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Indenizações miseráveis

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CRÔNICA:  *Elias Mattar Assad

Afirmei que as indenizações no direito brasileiro são incertas, miseráveis e demoradas ("mártires das ilegalidades") e, quando demandada a máquina estatal por seus erros, são pagas, muitos anos após, em precatórios divididos em doze parcelas anuais. Longe de repararmos, apenas maximizamos prejuízos e dores morais em dupla ilegalidade e dupla injustiça. Isto está ligado diretamente à falta de preocupação que se tem com o outro.

Penso que o juiz estadunidense tem como bússola o "sonho americano". Assim, quando alguém – principalmente a máquina estatal – lesiona a liberdade, a vida, a integridade moral e projetos de outrem, assegura indenizações que são pagas em dinheiro com o bater do martelo. Lá, o juiz tem também a chave do cofre. Toma por base um cidadão que realizou esse sonho e a indenização vai aproximar o lesado desse patamar. Aquele povo se interessa pelas desgraças alheias, tanto que livros e filmes alusivos são produzidos, com régios pagamentos aos protagonistas da vida real, em autêntica e complementar reparação moral e econômica.

Embora a nossa mitológica Constituição Federal e legislação inferior enunciem esses direitos, não temos um "sonho brasileiro". Na falta dele, os referenciais são nossas equivocadas teorias que no fundo se voltam mais para a proteção dos ofensores que dos ofendidos. Nosso "estado juiz" não ousa pronunciar imoral a imposição de pagamentos em precatórios (proporcionalidade pró-moralidade), mormente agora que atingimos a estabilidade econômica, nem está preocupado em não terem lhe confiado a "chave do cofre", onde sentenças pudessem ser compensadas como cheques em bancos.

Os desgraçados e injustiçados da nossa república, na esmagadora maioria, rumam ao esquecimento (somos do tipo: "ria e todos rirão com você. Chore e chorarás sozinho…"). Quando atrevem-se a escrever um livro com suas desditas, arcam com os custos da editoração e descobrem que ninguém os lê, nem de graça! "Vá procurar teus direitos", ao invés de sábio conselho, em nosso meio, é sinônimo de xingamento. Os cavaleiros desse apocalipse civil afirmam que a dor não tem preço e que não há como avaliá-la. Portanto, nossas indenizações são miseráveis porque somos miseráveis… E quando um juiz iluminado resolve romper com tais barreiras culturais, no fundo tem certeza de que sua decisão será miserabilizada em grau de recurso. Portanto, o assalariado que ficou cego ou mutilado que se contente apenas com a aposentadoria precoce. A mulher que foi monstrificada pela cirurgia plástica que se conforme com cem salários mínimos. A viúva e os filhos do pai morto por engano pela polícia que levantem as mãos para o céu e agradeçam, depois de alguns anos de jejum e batalhas judiciais, o mero salário paterno como se vivo estivesse por mais alguns anos. O aprisionado inocentemente que comemore apenas a devolução de sua liberdade… Viva o paraíso do básico – o sonho brasileiro!


Elias Mattar Assad: presidente da Associação brasileira dos Advogados Criminalistas    eliasmattarassad@sulbbs.com.br

Juiz não pode ordenar, de ofício, que a parte prove que necessita dos benefícios da assistência judiciária

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* Francisco Demontiê Gonçalves Macêdo

           Está se tornando prática comum os juízes determinarem à parte requerente dos benefícios da assistência judiciária gratuita que comprove não possuir condições de pagar as custas processuais, sem prejuízo próprio ou de sua família.

            Sucede que tal determinação é manifestamente inconstitucional, ilegal e abusiva, pois contraria frontalmente: 1) toda a doutrina relativa à Separação dos Poderes, à qual a Constituição da República Federativa do Brasil é adepta (art. 2º); 2) o princípio da legalidade (art. 5º, da Constituição); 3) o princípio da presunção de constitucionalidade das leis; 4) o princípio de que, no julgamento da lide, cabe ao juiz aplicar as normas legais (art. 126 do CPC); e 5) o regramento legal da assistência judiciária previsto na Lei 1.060/50, consoante se passa a demonstrar.

            A Separação dos Poderes constitui um dos cânones mais eficazes do Estado liberal, coroado na afirmação inscrita no art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, de que "qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição".

            Embora discutida a prioridade de Montesquieu na sua formulação, é fácil descobrir a importância da Separação dos Poderes [01] nessa breve síntese do pensador: "Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o Poder Legislativo, o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e o Executivo das que dependem do direito civil. Pelo primeiro, o príncipe ou magistrado faz leis por certo tempo ou para sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, estabelece a segurança, previne as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos indivíduos. Chamaremos este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente, o Poder Executivo do Estado. A liberdade política num cidadão é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que cada um possui de sua segurança: e, para que se tenha esta liberdade, cumpre que o governo seja de tal modo, que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o Poder Legislativo está reunido ao Poder Executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou o mesmo Senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tranqüilamente. Se estivesse ligado ao Poder Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao Poder Executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos".

            Em resumo: pela doutrina constitucional da Separação dos Poderes não é dado aos juízes julgar e legislar ou mesmo tempo.

            O princípio da legalidade, por seu turno, tem como objetivo limitar o poder do Estado impedindo sua utilização de forma arbitrária. Em um Estado Democrático de Direito, como o nosso, a lei desempenha função singular, visto que só ela pode impor ao indivíduo o fazer ou deixar de fazer alguma coisa (art. 5º, II, da Constituição). Enfim, somente as espécies normativas primárias integrantes do ordenamento jurídico dispõem do poder de impor obrigações, de exigir condutas positivas e negativas e de estabelecer restrições a direitos dos indivíduos.

