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Questões controvertidas na doutrina e jurisprudência sobre a responsabilidade civil do Estado.

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  * Hugo Eduardo Mansur Góes.

Sumário: 1.Introdução; 2.A denunciação da lide nas ações contra o Estado; 3.Responsabilidade do magistrado (Estado) por seus atos jurisdicionais; 4. Responsabilidade civil do Estado por atos legislativos. 5.Omissão do Estado: responsabilidade subjetiva ou objetiva?; 6.Responsabilidade do Estado por atos de presidiário fugitivo contra terceiros.7.Conclusões; 8.Notas de rodapé convertidas; 9.Bibliografia.

1. Introdução.

O objetivo deste trabalho é levar aos leitores um pouco das questões controvertidas que envolvem o tema Responsabilidade Civil do Estado, mostrando as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, com especial atenção às posições dos tribunais superiores.

Dentre os temas selecionados, vemos que alguns já ocupam vastas discussões na doutrina a várias décadas. Outros, mais recentes, merecem uma maior atenção e debate em razão do alto grau de complexidade e, em muitos casos, percebemos um certo temor do próprio Estado em que estas discussões venham à tona com maior fervor.

A evolução do Direito Administrativo, desde o famoso caso “Blanco” faz com que, questões como as que discorreremos neste trabalho não permaneçam estanques, amordaçadas, apesar de em muitos casos, a solução pareça transparente.

Não haverá limites para os debates que permeiam a responsabilidade do Estado. A relação entre esta imensa entidade e os seus administrados nunca será algo imobilizado no tempo. Apesar de não termos limites para os debates, limites haverão e estarão clarificados quando pensamos em que moldes os abusos do Estado podem ser mitigados e, em não havendo possibilidade de lhe colocar em igualdade jurídica com o administrado, que seja possível um abrandamento, uma mitigação, como dito, do seu jus imperium. 

Já dizia Luis Maria Cazorla Pietro: “A idéia de supremacia da Administração no seio da relação jurídico-administrativa frente ao administrado entra numa grande crise com o advento do Estado planificador que em todo o absorve e que se adentra em terrenos outrora desconhecidos, o que há acarretado que, em diversas ocasiões a superioridade da Administração Pública no vinculo relacional se coloque em duvida”.[1]

2. A denunciação da lide nas ações contra o Estado.

Para o processualista Humberto Theodoro Junior, a denunciação da lide “consiste em chamar o terceiro (denunciado), que mantém um vinculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo”.[2]

A denunciação da lide, como vimos, é movida pelo denunciante em face do denunciado, instaurando, assim, uma outra demanda processual, esta de natureza secundária, que deverá ser julgada em conjunto com a ação principal.Apesar do denunciado ser adversário do denunciante, tem (o denunciado) interesse em que o denunciante vença a demanda para que não tenha a obrigação de indenizá-lo dentro da ação principal.

Esta é a visão processualística da denunciação da lide e que com alguns reparos, é utilizada no Direito Administrativo para solucionar os conflitos na relação que se triparte em Estado, administrado e servidor público latu sensu.

Lanço então a velha questão: Numa ação contra o Estado, devemos acionar somente o Estado ou devemos acionar o Estado conjuntamente com o agente público, num litisconsórcio passivo?

Nos deparamos, assim, com a primeira divergência deste trabalho.

Para uma primeira corrente doutrinária, é uma obrigatoriedade imposta ao autor a propositura da ação contra a Fazenda Pública e o agente público, cumulativamente, num litisconsórcio passivo. Caso não seja proposta a ação contra o Estado e o agente público, mas somente contra o Estado, este deve promover a denunciação da lide do agente público, com base no artigo 70, inciso III do Código de Processo Civil, se aquele (o agente) estiver identificado e tiver agido com dolo ou culpa.

Diz o artigo 70, inciso II do CPC:

                              “A denunciação da lide é obrigatória:

I-…………………………………………………………….

II-……………………………………………………………

                              III – àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”.

Em sentido favorável à denunciação da lide ao agente público, existe farta jurisprudência, argumentando-se o seguinte:

a) o art. 70, III do CPC alcança todos os casos de ação regressiva;

b) por economia processual e para evitar decisões conflitantes, a responsabilidade do agente pode ser apurada nos autos da reparação do dano;

c) recusar a denunciação da lide cerceia um direito da Administração[3].

 

Veja que esta primeira corrente doutrinária não admite apenas uma faculdade, mas impõe ao autor a propositura da ação contra o Estado e o agente público. Caso não seja formado o litisconsórcio passivo no inicio da ação (com a propositura), é dever do Estado a denunciação da lide, trazendo ao processo o agente público. 

De acordo com este primeiro entendimento doutrinário, já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “em ação de indenização por acidente de transito, a Municipalidade deve denunciar a lide ao motorista, seu funcionário, para os fins de ação regressiva”.[4]

Para uma segunda corrente doutrinária, é cabível a denunciação da lide nas ações contra o Estado, “levando” o servidor público latu sensu para formar um litisconsórcio passivo juntamente com o Estado. Para esta corrente, a possibilidade da denunciação da lide visa criar uma sintonia com o principio da economia processual, uma vez que não há necessidade da formação de duas ações: uma primeira, proposta pelo autor do dano contra o Estado e uma segunda, proposta pelo Estado contra o servidor público, em regresso. Assim, na mesma ação, o Estado vê concretizado seu direito.Isto significa economia do erário público. 

Diz o professor Humberto Theodoro Junior: “A denunciação, na hipótese, para que o Estado exercite a ação regressiva contra o funcionário faltoso, realmente, não é obrigatória. Mas, uma vez exercitada, não pode ser recusada pelo juiz”[5].

O Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento no sentido de que é uma faculdade[6] ao particular a propositura da ação contra o Estado e o agente público conjuntamente. O litisconsórcio passivo é facultativo[7].Veja, a título exemplificativo, a seguinte ementa:

 

CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. SEUS PRESSUPOSTOS. 2-PROCESSUAL CIVIL. A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO, FUNDADA EM RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO, POR ATO DE FUNCIONÁRIO (CONSTITUIÇÃO, ART-107 E PARAGRAFO ÚNICO), NÃO COMPORTA OBRIGATORIA DENUNCIAÇÃO A ESTE, NA FORMA DO ART-70, III, DO CPC, PARA A APURAÇÃO DE CULPA, DESNECESSÁRIA A SATISFAÇÃO DO PREJUDICADO. 3-RE NÃO CONHECIDO (RE 95091/RJ RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CORDEIRO GUERRA.Julgamento: 03/02/1983. Órgão Julgador:  SEGUNDA TURMA. Publicação:  DJ 18-03-1983 PG-12977 EMENT VOL-01287-01 PG-00308 RTJ VOL -00106-03 PG-01054).

Uma terceira corrente doutrinária tem um entendimento contrário à possibilidade de denunciar à lide o agente público. Dentre tantas justificativas, há as seguintes:

a) a CF/88, no seu §6º, responsabiliza o Estado pelo ressarcimento à vitima do dano, com base na prova do nexo causal e numa ação contra o Estado. Está se tratando de uma relação de responsabilidade estritamente entre o Poder Público e a vitima (ou cônjuge e herdeiros), descabida a interferência de outra relação obrigacional. Portanto, o art. 70, inciso III do CPC deixa de prevalecer ante a regra constitucional.

b) necessidade de priorizar o direito da vitima, evitando demora no andamento do processo pelo ingresso de mais de um sujeito.

c) ingerência de um fundamento novo na demanda principal.

Se a ação de reparação de dano correr sem denunciação da lide, não se exaure o direito de regresso da Administração, que poderá invoca-lo em ação própria.

Entendendo pela não obrigatoriedade do litisconsórcio passivo, diz o professor Marçal Justen Filho: “Não é possível reconhecer a existência de um litisconsórcio necessário, mas a situação tende a um litisconsórcio passivo unitário, na acepção de que a decisão condenatória ou absolutória tenderá a ser idêntica para ambos”.[8]

Seguindo este entendimento, diz a professora Lucia Valle Figueiredo: “Não pode lei menor empecer a grandeza do instituto. A pretexto da discutível economia processual, não se pode deixar instaurar, no bojo da lide, outra lide – a do Estado e do funcionário -, ocasionando graves percalços ao lesado”.[9]

Para o professor Vicente Greco Filho, o inciso III do art. 70 refere-se ao garante e não ao funcionário, cuja responsabilidade seria ainda aferida[10].

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) predomina o entendimento pelo não-cabimento da denunciação da lide: “Na relação à exegese do art.70, III do CPC, melhor se recomenda a corrente que não permite a denunciação nos casos de alegado direito de regresso cujo reconhecimento demandaria analise de fundamento novo não constante da lide originária”.[11]

É também o entendimento dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo: “Esta é a regra: o Estado indeniza a vitima, independentemente de dolo ou culpa desta, e o agente ressarce a Administração, regressivamente, se houver dolo ou culpa de sua parte, agente. É inaplicável a denunciação da lide pela Administração a seus agentes, no caso da ação de reparação de dano”.

E continuam: “Embora não seja unânime na doutrina a respeito, a orientação dominante é no sentido de ser incabível a denunciação da lide, pois, caso exigida, essa formalidade processual resultaria em inegável prejuízo para o particular, que veria procrastinado o exercício do seu direito legitimo à reparação como vitima do dano (em razão da responsabilidade objetiva), em função da dependência que ficaria o litígio da solução deste em face daquela. Enfim, o ingresso do agente no litígio traria injustificado retardamento na recuperação do dano à vitima, que, como vimos, não depende da comprovação de culpa ou dolo do agente para ter direito à indenização”.[12]

É também o entendimento do professor Diógenes Gasparini: “Se dirigida (a ação) contra a Administração Publica, não cabe denunciar à lide o agente causador do dano, numa aplicação sem muito cuidado do art.70, III do CPC (RTInforma, 352:20), embora haja divergência (RT, 540:103)”.[13]

De uma maneira geral, os processualistas são favoráveis à possibilidade da denunciação à lide do funcionário público, causador do dano, nas ações de responsabilidade civil do Estado. Já os administrativistas, na sua grande maioria, repudiam a possibilidade da denunciação da lide.

3.  Responsabilidade do magistrado (Estado) por seus atos jurisdicionais.

De uma forma generalizada, este tema não é muito debatido na doutrina. Se pesquisarmos nos mais respeitados livros de Direito Administrativo, percebemos que são dedicadas uma ou duas páginas sobre o tema. Há um certo desconforto em aprofundar o assunto, talvez por se tratar da responsabilização de um agente político, figura onipotente.

Por outro lado, a possibilidade da responsabilidade do magistrado por seus atos, seja dentro da própria ação contra o Estado (sendo o juiz denunciado à lide), seja em ação própria, deve ter parâmetros e bom censo.De fato, a autonomia das decisões da magistratura credita o Judiciário, torna o órgão forte e não pode ser medida ou menosprezada em razão da chicana de parcela minoritária dos juizes.

Estaremos também, neste tópico, mostrando as posições doutrinárias e jurisprudenciais acerca deste tema tão delicado e controvertido. Veremos que a doutrina praticamente não toca no assunto concernente à responsabilidade do juiz enquanto pessoa. Falam, na sua grande maioria em responsabilidade ou irresponsabilidade do Estado. Por isso, propositadamente, titulamos este tópico como “Responsabilidade do magistrado (Estado)…”, deixando a responsabilidade do Estado em segundo plano (apesar de sabermos que a ação por danos causados pelos atos jurisdicionais deva ser intentada contra o Estado na sua acepção ampla, que responderá pelos atos do Poder Judiciário, já que esse é um dos seus poderes e não possui legitimidade passiva).Desta forma, poderemos, contrapondo as posições doutrinárias, refletir um pouco mais sobre o tema e não trata-lo somente com a tão conhecida superficialidade.   

Para uma primeira corrente doutrinária, não se deve generalizar a responsabilidade do juiz pelos seus atos jurisdicionais. Para esta corrente, somente poderíamos cogitar numa ação em regresso contra o Estado, e assim, entendamos contra o magistrado, diante de erro de condenação em sede criminal.

Os argumentos desta corrente doutrinária são:

a) o Poder Judiciário é soberano.

b) os juizes têm que agir com independência no exercício das funções, sem o temor de que suas decisões possam ensejar a responsabilidade do Estado.

c) o magistrado não é servidor público.

d) a indenização por dano decorrente de decisão judicial infringiria a regra da imutabilidade da coisa julgada.

De fato, presenciamos tanto em doutrina quanto na jurisprudência que a responsabilidade do Estado por danos oriundos de atos jurisdicionais ainda não foi plenamente acolhida. Justifica-se a irresponsabilidade pela necessidade de preservar a independência do judiciário (autoridade da coisa julgada) e a soberania dos juizes como órgãos de soberania nacional.

Diz a professora Odete Medauar: “Somente vem sendo aceita a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário de natureza criminal, em virtude do art.630 do CPP…”.

“O direito à reparação por erro judiciário (criminal) independe de revisão da sentença (art.5º, LXXV da CF/88[14]). O preceito não vincula o direito à indenização à revisão da sentença”[15], conclui Medauar.

Odete Medauar entende que somente há responsabilidade civil do Estado nos casos de erro na condenação em sede de juízo criminal.

Veja o que diz o art. 630 do Código de Processo Penal Brasileiro:   

O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a     uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.

§ 1o  Por essa indenização, que será liquidada no juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiiva justiça.

§ 2o  A indenização não será devida:

a) se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;

b) se a acusação houver sido meramente privada.

Em consonância com esta primeira corrente, veja o que dizem os professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo: “A jurisprudência brasileira não admite a responsabilidade civil do Estado em face dos atos jurisdicionais praticados pelos magistrados. Assim como em relação aos atos legislativos, a regra é a irresponsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais típicos, praticados pelo juiz na sua função típica, que é dizer o Direito, sentenciando”.

“Em relação às condutas culposas (quando profere sentença com negligencia, sem apreciar devidamente os elementos constantes dos autos, por exemplo), prevalece a regra geral relativa aos atos jurisdicionais, da irresponsabilidade civil”[16].

O Supremo Tribunal Federal tem entendido em decidir pela irresponsabilidade do Estado pelos danos acarretados pela pratica de atos judiciais.Veja, por exemplo, a seguinte ementa:

 

RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – ATO DO PODER JUDICIÁRIO – A ORIENTAÇÃO QUE VEIO A PREDOMINAR NESTA CORTE, EM FACE DAS CONSTITUIÇÕES ANTERIORES À DE 1988, FOI A DE QUE A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO NÃO SE APLICA AOS ATOS DO PODER JUDICIÁRIO, A NÃO SER NOS CASOS EXPRESSAMENTE DECLARADOS EM LEI – PRECEDENTES DO STF – RECURSO EXTRAORDINARIO NÃO CONHECIDO (STF, 1ª Turma, 11/12/1992, RTJ 145/268).

 

Para uma segunda corrente doutrinária, deve haver a responsabilidade do Estado, mas também a responsabilidade pessoal do juiz, conforme ditames do artigo 133 do CPC.

Diz o artigo:

Responderá por perdas e danos o juiz, quando:

I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;

II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Parágrafo Único.Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.

Voz dissonante da teoria da irresponsabilidade do Estado, com coerência, diz a professora Lucia Valle Figueiredo: “Quanto aos atos judiciais, impende remarcar que, mesmo difícil sua aferição, será possível a responsabilização do Estado por prestação jurisdicional a destempo e denegatória da justiça, bem como por decisões totalmente desconcertadas de standarts mínimos de razoabilidade”.[17] 

Impende ressaltar que para esta segunda corrente doutrinária, a responsabilidade do magistrado (Estado) não deve se dar somente nas sentenças e acórdãos, mas também em qualquer decisão interlocutória proferida. Por exemplo, uma antecipação de tutela flagrantemente mal concedida e que causou dano à outra parte, uma antecipação de tutela que não foi concedida (mas que era claro o preenchimento dos requisitos para a concessão) e que acabou causando dano à parte que a pediu, a não permissão pelo magistrado da ouvida de uma testemunha importante no processo sem que tivesse razões plausíveis para isto,… 

Neste sentido, é o depoimento do professor Lafayette Pondé: “Relativamente aos atos judiciários ninguém pode hoje acobertá-los de imunidade, sob pretexto de serem expressão de soberania. Este argumento provaria de mais, porque daria com a irresponsabilidade mesma da Administração e do Legislativo, já que o Judiciário não é um superpoder colocado sobre estes dois”.[18]

Referindo-se à Constituição Portuguesa, deixamos aqui registrada a voz autorizada de José Joaquim Gomes Canotilho: “Além da responsabilidade da administração, a norma constitucional está aberta à responsabilidade por facto das leis (responsabilidade do Estado-legislador) e à responsabilidade por facto da função jurisdicional (responsabilidade do Estado-juiz). Relativamente a esta última, a Constituição consagra expressamente o dever de indemnização nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade (CRP, art. 27) e nos casos de erro judiciário (CPR, art.29), mas a responsabilidade do Estado-juiz pode e deve estender-se a outros casos de culpa grave de que resultem danos de especial gravidade para o particular”.[19]

Também em consonância com a responsabilidade do ato jurisdicional não restrito ao campo penal, relata a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro: “A jurisprudência brasileira, como regra, não aceita a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, o que é lamentável porque podem existir erros flagrantes não só em decisões criminais, em relação às quais a Constituição adotou a tese da responsabilidade, como também nas áreas cível e trabalhista. Pode até ocorrer o caso em que o juiz tenha decidido com dolo ou culpa; não haveria como afastar a responsabilidade do Estado. Mas, mesmo em caso de inexistência de culpa ou dolo, poderia incidir essa responsabilidade, se comprovado o erro da decisão”.[20] 

Iremos ilustrar nosso trabalho com uma ementa de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que para a professora Maria Sylvia Zanella di Pietro pode significar mudança na orientação da jurisprudência no que diz respeito à responsabilidade do Estado por atos judiciais.Trata-se de acórdão proferido no Recurso Extraordinário 228.977/SP, em que foi Relator o Ministro Néri da Silveira, julgado em 05/03/2002 (DJU de 12/04/2002). Nele, há um trecho em que possibilita ao Estado o direito de acionar regressivamente o magistrado responsável, nos casos de dolo ou culpa.

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AÇÃO REPARATÓRIA POR ATO ILICITO.   ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA. 2.  RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ESTADO. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente público, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação especifica.3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual – responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, ao qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa.4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art.37, §6º, da CF/88. 5.Recurso Extraordinário conhecido e provido  (RE 228.977-2/SP. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.       Relator(a):  Min. NÉRI DA SILVEIRA. Julgamento: 05/03/2002. Órgão Julgador:  SEGUNDA TURMA. Publicação:  DJ 12-04-2002 PG-12977 EMENT VOL-2064-4 PG-10)[21].

 

Veja que apesar de, no geral, a ementa conter uma natureza restritiva com relação à responsabilidade do magistrado pelo mesmo ser agente público, é de se notar que há um trecho em que fica clara a possibilidade de ação regressiva contra o juiz (“ao qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa”).

4. Responsabilidade civil do Estado por atos legislativos.

Para uma primeira corrente doutrinária, não é possível a responsabilização civil do Estado por atos legislativos em face de que:

a) há o exercício soberano do poder de legislar.

b) a lei é norma de caráter geral (generalidade) e impessoal (impessoalidade), não sendo suscetível de causar dano a individuo determinado, pois é editada para beneficiar a todos.

Com relação ao tema, o professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto faz uma diferenciação entre ato legislativo propriamente dito e ato legislativo materialmente administrativo. Diz o professor: “o ato legislativo, por suas características de generalidade e abstração, não causa danos diretos, de modo que, se, por hipótese, da revogação ou da derrogação do direito objetivo decorrerem danos, não serão mais que prejuízos de fato, e o Estado nada tem de indenizar. Diferentemente, se a lei permitir uma execução direta, imediata e concreta, ela terá natureza de um ato materialmente administrativo e nestas condições, poderá causar danos indenizáveis”.[22]  

No mesmo sentido desta corrente doutrinária, entendendo pela não responsabilidade do Estado por seus atos legislativos, os professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[23] argumentam que tal responsabilidade não é cabível em razão da generalidade, impessoalidade e abstração das leis.

Para uma segunda corrente doutrinária, a responsabilidade civil do Estado por danos derivados de lei inconstitucional dependeria da apuração de culpa.

O professor Marçal Justen Filho, partidário desta corrente, argumenta: “De modo genérico, reputa-se que a edição da lei não gera dever de indenizar. Mas essa concepção merece reparos. Há pelo menos três hipóteses em que caberá a responsabilização civil do Estado, que são a edição de lei inconstitucional, a edição de lei materialmente defeituosa e a responsabilização civil por omissão legislativa”.

Continua o professor: “… a ausência de norma jurídica qualificando a conduta ativa como obrigatória conduz a uma infração omissiva imprópria. Nesse caso, a responsabilização civil do Estado depende da comprovação da violação ao dever de diligencia”.[24]

Para uma terceira corrente doutrinária, é admissível a responsabilidade objetiva do Estado por leis inconstitucionais, assim declarados.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem alguns julgados neste sentido, como, por exemplo, o RE 153.464, julgado em setembro de 1992, constando o seguinte trecho na sua ementa: “O Estado responde civilmente por danos causados aos particulares pelo desempenho inconstitucional da função de legislar”.[25]

Para a professora Odete Medauar, é possível não somente a responsabilidade do Estado por leis abstratas e dotadas de caráter de generalidade, mas também por atos legislativos diretos, a pessoas determinadas.

Fica aqui registrada a lição da professora: “Pode-se cogitar, ainda, da responsabilidade do Estado por ato legislativo típico, causador do dano a uma categoria de pessoas ou o numero exíguo de pessoas, porque, no tocante ao dano, deixou de ter o caráter de ato geral e impessoal. No Direito Francês já se decidiram alguns casos nessa linha”.[26]

5. Omissão do Estado: responsabilidade subjetiva ou objetiva?

Para uma primeira corrente doutrinária, no caso de omissão, responsabilidade do Estado é subjetiva.Filia-se a esta corrente, dentre outros autores, o professor Dirley da Cunha Junior[27].

