e em Curso Jurídicos, no Estado de São Paulo.  É  coordenador  e  editor responsável do Site  Jurídico   www.prolegis.com.br.     E-mail para contato:  prof.clovis@terra.com.br

Homem é impedido de se aproximar a menos de 100 metros do local onde trabalha a ex-esposa

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OPINIÃO –  *Maria Berenice Dias  –  Lei "Maria da Penha". Medidas protetivas de urgência. Afastamnto do agressor do local de trabalho da vítima. 

Em boa hora, a Lei 11.340/2006, chamada de Lei Maria da Penha, inseriu no ordenamento jurídico brasileiro um rol de medidas visando resgatar a cidadania feminina e assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência.

A partir de agora as agressões sofridas pelas mulheres sejam de caráter físico, psicológico, sexual, patrimonial e inclusive moral, passam a ter tratamento diferenciado pelo Estado.

Dentro das medidas protetivas de urgência elencadas pela lei, o juiz possui a faculdade de fixar, inclusive em metros, a distância a ser mantida pelo agressor não apenas da residência mas também dos locais de convivência da vítima, entre eles, de seu local de trabalho. A liberdade de locomoção encontra limite no direito do outro de preservação da vida e da integridade física. Assim, se mostra imperioso assegurar a integridade física e psíquica da recorrente, determinando que o agressor mantenha-se afastado a pelo menos 100 metros do local de trabalho da agravante. Aplicabilidade do art. 22, III, "a" da Lei 11.340/2006.

Agravo parcialmente conhecido e provido.

Agravo de Instrumento – Sétima Câmara Cível
Nº 70018581652 – Comarca de Novo Hamburgo
S.C.S. – AGRAVANTE
E. R. – AGRAVADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em conhecer parcialmente e dar provimento ao agravo de instrumento interposto.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves e Des. Ricardo Raupp Ruschel.

Porto Alegre, 25 de abril de 2007.

DES.ª MARIA BERENICE DIAS,
Presidenta e Relatora.

RELATÓRIO

Des.ª Maria Berenice Dias (Presidenta e RELATORA)

Trata-se de agravo de instrumento interposto por S.C.S, irresignada com a decisão das fls. 43-44, que, nos autos da ação de dissolução de união estável, em face de E.R., indeferiu o pedido de afastamento de no mínimo 100 metros do local de trabalho da agravante.

Alega que para evitar maiores danos físicos, morais e psicológicos requer o afastamento compulsório do agravado da residência e do local de seu trabalho. Relata que além das agressões físicas sofridas durante o relacionamento, em uma oportunidade o agravado invadiu seu local de trabalho e passou a ofendê-la e desprestigiá-la perante seus colegas, clientes e chefia, colocando em risco seu emprego. Afirma que o demandado já reside em outra casa, mas é necessário que haja a definição jurídica da ruptura da vida conjugal nesta fase via separação judicial de corpos. Requer liminarmente seja deferido o afastamento do agravado do convívio do lar, bem como, para que este se mantenha afastado no mínimo a 100 metros do seu local de trabalho. Pugna pelo provimento do recurso interposto (fls. 2-6 ).

O desembargador-plantonista deferiu o pedido liminar (fls. 48).

Sobrevieram aos autos informações do Juízo a quo, informando o deferimento da separação de corpos e que a postulação da recorrente quanto a limitação territorial do agravado restou indeferida, tendo em vista a afronta ao direito de liberdade e locomoção do demandado (fl. 51).

A Procuradora de Justiça opinou pela prejudicialidade parcial do recurso e pelo desprovimento do agravo de instrumento (fls. 53-55).

É o relatório.

VOTOS

Des.ª Maria Berenice Dias (Presidenta e RELATORA)

De início, impende ser conhecido em parte o presente recurso.

A recorrente requereu o afastamento do agravado do lar conjugal e de no mínimo 100 metros de seu local de trabalho, sendo o pedido indeferido na fl. 42.

Após a interposição do recurso, sobrevieram aos autos informações do Juízo singular, informando o deferimento da separação de corpos e a negativa da postulação realizada pela recorrente quanto a limitação territorial do agravado, tendo em vista possível afronta ao direito de liberdade e locomoção do demandado (fl. 51).

Desta forma, o presente recurso resta parcialmente prejudicado, devendo ser apreciado tão-somente em relação ao pedido de afastamento do recorrido de pelo menos 100 metros do local de trabalho da recorrente, merecendo provimento a irresignação da agravante.