            Assim, se somente a lei pode impor ao indivíduo o fazer ou deixar de fazer alguma coisa, com muito mais forte razão os órgãos e entidades do Estado, inclusive os juízes, têm de pautar todas as suas condutas pelo disposto na lei, sob pena de desrespeito ao postulado da legalidade, alicerce maior de um Estado de Direito.

            A submissão de todos (indivíduos e, principalmente, o Estado, que só pode fazer o que a lei permite) ao comando da lei é uma decorrência lógica dos princípios democrático e republicano adotados pela Constituição, que, entre outras características, outorgam ao povo o poder de criar as regras jurídicas do Estado.

            Da conjugação desses dois postulados tem-se que todo o poder do Estado emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de seus representantes eleitos (CF, art. 1º, par. ún.).

            Por esse motivo – elaboração normativa segundo a vontade popular – as leis editadas pelo Poder Legislativo são protegidas pelo princípio da presunção de constitucionalidade das leis.

            Como decorrência desse princípio, as leis estatais devem ser consideradas constitucionais, válidas, legítimas até que venham a ser formalmente declarados inconstitucionais por um órgão competente para tanto. Enquanto não formalmente reconhecidas como inconstitucionais ou revogadas, deverão ser cumpridas.

            4) No dizer daquele que é um dos maiores, senão o maior processualista brasileiro, Cândido Rangel Dinamarco [02]: "O Estado deposita no juiz, seu agente, os poderes que legitimam a realização desses atos. Mas o juiz não exerce só poderes, como também deveres".

            Entre os deveres judiciais diretamente ligados à concessão de tutela jurisdicional, está a obrigatoriedade de julgamento (art. 126 do CPC). Ocorre que o poder-dever de julgar, de que o juiz é investido, segundo o referido mestre, sujeita-se à limitação consistente na necessária observância à lei (art. 126 e 127 do CPC), sendo certo que julgar segundo a lei significa dar aos julgamentos o teor que resulte da ordem jurídica material como um todo, a saber, das normas contidas no direito positivo de todos os níveis e espécies (Constituições, leis primárias, leis secundárias etc.).

            Conclui o insigne doutrinador: "Fora das hipóteses de expressa autorização legal, é dever do juiz o cumprimento da lei, nos termos dos art. 126 e 127 do Código de Processo Civil". (destaquei)

            Sem embargo, há no Brasil há um regramento muito claro a respeito da assistência judiciária gratuita. Tal regramento está contido na Lei 1.060/50, que é muita clara ao estabelecer que "a parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família" (art. 4º, caput).

            Esta Lei também é igualmente clara ao preconizar que "presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei" (art. 4º, parágrafo único), sendo certo que "o juiz, se não tiver fundadas razões para indeferir o pedido, deverá julgá-lo de plano, motivando ou não o deferimento dentro do prazo de setenta e duas horas" (art. 5º).

            Diante de todos os princípios acima alinhavados, é fácil perceber que é dentro destes limites que o juiz deve orientar seu campo de cognição, a fim de conceder o provimento jurisdicional.

            É certo que os referidos dispositivos da Lei 1.060/50, foram todos recepcionados pela Constituição, como nos assegura o citado mestre Dinamarco, in verbis:

            "Á primeira vista, a Constituição teria negado recepção à presunção instituída pela lei, porque atribuiu ao interessado o ônus de comprovar a insuficiência de recursos. Como porém as declarações de direitos e garantias em uma Constituição significam somente a oferta de um mínimo que a lei não pode negar, prevalece o entendimento de que continua vigente a disposição infraconstitucional que transfere ao adversário o ônus de provar a capacidade financeira do interessado – continuando a ser havida por suficiente a mera alegação, nessa medida."

            Aliás, o colendo Superior Tribunal de Justiça não se cansa de aplicar os dispositivos da referida Lei, in verbis:

            "PROCESSUAL CIVIL – CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA – LEI 1.060/50 – INDEFERIMENTO DO PEDIDO COM BASE NA PROVA DOS AUTOS – SÚMULA 7/STJ.

            1. O STJ tem entendido que, para a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, basta a declaração, feita pelo interessado, de que sua situação econômica não permite vir a juízo sem prejuízo de seu sustento e de sua família.

            2. Entretanto, tal declaração goza de presunção juris tantum de veracidade, podendo ser indeferido se houver elementos de prova em sentido contrário.

            3. Hipótese dos autos em que o indeferimento do pedido encontrou amparo na prova dos autos, sendo insuscetível de revisão em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7/STJ.

            4. Agravo regimental improvido." (STJ – 2ª T – MINISTRA ELIANA CALMON – AgRg no Ag 802673 / SP – Julgamento em 06.02.07).

            No mesmo sentido, o entendimento do egrégio Supremo Tribunal Federal, in verbis:

            "ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – PESSOA JURÍDICA. Ao contrário do que ocorre relativamente às pessoas naturais, não basta a pessoa jurídica asseverar a insuficiência de recursos, devendo comprovar, isto sim, o fato de se encontrar em situação inviabilizadora da assunção dos ônus decorrentes do ingresso em juízo.

            Diante do exposto, todos os despachos que transferem à parte requerente dos benefícios da assistência judiciária gratuita, são passíveis de reforma nas instâncias superiores, ante à sua manifesta ilegalidade latu sensu.