Em consonância com este entendimento, explica a professora Lucia Valle Figueiredo: “No tocante aos atos ilícitos decorrentes de omissão, devemos admitir que a responsabilidade só poderá ser inculcada ao Estado se houver prova de culpa ou dolo do funcionário”.

Completa a professora: “Deveras, ainda que consagre o texto constitucional a responsabilidade objetiva, não há como se verificar a adequabilidade da imputação ao Estado na hipótese de omissão, a não ser pela teoria subjetiva. Não há como provar a omissão do Estado sem antes provar que houve faute du service. É dizer: não ter funcionado o serviço, ter funcionado mal ou tardiamente”.[28]

A titulo exemplificativo, extrai-se a seguinte passagem do voto vencedor do Min. Sepúlveda Pertence, no julgamento de Recurso Extraordinário 237.536, em que ele foi Relator: “parece dominante na doutrina brasileira contemporânea a postura segundo a qual somente conforme os cânones da teoria subjetiva, derivada da culpa, será admissível imputar a responsabilidade pelos danos possibilitados por sua omissão”. Essa tem sido a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Em julgamento do Recurso Extraordinário 179.147, em que foi Relator o Ministro Carlos Velloso, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, firmou a distinção entre a responsabilidade civil do Estado decorrente de ação de seus agentes (responsabilidade objetiva) e a responsabilidade civil do Estado no caso de danos pela omissão da Administração (responsabilidade subjetiva).Reproduzimos aqui parte da ementa do acórdão:

 

“I-A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço publico, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa; c) e desde que haja o nexo causal entre o dano e a ação administrativa. II-Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vitima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. III-Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas vertentes, negligencia, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualiza-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute du service dos franceses”.

 

Filiado a esta primeira corrente doutrinária, diz o professor Diógenes Gasparini: “Em suma, o Estado responde, hoje, subjetivamente, com base no art.15 do Código Civil, pelos danos advindos de atos omissivos se lhe cabia agir (responsabilidade determinada pela teoria da culpa do serviço) e responde objetivamente, com fulcro no art. 37, §6º da CF, por danos causados a terceiros, decorrentes de comportamentos lícitos, enquanto o seu agente causador direto do dano responde, sempre, subjetivamente…”.[29]

Os professores Marcelo Alexadrino e Vicente Paulo exemplificam situações em que a responsabilidade do Estado é subjetiva: “É o caso de uma manifestação pública, em que uma multidão de terceiros (particulares não na qualidade de agentes públicos) venha a causar danos às pessoas, depredando propriedades, por exemplo; ou de fenômenos da natureza, como vendavais, chuvas, enchentes, etc… que venham a causar sérios prejuízos à população. Nessas hipóteses, a indenização estatal só será devida se restar comprovada a culpa da Administração (responsabilidade subjetiva)”.[30]

Segundo os professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, caso ocorra uma enchente e ficando comprovado que os serviços prestados pela Administração foram insuficientes, deverá ela ser responsabilizada. Esta situação é muito comum de ocorrer quando as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acumulo das águas e gerando prejuízo, inundando garagens, deixando os carros submersos[31].

Ainda seguindo os ensinamentos dos professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, pode ocorrer uma enchente e que, nesta situação, todo o sistema de escoamento esteja em perfeitas condições, mas em razão de excepcional e imprevisível continuidade e intensidade das chuvas, o sistema de escoamento não funcionou. Nessa situação, restará descaracterizada, pelo infortúnio, a responsabilidade da Administração[32].

Outros exemplos de responsabilização subjetiva do Estado decorrente de sua omissão podem ser enumerados, como um assalto a um particular que tenha buscado refugio em local próximo a um posto policial e os policiais nada tenham feito para impedir o assalto diante deles ocorrido. Outrossim, os deslizamentos de terra decorrentes de chuvas (ou mesmo espontâneos), se antes já era visivelmente perigoso morar próximo à encosta e o Poder Público nada tenha feito para retirar previamente as pessoas do local[33].

Para uma segunda corrente doutrinária, a responsabilidade do Estado por ato omissivo deve ser objetiva.

A doutrina de um modo geral, salvo raras exceções, não discrimina entre o dano decorrente de ação e dano decorrente de omissão do Estado, para fins de se fixar a natureza da responsabilidade do Estado, considerando, para ambas as hipóteses, a responsabilidade objetiva.

Com base monografia precisa de João Agnaldo Donizeti Gandini e Diana Paola da Silva Salomão, não é difícil concluir que, "a partir do advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do Estado pelo serviço público remunerado por tarifa ou preço público, é de natureza objetiva, tanto para as condutas comissivas como para as omissivas”.[34]

O STF já decidiu que não é qualquer omissão estatal em que a responsabilidade estatal é subjetiva. Para a Suprema Corte há dois tipos de omissão: a omissão geral e a omissão específica. Para a omissão geral, a responsabilidade é subjetiva, enquanto para a omissão específica é objetiva[35] (ex: descumprimento de ordem judicial determinando que policiais resguardem determinado patrimônio é omissão específica). Muito embora o argumento jurisprudencial revele pouca cientificidade, temos como bom parâmetro para afastar a relação direta estabelecida pela doutrina tradicional: conduta comissiva / responsabilidade objetiva e conduta omissiva / responsabilidade subjetiva. 

 6.   Responsabilidade do Estado por atos de presidiário fugitivo contra terceiros.

Esta situação relativa à fuga de detentos, com a conseqüente pratica de atos danosos às pessoas e bens têm ocupado com relativa freqüência o Judiciário.

É a hipótese de preso que foge da prisão, e enquanto estiver foragido, pratica furtos, homicídios, estupros,… Nestes casos, as vitimas têm recorrido ao Poder Judiciário pleiteando indenização do Estado. A jurisprudência não é pacifica neste particular.

 Para uma primeira corrente doutrinária, o Estado responde de forma objetiva quando um preso ao fugir do sistema penitenciário cause danos contra a integridade física ou patrimonial do administrado. Há decisões no sentido de que o Estado tem o dever de manter o condenado preso até cumprir a pena.Por isso, a fuga deste é de inteira responsabilidade do Estado e, conseqüentemente, é dele (Estado) o dever de indenizar os danos patrimoniais e morais causados pelos detentos fugitivos.

Neste aspecto, levando em conta a precariedade do funcionamento das prisões brasileiras, diz Paulo Tadeu Rodrigues Rosa: “… as pessoas não podem e não devem ser prejudicadas pela precariedade ou omissão dos serviços prestados pelo Estado”[36].

A respeito do assunto, vale dizer que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais já decidiu:

 

“Indenização – Homicídio cometido por foragido de presídio contra terceiro – Falha no serviço público de vigilância de criminoso de alta periculosidade”.– RT n º 692/145.

Sobre o tema, também já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

 

"Indenização. Fazenda Pública. Responsabilidade civil. Homicídio praticado por preso liberado, temporariamente, durante o Natal e que não retornou na data marcada. Hipótese onde houve descuido, pelo órgão policial, no cumprimento do dever de recapturar. Ocorrência de faute du service. Caracterização de responsabilidade objetiva do Estado. Art. 107 da CF antiga (atual 37, XXI, § 6º). Indenização devida. Ação procedente. Recurso não provido".[37]

Também neste sentido, deixamos aqui o registro de uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

 

“RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO. ROUBO E ESTUPRO COMETIDO POR MENORES EVADIDOS. CARACTERIZAÇÃO. Ao Estado, com exclusividade, incumbe velar pelas condições de segurança dos estabelecimentos correcionais em que se encontram segregados menores infratores dotados de grau intenso de periculosidade, pois é seu dever precípuo impedir que esses menores, estando sob sua custódia, reingressem ilegalmente ao convívio social, como parcela inerente da sua própria obrigação de garantir a segurança da sociedade. Se o ente estatal, numa atitude de descaso e de negligencia, propicia, mercê da falta de segurança, que menores dessas características se evadam de local destinado ao internamento, com os mesmos integrando-se à quadrilha, praticando, então, diretamente, delitos de estupro e de roubo, inescondível é a sua obrigação de prestar a correspondente indenização, por configurada, nos termos do art.37, §6º da CF, a sua responsabilidade objetiva” (TJ-SC-ApCível nº96.005825-27-Ac. unân. da CCível-Julgamento em 24/3/1998-Capital-Rel.Des. Trindade dos Santos).                 

Para uma segunda corrente doutrinária, o Estado não pode responder pelos danos causados por detentos foragidos. Não iremos tecer muitos comentários aos argumentos desta corrente doutrinária que, por mais inadmissíveis que sejam, ainda são acolhidos na maioria dos julgados.

Entende esta corrente que o Estado não pode ser responsabilizado pelos atos praticados por detentos fugitivos ainda que os mesmos tenham praticado os atos em razão de uma falha da sua vigilância, haja vista que a vontade para o cometimento do crime não pode ser justificado pelo fato de ainda estar cumprindo pena e não estar totalmente apto a ingressar na sociedade.

Argumenta esta corrente doutrinária que a fuga é um fato que pode acontecer em qualquer penitenciária, por mais preparada que esteja e, ainda que fosse possível implantar numa penitenciaria um sistema de vigilância na proporção de um carcereiro para um detento, ainda assim, a vontade de fugir e cometer crimes não seriam minorados.

Diante disto, vale deixar registrada a lição de Edimur Ferreira de Faria para posterior reflexão: “… se a Administração envidou todos os esforços para evitar a fuga, mas, não obstante, não conseguiu impedi-la, o Estado não deve ser responsabilizado pelas conseqüências decorrentes”.[38]Caberia neste caso analisar a culpa da Administração?

7. Conclusões.

No nosso trabalho, vimos que no que tange à denunciação da lide nas ações contra o Estado, uma 1ª corrente possui o entendimento da sua obrigatoriedade. Uma 2ª corrente doutrinária entende que é cabível a denunciação da lide, mas não obrigatória e para uma 3ª corrente doutrinária as ações contra o Estado não comportam a denunciação da lide porque a demanda contra o Estado é de natureza objetiva e a demanda contra o agente público é subjetiva (deve identificar a culpa ou dolo do agente), não sendo possível averiguar as duas situações numa mesma ação.

Com relação ao tema da responsabilidade do magistrado por seus atos jurisdicionais, vimos que uma 1ª corrente entende que não é possível a responsabilidade (os juizes têm que agir com independência no exercício das funções, sem o temor de que suas decisões possam ensejar a responsabilidade do Estado). Vimos que uma 2ª corrente doutrinaria entende que em qualquer situação deva ser possível responsabilizar o magistrado por seus atos (não só na esfera criminal, mas também na cível, trabalhista,…).

No que toca à responsabilidade do Estado por atos legislativos, para uma 1ª corrente, não é possível a responsabilidade do Estado pela edição, por exemplo, de uma lei declarada inconstitucional e que acarretem danos às pessoas. Já para uma 2ª corrente doutrinária, é possível responsabilizar o Estado pelas leis declaradas inconstitucionais que acarretam danos às pessoas, desde que comprovada a culpa e para uma 3ª corrente, é possível a responsabilidade do Estado de forma objetiva.

Na discussão da responsabilidade do Estado pela omissão de seus atos, se a mesma é objetiva ou subjetiva, foi possível detectar também suas divergências doutrinárias.Para uma 1ª corrente, a responsabilidade é subjetiva, devendo provar a culpa ou dolo do agente público e para uma 2ª corrente doutrinária, a responsabilidade é objetiva, assim como o é quando o agente pratica um ato comissivo (ação), em que é responsabilizado objetivamente.

No último tema, ficou claro que para uma 1ª corrente doutrinária, o Estado tem o dever de custódia do detento, pois o mesmo tem ainda sua liberdade cerceada por lei. O Estado tem o dever de indenizar as vitimas pelos danos ocorridos em razão de atos praticados em razão da fuga do presídio. Para outra corrente, o Estado não pode ser responsabilizado pela impossibilidade de vigiar cada ato praticado por seus administrados, mesmo que estes se encontrem em status de fugitivos.

São antigos temas, sempre fizeram e farão parte do cotidiano da responsabilidade do Estado. De novo, temos as decisões dos nossos tribunais superiores, ora inclinando-se para uma postura mais tradicionalista, ora inclinando-se para uma postura de vanguarda. Vale deixar registrado o impulso dado pelos tribunais estaduais sobre estes diversos temas, o que vem fomentando as discussões entre os administrativistas.

Diante de que foi explanado neste trabalho, é nosso dever enquanto estudantes, advogados, juizes, desembargadores, ministros, professores, estudiosos do Direito em geral, fazermos as reflexões necessárias de cada tema proposto e das argumentações de cada corrente doutrinária sem deixarmos ser levados pelas paixões pró ou contra o Estado.

 

8. Notas de rodapé convertidas.



[1] PIETRO, Luis Maria Cazorla. Temas de Derecho Administrativo. 2ª.ed. Madri: Servicios de Publicaciones del Ministério de Hacienda,1979, pg.189.

[2] THEODORO JUNIOR, Humberto.Curso de Direito Processual Civil. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pg 117.

[3] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, pgs.440 e 441.

[4] Ob.cit. pg.120.

[5] Ob. cit. pg.118.

[6] Ob.cit. pg 440.

[7] Sabemos que o litisconsórcio necessário é aquele em que é obrigatória a sua formação.Decorre de imposição legal ou da natureza da relação jurídica, hipótese em que o autor não resta alternativa senão a formação do litisconsórcio.Já o litisconsórcio facultativo dá ao autor uma discricionariedade para a sua formação, desde que preenchidos os requisitos legais.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, pg.812.

[9] FIGUEIREDO, Lucia Valle.Curso de Direito Administrativo. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pg. 268.

[10] GRECO FILHO, Vicente. A denunciação da lide: sua obrigatoriedade e extensão. Justitia, 1976, 94/9-17.

[11] STJ, Resp. 210607, Rel. Min.Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU, 04.02.2002, pg.369. 

[12] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, pgs.415 e 416.

[13] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, pg.830.

[14]O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

[15] Ob. cit. pg. 442.

[16] Ob.cit. pg. 412.

[17] Ob. cit. pg. 281.

[18] PONDÉ, Lafayette. Estudos de Direito Administrativo.Belo Horizonte: Del Rey, 1995, pg.315.

[19] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª.ed. Coimbra: Almedina, 2003, pg.776.

[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª. ed. São Paulo: Atlas, 2003, pg. 353.

[21]STF.Disponívelem:<http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=RE&processo=228977&origem=IT&cod_classe=437>. Acesso em: 28 Out.2005.

[22] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 13ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pg.580.

[23] Ob. cit. pg. 412.

[24] Ob. cit. pgs. 805 e 808.

[25] Revista de Direito Administrativo, 1992, pgs. 305 e 306.

[26] Ob. cit. pg. 443.

[27] CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 3ª. ed. Salvador: JusPODIUM, 2004, pg. 292.

[28] Ob. cit. pg. 260.

[29] Ob. cit. pg. 835.

[30] Ob. cit. pg. 410.

[31] Ob. cit. pg. 410.

[32] Ob. cit. pg. 411.

[33] Ob. cit. pg. 411.

[34] GANDINI, João Agnaldo Donizeti e SALOMÃO, Diana Paola da Silva. A responsabilidade civil do Estado por conduta omissiva. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 106, 17 out. 2003. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4365>. Acesso em: 05 Nov. 2003.

[35] NUNES, Ricardo Mendonça. Responsabilidade Objetiva do Estado por Atos Omissivos. Jus Vigilantibus, Vitória, 31 out. 2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/18339>. Acesso em: 31 Out. 2005.

[36] ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues.Responsabilidade do Estado e Sistema Penitenciário.Jus Vigilantibus, Vitória, 22 set 2004. Disponível em:

 <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/2283>.Acesso em: 27 Out.2005.

[37] RJTJSP, vol. 96, págs. 154 e 155.

[38] FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, pg.554.

9. Bibliografia.

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª.ed. Coimbra: Almedina, 2003.

CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade Civil do Estado. Tomo 2. Rio de janeiro: Borsoi, 1956 (atual. José de Aguiar Dias).

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 3ª. ed. Salvador: JusPODIUM, 2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 16ª. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

FARIA, Edimur Ferreira de. Curso de Direito Administrativo Positivo. 3ª. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 13ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

PIETRO, Luis Maria Cazorla. Temas de Derecho Administrativo. 2ª.ed. Madri: Servicios de Publicaciones del Ministério de Hacienda, 1979.

PONDÉ, Lafayette. Estudos de Direito Administrativo. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.


DADOS BIOGRÁFICOS:

Hugo Eduardo Mansur Góes: Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL (Salvador-Ba).   E-mail: hugomansur@bol.com.br

 

 

Passo a passo da nova execução e do novo embargo

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* Hélio Apoliano Cardoso  –    

Para se propor ação de execução tem o autor que possuir titulo executivo extrajudicial, nos moldes do artigo 585 do CPC, verbis:

“Art. 585.São títulos executivos extrajudiciais:

I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;

III – os contratos garantidos por hipoteca, penhor, anticrese e caução, bem como os de seguro de vida;

IV – o crédito decorrente de foro e laudêmio;

V – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

VI – o crédito de serventuário de justiça, de perito, de intérprete, ou de tradutor, quando as custas, emolumentos ou honorários forem aprovados por decisão judicial.

VII – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

VIII – todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

§ 1o A propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.

§ 2o Não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal, para serem executados, os títulos executivos extrajudiciais, oriundos de país estrangeiro. O título, para ter eficácia executiva, há de satisfazer aos requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e indicar o Brasil como o lugar de cumprimento da obrigação.”

Tem-se que a execução para cobrança de crédito se basifica em titulo liquido, certo e exigível, nos moldes do que dispo o artigo 586:

“Art. 586.  A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.”

Referida execução é tida como definitiva, por força do disposto no artigo 587, verbis:

 “Art. 587.  É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739).” (NR)

Ao autor cumpre requerer a citação do devedor, bem como instruir a postulação com os documentos descritos nos incisos do artigo 614, verbis:

 “Art. 614. Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:

I – com o título executivo extrajudicial;

II – com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;

III – com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (art. 572).”

Em seguida o executado será citado para, no prazo de três dias, pagar a divida cobrada executivamente, sob pena de penhora, tudo nos moldes do artigo 652 do CPC, ai incluído o parágrafo primeiro:

“Art. 652.  O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida.

§ 1o  Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado. “

Os embargos poderão ser implementados, no prazo de quinze dias, independentemente de penhora, ex vi dos dispostos nos artigos  736 e 738 do CPC, verbis:

“Art. 736.  O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos.

Parágrafo único.  Os embargos à execução serão distribuídos por dependência, autuados em apartado, e instruídos com cópias (art. 544, § 1o, in fine) das peças processuais relevantes.” (NR)

 “Art. 738.  Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação.

§ 1o  Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges.”

Os embargos não serão recebidos no efeito suspensivo (CPC, 739-A), salvo a ocorrência dos requisitos do parágrafo primeiro do mesmo artigo, verbis:  

“Art. 739-A.  Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.

§ 1o  O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.

§ 2o  A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram.

§ 5o  Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.

§ 6o  A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.”

A execução poderá ser suspensa nos moldes do que dispõe o artigo 791, verbis:

“Art. 791. Suspende-se a execução:

I – no todo ou em parte, quando recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução (art. 739-A);

II – nas hipóteses previstas no art. 265, I a III;

III – quando o devedor não possuir bens penhoráveis.

Toda a matéria dos embargos está bem delimitada no artigo 745, verbis:

“Art. 745.  Nos embargos, poderá o executado alegar:

I – nulidade da execução, por não ser executivo o título apresentado;

II – penhora incorreta ou avaliação errônea;

III – excesso de execução ou cumulação indevida de execuções;

IV – retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para entrega de coisa certa (art. 621);

V – qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.

§ 1o  Nos embargos de retenção por benfeitorias, poderá o exeqüente requerer a compensação de seu valor com o dos frutos ou danos considerados devidos pelo executado, cumprindo ao juiz, para a apuração dos respectivos valores, nomear perito, fixando-lhe breve prazo para entrega do laudo. “

Com o recebimento dos embargos o executado será intimado, por seu advogado, para no prazo de quinze dias apresentar os seus argumentos. Após o Juiz poderá julgar o feito, ou, então, determinar audiência, tudo nos moldes dos artigos 740, verbis:

“Art. 740.  Recebidos os embargos, será o exeqüente ouvido no prazo de 15 (quinze) dias; a seguir, o juiz julgará imediatamente o pedido (art. 330) ou designará audiência de conciliação, instrução e julgamento, proferindo sentença no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único.  No caso de embargos manifestamente protelatórios, o juiz imporá, em favor do exeqüente, multa ao embargante em valor não superior a 20% (vinte por cento) do valor em execução.” (NR)

Os embargos poderão ser rejeitados liminarmente, em ocorrendo às particularidades descritas no artigo 739 do CPC:

 “Art. 739. O juiz rejeitará liminarmente os embargos:

I – quando intempestivos;

II – quando inepta a petição (art. 295); ou

III – quando manifestamente protelatórios.”

O artigo 745-A trouxe inovação importante, verdadeiro condutor, certamente,  de muitos acordos.  

 “Art. 745-A.  No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovando o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusive custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.”

Todas as informações ora traduzidas entraram em vigor no dia 21 de janeiro de 2007.