As ameaças e agressões sofridas pela recorrente estão cabalmente evidenciadas nos diversos boletins de ocorrência juntados aos autos (fls. 32-33, 37 e 46).

Em boa hora, a Lei 11.340/2006, chamada de Lei Maria da Penha, inseriu no ordenamento jurídico brasileiro um rol de medidas visando resgatar a cidadania feminina e assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência.

A partir de agora as agressões sofridas pelas mulheres sejam de caráter físico, psicológico, sexual, patrimonial e inclusive moral, passam a ter tratamento diferenciado pelo Estado.

Dedica a lei, nos seus artigos 18 a 24, um capítulo às medidas protetivas de urgência, existindo em um dos artigos a seguinte previsão (sem destaque no original):

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

Conforme manifestei em obra lançada recentemente, além da medida protetiva de afastamento do agressor do lar, também merece ser adotado o procedimento de manter-se o agressor distante da vítima:

Outra forma de impedir contato entre agressor e ofendida, seus familiares e testemunhas é fixar limite mínimo de distância de aproximação (art. 22, III, “a”). Para isso o juiz tem a faculdade de fixar, em metros, a distância a ser mantida pelo agressor da casa, do trabalho da vítima, do colégio dos filhos.

(…)

Dita vedação não configura constrangimento ilegal e em nada infringe o direito de ir e vir consagrado em sede constitucional (CF, art. 5º, XV). A liberdade de locomoção encontra limite no direito do outro de preservação da vida e da integridade física. Assim, na ponderação entre vida e liberdade há que se limitar esta para assegurar aquela. (A Lei Maria da Penha na Justiça. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: RT, 2007 – sem grifo no original).

Assim, se mostra imperioso assegurar a integridade física e psíquica da recorrente, determinando que o agressor mantenha-se afastado a pelo menos 100 metros do local de trabalho da agravante.

Por tais fundamentos, o provimento do agravo se impõe.

Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – De acordo.
Des. Ricardo Raupp Ruschel – De acordo.

DES.ª MARIA BERENICE DIAS – Presidente – Agravo de Instrumento nº 70018581652, Comarca de Novo Hamburgo: "À UNANIMIDADE, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA DETERMINAR QUE RECORRIDO MANTENHA-SE AFASTADO A PELO MENOS 100 METROS DO LOCAL DE TRABALHO DA AGRAVANTE."
Julgadora de 1º Grau: LUCIA HELENA CAMERIN


Colaboração:
Maria Berenice Dias:  Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.
www.mariaberenice.com.br

STF confirma decisão de 1999 sobre Emenda Constitucional 20

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JURISPRUDÊNCIA –   

Em decisão unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou hoje (3) a constitucionalidade do parágrafo 13 do artigo 40 da Constituição Federal, que determina a aplicação do Regime Geral da Previdência Social ao servidor que ocupa cargo em comissão ou temporário. O dispositivo foi questionado em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2024) proposta pelo governo do Estado do Mato Grosso do Sul. A decisão desta quinta-feira manteve o resultado de julgamento que, em 1999, indeferiu a liminar pedida na ação.

O dispositivo questionado foi incluído na Constituição por meio da Emenda Constitucional 20, de 1998. Segundo o relator do caso, ministro Sepúlveda Pertence, quando a liminar foi julgada, o Supremo firmou entendimento de que a incidência do Regime Geral da Previdência Social ao servidor público que ocupa cargo em comissão ou temporário não ofende a cláusula pétrea que veda a edição de emenda constitucional que possa abolir a forma federativa de Estado.

Ao citar parecer do Ministério Público Federal (MPF), pela improcedência da ação, o ministro Sepúlveda Pertence lembrou que a matéria poderia ter sido regulamentada por lei federal. “Maior razão assiste ao tratamento da matéria por meio de emenda constitucional, cujo processo legislativo, impende lembrar, é de trâmite muito mais custoso.”

Outro argumento rechaçado por Sepúlveda foi o de que o dispositivo ofenderia o princípio constitucional da imunidade tributária recíproca dos entes federativos (artigo 150, inciso 6, alínea ´a` da Constituição). "De fato, assentou o Tribunal [STF], por diversas vezes, que imunidade tributária refere-se apenas aos impostos, pelo que não pode ser invocada na hipótese de contribuições previdenciárias", afirmou Pertence.

FONTE:  STF, 03 de maio de 2007