 


 

 

            01 MONTESQUIEU. O espírito das leis. Coleção Os Pensadores. v. XXI. Trad. de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. São Paulo: Editor Victor Civita, 1973. p. 156 e ss.

            02 Instituições de direito processual civil. v. II. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 228 e ss.

 


 

DADOS BIOGRÁFICOS

Francisco Demontiê Gonçalves Macêdo,  advogado.

Notas

Derechos humanos y diversidad cultural: una posible conciliación

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* David José Geraldes Falcão

Palavras-chave em português: universalistas, relativistas, assimilacionismo, reconciliação, direitos humanos, cultural.

Palavras-chave em inglês: universalism, relativism, assimilasionism, human rights, reconciliation, cultural.

Palavras-chave em espanhol: derechos humanos, diversidad, conciliación, universalidad, relativismo, cultural.

 

Resumo em português: O presente artigo descreve uma proposta de conciliação entre direitos humanos com pretensões de universalidade e pluralidade cultural reencontrada após a queda do muro de Berlim e o final da Guerra-Fria. Em primeiro lugar, procedemos a uma análise dos principais pontos argumentativos do debate actual entre defensores das teorias universalistas e defensores das teorias relativistas, optando finalmente pela que apresente uma maior coerência. Em segundo lugar, expomos um modelo de articulação entre direitos humanos e diversidade cultural baseado em três pontos distintos, sendo que o primeiro consiste em rejeitar o "assimilacionismo" sem cair em relativismos; o segundo passa por admitir uma flexibilidade das políticas de desenvolvimento dos direitos humanos de acordo com as especificidades de cada grupo cultural mas sem desnaturalizar os conteúdos axiológicos dos direitos humanos; o terceiro passa por um diálogo intercultural.

Abstract: The following article describes a proposal of conciliation between human rights, with universal pretensions, and cultural plurality found after the fall of the wall of Berlin and the final of the Cold War. First, we analyze the most important argumentative points of the debate between the defenders of the universalism and defenders of relativism theories, choosing the one which presents more coherence. Second, we present an articulation model between human rights and cultural diversity based on three different points: the first one consists on refusing "assimilasionism"; the second consists on a flexibility of the development politics of human rights because of the specificities of which cultural group without changing the axiological contents of human rights; the third one is the intercultural dialogue.

 


 

Una perspectiva de conciliación entre Derechos Humanos y Diversidad

            Tras la caída del muro de Berlín el mundo deja de estar dividido en dos bloques ideológicamente antagónicos y se redescubre como complejo multicultural [01]. El factor político preponderante no es otro que el fin de la Guerra Fría que ha diluido la necesidad de los diversos países de la tierra de alinearse detrás de una u otra de las superpotencias. De este modo, muchos pueblos redescubren sus particularidades socioculturales invisibilizadas durante muchos años por motivos estratégicos. Desde entonces, nuestro planeta ha reencontrado una pluralidad cultural que el periodo colonial había ocultado, un cambio cuyos efectos se han dejado sentir directamente en el ámbito de los Derechos Humanos.

            Durante el año de 1947, y mientras se preparaba la Declaración Universal de los Derechos Humanos, la American Anthropological Association envió un informe a la Comisión de Derechos Humanos donde subrayaba la necesidad de respeto por las culturas de los diversos pueblos para que la universalidad de los Derechos Humanos fuera considerada efectiva y legítima [02]. Sin embargo, esta advertencia, como alguna otra recibida al respecto, no fue escuchada entonces. Las preocupaciones principales estaban centradas en las secuelas dejadas por la Segunda Guerra Mundial y se focalizarían poco después en las tensiones derivadas del inicio de la Guerra Fría. Básicamente los Derechos Humanos, consensuados no sin grandes dificultades y debates en la ONU, fueron declarados universales, tomados como verdad absoluta e incuestionable por la sociedad internacional, pero no pudieron impedirse los primeros disensos y negaciones de firma para la Declaración, documento de formidable potencial expansivo, pero no obstante incapaz de convertirse de inmediato en un documento jurídicamente vinculante (lo que obligó a recurrir la elaboración y ratificación de dos conocidos Pactos Internacionales para construir un derecho internacional de los Derechos Humanos entre los años cincuenta y setenta el siglo XX). Las polémicas que mediado dicho siglo se generaron con tal motivo derivaban sobre todo del conflicto ideológico y político internacional que había irrumpido y dominaba la realidad política. En un principio la principal oposición a resolver pareció que iba a ser la planteada entre los derechos de 1ª generación (civiles y políticos) defendidos por los países de ideología liberal occidental y los de 2ª generación (económicos, sociales y culturales) cuya inclusión fue requerida enérgicamente, y finalmente obtenida, por los países en la órbita del bloque Soviético. La problemática fundamentación de los Derechos Humanos había quedado en segundo plano, deslizándose en la Declaración de 1948 una sumaria y vaga fundamentación iusnaturalista, amparada por el horror de la reciente Contienda.