DADOS BIOGRÁFICOS:

Hélio Apoliano CardosoAdvogado militante com mais de vinte e cinco anos de experiência, tendo várias teses científicas doutrinárias publicados em revistas especializadas, como colaborador, particularmente no Repertório IOB de Jurisprudência, in Consulex, Revista da OAB-Ceará, Revista Eletrônica Júris síntese, Tributário.NET, Jus Vigilantibus, Revista Internauta de Pratica Jurídica, Data veni@, O Neófito, Revista do IMC, Revista da Associação Cearense de Magistrados, CD-ROM Doutrina Jurídica Brasileira, da Editora Plenum, TexPro, Revista do Instituto dos Magistrados do Ceará, IOB Comenta, Adcoas, SaraivaJur,  Revista Forense, Revista Bonijuris, Revista Jurídica Consulex, Insigne e Revista Cearense Independente do Ministério Público, onde integrou o Conselho Editorial, além de diversos trabalhos  publicados nos Jornais Diário do Nordeste, O Povo, Tribuna do Ceará e Estado, de Fortaleza, Jornal da Fenacon, Jornal da ASMETO (Associação dos Magistrados do Estado do Tocantins) e outros periódicos.Colaborador da Rádio Justiça.  Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-Ceará período 2001 a 2003 e com aperfeiçoamento em Direitos Humanos e Direitos dos Cidadãos pela PUC/MINAS. Parecerista e Escritor Jurídico com várias obras publicadas, dentre elas, “Os Embargos à Execução Fiscal e a Jurisprudência” , “O  Mandado de Segurança nos Tribunais”, “Da União Estável. Teoria e Jurisprudência”, “O Advogado em Movimento – Coletânea de petições, contestações, recursos e defesas administrativas – II Volumes  e “Sociedades Comerciais nos Tribunais breve doutrina” – IGLU Editora.. Pela LED Editora de Direito tem publicado “Manual das Controvérsias Trabalhistas Frente à Jurisprudência”, “Dos Embargos do Devedor. Teoria, Prática e Jurisprudência” – II Volumes, “Direito Doutrinário Atual” e “Renegociação de dívidas e Novação”. Na Editora Booksseler tem publicado “Controvérsias Jurisprudenciais Trabalhistas” – Volumes I, II e III, “Petições Trabalhistas e Jurisprudência”, “Das CPIS. Doutrina e Jurisprudência” ,“Do Sigilo. Doutrina e Jurisprudência” e “História Dinâmica da Responsabilidade Civil”, Publicou pela Servanda Editora o compêndio “Do Meio Ambiente. Breve Doutrina, Jurisprudência e Legislação pertinente”.Na ME Editora e Distribuidora publicou a segunda Edição do livro “Execução. Renegociação e Novação de Dividas” e “Responsabilidade Civil no novo Código Civil. Doutrina, Jurisprudência e Pratica”. Pela Editora JH Mizuno publicou “Dos Embargos de Terceiro na Jurisprudência e na Pratica.” e O Novo Agravo. Teoria e Pratica, 1ª edição e 2ª tiragem.  Devotou-se à atividade postulatória, mais precisamente com destacada atuação profissional na advocacia empresarial, especialmente em responsabilidade civil, direito de empresas, contratos (revisão e rescisão), advocacia preventiva e notadamente em defesas de empresas em dificuldades financeiras,  embargos do devedor, embargos de terceiro, exceção de pré-executividade e direito do entretenimento. Apresentou junto a OAB-CE vários Projetos de Lei para alteração de artigos do Código de Processo Civil, Código de Processo Penal e Código de Defesa do Consumidor, todos aprovados pelo Conselho Seccional e enviados ao Conselho Federal.  Proferiu várias palestras em diversos seminários e ciclos de debates promovidos pelo (a) Academia de Letras Municipais do Estado do Ceará-ALMECE e conferências no curso de pós-graduação da Universidade de Fortaleza-UNIFOR. 

Contato: haec.advogados@baydenet.com.br – Rua Ana Bilhar, n.º 1133, Praia de Meireles, Fortaleza-Ceará-Brasil, CEP 60.160-110 – Atendimento (0**85) 32424211 e Administração (0**85) 30880966.

Crimes tributários. Extinção da punibilidade pelo pagamento a qualquer tempo

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 * Kiyoshi Harada

Um dos temas onde reina a maior confusão legislativa e, portanto, reina a insegurança jurídica diz respeito à extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido. Há um dinamismo caótico na evolução legislativa ao sabor dos interesses políticos do momento.

Seu estatuto básico, Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que substituiu parcialmente a Lei nº 4.729/65, conhecida como lei de sonegação fiscal, estabeleceu em seu art. 14:

‘Art. 14 – Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos arts. 1º1 e 3º2 quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia’.

Contudo, esse art. 14 veio a ser revogado pela Lei nº 8.383/91, gerando inúmeras controvérsias jurisprudenciais acerca da ultra-atividade das normas penais para sua aplicação aos fatos ocorridos durante a vigência do preceito revogado. Outrossim, surgiu a corrente da extinção da punibilidade pelo parcelamento3 do crédito tributário antes da denúncia, por construção teórico-doutrinária. Invocou-se, em larga escala, também, a tese da novação pela inclusão do regime de parcelamento, de sorte a provocar, tanto a extinção do crédito tributário antigo, como da punibilidade.

Na verdade, era possível e com razoável juridicidade invocar o art. 138 do CTN para extinguir a responsabilidade, inclusive, a de natureza penal pela denúncia espontânea, seguida do pagamento do tributo devido.

A Lei nº 9.249, de 26-12-1995, por seu art. 34, reintroduziu a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia criminal, nos seguintes termos:

‘Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia’.

Interpretando esse dispositivo à luz do princípio de retroatividade benéfica (art. 5º, XL4 da CF), do parágrafo único5 do art. 2º do CP e do art. 66 da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal) sustentamos que a extinção da punibilidade do art. 34 aplica-se aos casos definitivamente julgados, atingindo os efeitos de sentença condenatória, enquanto não esgotada a fase de execução da pena imposta, desde que resultante de denúncia recebida após o pagamento do tributo7 .

A Lei nº 9.964, de 10-4-2000, que instituiu o Refis I, pelo seu art. 15, prescreveu a suspensão da pretensão punitiva do Estado em caso de adesão ao Programa de Recuperação Fiscal antes do recebimento da denúncia criminal. O § 1º prescreveu a suspensão da prescrição criminal enquanto perdurar a suspensão da punibilidade, dispondo seu § 3º que extingue-se a punibilidade com o pagamento integral dos tributos, inclusive acessórios, objeto de parcelamento, antes do recebimento da denúncia criminal.

Finalmente, o art. 9º da Lei nº 10.684, de 30-5-2003, que instituiu o Refis II, veio dispor sobre suspensão da punibilidade e extinção da punibilidade nos seguintes termos:

Art. 9º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

Como se vê, o caput do art. 9º suspende a pretensão punitiva do Estado enquanto a pessoa jurídica relacionada com o agente estiver incluída no regime de parcelamento. O § 1º suspende a prescrição criminal enquanto suspensa a pretensão punitiva, ao passo que, o § 2º extingue a punibilidade dos crimes tributários com o pagamento integral dos débitos tributários.

Parcela ponderável da doutrina vem emprestando ao referido § 2º a mesma natureza temporária do caput do art. 9º, sustentando a extinção da punibilidade apenas nos casos de débitos tributários sob o regime de parcelamento. E assim o fazem baseado no entendimento que se formou em torno do Refis I, que condicionava a suspensão da pretensão punitiva do Estado à inclusão de débito tributário no Programa de parcelamento, antes da denúncia criminal.

No regime da Lei nº 10.684/2003 não há mais a exigência de inclusão no Programa antes da denúncia, existindo apenas um prazo para o exercício da faculdade de parcelar o débito.

Confrontemos a redação dos dois textos que estabeleceram uma sutil distinção:

Art. 15, § 3º da Lei nº 9.964/2000:

‘Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento antes do recebimento da denúncia criminal’.

Art. 9, § 2º da Lei. N. 10.684/2003:

Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios’

Conforme demonstramos no nosso livro não se pode sustentar a natureza temporária daquele § 2º, porque a extinção da punibilidade aí proclamada não está vinculada ao pagamento integral de débitos tributários incluídos no Refis II8 . E outro não pode ser o entendimento porque o Direito Penal Tributário visa tutelar o erário. Não se trata de retirar de circulação alguém que constitua grave ameaça à sociedade.

A extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo induz ao cumprimento da obrigação tributária, atingindo o objetivo tutelado pela norma penal, ao mesmo tempo em que cumpre a função intimidatória do preceito penal.

Ademais, seria uma iniqüidade, de um lado, extinguir a punibilidade em relação àquele que leva lustros para ultimar o pagamento da parcela final, e de outro lado, permitir o prosseguimento da ação penal a quem se dispõe a pagar integralmente, e de uma só vez, o débito tributário, após o recebimento da denúncia.

Se a razão da extinção da punibilidade está fundada no pagamento integral do tributo devido, não há como deixar de reconhecer a incidência do princípio da retroatividade da lei penal, para extinguir a punibilidade em todos os casos em que houver pagamento integral do tributo, independentemente do momento e das condições desse pagamento.

Exatamente nesse sentido a jurisprudência do STF que vem despenalizando os chamados crimes tributáveis ante o pagamento, a qualquer tempo, do tributo reclamado, entendendo que o § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03 criou uma causa extintiva da punibilidade consistente no pagamento do débito tributário a qualquer tempo.


Notas de rodapé convertidas

  1. Define crimes contra ordem tributária.
  2. Define crimes praticados por funcionários públicos.
  3. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo parcelamento só surgiu com a LC nº 104/01.
  4. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
  5. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
  6. Compete ao juiz da execução: I – aplicar aos casos julgados a lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado.
  7. Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 16ª edição, São Paulo: Atlas, 2007, p. 618-619.
  8. Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 16ª edição, São Paulo: Atlas, 2007, p. 627.

 


 REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

 KIYOSHI HARADA: Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Email:kiyoshi@haradaadvogados.com.br
site: www.haradaadvogados.com.br

Comunicação eletrônica de atos processuais na lei 11.419/06

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* Demócrito Reinaldo Filho

Sumário: 1. Introdução. 2. Intimações por meios eletrônicos. 2.1. O Diário da Justiça on-line. 2.1.1. Data da publicação. 2.1.2. Certificação do site do Diário on line. 2.2. Intimações eletrônicas de natureza pessoal – o sistema da “auto-intimação”. 2.2.1. Momento da intimação. 2.2.2. Indisponibilidade por motivo técnico do sistema informático. 2.2.3 Intimação eletrônica da Fazenda Pública. 2.2.3.1 Veto ao art. 17. 4. Cartas rogatória, de ordem e precatória por via eletrônica. 4.1 Assinatura eletrônica do Juiz requisitante nas cartas judiciais. 5. Comunicações com os órgãos dos demais poderes por via eletrônica.

1. Introdução.

O Presidente Lula sancionou a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 20061 , que disciplina a informatização do processo judicial. A Lei sancionada teve origem noProjeto de Lei 5.828/012 , aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados no dia 30 de novembro daquele ano, na forma de substitutivo apresentado no Senado Federal, com subemendas de redação adotadas pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara. A nova Lei 11.419/06 faculta aos órgãos do Poder Judiciário informatizarem integralmente o processo judicial, para torná-lo acessível pela Internet.

O Capítulo II da Lei 11.419/06 trata “Da Comunicação Eletrônica dos Atos Processuais”, estendendo-se do seu art. 4o. ao 7o. As normas desse capítulo disciplinam o procedimento para as comunicações dos órgãos judiciais com as partes (arts. 4o. a 6o.) – aí incluídas as intimações (pelo Diário on line ou de forma direta ao interessado) e citações eletrônicas -, as comunicações que transitem entre os órgãos judiciais (cartas de ordem, rogatórias e precatórias na forma eletrônica) e também as comunicações estabelecidas entres os órgãos do Poder Judiciário com os demais poderes (art. 7o.). A Lei autoriza que toda forma de comunicação possa ser feita com a utilização de meios eletrônicos. Abaixo examinaremos cada uma das modalidades legais da comunicação judicial na forma eletrônica.

2. Intimações por meios eletrônicos

Uma das providências do legislador foi produzir uma alteração no Código de Processo Civil, adicionando um parágrafo único ao seu art. 237 e estabelecendo a forma de intimação eletrônica dos atos processuais. Ao lado da intimação feita através de publicação em órgão da imprensa oficial (art. 236) e da realizada pessoalmente ao advogado ou por carta registrada (incisos I e II do art. 237), o Código passa a admitir a possibilidade da utilização dos meios eletrônicos para dar ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa. Com efeito, o art. 20 da Lei 11.419 (norma do seu Capítulo IV, que trata das disposições gerais e finais), estabelece que:

“A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(…)
Art. 237.

………………………………………
Parágrafo único. As intimações podem ser feitas de forma eletrônica, conforme regulado em lei própria." (NR)

Além desse retoque na lei processual civil, o legislador disciplinou no corpo da própria Lei 11.419 a regulamentação do procedimento das intimações eletrônicas, que podem ser realizadas mediante Diário da Justiça eletrônico ou através do sistema da “auto-intimação”. Adiante examinaremos essas duas formas de intimação eletrônica.

2.1. O Diário da Justiça on-line

Durante a tramitação do Projeto de Lei 5828/01, o Senado incluiu na proposta algumas alterações. Entre as contribuições do texto do Senado está a autorização para os tribunais criarem o Diário da Justiça eletrônico, que servirá como meio “para publicação de atos judiciais e administrativos próprios” e das “comunicações em geral”, através de site hospedado na Internet (art. 4o. da Lei 11.419/06) .

A Senadora Seris Sessarenko, quem primeiro propôs essa inovação em seu Substitutivo apresentado perante o Senado, destacou que: “o diário on-line é de fácil implementação nos dias atuais porquanto a maioria dos tribunais já têm suas informações disponibilizadas em portais, sendo que a internet é hoje o meio mais rápido e ágil para a comunicação e transmissão de informações, que se pode dar em tempo real para qualquer parte do mundo, para exemplificar a superioridade do diário da justiça eletrônico em relação ao tradicional que, em determinadas situações, demora mais de 10 dias para que atinja alguns pontos longínquos do território nacional”.

Realmente, mesmo antes do advento da Lei 11.419/06, os tribunais de todo o país já se utilizavam de meios eletrônicos para comunicação de atos processuais, pois a maioria deles possuem sites institucionais hospedados na Internet, onde disponibilizam informações gerais sobre processos. Acontece que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o EREsp nº 503.761/DF (DJ de 14/11/2005, p. 175, rel. Min. Félix Fischer), pacificou entendimento no sentido de que as informações processuais prestadas por meio da Internet possuem natureza meramente informativa, não servindo como meio oficial de intimação nos moldes legais. Era preciso, portanto, que sobreviesse lei para atribuir caráter oficial, de validade, portanto, às comunicações de atos processuais que são feitas por via de sites na Internet.

O Tribunal Regional Federal da 4a. Região enxergou essa oportunidade com a edição da Lei nº 11.280, de 16/02/2006, que modificou a redação do parágrafo único do art. 154 do CPC, ao prever que “os tribunais, no âmbito da respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial de atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil”. Amparado nessa norma, foi instituído o Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4a. Região3 , como meio oficial de publicação dos atos judiciais e administrativos da Justiça Federal de primeira e segunda instâncias. A Resolução que instituiu o Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4a. Região4 estabeleceu que as publicações passariam a ser feitas exclusivamente por meio eletrônico5 , dispensada a forma impressa de publicação (Diário de Justiça da União).

O Diário de Justiça na forma eletrônica tem uma série de vantagens em relação à forma convencional impressa, em razão das funcionalidades permitidas com a utilização das tecnologias da informação. Diversas formas de consultas instantâneas podem ser implementadas em um determinado sistema de intimações eletrônicas. O sistema pode permitir que o interessado faça uma consulta ao Diário eletrônico utilizando dados como nome das partes, do advogado, do órgão julgador, entre outras possibilidades. O Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4a. Região, por exemplo, faculta ao advogado pesquisar e obter, por meio do seu número de inscrição na OAB, todas as publicações cadastradas em seu nome. Também é possível buscar informações por órgão julgador ou visualizar o inteiro teor do documento, disponibilizado em um link específico. Por meio do Diário Oficial na forma impressa, a consulta é bem mais precária e restrita, pois as informações só são obtidas através da leitura do periódico específico, correspondente à data em que foram veiculadas.

O legislador se inspirou nessa experiência originária da Justiça Federal e, ao editar a Lei 11.419/06, fez referência expressa à utilização do “Diário eletrônico” como meio de comunicação dos órgãos do Poder Judiciário. A Lei estabelece que os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico para publicação de atos judiciais e administrativos próprios “e dos órgãos a eles vinculados” (art. 4o.)6 . O Diário eletrônico que vier a ser criado, por exemplo, por um Tribunal de Justiça servirá como meio para comunicação de atos dos órgãos judiciários da primeira e segunda instâncias, o que abrange o próprio tribunal e todas as comarcas e juízos pertencentes ao Estado respectivo. Isso porque, nos termos da Lei, o Diário on line é considerado o órgão oficial de publicação eletrônica dos atos judiciais e administrativos de todos os órgãos vinculados a um determinado tribunal. O Diário eletrônico, uma vez criado por ato normativo de um tribunal estadual e implantado, passa a ser o órgão oficial de publicação de qualquer unidade judiciária ou comarca no território do Estado, dispensando qualquer outro meio de publicação oficial (§ 2o. do art. 4o.). Pode haver casos de comarcas distantes, ainda não interligadas em rede, que não tenham meios para se integrar de logo ao sistema de publicação eletrônica. Essas situações, no entanto, podem ser objeto de resolução do tribunal, uma vez que os órgãos do Poder Judiciário podem regulamentar a Lei 11.419/06, no que couber, no âmbito de suas respectivas competências (art. 18).

A comunicação realizada por meio do Diário da Justiça eletrônico substitui qualquer outro órgão de publicação ou forma de intimação, para qualquer efeito legal. A exceção é feita apenas para a intimação das pessoas que, por força de lei, tenham que ser intimadas pessoalmente (§ 2o. do art. 4o.). A intimação do Ministério Público (§ 2o. do art. 236 do CPC), do defensor público (LAJ, art. 5o., § 5o.), dos representantes judiciais da administração para certos atos em certas ações (Lei 4.348/64, art. 3o.), dos integrantes da AGU (Lei 9.028/95, art. 6o., § 2o, incluído pela MP 2180/01) e de outras pessoas em relação às quais leis específicas exijam a intimação pessoal, para validade do ato de comunicação processual, continua sendo feita da forma convencional. A não ser nesses casos especiais, a intimação feita por meio eletrônico dispensa qualquer outra forma de comunicação. No entanto, se essas pessoas que têm esse tipo de privilégio processual, aceitarem se cadastrar perante os tribunais para serem intimadas em sistema próprio de comunicação eletrônica (feita em área exclusiva do portal do tribunal), a intimação pessoal na forma convencional é dispensada. É que esse segundo tipo de comunicação eletrônica (a “auto-intimação”) é considerada como intimação pessoal para todos efeitos legais, inclusive para a Fazenda Pública (§ 6o. do art. 5o.).

2.1.1. Data da publicação

As intimações que são feitas através de órgão oficial na versão tradicional (impressa em papel) consideram-se realizadas na data da publicação no Diário Oficial7 , ou seja, na data atestada (no timbre do jornal) em que circula na localidade o periódico. Para todos os efeitos, a data da publicação é a que aparece registrada como de uma edição específica do periódico. Na versão eletrônica do Diário da Justiça, “considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação” no sistema (§ 3o. do art. 4o.)8 . Os sistemas de publicação eletrônica dos tribunais (Diários de Justiça eletrônicos) deverão, portanto, ter meios para registrar o dia em que a informação sobre o ato ou termo do processo foi disponibilizada, para consulta externa. Para sua completa eficácia, o programa a ser adotado pelos tribunais necessita possuir mecanismo que permita especificar a data em que as informações sobre o ato processual foram colocadas no sistema de comunicação eletrônica.

Entendeu-se de considerar a intimação como realizada apenas no dia seguinte à disponibilização (no sistema de comunicação eletrônica) da informação sobre o ato, porque pode haver casos em que a inserção dos dados ocorra somente no final do expediente, ou mesmo após o horário regular (após as 20 horas do dia), e nesse caso a parte objeto da intimação perderia um dia inteiro do prazo. O melhor, no entanto, teria sido incluir uma regra que previsse que a inclusão de informações, numa determinada edição do Diário eletrônico, fosse realizada até uma determinada hora do dia – 10h da manhã, por exemplo. Com isso, as informações sobre cada edição estariam disponibilizadas no sistema eletrônico de comunicação logo ao início da manhã, sem qualquer prejuízo para os interessados. Como o legislador preferiu solução diversa, na prática vai resultar em um alargamento dos prazos para a realização do ato, em relação às intimações efetuadas na forma tradicional (através de Diário Oficial impresso). Quando ocorrer de a informação ser inserida no sistema logo no início do dia, mesmo assim a intimação somente considerar-se-á realizada no dia seguinte, por força do § 3o. do art. 4o. A parte tem efetiva ciência no dia da colocação da informação no sistema (Diário eletrônico), com a vantagem de um dia a mais para realização do ato. Tomemos uma hipótese definida: uma comunicação que é realizada concomitantemente, através da inserção em sistema eletrônico (Diário da Justiça on line) e publicação no Diário Oficial impresso. Em face da comunicação processual convencional, o prazo começa a correr do primeiro dia útil seguinte (art. 184, § 2o. c/c art. 240 e parágrafo único do CPC), já que a intimação considera-se feita pela só publicação do ato no órgão oficial (art. 236 do CPC). Já com a disponibilização da informação sobre o ato processual no Diário de Justiça eletrônico, o prazo não começa a correr do primeiro dia útil seguinte, mas do segundo dia útil, por força da regra do § 3o. do art. 4o. da Lei 11.419/06. O prazo começaria a correr a data da publicação se esta equivalesse à disponibilização do conteúdo do ato ou comunicação no sistema eletrônico, mas como tal equivalência não está prevista na Lei específica, o prazo só tem início no segundo dia útil. A regra geral para as intimações feitas pela forma convencional é de que o prazo começa a fluir a partir do primeiro dia útil após a publicação (no Diário Oficial). Daqui por diante, a regra geral para as intimações feitas através de Diário de Justiça on line é a de que o prazo começa a correr do segundo dia útil após a inserção da informação sobre o ato, no sistema eletrônico (Diário on line), uma que “os prazos processuais terão início no primeiro dia útil que se seguir ao considerado como data da publicação” (§ par. 4o. do art. 4o.). Como a data da publicação eletrônica, para efeitos legais, é a do “primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico” (§ 3o.), a contagem dos prazos processuais só tem início no segundo dia útil seguinte.