            Con todo, la problemática suscitada por el discurso internacional de los Derechos Humanos, fijado en su rasgos esenciales en el año 48, es actualmente muy distinta a la producida después de la gran Guerra y reside en la articulación de la universalidad de los Derechos Humanos con la diversidad cultural. "En un mundo en el que la presencia de minorías étnicas, culturales, lingüísticas o nacionales se ha multiplicado, a la par que se han incrementado los flujos migratorios, la presencia no sólo de ´identidades` o códigos culturales diferentes, sino de muy distintas concepciones acerca de lo que debe ser exigible incluso bajo coacción, parece plantear no pocas dudas en torno de la respuesta habitual: los Derechos Humanos. ¿Son, de verdad, universales, o varían según las diferentes culturas? ¿En ese caso, qué debemos hacer? ¿Cómo resolver los conflictos entre Derechos Humanos contrapuestos o, mejor, entre visiones que afirman o niegan que una determinada pretensión pueda ser calificada-y exigible eficazmente, es decir, garantizada-como un derecho?" [03]. Esta polémica se ha intensificado en los últimos años y se ha traducido en fuertes batallas doctrinales: por un lado, los defensores de la universalidad y, por otro sus adversarios, los relativistas están al día de hoy enzarazados en un debate interminable. Antes de hablar de mi perspectiva de conciliación entre universalidad de los Derechos Humanos y la diversidad cultural, procede que haga un breve repaso por las dos grandes doctrinas mencionadas: la universalista y la relativista, para concluir con una opción argumentada al respecto

            En cuanto a la teoría universalista el hecho que más choca a los defensores de la universalidad de los Derechos Humanos es el relativismo ético subyacente al discurso multicultural de sesgo comunitarista. La inexistencia de criterios morales absolutos válidos para la humanidad e independientes de su marco espacio-temporal nos impone la aceptación de un vacío ético y nos obliga en ciertos casos a pactar con la intolerancia y con el terror [04].

            Si se rechaza una ética objetiva, una moral crítica o una razón universal, optando por el relativismo, no se tiene legitimidad para juzgar nada, pues toda la moral es cultural y relativa. De esta forma, se abre camino para aprovechamientos políticos espurios de discursos éticos particularistas y se posibilita que tiranos de cualquier parte del mundo, para ejercer su dominación, se escuden en especificidades culturales, que, a priori, de atenernos a la lógica de los relativistas, podrían ser defendidas como moralmente válidas por el hecho de existir, no pudiendo en cambio ser cuestionadas por no existir una moral crítica válida universalmente [05].

            Para los universalistas, deducir la validez moral de determinadas creencias específicas de un grupo o colectivo social, por el simple hecho de que sean compartidas por la mayoría de sus miembros o, en el peor de los casos, por los grupos dominantes del mismo capaces de imponerlos al colectivo, es un razonamiento perverso. La falacia lógica del relativismo, la denunciada entre muchos otros por J. J. Sebreli, es la de colocar el "ser" antes del "deber ser", la de deducir el juicio normativo del fáctico, justificando toda norma ética por el simple hecho de ser aceptada, o seguida, por los miembros una comunidad [06].

            Por otro lado, el relativismo es una teoría con contradicciones, pues rechaza los valores occidentales por sus pretensiones de universalidad pero pretende la universalidad. Su paradoja es en efecto que si todo es relativo, la idea de que todo es relativo también lo es y, por lo tanto no todo es relativo [07]. Debería entonces existir una excepción: todo es relativo, menos la idea de que todo es relativo, lo que sería entonces un absoluto universal, categoría que precisamente se propondría destruir el relativismo.

            En cambio, a los ojos universalistas subrayar la importancia de la cultura en la conformación del individuo es importante, pero no de la forma radical planteada por el relativismo, pues por encima de la pertenencia de cada ser humano a un determinado grupo cultural, se sitúa la condición humana de ser digno y éste es el criterio empleado por los Derechos Humanos: el de considerar una identidad humana con base en la igual dignidad de toda persona, justificando así su universalidad. Privados de ésta, los Derechos Humanos no son tales, pues se les disocia de su característica fundamental y, ninguna discusión en torno a ellos sería posible ya que la noción misma de tales derechos se tornaría absurda. "Every human being is born of a mother, (…) this is the common condition of all men, and (…) we cannot ignore this primary and elementary universality of man which underlines the oneness of the human race, and implies the corollary that there is a nature proper to man and identical in all men" [08].

            El actual discurso internacional de los Derechos Humanos, según los universalistas, constituye la mejor forma que el hombre ha encontrado para materializar la dignidad humana y, al mismo tiempo, de tutelarla. Aunque antes de internacionalizarse dicho discurso, de larga y compleja trayectoria histórica, haya sido en origen una creación fundamentalmente occidental, debe de reconocerse que la noción de Derechos Humanos es la que ha tomado la delantera en el esfuerzo por expresar la dignidad de todos los hombres y, mientras no dispongamos de otro instrumento ético-discursivo más adecuado, resulta preferible conservar el que tenemos a caer en el relativismo que puede llegar a ser fuente de injusticias hacia las personas, en particular hacia las más débiles [09].

            Para finalizar el análisis de la crítica universalista, resta decir que sus sostenedores afirman que el relativismo rompe o dificulta el diálogo intercultural orientado al hallazgo de un conjunto de valores transculturales, compartibles por la humanidad, pues a escala de cada colectivo atribuye una primacía ética no transferible a toda tradición cultural particular, propiciando la coexistencia de una multiplicidad de comunidades aisladas y la generación de guetos.

            En cuanto a los argumentos relativistas, hemos de recordar que la no negable génesis occidental del discurso de los Derechos Humanos y las características que dicho origen imprime a su formulación (no obstante su enriquecimiento actual por aportaciones múltiples) se erigen en principal argumento contra su universalidad [10]. Su tesis principal consiste en la afirmación de que a diferentes culturas conciernen diversas formas de concebir la naturaleza humana y de proporcionarle una tutela adecuada [11]. Por lo tanto, no existe para ellos un principio valorativo común en el mundo diversificado en el que vivimos, bajo pena de favorecer unas culturas en detrimento de otras. Si es verdad que todas las culturas, recuerdan sus mentores, son merecedoras del mismo respeto y poseedoras del mismo valor, los sostenedores de los Derechos Humanos han cometido el error al olvidarse de la dimensión cultural de la persona [12]. En realidad no es cierto que la ignoren hoy los universalistas, pero la reivindica con especial énfasis el relativismo cultural, que, llevado al extremo, no se contenta con subrayar el carácter relacional de la persona y con imponer el respeto al diferente, sino que afirma que ni siquiera estamos habilitados para juzgar. En su caso, y en presencia de culturas intolerantes, impone que toleremos la intolerancia [13].

            Así el relativismo puede llegar a defender, en nombre de la tradición o de la costumbre, cualquier práctica brutal o bárbara llevada a cabo contra seres humanos siempre que una cultura la legitime. A través de un ejemplo podemos comprender las potenciales paradojas del relativismo: Si se me ocurriera reprocharle a un nacionalista servio el genocidio cometido contra bosnios-musulmanes, como realtivista no podría rechazar que me contestara que como occidental no puedo comprender las insondables peculiaridades de la cosmovisión servio-ortodoxa (la cual, a su parecer podría tal vez legitimar el exterminio de civiles indefensos) y que al intentar imponer mi concepción de los Derechos Humanos incurro en el pecado de imperialismo cultural.

            De acuerdo con el relativismo, incluso una tal cosmovisión servio-ortodoxa tendría que ser respetada y valorada, pues siendo cultura y mereciendo toda la cultura el mismo valor y respeto ¿cómo combatirla? En realidad, defender el relativismo hasta sus últimas consecuencias significa defender la imposibilidad de criticar cualquier patrón cultural vigente en el seno de cualquier cultura.

            Otro argumento, a mi parecer el más contundente, del cual podemos hacer uso frente al relativismo es el de la exigencia del propio concepto de dignidad, entendiendo por tal, en el sentido kantiano, el valor interno que permite al hombre ser tratado como un fin y no como un medio y le hace merecedor de un respeto incondicional. Tal dignidad debe imponerse y sobreponerse a la cultura, pues constituye un patrón axiológico de su legitimidad moral y, por lo tanto, las exigencias básicas (Derechos Humanos) oriundas de ese deber de respeto, deben ser respetados por toda cultura.

            No quiere esto decir que las culturas no deban de ser a su vez respetadas, promovidas y protegidas, pues es en el seno de ellas donde el individuo logra su desarrollo y realización y, añadiendo a esta aserción la idea primordial de dignidad humana, según la cual, como ya dije, el hombre es merecedor de un respeto incondicional, concluimos que ese respeto incondicional se extiende a la cultura donde éste logra su realización y desarrollo. Siendo así, las identidades culturales deben de ser protegidas. Pero subrayemos no obstante algo de enorme importancia: que el deber ético y jurídico de la protección de las culturas surge tan solo de un derecho de los individuos que forman el grupo social, en cuanto tienen un derecho a su cultura. Claro que si el deber de protección de las identidades culturales se fundamenta en la dignidad de todos y cada uno de los seres humanos, las pautas adversas a esa dignidad quedan excluidas de protección.

            De esta forma se supera la falacia relativista, pues no de deduce un deber de respeto de las diversas culturas del simple hecho de que existan patrones culturales compartidos por diversos seres humanos, se deduce ese deber de respeto a partir de un valor universal y transcultural, la dignidad individual.

            Como creo haber dejado claro, la teoría relativista presenta serios problemas y me parece más coherente optar por la universalista. Sin embargo, en el mundo diversificado en que vivimos no resulta fácil defender una universalidad de los derechos humanos sin más. Asimismo, me parece bastante problemática la conjugación de esa pretensa universalidad con la dicha diversidad, problemática ésta que está diariamente presente en debates académicos y políticos. Por ello pretendo a continuación presentar un posible modelo de conciliación entre Derechos Humanos universales y la diversidad cultural: puede que a alguno le parezca que no pasa de una propuesta meramente teórica y que incluso la considere difícil de concretar, puesto que no son pocos los obstáculos que hoy afrontan los derechos humanos y el principio de universalidad de los mismos, pero podemos defender no obstante su plausibilidad.

            La primera medida conciliadora en el sentido más arriba apuntado, consiste en rechazar el "asimilacionismo", postura que se basa en el predominio de una cultura sobre otra u otras, dando por supuesta la superioridad de la cultura "predominante" y propugnando un uniformismo social que no se coaduna con la existencia de otras culturas. El resultado sería la supresión de las diferencias. La globalización, mal orientada, podría tener una deriva de este signo, en tanto se configure como imposición de la cultura liberal occidental a todo el planeta, ignorando el principio de la igualdad axiológica de las diferentes culturas y la realidad de las propias diferencias y particularidades culturales existentes [14].

            Sin embargo, criticar y rechazar el asimilacionismo no significa caer en el extremo opuesto que es el relativismo. Pues, además de los peligros que he subrayado, al denegarse valores universales comunes a todos los hombres que puedan ser la base de un diálogo intercultural y posible consenso entre individuos de todas las culturas se propicia una separación entre las comunidades culturales que conduce a una homogeneización en el interior de los grupos culturales poniendo en grave riesgo la autonomía y la libertad de los individuos que los componen.