2.1.2. Certificação do site do Diário on line

O site do Diário da Justiça eletrônico e o seu conteúdo “deverão ser assinados digitalmente, com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada na forma de lei específica”. A legislação que trata especificamente da utilização de certificados digitais para garantir a autenticidade e validade jurídica de documentos e transações em forma eletrônica é a Medida Provisória n. 2.200, que instituiu a ICP-Brasil.

Os tribunais devem contratar os serviços de empresa certificadora (AC) vinculada à ICP-Brasil, para certificação digital do Diário da Justiça on line. A autoridade certificadora emite o certificado e garante a autenticidade dos documentos digitais.

Na prática, a verificação da autenticidade funciona através de aplicativo de software incorporado ao computador do usuário. Normalmente, o software que faz a verificação de um certificado digital tem algum mecanismo ou função para confiar em AC´s. Por exemplo, o programa utilizado para navegar na Internet (conhecido como browser) contém uma lista das AC’s em que confia. Quando o usuário visita um determinado site (por exemplo, de um tribunal) e é apresentado ao navegador um Certificado Digital, ele verifica a AC que emitiu o certificado. Se a AC estiver na lista de autoridades confiáveis, o navegador aceita a identidade do site e exibe a página da Web. Em não sendo o caso, o navegador exibe uma mensagem de aviso, perguntando ao usuário se deseja confiar na nova AC. Geralmente o programa navegador dá opções para confiar permanente ou temporariamente na AC ou não confiar em absoluto. O usuário, portanto, tem controle sobre quais AC(s) deseja confiar, porém o gerenciamento da confiança é feito pelo aplicativo de software (neste exemplo, pelo navegador).

2.2. Intimações eletrônicas de natureza pessoal – o sistema da “auto-intimação”

Além do Diário da Justiça on line, a Lei 11.419 prevê outra modalidade de realização de comunicações eletrônicas às partes, advogados e outras pessoas que atuam no processo. A previsão está no seu artigo 5o., segundo o qual “as intimações serão feitas por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2o. desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico”. Trata-se de um segundo método empregado para a realização de comunicação eletrônica de atos processuais, que pressupõe adesão das partes e seus advogados, mediante realização de cadastro em área específica do portal do tribunal. As intimações realizadas por essa fórmula dispensam qualquer outra forma de comunicação, seja a realizada por publicação em órgão oficial impresso ou em Diário da Justiça eletrônico, ou mesmo qualquer forma de intimação pessoal convencional (como as realizadas por carta postal, na presença do intimando em cartório ou por meio oficial de justiça), já que têm a mesma força e valor de uma intimação pessoal (§ 6o. do art. 5o.).

O cadastro, para fins de intimações, deve obedecer aos mesmos requisitos de eficiência e segurança adotados para os sistemas de transmissão de petições e recursos (art. 2o.), pois pressupõe que seja realizado mediante o uso de assinatura eletrônica (em qualquer das duas modalidades consagradas no inc. III do § 2o. do art. 3o., alíneas a e b). Ao usuário cadastrado é atribuído meio que possibilite a identificação e autenticação do acesso ao sistema.

Essa modalidade de comunicação eletrônica de natureza pessoal, prevista no art. 5o. da Lei 11.419, configura uma inovação inspirada na bem sucedida experiência do processo eletrônico (sistema “e-Proc”) dos Juizados Especiais Federais. Desde a Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que disciplinou a instituição dos Juizados Federais – e permitiu para esses órgãos especiais a implantação de sistemas eletrônicos de transmissão de peças e comunicação de atos processuais (art. 8o, § 2o.), bem como o desenvolvimento de programas de informática necessários para subsidiar a instrução das causas (art. 24) -, os departamentos de informática dos TRF´s, sob a coordenação de comissão instituída pelo CJF (Conselho da Justiça Federal), passaram a desenvolver experiências próprias de processo totalmente informatizado. Embora não tendo a Lei 10.259/01 esmiuçado o procedimento das intimações em meio eletrônico, o “e-Proc” incorporou modelos e fórmulas procedimentais próprias e originais, que foram aplicadas (e com sucesso) primitivamente nos Juizados Especiais Federais vinculados ao Tribunal Regional Federal da 4a. Região9 .

O modelo de intimação eletrônica pessoal desenhado para os Juizados Federais não seguiu o padrão que já vinha antes sendo utilizado (embora sem força vinculativa) pelos tribunais superiores, conhecido por sistema “push” de comunicação eletrônica. Como se sabe, os tribunais superiores (STJ e STF) foram precursores na implantação de sistemas de intimação eletrônica, que funcionam através do envio de mensagens eletrônicas (e-mails) aos endereços eletrônicos de partes e advogados previamente cadastrados no site oficial, sempre que ocorra uma movimentação no processo indicado pelo interessado. A intimação eletrônica dos atos processuais, nos Juizados Especiais Federais e em suas Turmas Recursais, utiliza um procedimento diferente. A intimação ocorre com o acesso do usuário ao site próprio da Seção Judiciária, em local protegido por senha, onde esteja disponível o inteiro teor da decisão judicial. Por ser o próprio intimando quem toma a iniciativa desse acesso para ciência dos atos e termos do processo, essa modalidade é chamada de “auto-intimação eletrônica”. Esse sistema de intimação eletrônica pressupõe um prévio compromisso do usuário de acessar o site regularmente, para ciência das decisões e atos processuais10 .

O legislador da Lei 11.419/06 optou por seguir esse modelo11 , em que os atos processuais são comunicados diretamente aos interessados não por meio de e-mail ou envio de outro tipo de mensagem eletrônica, mas através do acesso em área restrita de site na Internet, onde são disponibilizadas as informações relativas ao ato processual. Trata-se de procedimento mais seguro do que os sistemas “push” ou qualquer outro programa que utilize o envio de uma mensagem eletrônica (e-mail) ao intimando (ou citando), em termos de garantia da eficácia da intimação/citação. Realmente, além da segurança que a comunicação de atos processuais em um sistema fechado (com acesso restrito ao detentor da assinatura eletrônica) oferece, em comparação com os e-mails, que são facilmente devassáveis, a “auto-intimação eletrônica” (também chamada de “auto-comunicação”) assegura mais completa eficácia no que diz respeito à ciência do destinatário. O envio de e-mail deixa dúvidas quanto ao efetivo recebimento da mensagem pelo destinatário. Não há como ter certeza de que uma mensagem de e-mail não foi interceptada ou perdida por falha do servidor ou mesmo indevidamente bloqueada por algum sistema de filtro de spam. Mesmo que se empreguem mecanismos que permitam o aviso automático de recebimento de mensagens, estes recursos não são completamente seguros e em regra dependem do destinatário12 . Daí a opção do legislador pelo sistema de comunicação direta ao interessado por meio da franquia de acesso à área reservada de portal. O sistema registra o acesso do usuário, na data e hora exata da realização do acesso, assegurando a certeza de que o destinatário teve efetiva ciência da comunicação.

Na versão original do projeto que deu origem à Lei 11.419/06, iniciado na Câmara dos Deputados, a previsão era de que as comunicações dos atos processuais fossem feitas por meio do envio de mensagens eletrônicas ao interessado e que os tribunais se valeriam de mecanismos que permitissem o aviso automático de recebimento de mensagens13 . Durante a tramitação do projeto, no entanto, essa idéia foi abandonada, diante da pouca confiabilidade desse sistema, e ainda porque o “e-Proc” dos Juizados Federais já era uma realidade, com a comprovação prática da funcionalidade e segurança do procedimento da “auto-intimação eletrônica” em portal to tribunal. O legislador deixou permanecer a remessa de mensagem eletrônica ao intimando/citando apenas como um serviço complementar à intimação feita no portal e sem qualquer força obrigatória. No § 4o. do art. 5o. da Lei 11.419/06, realmente está previsto que “em caráter informativo, poderá ser efetivada remessa de correspondência eletrônica, comunicando o envio da intimação e a abertura automática do prazo processual ….aos que manifestarem interesse por esse serviço”.

2.2.1. Momento da intimação

Pelo sistema de comunicação eletrônica diretamente ao interessado (intimando), “considerar-se-á realizada a intimação no dia em que o intimando efetivar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua realização” (§ 1o. do art. 5o. da Lei 11.419/06). Logo, o prazo (se houver) começa a correr do primeiro dia útil após a consulta que corresponde à intimação (art. 184 do CPC, § 2o, do CPC). Se a consulta (acesso ao sistema de comunicação eletrônica) for realizada em dia não útil, “a intimação será considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte” (§ 2o. do art. 5o. da Lei 11.419/06). Assim, por exemplo, se a consulta for realizada em um sábado, a intimação somente considerar-se-á realizada na segunda-feira (dia útil seguinte), e o início do prazo na terça-feira (sabendo-se que o dies a quo do prazo é sempre o dia seguinte ao da intimação).

O cadastramento do usuário implica em expresso compromisso de acessar periodicamente o site próprio do tribunal, para ciência dos atos e termos processuais inseridos em local próprio protegido por senha. Ainda que o usuário não realize o acesso, a intimação considera-se sempre realizada dez dias após incluída no site. É o que estabelece o § 3o. do art. 5o. Lei 11.419/06, ao mencionar que a consulta ao sistema “deverá ser feita em até 10 (dez) dias corridos contados da data do envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente realizada na data do término desse prazo”14 . Trata-se de uma hipótese legal de “ciência presumida ou ficta”, indispensável para a funcionalidade do sistema de comunicação eletrônica de atos processuais. Não fosse dessa maneira, a conclusão do ato de intimação ficaria ao bel prazer do intimando. A razão lógica dessa ciência presumida decorre da circunstância de que, no ato de cadastramento, as partes se comprometem, mediante adesão, a cumprir as normas referentes ao acesso15 . Por isso, considera-se efetivada a comunicação eletrônica do ato processual (inclusive citação, art. 6o.) pelo simples decurso do prazo de 10 dias da inserção da informação no sistema informático do tribunal, ainda que o acesso não seja realizado pela parte interessada.

Nessa hipótese, de intimação/citação presumida, os prazos processuais começam a correr do 11o. dia após a inserção da informação no portal do tribunal, sabendo-se que a intimação eletrônica considera-se realizada “na data do término do prazo” de 10 dias previsto no § 3o. do art. 5o.16 . Se o 11o. dia recair em dia não útil, o começo da contagem do prazo fica prorrogado para o dia útil seguinte (art. 240, § únic., do CPC).

2.2.2. Indisponibilidade por motivo técnico do sistema informático

Para evitar prejuízo a qualquer das partes do processo, na utilização do sistema eletrônico de intimação pessoal, a nova Lei prevê a possibilidade de o Juiz optar por realizar a intimação ou mandar refazê-la por qualquer outro meio eletrônico ou convencional. É o que está expresso no § 5o. do art. 5o. Lei 11.419/06, verbis: “Nos casos urgentes em que a intimação feita na forma deste artigo possa causar prejuízo a quaisquer das partes ou nos casos em que for evidenciada qualquer tentativa de burla ao sistema, o ato processual deverá ser realizado por outro meio que atinja a sua finalidade, conforme determinado pelo juiz”. Esse dispositivo abarca todas as situações em que o sistema informático de comunicação eletrônica direta ao interessado se tornar indisponível, seja por motivo técnico ou por qualquer forma de acesso não autorizado (invasão hacker). A impossibilidade de prestação eficiente e segura do serviço é suficiente para autorizar o Juiz a realizar a intimação por outro modo, evitando qualquer forma de prejuízo às partes. A norma atribui ao Juiz analisar a existência de urgência, em cada situação concreta, que justifique seja a intimação feita por outro modo.

2.2.3 Intimação eletrônica da Fazenda Pública

A comunicação eletrônica que é feita diretamente ao interessado, mediante acesso exclusivo em área específica do site (portal do tribunal), é considerada como intimação pessoal para todos efeitos legais, inclusive para a Fazenda Pública (§ 6o. do art. 5o.). A validade da intimação fica condicionada ao prévio cadastramento dos procuradores no serviço específico do portal do tribunal, na forma do caput do art. 5o. da Lei 11.419. É que esse tipo de intimação, como já mencionado, pressupõe a adesão voluntária das partes (usuários do sistema), regra que não é excepcionada para os procuradores da Fazenda Pública (da União, dos Estados e Municípios) ou qualquer outro representante judicial de órgão da administração direta ou indireta (autarquias, sociedades de economia mista e fundações). A intimação feita através de cadastro e acesso em área específica de site (apropriada para serviço de comunicação eletrônica) adquire, por força de lei, atributo de intimação pessoal, mas para que o comando normativo do § 6o. do art. 5o. possa ter aplicação, é imprescindível o cadastro do procurador do órgão da Administração Pública no sistema informático do tribunal.

O acesso do Procurador em área exclusiva do site pode proporcionar o efeito da intimação pessoal bem como da vista pessoal dos autos, dependendo do sistema eletrônico ser desenhado para permitir ou não pelo usuário cadastrado o conhecimento das demais peças do processo. Se o acesso ao sistema de “auto-intimação” abranger a disponibilização somente do próprio ato de intimação (cópia do ato decisório do magistrado, do mandado ou edital), o efeito será o da intimação pessoal. Mas se o acesso proporciona também a observação de todos os demais atos e termos do processo (petições, contestação e réplica, acompanhados da documentação pertinente), aí se considera também que o Procurador teve vista pessoal dos autos (art. 9o., par. 1o.).

2.2.3.1 Veto ao art. 17

O legislador tentou incluir no art. 17, constante das disposições gerais da Lei 11.419/06, norma para compelir os órgãos da administração pública direta e indireta das três esferas da Federação a se cadastrar nos sistemas informáticos dos tribunais, para recebimento de comunicação de atos processuais por meio eletrônico. O dispositivo previa um prazo de 180 dias a contar da publicação da Lei 11.419, para que os órgãos públicos e suas representações judiciais se cadastrassem17 . Mas o artigo terminou sendo vetado pelo Presidente da República, ao argumento de que a obrigação nele contida contrariava o princípio da independência dos Poderes e invadia sua competência privativa de exercer a direção superior da administração e dispor sobre sua organização18 .

O dispositivo vetado realmente carecia de sentido lógico, ao estabelecer obrigação de cadastro para os órgãos da Administração Pública dentro de prazo determinado (de cento e oitenta dias) a partir da publicação da lei. Nem todos os tribunais teriam condições de implantar sistemas eletrônicos para comunicação de atos processuais dentro desse prazo, por diversas razões (restrições orçamentárias, falta de estrutura necessária ou condições técnicas, só para citar algumas), daí porque a obrigação legal se tornaria inócua. O razoável seria o estabelecimento de prazo para credenciamento com início a partir do momento da implantação efetiva do serviço e sua disponibilização ao público. De qualquer maneira, o veto presidencial não vai trazer qualquer empecilho à expansão e eficiência dos serviços de comunicação eletrônica de atos processuais, pois é óbvio que os representantes judiciais dos órgãos da Administração Pública não vão oferecer resistência ao cadastro, para fins de intimação eletrônica. Seria impensável não contribuir com a administração da Justiça.

3. Citação por via eletrônica

Em outra alteração que levou a efeito no corpo do Código de Processo Civil, o legislador acrescentou o inciso IV ao seu art. 221, que passa a prever, dentre as modalidades de citação, a que é feita por meio eletrônico. De fato, o art. 20 da Lei 11.419 (norma do seu Capítulo IV, que trata das disposições gerais e finais), estabelece que:

“A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(…)
Art. 221.

………………………………………
………………………………………………..
IV – por meio eletrônico, conforme regulado em lei própria." (NR)

Ao lado da citação que é feita pelo correio (inc. I do art. 221 do CPC), por oficial de justiça (inc. II) e por edital (inc. III), o nosso sistema de leis processuais civis incorpora a citação que é feita por meio eletrônico (inc. IV incluído pela Lei n. 11.419/2006).

A regulamentação do procedimento da citação realizada por meio eletrônico foi disciplinada no corpo da própria Lei 11.419/06, porquanto dispõe o seu art. 6o. que:

“Observadas as formas e as cautelas do art. 5o desta Lei, as citações, inclusive da Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando”.

Ao mandar observar as formas e as cautelas previstas no art. 5o., o legislador adotou o sistema da “auto-comunicação” como padrão único do procedimento da citação eletrônica. O art. 5o. da Lei 11.419/06, como se sabe, instituiu um método de comunicação eletrônica que permite que as partes tomem ciência dos atos e termos processuais em “portal próprio” dos tribunais que adotarem o processo eletrônico (total ou parcial). A citação eletrônica, portanto, diferentemente da simples intimação (eletrônica), só pode ser realizada observando-se esse modelo da “auto-comunicação”, em que as partes (e seus advogados) tomam a iniciativa de consultar periodicamente os comunicados judiciais em área própria do site do tribunal. Não há previsão de que a citação eletrônica possa ser realizada mediante utilização do Diário da Justiça eletrônico (previsto e disciplinado no art. 4o.). Ao fazer remissão unicamente ao art. 5o., o legislador elegeu, com exclusividade, a fórmula da “auto-comunicação” para o procedimento da citação eletrônica.

No entanto, podemos enxergar pelo menos uma hipótese de utilização do Diário da Justiça eletrônico para instrumentalização da citação eletrônica, ainda que em parte. É quando a citação tiver de ser feita na forma de edital, em casos em que o réu estiver em lugar desconhecido ou seja ignorado o seu paradeiro (art. 231 do CPC). Pelo menos em relação ao edital que houver de ser publicado “uma vez no órgão oficial” (art. 232, III), a publicação poderá ser feita pela via do Diário da Justiça eletrônico, já que a publicação eletrônica na forma do art. 4o. da Lei 11.419/06 “substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal” (§ 2o.).

A tendência é que, implantado o Diário da Justiça eletrônico, os tribunais extingam outras formas de publicação de atos processuais em forma impressa. Os diários oficiais em forma impressa tendem a desaparecer, sendo substituídos pelo Diário da Justiça na versão eletrônica. Abolida a forma tradicional de publicação de editais, só restará a publicação por via do Diário da Justiça eletrônico. Teremos, então, um caso de citação editalícia parcialmente realizada por meio eletrônico, através do Diário da Justiça eletrônico.

3.1 Citação por via eletrônica pressupõe cadastro dos usuários

A citação realizada por via eletrônica proporcionará resultados muito promissores, em termos de agilização processual. Evitará a emissão de cartas e mandados (em forma física) para entrega ao citando, pelo sistema dos correios ou através de oficial de justiça, o que certamente reduzirá o trabalho das escrivanias e secretarias judiciais, além do tempo gasto para efetivação das comunicações, que também será sensivelmente reduzido. Imagine-se, por exemplo, o caso de um réu que costuma ser objeto de ações de massa em um determinado Juizado (um banco, uma operadora de serviços de telefonia, uma empresa fornecedora de energia elétrica etc.). Todas as citações dos processos ajuizados contra ele poderão ser efetivadas mediante a simples disponibilização do conteúdo do ato citatório no sistema de “auto-comunicação”.

Mas uma advertência deve ser feita: a citação eletrônica somente pode ser feita em relação às partes (usuários) previamente cadastradas no sistema de informático de “auto-comunicação” do órgão judicial respectivo. Isso porque o método da “auto-comunicação” pressupõe adesão das partes e seus advogados, mediante realização de cadastro em área específica do portal do tribunal. Para aquele usuário (réu) não cadastrado, a citação é feita da forma tradicional – pelo correio ou por oficial de justiça (art. 221, incs. I e II, do CPC), conforme o caso.

Antevendo justamente situações como essa, que impedem a realização da citação na forma eletrônica, o legislador admitiu a possibilidade de o ato ser realizado por outros meios convencionais. Quer seja porque o citando não é usuário cadastrado do sistema de “auto-comunicação” ou por qualquer outro motivo de ordem técnica que impeça a realização do ato na forma eletrônica, a citação então deve ser feita pelas modalidades convencionais. A intenção do legislador é que, no processo eletrônico, todos os atos de comunicação sejam realizados por meio eletrônico (art. 9o.), mas em não sendo possível a realização da citação na forma eletrônica, a Lei faculta que seja concretizada segundo as modalidades convencionais previstas no CPC (arts. I e II do art. 221). O sistema deve ter meios para emitir carta ou mandado em forma física e, depois de devidamente cumprida a citação, deve ser digitalizado o documento (carta ou mandado, contendo a certidão respectiva ou a assinatura com registro de recebimento) e incorporado aos autos do processo eletrônico. É o que está previsto no § 2o. do art. 9o. da Lei 11.419, nos seguintes termos: “Quando, por motivo técnico, for inviável o uso do meio eletrônico para a realização de citação, intimação ou notificação, esses atos processuais poderão ser praticados segundo as regras ordinárias, digitalizando-se o documento físico, que deverá ser posteriormente destruído”.

3.2 Citação na forma eletrônica pressupõe acesso à íntegra dos autos

A citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender (art. 213 do CPC). A finalidade da citação, portanto, é dar conhecimento ao demandado da ação que lhe foi proposta e proporcionar que se defenda. No processo tradicional, o citado tem vista dos autos (por meio de seu advogado) mediante retirada na secretaria da vara, durante o prazo da contestação, para que possa assim exercer sua defesa, com conhecimento completo dos fatos e documentos que instruem a causa. O citado não poderia exercer sua defesa sem que lhe fosse proporcionado essa vista dos autos. Na forma eletrônica, a vista dos autos se dá através de acesso ao sistema informático, na área própria do portal onde estão disponibilizadas as peças integrantes do processo. Essa a razão de o art. 6o. da Lei 11.419 estabelecer (em sua parte final) que, para a validade da citação eletrônica, é indispensável que “a íntegra dos autos seja acessível ao citando”. Além de cópia do ato citatório, é necessário que o citando tenha acesso, ao ingressar no sistema de “auto-comunicação”, das demais peças que compõe o processo eletrônico (petição inicial e todos os documentos que a acompanham). Somente assim, observando-se essas cautelas, a citação na via eletrônica será considerada válida.

Nos termos do § 1o. do art. 9o. da Lei 11.419, “as citações que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais”.

4. Cartas rogatória, de ordem e precatória por via eletrônica

Os atos processuais são cumpridos por ordem judicial ou requisitados por carta, conforme hajam de realizar-se dentro ou fora dos limites territoriais da comarca (art. 200 do CPC). Existem três tipos de carta para requisição de cumprimento de ordem judicial: a carta de ordem, quando é dirigida a um juiz subordinado ao tribunal remetente; a carta rogatória, quando dirigida a uma autoridade estrangeira; e a carta precatória, para todos os demais casos, ou seja, quando enviada por um juiz para outro com o qual não tenha subordinação na hierarquia judiciária, desde que dentro do território nacional (art. 201 do CPC).

A Lei 11.419/06, em seu artigo 7o., determina que “as cartas precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico”. Além disso, o legislador acrescentou o parágrafo 3o. ao art. 202 do CPC, que passa a prever a possibilidade de as cartas judiciais serem instrumentalizadas por meio eletrônico. De fato, o art. 20 da Lei 11.419 (norma do seu Capítulo IV, que trata das disposições gerais e finais), estabelece que:

“A Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:

(…)
"Art. 202. ……………………………………..

§ 3o A carta de ordem, carta precatória ou carta rogatória pode ser expedida por meio eletrônico, situação em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da lei." (NR)

A implantação de sistemas para envio e recebimento de cartas judiciais pelo meio eletrônico vai pressupor o estabelecimento de acordos entre os diversos órgãos do Poder Judiciário Nacional, para adoção de procedimentos uniformizados e plataformas que possibilitem a interoperabilidade entre os diversos sistemas e, especificamente no que se refere à carta rogatória, o Brasil terá que assinar acordos e tratados internacionais com outros países, em que fiquem estabelecidos os procedimentos para o cumprimento dessas cartas eletrônicas.

Dentro de um determinado ramo do Poder Judiciário nacional a implantação dos sistemas eletrônicos para envio e recebimento de cartas judiciais (carta de ordem e precatória) será tecnicamente mais fácil, tendo em vista a uniformização tecnológica para os diversos órgãos judiciários que o integram. Por exemplo, o TRT do Maranhão já implantou o seu sistema para processamento eletrônico de cartas precatórias19 , que funcionou inicialmente como projeto piloto na 6a. Vara do Trabalho, mas com previsão para expansão em curto prazo para todas as varas do Estado.

O processamento eletrônico das cartas judiciais representará uma enorme economia de tempo e redução de custos, já que dispensa a duplicação de peças processuais e pagamento de tarifas postais. As cartas judiciais, em qualquer de suas modalidades, são consideradas fator de grande emperramento da máquina judiciária, pois o seu cumprimento pelo sistema tradicional geralmente consome exagerado tempo. Na modalidade eletrônica, a previsão é que o tempo de tramitação das cartas seja reduzido drasticamente, com benefícios enormes em termos de agilização do processo judicial.

Os sistemas eletrônicos para comunicação entre juízes garantirão não somente o envio e recebimento de cartas judiciais para cumprimento de atos processuais, mas também (como previu o legislador) “todas as comunicações que transitem entre órgãos do Poder Judiciário”. Assim, um simples ofício e, de maneira geral, qualquer comunicação oficial, para qualquer finalidade, poderão ser realizadas por meio de sistemas eletrônicos.

4.1 Assinatura eletrônica do Juiz requisitante nas cartas judiciais

A parte final do parágrafo 3o. do art. 202 do CPC, acrescentado pela Lei 11.419/06, exige que, em sendo expedida a carta judicial (de ordem, precatória ou rogatória) por meio eletrônico, deverá conter a assinatura eletrônica do juiz requisitante. Por sua vez, o art. 2o. da Lei 11.419/06 estabelece que “…. a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão admitidos mediante o uso de assinatura eletrônica”. Também no § único do art. 8o da mesma Lei, foi inserida a regra de que obrigatoriamente “todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados eletronicamente”.

A assinatura eletrônica, portanto, foi o método de autenticação escolhido pelo legislador pátrio para a transmissão eletrônica de documentos e arquivos digitais integrantes de um processo judicial eletrônico. No caso das cartas judiciais, a assinatura eletrônica a ser utilizada é a da espécie assinatura digital, prevista na alínea a do inc. III do § 2o. do art. 1o. da Lei 11.419/06, como sendo aquela “baseada em certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei específica”. A legislação que trata especificamente da utilização de certificados digitais para garantir a autenticidade e validade jurídica de documentos e transações em forma eletrônica é a Medida Provisória n. 2.200, que instituiu a ICP-Brasil (Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira).

Assim, os tribunais têm que contratar os serviços ou celebrar convênio com empresa credenciada à ICP-Brasil20 , que fornecerá a tecnologia de assinaturas e certificados digitais, para que o Juiz possa “assinar” uma carta judicial (de ordem, precatória ou rogatória), toda vez que requisitar a realização de um ato de forma eletrônica.

5. Comunicações com os órgãos dos demais poderes por via eletrônica

Ressalte-se que não somente as comunicações que se estabelecem entre juízes, mas também aquelas que são feitas com quaisquer outras autoridades e repartições públicas poderão ser realizadas por meio eletrônico. O art. 7o. da Lei 11.419/06 determina que não somente as comunicações que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, mas também aquelas que se estabeleçam “entre os deste e os dos demais Poderes, serão feitas preferencialmente por meio eletrônico”.

A previsão legal possibilita o envio de ordens judiciais e requisições de informações a diversas repartições e órgãos públicos, como, por exemplo, os departamentos estaduais de trânsito, a Receita Federal, o Banco Central, as juntas comerciais, só para citar alguns. Anote-se que, em relação especificamente à requisição de informações bancárias, o CPC já indicava que deve ser feita preferencialmente por meio eletrônico (art. 655-A, incluído pela Lei 11.382), se durante o processo de execução21 .

Mediante convênio, os tribunais podem aproveitar a utilização dos sistemas de comunicação eletrônica já desenvolvidos por órgãos integrantes de outros poderes.


Notas de rodapé convertidas

1. O texto pode ser lido em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11419.htm

2. http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=41619

3. O Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região é veiculado no Portal da Justiça Federal da 4ª Região na Internet, com edições de segunda a sexta-feira (com exceção de feriados nacionais e regimentais), disponibilizadas a partir das 9 (nove) horas de cada dia. O endereço na Internet é: http://www.trf4.gov.br/trf4/diario/

4. O Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4a. Região foi instituído pela Resolução n. 70, de 25 de outubro de 2006.

5. Após um mês de testes, as publicações no site passaram a ter validade jurídica em 1o. de dezembro de 2006.

6. Foi publicado no D.J.U, seção 1, de 26-03-2007.pág.01, um comunicado do Diretor-Geral do STF, informando que, conforme decidido em sessão administrativa, ficou instituído, a partir do dia 23 de abril de 2007, o Diário da Justiça Eletrônico como instrumento de comunicação oficial, publicação e divulgação dos atos do Supremo Tribunal Federal.

7. Ou no dia em que circula na comarca, quando se prova que isso ocorreu em data diversa da constante do periódico (RJTJSP 131/350, RT 677/117).

8. Na versão original do Projeto de Lei 5828/01, a data da publicação coincidia com a da disponibilização do conteúdo do ato ou comunicação no sistema eletrônico.

9. Sugerimos uma visita ao Portal da Justiça Federal da 4a. Região, na área destinada ao processo eletrônico dos Juizados Especiais –

http://www.trf4.gov.br/trf4/institucional/institucional.php?no=101

10. A Resolução 522, de setembro de 2006, do Presidente do Conselho da Justiça Federal, dispõe sobre a intimação eletrônica das partes, Ministério Público, Procuradores, Advogados e Defensores Públicos no âmbito dos Juizados Especiais Federais.

11. O procedimento da “auto-intimação” eletrônica incluída no texto da Lei durante a tramitação do projeto, através do Substitutivo apresentado no Senado.

12. O programa gerenciador de e-mails Outlook Express (da Microsoft) possui essa ferramenta, de confirmação de recebimento da mensagem eletrônica, mas seu funcionamento depende da vontade do destinatário.

13. Inc. I do art. 8o. do projeto na versão que foi enviada ao Senado.

14. Como o legislador da Lei 11.419/06 se inspirou no modelo do processo eletrônico (“E-proc”) dos Juizados Federais, a regra do § 3o. do art. 5o. é praticamente uma reprodução do art. 4o. da Res. 522/06 do Presidente do CJF, que disciplina a intimação eletrônica no âmbito desses órgãos especiais da Justiça Federal. O art. 4o. da Resolução tem a seguinte redação: “Independentemente do acesso, a intimação considera-se sempre realizada dez dias após incluída no site próprio da Seção Judiciária, para ciência do usuário”.

15. É assim que funciona nos Juizados Federais, já tendo a matéria sido objeto do Enunciado FONAJEF 25.

16. No “e-Proc”, sistema de processo eletrônico dos Juizados Federais, os prazos são abertos automaticamente poucos minutos antes da meia-noite do décimo dia contado da data da intimação/citação.

17. O art. 17 tinha a seguinte redação: “Art. 17. Os órgãos e entes da administração pública direta e indireta, bem como suas respectivas representações judiciais, deverão cadastrar-se, na forma prevista no art. 2o desta Lei, em até 180 (cento e oitenta) dias após sua publicação, para acesso ao serviço de recebimento e envio de comunicações de atos judiciais e administrativos por meio eletrônico.
Parágrafo único. As regras desta Lei não se aplicam aos Municípios e seus respectivos entes, bem como aos órgãos e entidades federais e estaduais situados no interior dos Estados, enquanto não possuírem condições técnicas e estrutura necessária para o acesso ao serviço de recebimento e envio de comunicações de atos judiciais e administrativos por meio eletrônico, situação em que deverão promover gestões para adequação da estrutura no menor prazo possível.”.

18. As razões do veto do Presidente da República ao art. 17 do Projeto de Lei no 5.828, de 2001 (no 71/02 no Senado Federal):  “O dispositivo ao estipular o prazo de cento e oitenta dias para o cadastro dos órgãos e entes da administração pública direta e indireta invade a competência do Poder Executivo, o que contraria o princípio da independência e harmonia dos Poderes, nos termos do art. 2o da Carta Maior, assim como a competência privativa do Presidente da República para exercer a direção superior da administração e para dispor sobre a sua organização (art. 84, incisos II e VI, alínea ‘a’).
Da mesma forma, ao criar obrigação para os órgãos e entes da administração pública direta e indireta das três esferas da Federação fere o pacto federativo, previsto no art. 18 da Constituição, que assegura a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Ademais, pode ocorrer que órgãos e entidades de porte muito reduzido, ainda que situados em capitais, não consigam reunir as condições necessárias ‘para acesso ao serviço de recebimento e envio de comunicações de atos judiciais e administrativos por meio eletrônico’.”

19. Segundo notícia publicada no site Consultor Jurídico, em 14.12.06.

20. A melhor opção certamente será aderir à AC-JUS, autoridade certificadora instituída pelo STJ. Como se sabe, o STJ criou e credenciou uma autoridade certificadora própria – a AC-JUS, junto à ICP Brasil, a qual já aderiram o STF e outros tribunais superiores. A AC-JUS já começou a distribuir certificados e chaves a juízes federais e servidores, para garantir a autenticidade de documentos digitais. Os tribunais estaduais e do trabalho podem, mediante convênio, se filiar também à AC-JUS, para que o seu corpo de juízes também usufrua da tecnologia de certificados e assinaturas digitais (em forma de tokens ou smart cards), para que possam utilizá-la no momento de enviar uma carta judicial.

21. Essas requisições de informações bancárias são feitas pelo sistema Bacen-Jud, do Banco Central, que permite também o bloqueio de contas e aplicações financeiras. Para quem se interessar pelo assunto, recomendamos a leitura de artigo de nossa autoria intitulado “A PENHORA ON LINE – A utilização do sistema Bacen-Jud para constrição de contas bancárias e sua legalidade”, no seguinte endereço:

http://www.imp.org.br/webnews/noticia.php?id_noticia=497&


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

* Demócrito Reinaldo Filho é Juiz de Direito (32a. Vara Cível do Recife)

Elementos da responsabilidade civil

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* Alex Sandro Ribeiro

Como assentamos em nossa obra Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica (Ed. LEUD, São Paulo, 2004), a área da responsabilidade civil é profunda, misteriosa e sempre reveladora de sua absoluta inexplorabilidade, tal qual os oceanos e os mares. Entrementes, não podemos cerrar-lhe os olhos por ser fundamental o seu estudo e provavelmente um dos institutos que mais fundamentam as ações que diuturnamente assoberbam o Poder Judiciário.

Doutrina de escola pondera que os elementos da responsabilidade são normalmente a lesão do direito alheio, em virtude do não cumprimento do dever jurídico, e a imputabilidade do agente, abrangendo o dolo e a culpa. Afigura-se que a questão é mais extensa. Deveras, suscita-se dos artigos 186 e 927 do Código Civil os elementos que compõem o dever de indenizar, quais sejam: a) elemento subjetivo da conduta: voluntariedade e culpabilidade em sentido estrito; b) elemento normativo da atividade: violação de direito ou causação de prejuízo; c) elemento objetivo da atividade em sentido estrito: ação ou omissão; d) elemento integrativo: liame de causalidade.

O item a tem respaldo na dicção legal “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”; o item b funda-se no verbete “violar direito, ou causar prejuízo a outrem”; o item c refere-se ao resultado de uma força física ou moral, à faculdade ou possibilidade de executar ou não alguma coisa, independentemente de qual seja a reação ulterior, de qual seja o resultado atingido; e o item d está fundamentado na teoria geral da responsabilização, força da qual não se pode imputar a prática de ato ilícito àqueles que não tenham, de algum modo, relação entre a atividade em sentido estrito e o elemento normativo da atividade, devendo haver um mínimo de correspondência entre a pessoa a quem se imputa a responsabilidade civil e o dano ou a ofensa alegada pela vítima.

A voluntariedade, também conhecida como dolo, e a culpabilidade em sentido estrito (negligência, imprudência ou imperícia), são dispensadas em certos casos. Não o são, porém, para a regra fixada no Código Civil de 1916, por ter o legislador cristalinamente estampado que acolheu a teoria da responsabilidade civil subjetiva sufragada desde o Código Civil de Napoleão. Essa a regra. Exceção é a responsabilidade civil objetiva, quando então não se perquirirá o elemento subjetivo da conduta, sendo esta de todo irrelevante. Por ser exceção, tem de vir expressamente disciplinado em lei, dado que não se admite restrição de direito ou ampliação de responsabilidade senão nos casos expressamente previstos em lei.

Em regra, portanto, o elemento subjetivo da conduta, inerente à culpa em sentido amplo, é indissociável do dever de indenizar, tanto assim que a segunda parte do artigo 159, do Código de 1916, determinava “a verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade”.

Lembra-o bem, Hans Kelsen, que “o momento a que chamamos ‘culpa’ é uma parte integrante específica do fato ilícito: consiste numa determinada relação positiva entre o comportamento (atitude) íntimo, anímico, do delinqüente e o evento produzido ou não impedido através da sua conduta externa; consiste na sua previsão ou na sua intenção, àquele evento dirigida” (Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000, trad. João Baptista Machado, p. 137). Estas palavras foram versadas por Kelsen para dar a idéia de responsabilidade pelo resultado, mas dão bem uma noção do que seja culpa: determinada ação ou omissão, pressuposto de uma conseqüência do ilícito, através da qual é produzido ou não é impedido um evento indesejável.

É no elemento subjetivo da conduta que se inclui a imputabilidade. É relevante requisito da responsabilidade civil, mormente a subjetiva. Ainda que um terceiro seja quem deverá arcar com a reparação da ofensa, mister se faz apurar se o fato ou ato é ou não imputável. É causa excludente desta imputabilidade, pois, a ocorrência de fato necessário da natureza, ou do próprio homem, que se desenhe imprevisível ou inevitável pela média argúcia. O caso fortuito ou a força maior, assim, exclui a imputabilidade e, via oblíqua, a responsabilidade civil. Como excludente da culpabilidade, não se aplica à responsabilidade civil objetiva, o que não se vê, contudo, na imputação do fato exclusivamente a terceiros, de vez que atua como quebra do nexo de causalidade e não da culpabilidade.

A linha fronteira entre o império das forças cegas é a previsibilidade do evento. Esta previdência tem a ver com a conduta, que de sua vez, atrela-se à culpabilidade. Daí ser quebra da culpa, e não do nexo causal. Em suma: caso fortuito e força maior só têm cabência na responsabilidade civil subjetiva, pois são excludentes da culpabilidade; quando versar responsabilidade civil objetiva (em que a conduta – culpa – é irrelevante), só cabem excludentes de nexo de causalidade.

O elemento normativo da atividade é imprescindível, sempre. Não se admite haja dever de indenizar se não houver o que indenizar, ressarcir ou reparar. Há, nesse item, dois aspectos destacáveis: a causação de prejuízo ou a violação de direito. Pode-se dizer que um é aspecto físico, constatável ipso facto, facilmente demonstrável em juízo; outro de natureza intangível, que não se pode tocar, de tal sorte que a comprovação judicial é amplamente dificultosa e exige argúcia daqueles que desejam encontrá-lo.

Outrossim, um é situação puramente de fato, enquanto o outro é essencialmente de direito. É por isso que entendemos tenha o legislador disciplinado, ainda que inadvertidamente, os institutos dos danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes) num caso e da ofensa imaterial noutro (v. g., violação a direitos da personalidade, ofensa à honra etc.), respectivamente causar prejuízo ou violar direito.

De todo modo, dano é o elemento que menos discussões suscita na doutrina. Há de ser certo, e não hipotético. Tem de ser atual, existindo quando da distribuição da ação, ou ainda que sem dúvida advirá (caso de perigo concreto, ou risco iminente). O dano, ainda, deve ser subsistente, carecendo direito à indenização se o responsável já o tenha reparado integral e espontaneamente, por si ou por interposta pessoa. Deve ser demonstrado, à exaustão, seja ele de que ordem for; mas, em relação a danos morais, muitas das hipóteses dispensam sua prova irrefutável, posto presumidos in re ipsa ou se revela público e notório, sendo que fatos públicos e notórios não exigem provas. Cingem-se os danos materiais ao que efetivamente perdeu ou razoavelmente deixou de lucrar.

O elemento objetivo da atividade em sentido estrito atrela-se simplesmente à ação ou omissão, própria ou alheia. Aqui é despiciendo, posto ainda prematuro, indagar se o resultado obtido era ou não desejado pelo ofensor, ou ainda que tenha ele agido com incúria, descuido, despido de virtudes que o levassem a conhecer e praticar o que convém a todos. Não interessa se tenha sido incauto, ou se tenha agido sem circunspeção ou tino. Irrelevante, ainda, que a ação ou a omissão tenha sido lícita ou ilícita. Basta tenha havido atividade (ação ou omissão) própria ou de coisas e pessoas sob custódia, porquanto se tem em mira aqui unicamente um dos extremos do nexo de causalidade.

Diz-se prematuro indagar da culpa ou do dolo, pois tais têm a ver com o que vem logo em seguida. Para se elucidar, tenha-se em vista que a culpa é a túnica que será vestida e ajustada ao corpo (no caso, a atividade) para descrever-lhe uma ou mais qualidades. Em suma: não se indaga se a ação ou a omissão tenha sido culposa ou dolosa; indaga-se apenas se houve ação ou omissão.

Conquanto tênue a linha que divisa um do outro, não parece haver muitas dificuldades em separá-los, principalmente quando se estuda a responsabilidade civil objetiva e a subjetiva, quando nesta se discute também a conduta (além da atividade) e aquela apenas a atividade (sendo prescindível a conduta).

Assim sendo, quando se fala em ação ou omissão, refere-se a qualquer pessoa, inclusive direta ou indiretamente, ou seja, por ato próprio ou ato de terceiro pelo qual o agente esteja de algum modo civilmente responsável, bem assim os danos causados por animais ou coisas que pertençam àquela pessoa indiretamente responsável.

E chega-se ao derradeiro elemento integrativo. Aqui se ressalta a velha máxima “a toda ação corresponde uma reação”. Deveras, se houve um ato ou fato comissivo ou omissivo, e dele nasceram conseqüências juridicamente apreciáveis, indisputáveis se tornarão a coerência e a conexão entre eles. Tem de haver um mínimo de correspondência entre a causa e o efeito, ainda que indireta. Diz-se “ainda que indireta”, porquanto casos há em que a responsabilidade não é por ato próprio, mas por de terceiros sobre os quais deveria manter vigilância, ou sobre coisas e fatos que estão diretamente ligados à custódia daquele a que a lei atribui responsabilidade de preservação. Aqui, pois, o Direito Material trata da necessidade da existência do nexo de causalidade. Este representará o liame havido entre a atividade (comissiva ou omissiva) do agente e o dano sofrido pela vítima, sem o qual não há que se falar em obrigação de indenizar.

Enfim, cumpre-nos observar que o estudo desses elementos mostra-se indispensável a qualquer um que pretenda atuar na esfera da responsabilidade civil. Especificamente sobre as teorias da culpa e do risco, interessa sobremaneira o elemento subjetivo da conduta, pois, como retro mencionado, é a culpa o único requisito que, conforme o caso, pode ser dispensado. Daí decorrem duas teorias: a que delimita responsabilidade civil objetiva, ou teoria do risco; e, da responsabilidade civil subjetiva, ou teoria da culpa.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

ALEX SANDRO RIBEIRO:  Advogado, Escritor e Consultor. Pós-Graduado em Direito Civil pelo uniFMU. Membro do IV Tribunal de Ética da OAB/SP. Autor dos livros Ofensa à Honra da Pessoa Jurídica e Arrematação e Adjudicação de Imóvel: Efeitos Materiais. Autor de dezenas de artigos e trabalhos publicados. Consultor especializado em ME e EPP.

 


Justiça com as próprias mãos

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  OPINIÃO – *João Baptista Herkenhoff –

Tem largo curso, no Brasil, a obtenção de certos direitos creditícios, por ato direto dos próprios credores.