            La alternativa al asimilacionismo y al relativismo consiste en la adopción de una política que promueva por un lado, la atribución de una igualdad bien entendida de derechos y la promoción y protección de la diferencia. Esta será la solución para resolver los problemas que plantean los conflictos entre grupos culturales distintos en el seno de una misma sociedad, o, con las palabras de Javier de Lucas: "Un proceso guiado por el objetivo de la equiparación en el reconocimiento jurídico en la ciudadanía lo que no supone una clonación sino el reconocimiento de la igualdad en la diferencia" mientras "el modelo asimilacionista condiciona el reconocimiento de los derechos y una mimetización respeto a la mayoría, lo que conduce al sacrificio indiscriminado de las diferencias culturales" [15].

            La respuesta jurídica al fenómeno multicultural tiene que pasar, por un lado, por la atribución de la igualdad a los individuos pertenecientes a los grupos sociales minoritarios en el disfrute de sus derechos humanos y, por otro, en la protección de la diferencia, tutelando jurídicamente las especificidades de cada grupo minoritario, lo que es compatible con su integración (bien entendida) en el grupo mayoritario, pero no con su asimilación. Repetimos que el límite de esa obligada protección de la diversidad cultural es la propia dignidad humana, quedando excluidas, a través de un proceso de educación y de humanización de las culturas, las prácticas que contra ella atenten.

            Pasando a la segunda medida de conciliación entre universalidad y diversidad, creemos que el proceso conciliador pasa por admitir una aplicación flexible de las políticas concretas de desarrollo de los derechos humanos, que han de diseñarse de acuerdo con las especificidades de cada grupo cultural. Una adaptación cuidadosa y no desnaturalizadora de los contenidos de los Derechos Humanos, permite una cristalización adaptada a los contextos históricos, culturales y religiosos, manteniendo ileso el contenido axiológico de los mismos. Por ejemplo, la igualdad esencial entre varón y mujer es compatible con la preservación de muchas de las diferencias de hábitos y costumbres arraigadas en cada tradición cultural, siempre y cuando estas diferenciaciones no sean lesivas de las exigencias básicas de la dignidad [16]. Otro ejemplo: Las políticas educativas dirigidas a hacer realidad el principio general del derecho de toda persona a la educación, serán sin duda muy distintas, tanto desde el punto de vista cualitativo, o de contenidos culturales, ideológicos o tecnológicos, como del cuantitativo (años de escolarización, características de la misma) en África, Asia, Europa etc.

            Aceptando las adaptaciones de los desarrollos concretos de los Derechos Humanos, sin cambiar su sentido esencial, se puede alcanzar una verdadera universalidad diferenciada a la que se puede llegar a través de un diálogo intercultural que exige que se dejen aparte cuestiones estratégicas o, sobre todo, fundamentalismos, y que éstos se sustituyan por una racionalidad comunicativa.

            Una contribución, sin duda a valorar por los delicados equilibrios en que se basó y por el enorme esfuerzo de conciliación que supuso, en el sentido de la universalidad diferenciada, es la de la Declaración de Viena de 1993, que aunque afirme la universalidad de los Derechos Humanos reconoce en su artículo 5º que en su aplicación "debe tenerse en cuenta la importancia de las particularidades nacionales y regionales, así como los diversos patrimonios históricos, culturales y religiosos".

            Pasando a la tercera medida conciliadora, esta tal vez la más importante, es el diálogo intercultural. Puesto que los acuerdos basados en el diálogo no son nunca fáciles, pero son posibles, como lo demuestra la historia, es indispensable promover la comunicación entre las diversas culturas, no para llegar a una absurda e indeseable uniformidad, sino obtener un mínimo de preceptos comunes, en virtud de los cuales puede asegurarse, por lo menos, el respeto a los fundamentos esenciales de la dignidad humana en cualquier lugar del mundo [17]. Resulta imperativo en este diálogo dejar de lado posturas fundamentalistas, pues éstas son enemigas del propio diálogo.

            Similar esfuerzo deberá realizarse para propiciar la difusión del mensaje de los Derechos Humanos en un lenguaje universal y transcultural, pues solo de esta forma se pueden combatir los constantes ataques a la dignidad. Tiene que buscarse un consenso que supere las lógicas de dominación. El Occidente ha de mostrarse más humilde que lo que hasta aquí se ha mostrado, porque el hecho de que el discurso inicial de los Derechos Humanos haya sido su creación no impide que a veces los haya olvidado y que hayan sido los occidentales los primeros en violarlos, desnaturalizarlos o usarlos en apoyo de políticas imperialistas inadmisibles.

            Es tiempo de entender que es posible compartir principios universales entre las diversas culturas sin que sea necesario igualarlas en todo. En realidad, se han efectuado algunos intentos de diálogo prometedores, como, por ejemplo, los encuentros occidental-confucianos [18] entre pensadores canadienses y chinos y los habidos entre occidental-disidentes musulmanes, o los esfuerzos de conciliación entre valores occidentales y budistas; igualmente se han realizado estudios e intentado propuestas, en las que habrá que seguir trabajando, sobre como superar las barreras de conocimiento, aceptación e implantación de los Derechos Humanos en las culturas africanas [19].

            La conciliación entre Derechos Humanos y la diversidad cultural no solo es posible poniendo en práctica estas medidas, u otras, sino necesaria y urgente.

            Concluyendo, resta decir que los Derechos Humanos son fruto de un proceso histórico dinámico; que son una conquista progresiva y no necesariamente lineal de la humanidad, y que es presumible que, en ciertos casos, la falta de sensibilidad de algunos al discurso de los Derechos Humanos resulte del hecho de que nunca hayan tenido la posibilidad de disfrutar de sus ventajas. Pero que, al mismo tiempo, es un síntoma esperanzador que pocos ya ignoren su existencia.