Refiro-me, por exemplo, ao corte de energia elétrica e à suspensão do serviço telefônico, em desfavor do usuário do serviço que não paga sua conta no vencimento.

A ameaça de suspensão, que se sabe será seguida do efetivo bloqueio do serviço, constitui, por si só, um instrumento de pressão que coloca as empresas de energia e de telefonia em situação absolutamente privilegiada, dentro do sistema jurídico nacional.


Quando o corte de serviço se realiza – o fornecimento de energia elétrica é suspenso, a linha telefônica fica muda – tem-se, insofismavelmente, a justiça feita com as próprias mãos, autorizada por lei e já chancelada, pelo Poder Judiciário, em algumas decisões, a meu ver extremamente infelizes, proferidas por magistrados.


Creio que esses procedimentos ferem a Constituição Federal.


No mundo moderno, ficar sem luz e sem telefone significa estar privado de bens essenciais. A prestação de tais serviços está ligada ao respeito que é devido à família e à pessoa humana. Tanto a família, quanto a pessoa humana, são titulares de direitos que traçam o perfil da sociedade democrática de direito.


A dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República (artigo 1º, inciso III, da Constituição).

 

A família, base da sociedade, tem direito à especial proteção do Estado (art. 226).

Os cortes assumem o caráter de brutalidade revoltante quando atingem pessoas idosas, doentes e crianças.


Autorizar que se faça justiça com as próprias mãos agride o estado democrático de direito, por cuja implantação tantos lutaram e morreram em tempos recentes de Brasil.


A conquista, que resultou da luta do povo, está expressa no artigo que abre nossa Constituição:

 

 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito.”

Não estamos afirmando que as empresas fornecedoras de energia elétrica e serviço telefônico têm de oferecer gratuitamente esses bens. Nem estamos negando que sejam titulares de crédito, em face do devedor.


Contudo, que as empresas cobrem seus créditos, como os demais credores, já que todos são iguais perante a lei. (Art. 5º da Constituição Federal). Recorram à cobrança judicial, se a cobrança amigável e a composição falharem. As empresas, como os particulares, estão amparadas pelo princípio da ubiqüidade da Justiça. (Artigo 5º, inciso 35, da Constituição). Em razão desse princípio, têm direito de acesso aos tribunais para a busca de seus direitos. O que não se pode é atribuir a empresas o indefensável arbítrio de suspender serviços de primeira necessidade, colocando pessoas e famílias numa situação aflitiva.

 

Isso, além de afrontar a Constituição, pelos motivos apresentados, é incompatível com um padrão mínimo de civilização.


Referência  Biográfica

João Baptista Herkenhoff:  Livre-Docente da Universidade Federal do Espírito Santo. Como Professor itinerante, tem visitado cidades, universidades e instituições culturais de todo o país, onde ministra seminários e também profere conferências ou participa de debates. É Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Realizou pós-doutoramentos na Universidade de Wisconsin, EUA, e na Universidade de Rouen, França. Advogado, Promotor de Justiça, Juiz do Trabalho, Juiz de Direito e novamente Advogado, foi um dos fundadores (1976), primeiro presidente e ainda é membro (emétido) da Comissão "Justiça e Paz", da Arquidiocese de Vitória. Foi um dos fundadores (1977) e primeiro presidente da Associação de Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo. É membro: do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB),do Instituto dos Advogados do Espírito Santo, da Academia Espírito-Santense de Letras, do Centro "Heleno Fragoso" pelos Direitos Humanos (Curitiba), da Associação "Padre Gabriel Maire" em Defesa da Vida (Vitória), da Associação "Juízes para a Democracia" (São Paulo), da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (Curitiba) e da Associação Internacional de Direito Penal (França). Site: www.joaobaptista.com

Reflexões sobre a Prescrição Civil à luz da Lei 11.280/2006

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*André Luis Camargo Mello

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Noções básicas sobre a prescrição e decadência; 3. Pretensão e Prescrição; 4. A natureza jurídica de exceção substancial da Prescrição; 5. Momento Processual para Declaração da Prescrição pelo Juiz; 6. Prescrição, revelia e renúncia do devedor; 7. Considerações Finais; Referências bibliográficas.

 RESUMO: As recentes alterações perpetradas pela Lei 11.280/2006 que modificaram o texto do § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil[2] e revogaram o artigo 194 do Código Civil, geraram sérias discussões e controvérsias acerca da histórica definição da prescrição patrimonial, ante a possibilidade de seu reconhecimento de ofício. Conseqüentemente, a inovação legislativa influiu sobre a noção de extinção da pretensão, bem como sobre a natureza de exceção substancial da prescrição e a possibilidade de sua renúncia pelo devedor.

 

PALAVRAS CHAVE: Processo Civil; prescrição; decadência; exceção; pretensão; revelia; renúncia.

 

1. INTRODUÇÃO

Com a revogação do artigo 194 do Código Civil[3] e alteração do § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil pela Lei 11.280/2.006, permitiu-se a decretação da prescrição de ofício pelo juiz, o que acarretou não só a atualização de norma processual civil, mas, indiscutivelmente, inevitáveis mudanças na teoria geral do direito civil e reflexos nas relações jurídicas.

A matéria tem gerado polêmica no seio acadêmico jurídico, em especial em decorrência da histórica definição romana de prescrição, entendida como uma faculdade conferida ao devedor de opor-se via exceção à pretensão do credor com o escopo de provocar a sua extinção quando tratar-se de bens patrimoniais.

Possibilitado, pois, o reconhecimento de ofício, evidente são os reflexos no que tange à clássica distinção entre prescrição e decadência, motivo pelo qual, no presente artigo, propomos uma discussão acerca das conseqüências geradas pela Lei 11.280/2006, em especial no que tange à sua natureza jurídica de exceção da prescrição e sua renúncia pelo devedor à luz dos argumentos que fundamentaram a alteração legislativa, como se fará a seguir.    

2. NOÇÕES BÁSICAS SOBRE A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA

A palavra prescrição, consoante ensinamento de Washington de Barros Monteiro, originou-se no direito romano e sua base etimológica tem assento na expressão latina praescriptio[4], que significa literalmente um escrito posto antes. É instituto de direito material, regulado pelo Código Civil, nos artigos 189/206 e sua conseqüência primordial é a “perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei[5]”, conceito este nos dado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho.

Decadência, por sua vez, nas palavras de Silvio de Sálvio Venosa, “é a ação de cair ou o estado daquilo que caiu. No campo jurídico indica a queda ou perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado para seu exercício” [6].

Em meio à celeuma histórica quanto à distinção entre prescrição e decadência, optamos, sob influência do professor Agnelo Amorim Filho, pelo critério doutrinário calcado na classificação dos direitos subjetivos e nos tipos de ações correspondentes, que aplica a prescrição às ações condenatórias, visto somente estas exigirem o cumprimento coercitivo de uma prestação devida, direito este que remanesce na relação jurídica de direito material. Já a decadência somente pode dar-se nas ações constitutivas, uma vez que apenas pode ser relacionada aos direitos potestativos, que exijam uma manifestação judicial. Por derradeiro, as ações declaratórias são imprescritíveis, tendo em vista visarem apenas o mero reconhecimento de certeza jurídica e não são direcionadas a modificar qualquer estado das coisas.[7]

Com efeito, a noção de prescrição foi erigida com o desiderato da estabilidade social e segurança jurídica, de forma, conforme Gagliano e Pamplona Filho, “a evitar relações jurídicas perpétuas, que pode obrigar, sem limitação temporal, outros sujeitos, à mercê do titular”[8]. Assim, consoante ensinamento de Venosa, o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente, mas sim efetivado dentro de determinado prazo e, uma vez isto não ocorrendo, perderá o titular a prerrogativa de fazer valer seus direitos[9].

Na sistemática do Código Civil de 1.916 não havia uma distinção nítida entre prescrição e decadência, não obstante seus conceitos sejam deveras discrepantes. Muito embora cuidasse de questões materiais, a lei civil regulou também aspectos de ordem processual.

O texto original do artigo 219, § 5º, do Código de Processo Civil[10], determinado pela lei 5.925/73, com exceção dos chamados direitos patrimoniais, possibilitava o reconhecimento da prescrição de ofício pelo juiz ou quando invocado pelas partes. Nessa hipótese, construiu-se uma classificação dos prazos prescricionais. Quando fossem relativos a direitos patrimoniais seriam discriminados como exceções processuais, que são aquelas somente oponíveis pelas partes. Por outro lado, as questões não patrimoniais enquadrar-se-iam como de ordem pública, as chamadas objeções processuais, podendo ser reconhecidas pelo juiz sem sequer ter sido suscitadas por quaisquer dos litigantes.

Com entrada em vigor da Lei 10.406/2002 que instituiu o Novo Código Civil, o artigo 194 de referido Codex trouxe em seu texto matéria de natureza processual e possibilitou o reconhecimento de ofício da prescrição pelo juiz somente para favorecer ao absolutamente incapaz. Desde então, formou-se o entendimento no sentido de que o § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil fora revogado tacitamente pelo artigo 194 do Código Civil, não sendo mais aceitável considerar-se a prescrição como questão de ordem pública nos demais casos.

3. PRETENSÃO E PRESCRIÇÃO

Os professores Ovídio A. Batista de Silva e Fábio Luiz Gomes lecionam que “o direito subjetivo público de ação nasce no exato momento em que é estabelecido o monopólio da jurisdição pelo Estado, ou seja, quando da própria constituição deste; não necessita de norma expressa, por conseguinte, para que reste plenamente caracterizado, já que a vedação à autotutela é pressuposto da própria existência do Estado”[11].

Silvia Maria Benedetti Teixeira, em recente artigo publicado na Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, ensina que: “Tendo em vista que o direito de ação é o direito de ver assegurada a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado, este direito se torna efetivo no momento da satisfação de uma pretensão posta em juízo pelo autor e é também, neste momento, que o processo cumpre com a prestação da jurisdição proporcionando a pacificação social”[12]. Entretanto, este direito de ação, autônomo e abstrato, não assegura o direito material controvertido, mas sim o poder de invocar a prestação jurisdicional do Estado.

Para José Eduardo Carreira Alvim:  “Pretensão, na concepção originária, é um modo de ser do direito (subjetivo), que tende a fazer-se valer frente a quem não o respeita, ou, em geral, o discute[13]”. Esta pretensão de submeter o outro ao meu direito é o que motiva a instauração do processo, sendo objeto deste. Como expõe Candido Rangel Dinamarco:

“Todo processo tem seu objeto, que é a pretensão trazida pelo demandante ao juiz, em busca de satisfação. Essa pretensão, caracterizada como expressão de uma aspiração ou desejo e acompanhada do pedido de um ato jurisdicional que a satisfaça, constituirá o alvo central das atividades de todos os sujeitos processuais e, particularmente, do provimento que o juiz emitirá ao fim. É em relação a ela que a jurisdição se exerce e a tutela jurisdicional deve ser outorgada àquele que tiver razão.”[14]  

Humberto Theodoro Junior, por sua vez, leciona que: “A prescrição faz extinguir o direito de uma pessoa a exigir de outra uma prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão, quando não exercido no prazo definido em lei”[15]. Resta, pois, que a prescrição ataca a pretensão que o titular do direito material possui de socorrer-se no judiciário ao buscar a tutela necessária à realização de seu direito material, de modo que podemos afirmar que, mesmo que ocorra a prescrição, o direito em que se fundava a pretensão não se perde a esmo, ao contrário, ele continua a existir. Contudo, desaparece para seu titular a possibilidade de alcançar a chancela do Estado-juiz necessária a compelir o sujeito passivo ao adimplemento da obrigação, encerrando o brocardo dormientibus non sucurit jus.

Assim, a prescrição nada mais é que o efeito que o decurso do tempo opera sobre a pretensão, tornado-a inócua. Todavia, mantém incólume o direito no qual se funda a pretensão. Entretanto, na hipótese do titular vir a exercitar seu direito de ação, que jamais lhe poderá ser obstado, estará o juiz impedido de conceder o comando suplicado, já que por força de lei deverá proclamar a prescrição e abreviar o curso do feito.

De se ver, portanto, que sempre haverá para o titular do direito a possibilidade de demandar o devedor da prestação, visto que não lhe será tolhido o direito de fazer distribuir e ainda de buscar a triangulação jurisdicional, mesmo que a sentença a lhe ser proferida seja de mérito e proclame a prescrição, de modo que há ação, mas a realização do direito resta obstada pela perda de pretensão.

4. A NATUREZA JURÍDICA DE EXCEÇÃO SUBSTANCIAL DA PRESCRIÇÃO

Nossa doutrina sedimentou o entendimento acerca de ser a prescrição uma exceção, por tais motivos, facultativa é a sua alegação por quem dela se aproveita. Decorre este entendimento da própria natureza jurídica e do fundamento que lhe caracteriza, face as raízes romanas do instituto que lhe atribui efeitos ope exceptiones.  

Assim, ao se defender em juízo, o réu, não apenas pode suscitar questões acerca do exercício do direito de ação ou sobre os pressupostos processuais, mas também apresentar defesa contra o mérito, contra-atacando a própria pretensão deduzida pelo autor ou o fundamento em que alicerça. Nas palavras de José Eduardo Carreira Alvim: “Produz, dessa forma, uma defesa direta de mérito, dirigida contra o pedido, objetivando do juiz que negue aquilo que o autor pretende”[16].

Entretanto, pode também o réu defender-se através de uma defesa indireta de mérito, uma vez que, sendo ele o titular de um direito subjetivo oponível ao autor, objetiva livrar-se da pretensão deste, mediante a invocação desse direito seu, que se acolhido pelo juiz, tornará ineficaz aquela pretensão. O réu não nega o fato constitutivo do direito do autor, limitando-se a opor-lhe fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito em que se funda sua pretensão. Acolhida a alegação do réu, experimentará este um benefício em detrimento do direito do autor.

Conforme lição de Carreira Alvim: “A esse tipo de defesa, a doutrina chama de exceções substanciais, porque são matéria de direito substancial ou material, sendo também conhecidas como preliminares de mérito, pois, além de relacionadas intimamente com o mérito, devem ser decididas antes deles, influindo no seu julgamento”[17].

Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Candido Rangel Dinamarco, não fazem esta distinção, ao ensinarem que: “a defesa pode dirigir-se contra o processo e contra a admissibilidade da ação, ou pode ser de mérito. No primeiro caso, fala-se em exceção processual e, no segundo, em exceção substancial; esta, por sua vez, subdivide-se em direta (atacando a própria pretensão do autor, o fundamento de seu pedido) e indireta (opondo fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito alegado pelo autor, sem elidir propriamente a pretensão por este deduzida: por exemplo, prescrição, compensação, novação)”[18]

Ao dispor que a prescrição pode ser alegada pela parte a quem aproveita, o artigo 193 do Código Civil[19] delimita a iniciativa eficaz a esse fim. A parte a quem aproveita é o titular da obrigação exigida, que no processo será o réu, o reconvindo ou o executado. Assim, por ser a prescrição matéria de exceção, que fulmina o direito sobre que se funda a pretensão do autor, tem de ser exercida pela parte beneficiária, que pode escolher livremente se irá opô-la ou não.

Nesta ordem de idéias, se a prescrição é vista como uma sanção destinada a punir aquele que não exerceu seu direito, pouco sentido haveria em fazer dela uma exceção, retirando-lhe eficácia se o devedor não a opuser. Contudo, se a prescrição tem fundamento na segurança jurídica e na estabilidade social, como já se argumentou, com vistas a proteger o pretenso devedor das dificuldades progressivas que o tempo impõe à viabilidade de provar a inexistência ou a satisfação do débito, conseqüentemente, entendido assim o seu fundamento e sua razão de ser, faz todo sentido a sua caracterização como exceção e, por decorrência, impõe-se uma regra jurídica como a positivada no art. 194 do Código Civil, ora revogado pela Lei 11.280/2006.

Frise-se, que a norma prevista no art. 194 do Código Civil é decorrente da longa construção histórica do instituto da prescrição, que remonta às ordenações lusitanas e encontra-se presente nos ordenamentos fundados na tradição romano-germânica. Por esta razão, a extirpação de referida norma de nosso ordenamento jurídico positivo sob o pretexto da economia e celeridade processual[20], revela-se mais fruto de conveniências obscuras do que efetivo aprimoramento técnico científico do texto legal.  

5. MOMENTO PROCESSUAL PARA DECLARAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO JUIZ

A alteração do artigo § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil tem gerado grande polêmica acerca do momento do pronunciamento da prescrição, se de plano ou se num segundo momento ainda que de forma subsidiária à defesa do réu, uma vez que o texto da lei traz o comando de decretação, mas não esclarece qual o momento oportuno em que deverá fazê-lo, presenteando os estudiosos do direito com mais uma indagação que até o presente momento não encontrou resposta a contento.

Muito tem se defendido que o reconhecimento ex officio da prescrição não há de ser entendido como decretação de plano, recomendando-se prudência ao juiz quando do despacho da petição inicial. Assim, mesmo que verifique a ocorrência da prescrição, deverá relegar a um segundo plano sua decretação, a fim de que se viabilize o aperfeiçoamento da relação processual triangular, homenageando, pois, os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Para os seguidores dessa corrente, a citação do demandado abriria a possibilidade de renúncia à prescrição e afastaria sumariamente a possibilidade de vir a ser configurada qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade no feito em concreto. Neste sentido, são os ensinamentos de Alexandre Freitas Câmara esposados em recente publicação na Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, nos seguintes termos: “ainda que assim não fosse, porém, e a cognoscibilidade ex officio da prescrição fosse perfeitamente admissível no sistema jurídico brasileiro, seria inócua a reforma operada. Isto porque será sempre preciso compatibilizar o poder do juiz de conhecer de ofício da prescrição com a garantia constitucional do contraditório, insculpida no art. 5º, LV, da Constituição da República”[21] .

Outro não é o entendimento do Professor Humberto Theodoro Junior: “A revogação pura e simples do art. 194 do Código Civil não conduz à automática implantação de uma regra em sentido contrário à revogada, se se atentar para o enfoque lógico, histórico, sistemático e teleológico da regulamentação da prescrição, como um todo. Não será, apenas pelo fato de eliminar a regra que expressamente proibia o juiz de declarar a prescrição ex officio, que se terá de entender que terá sido instituída a possibilidade de fazê-lo, sempre, sem a invocação da parte interessada”.[22]

Ocorre que, embora seja salutar a argumentação tendente a sugerir prudência ao magistrado em ordenar a citação do réu antes mesmo de declarar a prescrição, entendimento ao qual desde já declaramo-nos filiados, certo é que o texto legal não contempla a faculdade de o juiz relegar, a uma segunda ou terceira análise a aplicação do §5º do artigo 219 do CPC, contemplando, aos nossos olhos, a possibilidade do juiz declará-la no momento da primeira conclusão dos autos, ou seja, quando do recebimento da inicial, momento em que se espera seja determinada a citação do réu.

Isto porque o texto da lei é por demais breve e simplista, vale dizer, não prevê a possibilidade do juiz fazê-lo de plano ou após a regular formação da relação jurídica processual triangular, incumbindo aos doutrinadores o encargo de se desdobrarem em argumentos e fundamentos tendentes a corrigir a omissão legislativa, sem, contudo, traduzir a forma pela qual deverá o magistrado se pautar.

Assim, em verdade, a situação que ora se apresenta é a seguinte: distribuída a ação, as partes ficarão dependendo da interpretação que o magistrado dará àquela situação, espancando a olhos vistos o princípio da segurança e militando para a ruína do judiciário.

E não se diga que ao declarar de plano estaria o magistrado decidindo contra a lei, ao contrário, estaria ele aplicando, de forma irrepreensível, instituto de direito processual civil inserto no parágrafo exaustivamente citado, pouco importando, naquele ato, os efeitos liberados pelo ato decisório, no caso, a sentença.

Neste ponto, mesmo correndo o risco de recebermos o rótulo do pessimismo, entendemos que se de um lado o magistrado deve obediência aos princípios que norteiam o regular deslinde do processo, de outro ele deve obediência à letra da lei que não lhe faculta outra hipótese senão a de declaração imediata sob pena de infringir a norma processual.

Por oportuno e por razões lógicas, em juízo de conflito de norma processual com princípios constitucionais resta incontestável que aquela deverá obrigatoriamente sucumbir a este, haja vista a impossibilidade de se vislumbrar vida longa à lei que afronte a Constituição Federal.

Contudo, se pautarmos nosso raciocínio no sentido de que as inovações legislativas ganham lugar a fim de aprimorar e modernizar o sistema, trazendo agilidade aos que necessitam socorrer-se no judiciário, temos que a Lei 11.280/06 em verdade criou uma situação de total conflito entre normas, pois, se de um lado devemos obediência aos ditames da Carta Republicana, de outro, havemos de conduzir o processo pelas trilhas das normas processuais. Porém, a obediência a uma escapa a outra, dando lado a um sem número de decisões conflitantes que colocará as partes em situação de total insegurança com relação ao rumo do processo.

Assim, o que a principio serviria para acelerar o trâmite dos processos, com conseqüente economia processual, em verdade repercutirá no abarrotamento da segunda instância e dos tribunais de sobreposição, que empenharão esforço desmedido em aclarar e pacificar a situação nebulosa criada por uma lei cuja finalidade não se afigura outra senão a de tumultuar o sistema judicial brasileiro.

6. PRESCRIÇÃO, RENÚNCIA DO DEVEDOR E REVELIA

Antes da entrada em vigor da Lei 11.280/2006 era defeso ao juiz declarar ex officio a prescrição, exceto quando para socorrer incapaz e em feitos de natureza não patrimonial. Dessa forma, a perseguição da declaração da prescrição ficava a cargo do demandado que, dentre outros argumentos de defesa, poderia lançar mão dessa exceção substancial tendente a abreviar o curso do feito.

Contudo, salvaguardava-se ao demandado, com fulcro no art. 191 do Código Civil[23], a possibilidade de renunciar ao instituto da prescrição já consumada em sede de defesa, de forma tácita ou expressa, na hipótese de se desejar realizar o direito do autor, mediante composição ou ainda, poderia rechaçar a tese por este edificada, provando, em análise meritória, que a tese inicial não merecia guarida por parte do judiciário.

Ressalte-se que a lei antiga previa a possibilidade do demandado alegar em sua defesa matérias que entendesse pertinentes e facultava a este a possibilidade de não lançar mão deste instituto, caso sua intenção fosse perseguir o julgamento de mérito por quaisquer outros fundamentos trazidos pelo artigo 269 do Código de Processo Civil.

Podemos afirmar, pois, que a renúncia da prescrição por parte do demandado abre caminho para que ele conquiste um julgamento que aclare o não acolhimento do pedido do autor da demanda, o que indubitavelmente lhe proporciona maior conforto moral, haja vista que a chancela estatal seria lançada sobre a inviabilidade daquela pretensão reclamada e não sobre um aspecto que reúne condições – única e exclusivamente – no campo técnico, muito embora ambas as situações recebam a prestação jurisdicional com análise de mérito.

A nosso ver, a Lei 11.280/06 ao prever a possibilidade do juiz conhecer de ofício a prescrição, em verdade retira do demandado a possibilidade de trazer à lume a rejeição do pedido do autor, de modo que sob este prisma nosso entendimento envereda pela negativa que se dá ao réu de lhe distribuir a justiça de forma a alcançar a pacificação social, finalidade precípua do processo.

Ousamos, pois, nesta linha de raciocínio, interpretar a nova lei como retrocesso no campo de defesa vez que ao autor da demanda é facultado o direito de alegar em desfavor do demandado toda sorte de argumentos relativos a situações que, em tese, reclamam amparo judicial, e mesmo que totalmente desprovidas de fundamento jamais seriam dirimidas, posto que qualquer alegação por parte do demandado sucumbiria ao instituto da prescrição e sua declaração ex officio.

Não buscamos com a presente argumentação fincar nosso entendimento em posição diametralmente oposta à evolução do direito, ao contrário, entendemos salutar todo vanguardismo legislativo tendente a acelerar o curso dos feitos, pois entendemos que a justiça célere reconquista, junto ao destinatário do provimento jurisdicional, a crença que há muito deu lugar à insegurança, contribuindo para a falência do sistema judiciário de nosso país.

Mas da mesma forma que somos fortes no sentimento de renovação e modernização legislativa, não podemos coadunar com a reforma que tolhe do demandado seu poder dispositivo ou o direito à ampla defesa, impedindo que o réu esgote as vias probatórias com a finalidade de clarificar a inexistência do direito vindicado pelo autor, vez que somos do entender que a distribuição da justiça não se afina com abreviação do curso do feito de ofício e envolvendo matéria puramente técnica.

Conquanto pareça restar como inócua a alteração legislativa no que tange à renúncia da prescrição, consoante alguns possam argumentar, evidente que de nada ela adiantará na hipótese de reconhecimento ex officio no início do processo. De igual forma,  mesmo que se aguarde a regular triangulação da relação processual para oportunizar a eventual prática de tal ato, poderemos nos deparar com outra situação inusitada, a inércia do réu.

Imagine-se a situação em que o juiz, ao despachar a inicial, relegue a declaração de prescrição a um segundo plano e busque a triangulação da relação processual com vistas à participação do réu em contraditório, assinalando prazo para a resposta e possível renúncia à prescrição.

Regularmente citado o réu e assim integrado à relação processual, sua inércia ante o ônus de se defender poderá acarretar a aplicação dos efeitos da revelia, mormente quando tratar-se de direitos patrimoniais. Entretanto, poderá ocorrer situação onde o réu, ciente de sua obrigação para com o autor, entenda por bem deixar transcorrer in albis o prazo para resposta para, posteriormente, honrar a obrigação mediante depósito judicial. Conclusos os autos, o juiz reconhece a prescrição e profere sentença resolvendo o mérito.

Nesta hipótese, muito embora tenha o réu ficado desobrigado de cumprir a obrigação, tal desobrigação se deu em virtude não de seu interesse ou aspiração, mas pelo fato do Estado ter se substituído na sua vontade, abreviando o curso do feito e impedindo a satisfação, por parte do réu, do direito vindicado pelo autor, naquele processo.

Em que pese competir ao juiz o conhecimento de ofício de preliminares relativas aos pressupostos processuais e condições da ação (CPC, art. 301, § 4º)[24], sob o argumento de tratar-se de matéria de ordem pública, se o Estado se substitui na vontade do réu em matéria e cunho eminentemente patrimonial, de forma a impedir o cumprimento voluntário de sua obrigação legal em meio à relação jurídica processual, em verdade vem a fomentar o sentimento de injustiça tanto no autor quanto no réu que, inclinado a cumprir a obrigação não pode fazê-lo por óbice oposto pelo Estado-juiz.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Faz-se mister uma análise contextual da Lei 11.280/2006 ante a celeuma que se instaurou acerca da ofensa aos preceitos científicos que regem a matéria da prescrição e a inovação legislativa. Muito embora pareça que à luz do direito material o instituto da prescrição substancialmente pareça o mesmo, visto que jamais fora modo de extinção de obrigações, evidentemente que os reflexos processuais decorrentes do reconhecimento ex officio poderão resultar em efeito similar.

Mesmo que não se altere o conceito de prescrição civil, o novo texto do § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil, de acordo com o entendimento e conveniência do magistrado quanto ao momento de pronunciamento, poderá afetar sua natureza de exceção substancial, retirando do devedor a possibilidade de utilizá-la como defesa. Como já argumentado, a razão de ser a prescrição caracterizada como exceção tem fundamento na segurança jurídica e na estabilidade social, de forma a proteger o devedor dos efeitos lesivos que o tempo impõe à viabilidade de provar a inexistência ou a satisfação do débito.

Por conseqüência, se por um lado se diz ser inócua a alteração legislativa, por outro indubitavelmente retira o caráter de exceção substancial da prescrição, em especial face a possibilidade de seu pronunciamento de ofício no início do processo, antes que este se constitua em contraditório, tornando ineficaz o disposto no artigo 191 do Código Civil, uma vez que, no respectivo processo, não será possibilitado ao devedor renunciar à prescrição, restando-lhe a alternativa de fazê-lo extrajudicialmente.

De igual forma, a não ser que a entendamos que prescrição e decadência se equipararam, mesmo ante regular citação e inércia processual do réu, impossível será a aplicação dos efeitos da revelia, o que demonstra ser um grande contra senso, face restrição ao poder dispositivo do réu, bem como à disponibilidade inerente aos direitos patrimoniais.

Compete, assim, aos juristas, e em especial aos magistrados quando pronunciarem de ofício da prescrição, a tomada de posicionamentos claros quanto à interpretação e abrangência da norma, bem como a exploração das possibilidades hermenêuticas que possam contribuir para minorar seus eventuais efeitos lesivos. Nesse contexto, valemo-nos dos ensinamentos do saudoso mestre Miguel Reale, que com magnitude lecionava: “Nada mais errôneo do que, tão logo promulgada uma lei, pinçarmos um de seus artigos para aplicá-lo isoladamente, sem nos darmos conta de seu papel ou função no contexto do diploma legislativo. Seria tão precipitado e ingênuo como dissertarmos sobre uma lei, sem estudo de seus preceitos, baseando-se apenas em sua ementa…”[25]  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

AMORIM FILHO, Agnelo. Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 836, p. 733/763, 2005.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 43 set/out. 2006.

CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral do Processo. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2.003.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 19ª ed.  São Paulo: Malheiros, 2.003.

DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, v. I, 2003.

GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, v. I.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil.32ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, v. I.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994.

SILVA, Ovídio A. Batista da Silva; GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral do Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti. O Instituto Jurídico da Prescrição com a Vigência da Lei 13.280/2006. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 44, nov/dez. 2006.

THEODORO JR., Humberto. Distinção Científica entre Prescrição e Decadência. Um Tributo à obra de Agnelo Amorim Filho. Revista dos Tribunais, Sâo Paulo, v. 836, jun. 2005.

______. Prescrição – liberdade e dignidade da pessoa humana. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 40, jul. 2006.

VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito Civil Parte Geral, 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2004.



[1] André Luis Camargo Mello é pós-graduando em Direito Processual Civil pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO, professor de teoria geral do processo, direito processual civil e prática processual civil das Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO, Advogado e Coordenador de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de Ourinhos – SP. (alcmello@tdkom.com.br)

[2] Prescreve o texto do § 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil alterado pela Lei 11.280/2006: O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.

[3] O artigo 194 do Código Civil revogado pela Lei 11.280/2006 assim expressava: O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer absolutamente incapaz.

[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1994, v. I., p. 286.

[5] GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo, Novo Curso de Direito Civil, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, v. I, p. 476.

[6] VENOSA, Silvio de Sálvio. Direito Civil Parte Geral, 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 636

[7] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério Científico para Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar as Ações Imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 836, p. 733/763, 2005.

[8] Op. cit., p. 475.

[9] Op. cit. , p.629.

[10] O texto original do § 5º do art. 219 CPC: Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato.

[11] SILVA, Ovídio A. Batista da Silva; GOMES, Fábio Luiz Gomes. Teoria Geral do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.133.

[12] TEIXEIRA, Silvia Maria Benedetti, O Instituto Jurídico da Prescrição com a Vigência da Lei 13.280/2006. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 44, p. 18, nov/dez. 2006.

[13] CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Teoria Geral do Processo, Rio de Janeiro: Forense, 8ª ed., 2.003, p. 8.

[14] DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: Malheiros,  2003, v. I, p. 300.

[15] THEODORO JR., Humberto. Distinção Científica entre Prescrição e Decadência. Um Tributo à obra de Agnelo Amorim Filho. Revista dos Tribunais, Sâo Paulo, v. 836, p. 57, jun. 2005.

[16] Op. cit., p. 189.

[17] Op. cit., p. 190.

[18] CINTRA, Antonio Carlos de; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2.003, p. 274.

[19] Art. 193 do Código Civil: A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.

[20] Os pareceres dos relatores na Câmara dos Deputados e no Senado foram favoráveis ao projeto de lei, invocando razões de economia e celeridade processual.

[21] CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, v. 43, p. 116, set/out. 2006.

[22] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prescrição – liberdade e dignidade da pessoa humana. Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, n. 40, p. 69, jul. 2006.

[23] Art. 191 do Código Civil: A renúncia da prescrição poderá ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.

[24] § 4º do art. 301 do CPC: Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enunciada neste artigo.

[25] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p.286.

 


 

DADOS BIOGRÁFICOS

ANDRÉ LUIS CAMARGO MELLO é pós-graduando em Direito Processual Civil pelas Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO, professor de teoria geral do processo, direito processual civil e prática processual civil das Faculdades Integradas de Ourinhos – FIO, Advogado e Coordenador de Assuntos Jurídicos da Prefeitura Municipal de Ourinhos – SP. (alcmello@tdkom.com.br)

Algumas consideraçõs sobre a linguagem persuasiva

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 * Andréa Scavassa Vecchia Nogueira

     A persuasão torna-se então uma prática de comunicação “calculada” em função de um resultado. Ela se enquadra no pensamento estratégico, leva em conta as vulnerabilidades do outro, ao mesmo tempo em que pensa e administra seu próprio arsenal de meios. Abastece-se no armazém da retórica, muito bem fornido por diferentes correntes, desde os sofistas, Aristóteles e os mestres da arte retórica. Recorre à “psicologia das profundezas”, que a informa sobre os sistemas de defesa do eu, os processos de identificação, a teoria das emoções, o jogo dos desejos e das necessidades, ou as molas da ansiedade. (Bellenger,1987:8)

          Nas relações com outros indivíduos, o homem usa a linguagem como um mecanismo de ação carregado de intencionalidade.

            A linguagem torna-se o instrumento para a interação social, transmitindo pensamentos, vontades, experiências, tentando envolver o destinatário na consciência interior do locutor, a fim de que participe da sua realidade e de seu conhecimento de mundo.

         Quando há o ato interativo, o locutor tem a intenção de atuar no pensamento e no agir do seu ouvinte. Essa intencionalidade no discurso é realizada através de argumentos. E é nesse discurso argumentado que há pretensões, há persuasão.

1. O contexto histórico

            A persuasão é o ato de influenciar uma pessoa, tendo como objetivo operar a transferência de um ponto de vista, de uma opinião, impondo-se através da razão, da imaginação ou da emoção.

            A persuasão, além de influenciar, também informa. Informa não com uma opinião neutra, mas provocando uma adesão.

            Na época clássica, da Grécia do séc. IV a.C., consideravam-se, segundo Citelli (1985:18), três tipos de raciocínios discursivos:

a)     o raciocínio apodítico: o que revela tom da verdade inquestionável. A argumentação se realiza com tal grau de fechamento que não resta ao receptor qualquer dúvida quanto à verdade do emissor.

b)     o raciocínio dialético: busca quebrar a inflexibilidade do raciocínio apodítico. Aponta-se para mais de uma conclusão possível. No entanto, o modo de formular as hipóteses acaba por indicar a conclusão mais aceitável. É um jogo de sutilezas que consiste em fazer parecer ao receptor que existe uma abertura no interior do discurso.

c)      O raciocínio retórico: é o mecanismo de condução das idéias, capaz de atuar num eficiente mecanismo de envolvimento do receptor.

             Nessa mesma época, quem ensinava a arte de persuadir eram os sofistas por meio da retórica. Eram eles os antigos educadores, que, preocupados com a linguagem, seu instrumento de trabalho, desenvolveram a arte da correção (a gramática), a arte de persuadir (a retórica), a arte de argumentar (a dialética). (BUZZI, 1994:136)

            Os sofistas serviam à classe dominante, auxiliando os cidadãos nos negócios e nas questões políticas em troca de alguma recompensa. Dessa forma, a sofística acabava se avantajando da filosofia, porque era um saber “útil”, principalmente, para o poder político. Por isso, a condenação de Platão e Sócrates à arte de persuadir dos sofistas. Ela prefigurava as armadilhas do pensamento moderno e tinha como principais causadores: o discurso político, a publicidade, todas as formas de propagandas e todos os discursos provenientes de uma autoridade qualquer. (BELLENGER, 1987:17)

            Diferente dos sofistas, Aristóteles ensinava a persuadir tanto pelo sentimento como pela prova; a intenção é que comandava o uso da palavra. Aristóteles colocava a retórica a serviço do verdadeiro e do justo e a definia como “instrumento da opinião”, em que o orador recorria a ela para persuadir um auditório; havia um empenho em interessar, impressionar, convencer e, em seguida, levar à ação. Aristóteles percebeu que a honestidade e a justiça eram argumentos bons para conquistar a adesão do auditório.

            Já a dialética, Aristóteles a considerava de alçada dos filósofos; seria o domínio dos auditórios de “peritos” e autorizava o uso de procedimentos da lógica, da dedução, da análise, da síntese, do silogismo regular. (BELLENGER, 1987:19)

            Temos como recursos da linguagem persuasiva da época, dentre outros, os “estilos e as figuras”, como por exemplo:

    praticar a tautologia (“eu sei, eu creio”);

    utilizar máximas (“nem tudo é possível”);

    colocar-se no meio dos interlocutores (“nós todos podemos…”);

    criar frases feitas (“uma sociedade mais justa, mais humana, mais livre”);

    estabelecer constatação, a fim de fazer afirmativas que se pretendem inegáveis (“trata-se de…, é verdade…, é preciso dizer…”);     

    preferir a consecutividade à causalidade (utilizar “é por isso” em lugar de “porque”);

    utilizar perguntas retóricas (transmitir certezas sob forma de perguntas feitas aos interlocutores). (BELLENGER,1987:22)

            A escolha dos recursos retóricos, na organização de um texto, revelava comprometimentos de cunho ideológico. Deles ficou o ensinamento de que, sabendo manipular a linguagem, podemos passar da palavra à ação.

 2. A linguagem persuasiva

            A linguagem é uma armadilha, é nela que o discurso visa influenciar, é nela que o “persuasor” conhece o seu “persuadido”, e ambos trocam suas experiências, suas paixões, suas crenças, sua lógica, sua história pessoal. O “persuasor” conhece o universo daquele que será “persuadido”, dessa forma, procura o melhor meio para conseguir o seu objetivo.

            Na linguagem, a persuasão só acontece quando há uma cumplicidade do interlocutor, fazendo com que ele acabe se tornando o próprio “persuasor”. O locutor controla o processo de interação, levando o persuadido a pensar que se convenceu por si mesmo.

            Vejamos agora, o que Bellenger (1987:78) chama de os 4Cs da linguagem persuasiva:

     Credibilidade: o persuadido para a “aceitação de uma déia” exigirá que seja verdadeira, e para ser verdadeira, ela deve relacionar-se com fatos, testemunhos, provas. A credibilidade leva o “persuasor” ao domínio da prova.

     Coerência: o “persuasor” entra na ordem da demonstração da lógica e da argumentação. Preocupado com a coerência, terá, portanto, interesse em testar a qualidade das interdependências e das relações entre as partes de seu discurso.

     Consistência: o “persuasor” demonstra consistência quando há uma continuidade no seu propósito, quando aquilo que ele diz hoje não se opõe ao que dizia ontem.

     Congruência: entendemos tudo o que torna pertinente e adequado à comunicação persuasiva em três planos: o indivíduo visado pela influência; a situação na qual se inscreve a influência; a atitude propriamente dita do “persuasor”. Para ser persuasivo, é preciso produzir “aquilo que convém exatamente” ao que os outros imaginam de nós, ao que esperam, ao que a situação contém como possibilidades de evolução.

             A partir desses itens, percebemos que a escolha das palavras, o encadeamento das idéias, o domínio dos conectivos, são alguns dos elementos que marcam a intencionalidade na persuasão. São eles que fazem com que o discurso produza um efeito desejado sobre o interlocutor de forma coerente.

 2.1. Os métodos de raciocínio

            O homem pode deixar de apoiar-se em impressões imediatas e passar a operar pelo raciocínio, em procedimento que constitui a forma fundamental da atividade intelectual do homem.

            Ao expressar o raciocínio, apresentamos provas que podem ser aceitas pelo alocutário e convençam-no da verdade que propomos.

            Garcia (1997: 295) cita algumas destas provas:

            a) os fatos: são coisas realizadas, não abrem brecha para discussões. Os fatos podem ser acurados (observação direta), adequados (proporcionais ao contexto), relevantes (necessários, salientes, de destaque para o contexto), típicos ou característicos (próprios para certos contextos), suficientes (provas que bastam para a verdade) e fidedignos (merecem fé).

            b) os indícios (pistas): podem persuadir, mas não expressam certezas, apenas uma possibilidade ou probabilidade.

             Um outro modo para apresentar provas pelo raciocínio é por meio do método. Método “é o caminho através do qual se chega a um fim ou objetivo”. Na Lógica, “é o conjunto dos meios ou processos empregados pelo espírito humano para a investigação, a descoberta e a comprovação da verdade”. Método implica uma direção para se seguir, regularmente, nas operações mentais.(id.ib.:296)

            Eis alguns tipos de métodos de raciocínio: a indução (conduz do particular para o geral); a dedução (parte do geral para o particular); alguns métodos subsidiários – modus sciendi (modos de saber: análise, síntese, classificação e definição). Enfim, cada ciência tem seu método (demonstrativo, comparativo, histórico, normativo etc.).

            O método indutivo parte da observação e da análise dos fatos para chegar a uma conclusão – método a posteriori, parte do efeito para a causa. Um tipo de método indutivo é o testemunho autorizado.

            O testemunho autorizado – chamado de métodos de autoridade – baseia-se em afirmações alheias dignas de crédito. Vale dizer que o sujeito que acolhe as afirmações alheias deve ter um espírito crítico, já que os métodos de autoridade ainda constituem um processo de investigação da verdade. Podemos ter como exemplo, um testemunho no tribunal do júri. Se o juiz considerar o réu culpado de determinados atos, todos os testemunhos que contribuíram para esta sentença são tidos como verdadeiros.

            O método dedutivo usa a generalização para chegar a uma especificação – método a priori, parte da causa para o efeito. Uma expressão do método dedutivo é o silogismo.

            No silogismo temos: a) uma premissa maior (julgamento geral determinado); b) uma premissa menor (o objeto dado pertence àquela categoria formulada na premissa maior); c) e uma conclusão (resultado da combinação de ambas premissas). Por exemplo:

a)     Todo bom político pensa no povo.

b)     Ora, há poucos políticos que pensam no povo hoje em dia.

c)      Portanto, há poucos bons políticos hoje em dia.

            Existem algumas condições, segundo Luria (1986:205), para que haja uma conclusão lógica: a) a premissa maior deve ter um caráter universal, sem permitir exclusões; b) deve-se ter um convencimento absoluto a respeito da primeira premissa; c) ambas premissas devem ser examinadas como configurando um sistema lógico único.

            Mesmo estudando separadamente os dois tipos de métodos, na prática, a busca pela verdade se faz pelos métodos indutivo e dedutivo ao mesmo tempo, que, então, se conjugam para o mesmo fim.            

3. Alguns conceitos sobre a argumentação

            Há vários conceitos de argumentação. Escolhemos alguns que possam nos interessar no momento.

            Segundo Perelman (1970:25),

 “la théorie de l’argumentation étudie les techniques discursives permettant de provoquer ou d’accroître l’adhésion des esprits aux thèses que l’on presente à leur assentiment. Il em resulte, fait essentiel pour le sociologue, que toute argumentation se développe en fonction de l’auditoire auquel elle s’adresse el auquel l’orateur est obligé de s’adapter”.[1]

 

         Perelman preocupa-se em esclarecer que o ato de convencer alguém é realizado através de provas objetivas que possam atingir um auditório específico. Conhecendo melhor o seu auditório, o orador pode escolher os argumentos mais plausíveis, de caráter ideológico ou sentimental, que facilitarão na aceitação, no convencimento dos interlocutores.

         O autor faz duas distinções importantes. Vimos que, para ele, o ato de convencer só se realiza por meio de provas ligadas à razão, ao raciocínio lógico e provas objetivas; tem caráter demonstrativo, e as próprias premissas conduzem às conclusões que o auditório deve atingir. Já o ato de persuasão, através da argumentação, procura atingir o auditório por meio das vontades, dos sentimentos; tem caráter subjetivo, ideológico, inferências estas que podem levar o auditório à adesão dos argumentos lançados.