            Entendemos que por muchos que puedan ser sus denostadores, nunca es una pérdida de tiempo hablar de Derechos Humanos e insistir en su universalidad esencial, aunque no sea por más que porque es una forma de reforzarlos.

            En cuanto al pasado, presente y futuro de los Derechos Humanos podemos concluir que éstos pueden constituir un instrumento con imperfecciones susceptibles de desarrollos que, sin dejar por ello de preservarlo, maticen y maduren el discurso vigente, que algunos consideran inconcluso, pero, que mientras no dispongamos de otro más eficaz, vale más defenderlo y luchar por completarlo, que intentar desacreditarlo o permitir pasivamente que el relativismo posmoderno consume su demolición.


BIBLIOGRAFÍA SUMARIA SELECCIONADA:

            "American Anthropological Association-Statement on Human Rights", en American Anthropologist, vol. 49, nº4, Outubro-Dezembro, 1947.

            Andorno, Roberto, "Universalidad de los Derechos Humanos y Derecho Natural", en Persona y derecho, nº 38, 1998

            Bary, W. T. & Weiming, T. eds., Confucianism and Human Rights, Nueva York, Columbia University Press, 1998.

            Bedjaoui, Mohammed, Universality of Human Rights in a Pluralistic World, Acta del Coloquio organizado por el Consejo de Europa en Abril de 1989, Estrasburgo, N. P. Engel, 1990.

            Cassese, A., Los Derechos Humanos en el Mundo Contemporáneo, trad. de A. Pentimalli Melacrino y B. Ribera de Madariaga, Barcelona, Ariel, 1991.

            Contreras Peláez, Francisco J., "Tres Versiones del Relativismo Ético-Cultural", en Persona y Derecho, nº 38, 1998.

            De Lucas, Javier, Puertas que se cierran. Europa como fortaleza, Barcelona, Icaria, 1996.

            ————– El Desafío de las Fronteras. Derechos Humanos y Xenofobia frente a una Sociedad Plural, Ensayo, Madrid, 1994.

            Fernández, Encarnación, Igualdad y Derechos Humanos, Madrid, Tecnos, 2003.

            Kabunda, M. Badi, Derechos Humanos en Africa, Universidad de Deusto, 2000.

            Martínez-Pujalte, Antonio-Luís, "Derechos Humanos e Identidad Cultural. Una Posible Conciliación entre Interculturalidad y Universalidad", en "Persona y Derecho", nº 38, 1998.

            Pollis, Adamantia y Schwab, Peter, "Human Rights: A Western Construct with Limited Applicability, en Adamantia Pollis & Peter Schwab (eds.), Human Rights: Cultural and Ideological Perspectives, Nova Iorque, Praeger, 1980.

            Sebreli, Juan José, El Asedio a la Modernidad: Crítica del Relativismo Cultural, Barcelona, Ariel, 1992.


Notas

            01 "El factor político preponderante no es otro que el fin de la guerra fría, que ha diluido la necesidad de los diversos países de la tierra de alinearse detrás de una u otra de las superpotencias; de este modo, muchos pueblos redescubren hoy sus particularidades socioculturales, ocultas durante muchos años por motivos estratégicos". Cfr. Roberto Andorno, "Universalidad de los Derechos Humanos y Derecho Natural", en Persona y derecho, nº 38, 1998, p. 35.

            02 "The rights of Man in the Twentieth Century cannot be circumscribed by the standards of any single culture, or be dictated by the aspirations of any single people. Such a document will lead to frustration, not realization of the personalities of vast number of human beings". Cfr. "American Anthropological Association-Statement on Human Rights", en American Anthropologist, vol. 49, nº4, Outubro-Dezembro, 1947, p. 543. Traducción a castellano: "Los Derechos del Hombre en el siglo veinte no pueden ser circunscritos por el standard de una sola cultura, o dictados por las aspiraciones de una sola persona. Tal documento estaría condenado al fracaso, a la no realización de las personalidades de un inmenso grupo de seres humanos".

            03 Cfr. Javier de Lucas, Puertas que se cierran. Europa como fortaleza, Barcelona, Icaria, 1996, pp. 75-76.

            04 "El dilema del relativismo cultural está en no señalar los limites de lo permitido: desde dónde juzgar los crímenes contra la humanidad, si se niega la existencia de cualquier tribunal de la historia, de toda ética objetiva, de toda razón universal". Cfr. Juan José Sebreli, El Asedio a la Modernidad: Crítica del Relativismo Cultural, Barcelona, Ariel, 1992, p. 69.

            05 "Huelga decir que el creciente influjo del relativismo neotribalista es una excelente noticia para los tiranos y policías secretas del Tercer Mundo que, amparados por la identidad cultural, podrán cultivar sin estorbos sus respectivos "hechos diferenciales" en materia de derechos humanos". Cfr. Francisco J. Contreras Peláez, "Tres Versiones del Relativismo Ético-Cultural", en Persona y Derecho, nº 38, 1998, p. 72.

            06 "La falacia lógica del relativismo cultural consiste en deducir la validez moral de toda costumbre o tradición por el mero hecho de ser aprobada por una determinada cultura, es decir, por el mero hecho de existir: se subordina, de este modo, la ética al poder constituido (…) El relativismo cultural incurre en esta falacia de deducir el juicio normativo del juicio fáctico, el deber ser del ser, al justificar toda norma ética, cualquier que fuera, por el mero hecho de ser aceptada por la mayoría de una comunidad". Cfr. Juan José Sebreli, op. cit., p. 69.