         Em nossa pesquisa, não seguiremos exatamente as definições acima. O ato de persuadir concentra-se mais no locutor, enquanto o convencer concentra-se mais no interlocutor. O convencer passa a ser um produto do ato persuasivo. Na persuasão, constroem-se as provas, tanto objetivas, de raciocínios lógicos, como constituintes de ideologia, pois não há interação, se não houver participação ativa entre os sujeitos, produzindo o social, de acordo com a situação na qual estão engajados.

         Para Eduardo Guimarães (1987:24),

a argumentação é vista como a busca da persuasão de um auditório (alocutário) pelo locutor. Nesta perspectiva  é  que  se pode dizer que a relação locutor/alocutário é constitutiva da enunciação, no sentido de que esta se faz na procura de procedimentos próprios para persuadir o alocutário. Ou seja, a representação do alocutário constitui o próprio modo de argumentar.

 

            Assim como Perelman, Guimarães também acentua a relação entre locutor/alocutário. O locutor, conhecendo o manejo da linguagem e procurando uma representação do seu alocutário, seleciona os mecanismos que pode lançar para persuadi-lo. É justamente essa representação que auxiliará o locutor na escolha dos componentes persuasivos.

            Garcia (1997:370) explica que argumentar é convencer mediante a apresentação de razões, de provas e de um raciocínio coerente. E que a “legítima argumentação deve ser construtiva na sua finalidade, cooperativa em espírito e socialmente útil”, sendo os seus elementos principais: a consistência do raciocínio e a evidência das provas.[2]

             Segundo Anscombre & Ducrot (1976:14), a concepção de argumentação “c’est, pour nous, un trait constitutif de nombreux énoncés, qu’on ne puisse pas les employer sans prétendre orienter l’interlocuteur vers um certain type de conclusion”[3].

            O ato de argumentar é principal na persuasão; não há construção de um enunciado neutro, ele sempre terá uma intenção de quem fala, obrigando o outro a perceber essa intencionalidade e a conduzir seu raciocínio para uma determinada conclusão. Segundo Ducrot, há mecanismos que orientam argumentativamente um enunciado para uma determinada conclusão pretendida pelo locutor.

            Temos na gramática uma série de morfemas que funcionam como operadores argumentativos, os quais acompanham um enunciado, que funciona como argumento, com a pretensão de orientar o interlocutor para algumas conclusões.

            Na gramática tradicional, esses operadores são chamados de conectivos, de partículas denotadoras de inclusão, exclusão, retificação, situação. Já na gramática estrutural, são descritos como morfemas gramaticais (gramemas). São eles alguns dos elementos que podem determinar o valor argumentativo de um enunciado.

         Entretanto, não podemos reduzir a argumentação a estruturas léxico-sintáticas que marcam a intenção do locutor. Ela pode se manifestar na organização semântica do discurso, ou em certos termos ou em certas passagens.

         Percebendo isso, Ducrot (1987:9) também afirma que a argumentação, além de convencer e orientar a direção argumentativa, envolve “as relações que este (o sentido) estabelece entre sua enunciação e um certo número de desdobramentos ‘jurídicos’ que esta enunciação, segundo ele, deve ter”.

         Esses desdobramentos jurídicos são uma espécie de conflito de posições face a diferentes formações discursivas (logo, de sentidos) em que jogam a responsabilidade do dizer (poder/dever dizer), a autonomia visível do sujeito e seu estatuto jurídico de locutor. O poder jurídico envolve as relações entre os interlocutores.

            Ou melhor, o locutor lança um enunciado que aceita certos pressupostos e exclui outros, limitando o diálogo. Se esse enunciado for aceito pelo interlocutor, não há nenhuma interferência, pois foi acatado como verdade inquestionável. Ocorre, porém, que o ouvinte pode não aceitar o que foi proposto pelo locutor, e passa, dessa forma, a questioná-lo ou mesmo já a recusá-lo. Assim, o ouvinte adquire o direito de falar, iniciando uma outra posição no diálogo, a de locutor.

            Quando isso acontece, o locutor pode recusar o que foi dito, reconhecendo o direito de dizer do ouvinte, ou rejeitar o próprio discurso, desqualificando o ouvinte.

            É dessa forma que Ducrot apresenta a concepção da linguagem como interação social.

            Portanto, para Ducrot, o movimento argumentativo é explicado pela situação em que se realiza o discurso, envolvendo os princípios lógicos, psicológicos, retóricos, sociológicos. Como considera os sujeitos do discurso como sujeitos históricos e sociais, a realidade é, então, o fator que pode validar ou não a argumentação.

            Por essas orientações, chegamos à conclusão de que a função da argumentação é persuadir alguém de algo. Há sempre uma intencionalidade no discurso, ele nunca é neutro ou ingênuo. Por menos marcas argumentativas presentes no discurso, há implícito nele uma provocação, que faz o seu interlocutor aderir à tese colocada ou contestá-la.

            O discurso, no momento em que se realiza, é envolvido por fatores lógicos (raciocínio dedutivo), fatores psicológicos (conhecimento de mundo) e fatores sociológicos (contexto dos interlocutores), os quais influenciam de alguma forma a orientação argumentativa. A história, portanto, é que faz com que esses fatores se alterem, validando ou não a argumentação lançada no discurso.

ANSCOMBRE, J.C. & DUCROT, O. “L’argumentation dans la langue”. In: Langages (Argumentation et discours scientifique). Paris: Didier – Larousse, nº 42, Juin, 1976.

BELLENGER, Lionel. A persuasão e suas técnicas. Tradução: Waltensir Dutra, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987.

BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: O Ser, o Conhecimento, a Linguagem. 22a. ed. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1994.

CITELLI, Adilson. Linguagem e Persusão. 1a. ed. São Paulo: Ática, 1985. (Série Princípios).

DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Revisão da Tradução: Eduardo Guimarães. Campinas, SP: Pontes, 1987.

GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna. 17a. ed. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1997.

GUIMARÃES, Eduardo. Texto e argumentação: um estudo de conjunção do português. Campinas/SP: Pontes, 1987.

PERELMAN, Chaïm. Le Champ de l’argumentation. Presses Universitaires de Bruxelles, 1970.

LURIA, Alexandr Romanvich. Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de Luria. Tradução: Diana Myriam Lichtenstein e Mário Corso; supervisão de trad.: Sérgio Spritzer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

 

DADOS BIOGRÁFICOS

Andréa Scavassa Vecchia Nogueira Graduada em Letras (UNESP), Especialista no Ensino de Língua Portuguesa (USC), Mestre em Lingüística (UNESP) e Professora de Linguagem Jurídica na Faculdade de Direito das FIO.




[1] “a teoria da argumentação estuda as técnicas discursivas, permitindo provocar ou acrescentar a adesão dos espíritos às teses, que se apresenta na aprovação delas. Daí resulta, fato essencial para o sociólogo, que toda argumentação se desenvolve em função do auditório ao qual ela se remete e ao qual o orador é obrigado a adaptar-se.”

[2] Cabe deixarmos claro que, diferente de Garcia (1997), que faz distinção entre texto dissertativo e texto argumentativo, consideramos que a argumentação está presente em todos os tipos de textos.

[3]  “é, para nós, um traço constitutivo de numerosos enunciados, os quais não se pode empregar sem a pretensão de orientar o interlocutor na direção de um certo tipo de conclusão.”

 


 

Psicografia e Prova Penal

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 * Renato Marcão –

Sumário: 1. Introdução; 2. Alguns casos emblemáticos; 3. Algumas reflexões jurídicas necessárias; 4. Conclusão.

1. Introdução

O direito à prova insere-se no campo das garantias que integram o devido processo legal.

No sistema acusatório adotado pelo legislador brasileiro, depois da imputação inicial formalizada, em tempo oportuno e com limitações que decorrem também do sistema constitucional vigente, assegura-se o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da CF).

Como observou Geraldo Prado: “A marca característica da Defesa no processo penal está exatamente em participar do procedimento, perseguindo a tutela de um interesse que necessita ser o oposto daquele a princípio consignado à acusação, sob pena de o processo converter-se em instrumento de manipulação política de pessoas e situação”.[1]

Questão das mais intrigantes e que de tempos em tempos inquieta a comunidade jurídica é a que impõe reflexões sobre a validade ou não de material psicografado, apresentado para ser valorado como prova em processo penal.

O que se busca com o presente trabalho, de dimensões limitadas, sem qualquer pretensão de resolvermos definitivamente as inquietações reinantes, é apenas trazer algumas considerações que entendemos oportunas.

2. Alguns casos emblemáticos

Psicografar é anotar ou escrever algo ditado ou sugerido por algum espírito desencarnado.[2]

A primeira reflexão, de ordem eminentemente religiosa, impõe aceitar ou não a doutrina espírita, suas crenças e dogmas. Nesse campo não ingressaremos em razão das limitações do conhecimento de que dispomos a respeito da doutrina espírita e em homenagem à liberdade de credo ou religião.

Experiências mediúnicas são relatadas diuturnamente em todos os seguimentos sociais, despertando reações as mais variadas, que vão da fé intransigente ao medo, passando, evidentemente pelo crivo da credibilidade.

Dentre os médiuns brasileiros mais acatados e respeitados temos a figura de “Chico Xavier” (falecido em 2001), que de alguma maneira, e não por vontade própria como chegou a afirmar, acalorou a discussão a respeito da validade ou não do material psicografado como “meio de prova”, visto que em três casos emblemáticos suas psicografias acabaram por influenciar, ao que se sabe, no resultado dos julgamentos de três episódios de sangue que acabaram com a morte das vítimas. De comum entre os três casos, dentre outras coisas, as psicografias que ganharam repercussões processuais no campo da prova, em benefício dos réus, e o fato de que as vítimas foram atingidas por disparos de arma de fogo, além, é claro, do peso da credibilidade de um homem respeitado, inclusive internacionalmente, e que é a maior referência nacional no campo do espiritismo.

Dos três episódios a que me refiro, dois ocorreram no Estado de Goiás, em 1976, e os respectivos processos foram submetidos, em momentos diversos, ao mesmo Juiz de Direito, Dr. Orimar de Bastos. Figuraram como réus, respectivamente, João França e José Divino Nunes. No primeiro processo o Juiz optou pela absolvição sumária por entender que o agente não atuou com dolo ou culpa por ocasião do disparo. O réu não chegou a ser submetido a julgamento popular perante o Juiz Natural dos crimes dolosos contra a vida. No segundo o réu acabou absolvido pelo Tribunal do Júri, por seis votos contra um. Em ambos, reafirme-se, relatos baseados em espiritismo, ligados à psicografia.

O terceiro episódio ocorreu em 1980, no Mato Grosso do Sul, e o réu João Francisco de Deus terminou condenado, em segundo julgamento, por homicídio culposo, pela morte de sua esposa Gleide Maria Dutra, atingida com um disparo de arma de fogo na região do pescoço.[3]

Recentemente ocorreu novo caso em que material psicografado foi levado à discussão e apreciação no plenário do Júri, desta vez no Estado do Rio Grande do Sul, fazendo ressurgir a discussão sobre tema.

3. Algumas reflexões jurídicas necessárias

O Estado brasileiro é laico, e também por isso não pode referir-se normativamente à validade ou não de material psicografado como meio de prova, entendendo-se como “meio de prova”, no dizer de Dellepiane, “os diferentes elementos de juízo produzidos pelas partes ou recolhidos pelo juiz, a fim de estabelecer no processo a existência de certos fatos (prova testemunhal, prova indiciária)”.[4]

A liberdade de produzir prova, como é cediço, não é ilimitada, pois são inadmissíveis no processo as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI, da CF).

Sem espaço para questionamentos mais largos e profundos, cumpre ressaltar a idéia do gênero “prova proibida”, que compreende as espécies “prova ilícita” e “prova ilegítima”, adotando a abrangente visão de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha que ao referir-se ao tema destaca que são proibidas “não só as provas obtidas contra a lei, qualquer que seja a natureza da norma, mas também as que violarem os costumes, a moral e um princípio geral de direito”.[5]

O material psicografado apresentado em processo criminal para valoração probatória tem a natureza de prova documental que exprime declaração de quem já morreu, e exatamente por isso a prova, quanto à fonte, encontra-se exposta a questionamentos os mais variados.

Consideram-se documentos, diz o art. 232 do CPP, quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, público ou particulares.

Como prova documental, submete-se a todas as restrições impostas pela legislação processual penal, inclusive quanto ao tempo e forma de produção.

Note-se que a lei faz referência à quaisquer escritos, de maneira que os escritos psicografados devem ser considerados como documentos, em sentido amplo.

Não há no ordenamento jurídico vigente qualquer regra que proíba a apresentação de documento produzido por psicografia, para que seja valorado como prova em processo penal. Não se trata de prova ilícita, mesmo no conceito amplo acima apresentado.

Nos processos submetidos a julgamento de Juízo singular o acolhimento ou não do documento psicografado como prova dependerá muito mais da formação religiosa do magistrado e das experiências adquiridas ao longo da vida, atuantes na formação de seu livre convencimento (motivado), do que qualquer outro fator, e como advertiu Nuovolone: “O principio do livre convencimento significa o princípio pelo qual o Juiz não está vinculado a um sistema de provas legais (pelo qual certos fatos só podem ser provados com determinados meios e pelo qual certas provas não podem ser infirmadas por outras)”.[6]

Por outro vértice, em se tratando de julgamento pelo E. Tribunal do Júri a aceitação tende a contar com menor restrição, não apenas em razão de se tratar de julgamento sem decisão motivada no que tange aos jurados, proveniente de formações ecléticas e multi-culturais, mas, sobretudo, em razão dos apelos emocionais e religiosos tantas vezes explorados com maestria na Tribuna da Defesa.

4. Conclusão

No sistema jurídico brasileiro não há como normatizar o uso do documento psicografado como meio de prova; seja para permitir ou proibir. O Estado é laico.

De prova ilícita não se trata.

Se não está submetido ao contraditório quando de sua produção, entenda-se, quando da psicografia, a ele estará exposto a partir da apresentação em Juízo.

Como prova documental, a credibilidade de seu conteúdo, em razão da fonte, não pode ser infirmada com absoluta certeza, tanto quanto não poderá ser fielmente confirmada, não obstante a existência de relatos a respeito de confirmações de autoria atestadas por grafologistas.

As proposições apresentadas pelo sobrenatural, longe de alcançar consenso, não comportam afirmações peremptórias a respeito de todos os temas que envolvem.

DADOS BIOGRÁFICOS

 

RENATO MARCÃO: Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo – Mestre em Direito Penal, Político e Econômico – Professor de Direito Penal, Processo e Execução Penal – Presidente da AREJ – Academia Rio-pretense de Estudos Jurídicos – Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).  Autor dos livros: Lei de Execução Penal Anotada e Interpretada (Lumen Juris); Tóxicos (Saraiva), e Curso de Execução Penal (Saraiva).  Co-autor dos livros: Notáveis do Direito Penal (Consulex) e Comentários à Lei de Imprensa (RT).

 



[1] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório. 3ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 121.

[2] HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª ed., Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2001, p. 2326.

[3] Informações constantes do DVD “As cartas de Chico Xavier e outras histórias misteriosas”.

[4] DELLEPIANE, Antonio. Nova teoria da prova. Rio de Janeiro, José Konfino, 5ª ed., traduzida por Érico Maciel, 1958, p. 19.

[5] CAMARGO ARANHA, Adalberto José Q. T. de. Da prova no processo penal, São Paulo, Saraiva, 6ª ed., 2004, p. 73.

[6] Apud Fernando de Almeida Pedroso. Processo penal. O direito de defesa: repercussão, amplitude e limites, São Paulo, Revista dos Tribunais, 3ª ed., p. 404.

 


Os alimentos nas separações e divórcios extrajudiciais

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* Maria Berenice Dias

Como toda mudança gera resistências, não poderia ser diferente a reação diante da mais nova alteração introduzida no Código de Processo Civil, que acabou excluindo do âmbito judicial algumas demandas, nem podem ser chamadas de demandas por inexistir conflito. Aliás, por isso é que os procedimentos são chamados de jurisdição voluntária.

Agora, tanto a separação e o divórcio, como o inventário e a partilha, contanto que envolvam somente maiores e capazes, podem ser levados a efeito extrajudicialmente por pública escritura.

A grita foi geral, mas a reforma é das mais salutares. Pena que ainda acanhada.

Talvez a primeira observação que caiba seja sobre a facultatividade da adoção do meio extrajudicial para tais procedimentos. Em princípio, nada justificaria admitir o uso da via judicial para realizar ato para o qual existe meio de ser realizado extrajudicialmente. Até porque, se uma das finalidades da reforma foi desafogar o Poder Judiciário, não há motivo para permitir que as partes continuem tendo a possibilidade de buscar a justiça quando sua intervenção é desnecessária.

Às escrituras levadas perante o tabelião assegura a lei a qualidade de “título hábil” para o registro de imóveis e para o registro civil. Porém, não restou consignado, como deveria, que tais escrituras constituem título executivo extrajudicial. A omissão pode ensejar dúvidas que não precisariam existir, embora a hipótese se encaixe na previsão do art. 585, inc. II do CPC.

Ainda que ninguém possa sustentar que estes documentos não são títulos executivos extrajudiciais, esta circunstância legitima as partes a optarem pela via judicial quando, por exemplo, da separação ou do divórcio forem fixados alimentos.

De forma injustificável resistem a doutrina e a jurisprudência a facultar o uso da via executória da coação pessoal quando os alimentos são estipulados extrajudicialmente.  A resistência é de tal ordem que sequer aos acordos firmados com o referendo do Ministério Público, da Defensoria Púbica ou dos advogados das partes é autorizado o uso da única via de cobrança que dispõe de efetividade: a prisão civil do devedor. 

É absoluta a ojeriza em comprometer a liberdade do devedor, ainda que seu comportamento comprometa a vida do credor. Aliás, foi esta aversão que levou a jurisprudência a limitar o uso da via da coação pessoal às três parcelas vencidas quando da propositura da execução. Esta orientação consolidou-se de tal modo que se encontra sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 309). Esta mesma reverência ao devedor é que leva à concessão do regime aberto, para o cumprimento da pena pela prática de um dos crimes mais perversos, pois perpetrado contra filhos ou ex-parceiros que precisam dos alimentos para sobreviver. Credores com quem o devedor tem, teve, ou deveria ter tido um vínculo afetivo. Não se pode olvidar que, quando a credora é mulher, a omissão configura violência doméstica, como está explícito na Lei Maria da Penha (art. 7º, IV).

Talvez a maior prova desta postura protetiva com relação ao devedor de alimentos seja a tentativa de afastar os créditos alimentares do procedimento de cumprimento da sentença. Ainda que extinta a execução dos títulos executivos judiciais, substituída que foi por mecanismo mais ágil – que dispensa nova ação, nova citação, acaba com os embargos, etc. – há quem sustente a permanência do procedimento revogado com relação aos alimentos. Parece que sequer atentam que o legislador alterou a carga de eficácia da sentença, que de condenatória transformou-se em executiva, dispensando o processo executório. Assim, pelo jeito, os credores de alimentos devem guardar os códigos velhos, já que os atuais trazem os textos incorporados. Também os devedores de alimentos precisam fazer uso da legislação revogada, sob pena de não terem como se defender. Advogados, juízes, promotores, defensores e todos os cartórios e tribunais, igualmente, terão de manter nas prateleiras as edições antigas de seus códigos já ultrapassados.

Outra omissão revela descaso. Os novos procedimentos de cobrança – quer dos títulos executivos judiciais, quer dos extrajudiciais – não fazem qualquer referência ao crédito de alimentos. Mas uma coisa é certa. Não se pode ter por excluído o meio executório da prisão do devedor, uma vez que não foi revogado o art. 733 do Código de Processo Civil.

No entanto, desgraçadamente, ninguém quer permitir o uso deste meio executório quando a obrigação alimentar integra título executivo extrajudicial. É que o Código de Processo Civil (art. 733) fala em “sentença” e em “decisão”, mas a Lei de Alimentos (art. 19), de modo expresso, admite o decreto de prisão na execução de “sentença” ou “acordo”. Não distinguindo na lei a origem da transação, se judicial ou não, nada, absolutamente nada, impede a cobrança com a ameaça de coação pessoal. Principalmente quando o acordo é referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados das partes. Exigir a homologação judicial – que se resume em mero ato chancelatório, pois o juiz não houve as partes – é desprestigiar todo o esforço para compor o litígio feito pelos promotores, defensores e advogados. Ao depois, feito o acordo perante o Ministério Público, de todo descabido exigir que o promotor busque a chancela judicial, pois para isso terá que ingressar com uma ação, ainda que de jurisdição voluntária. Caso seja delegado à parte o ônus de buscar o referendo judicial, depois de realizado o acordo, pelo jeito terá que procurar a Defensoria Pública ou contratar um advogado para intentar a ação buscando a homologação da avença.

 

Esse procedimento, de todo desnecessário e incabível, seria a única forma de legitimar o credor ao uso da execução pelo rito da coação pessoal.

 

O absurdo de tal exigência é evidente por si.

 

Agora, diante da nova sistemática concedida às separações e aos divórcios, cabe questionar qual o procedimento de cobrança que poderá ser utilizado pelo credor quando estipulados alimentos.

 

Se for reconhecido como título executivo extrajudicial, não haverá a incidência de multa e sequer será permitido o uso da via executória da coação pessoal.

Portanto, o que à primeira vista parecia ser uma faculdade desnecessária do uso da via judicial, é a forma indispensável quando houver estipulação de alimentos.

 

Só assim o credor poderá fazer uso dos mecanismos executórios mais ágeis quer o de cumprimento da sentença, quer o do rito da prisão.

 

Continuará, deste modo, a justiça entulhada de processos. A conseqüência é sua morosidade, que acaba beneficiando, mais uma vez, o devedor de alimentos.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

 

Maria Berenice Dias:  Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

www.mariaberenice.com.br