            07 Cfr. Juan José Sebreli, op. cit., pp. 65-66.

            08 Cfr. Mohammed Bedjaoui, Universality of Human Rights in a Pluralistic World, Acta del Coloquio organizado por el Consejo de Europa en Abril de 1989, Estrasburgo, N. P. Engel, 1990, p. 39. Traducción a Castellano: "Todo ser humano nace de una madre, esta es la condición común a todo hombre, y no podemos ignorar esta primaria y elemental universalidad del hombre que subraya la unicidad de la raza humana, e implica el corolario de que existe una naturaleza propia al hombre e idéntica en todos los hombres".

            09 Cfr. Roberto Andorno, op. cit., p. 48.

            10 Cfr. Adamantia Pollis y Peter Schwab, "Human Rights: A Western Construct with Limited Applicability, en Adamantia Pollis & Peter Schwab (eds.), Human Rights: Cultural and Ideological Perspectives, Nova Iorque, Praeger, 1980, pp. 1-8.

            11 "La esencia de los derechos humanos-la dignidad humana-es universal, pero no su formulación conceptual y lingüística, que es propia de cada cultura y de cada época". Cfr. Roberto Andorno, op. cit, p. 47.

            12 El liberalismo individualista implicado por los derechos humanos, es uno de los puntos más criticados, principalmente por autores como Charles Taylor, Michael Sandel, Michael Walzer y Alasdair Macintyre, que son comunitaristas. Sostienen que la prioridad del indivíduo sobre el grupo cultural desvirtúa el hombre, y que no tiene sentido concebir el hombre como un ser anterior al grupo cultural y aislado de sus valores. La crítica preferencial de los comunitaristas incide sobre la "Teoría de la Justicia" de Rawls y, defienden que no parece verosímil la creación de una "posición original" en que las personas cubiertas de un "velo de ignorancia", puedan pactar sobre principios universales de justicia. Para los comunitaristas esa persona abstracta no existe.

            Aparte de estas implicaciones, el individualismo, a los ojos comunitaristas, implica egoísmo, ausencia de escrúpulos, materialismo y violencia. Para superar la crisis actual los comunitaristas sugieren una recuperación de los sentimientos comunitarios, a través de una subordinación de los intereses individuales ante los intereses del grupo: Imponer deberes en lugar de derechos. Se comprende la incompatibilidad de las doctrinas comunitaristas con la de los derechos humanos.

            13 "Una de las contradicciones fundamentales del relativismo cultural consiste en el respeto a las culturas ajenas, el reconocimiento del otro, lleva inevitablemente a admitir culturas que no reconocen ni respetan al otro". Cfr. Juan José Sebreli, op. cit, p. 61.

            14 "la globalización iría acompañada de una nueva forma de asimilacionismo: la expansión mundial de aspectos de una cultura sectorial que habría obtenido una especie de victoria en el mercado correspondiente y, como reverso de la misma moneda, la destrucción de las tradiciones, las costumbres, las prácticas locales, las relaciones cara a cara, la proximidad". Cfr. Encarnación Fernández, Igualdad y Derechos Humanos, Madrid, Tecnos, 2003, p. 179.

            15 Cfr. Javier de Lucas, El Desafío de las Fronteras. Derechos Humanos y Xenofobia frente a una Sociedad Plural, Ensayo, Madrid, 1994, p. 127.

            16 Cfr. Antonio-Luis Martínez-Pujalte, "Derechos Humanos e Identidad Cultural. Una Posible Conciliación entre Interculturalidad y Universalidad", en "Persona y Derecho", nº 38, 1998, p. 148.

            17 Cfr. A. Cassese, Los Derechos Humanos en el Mundo Contemporáneo, trad. de A. Pentimalli Melacrino y B. Ribera de Madariaga, Barcelona, Ariel, 1991, p. 80.

            18 Cfr. W. T. Bary & T. Weiming, eds., Confucianism and Human Rights, Nueva York, Columbia University Press, 1998.

            19 Cfr. M. Badi Kabunda, Derechos Humanos en Africa, Universidad de Deusto, 2000.

 

 


DADOS BIOGRÁFICOS:

David José Geraldes Falcão:  licenciado em Direito pela Universidade Independente de Lisboa (Portugal), mestre em Direitos Humanos e doutor em Direitos Humanos e Filosofia do Direito pela Universidade de Salamanca (Espanha)

 

 

 


Juíza determina que filho agressor se afaste da mãe

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DECISÃO: *TJ-MT – A ação foi originada em um pedido de providências de medidas protetivas de segurança, formulado pelo Ministério Público em favor da mãe, que vive sob constantes ameaças. Em depoimento prestado na Promotoria de Justiça, a mulher contou que o filho consome bebidas alcoólicas e entorpecentes e há muito tempo ele vem lhe desrespeitando. Recentemente, ele passou a xingá-la com palavras de baixo calão, a ameaçá-la de morte, e chegou até mesmo a agredi-la fisicamente com um soco no rosto, que provocou séria lesão em seu nariz.

Em razão das denúncias, o MP notificou o agressor a comparecer na Promotoria de Justiça, objetivando estabelecer um acordo para que o mesmo se afastasse da residência de sua genitora. Ele se comprometeu verbalmente a deixar o local, porém, o rapaz agora ele não se retirou da residência.

“Diante do quadro que se apresenta, notadamente a situação noticiada pela vítima, em análise perfunctória dos fatos ora trazidos à apreciação judicial, denota-se que a gravidade da situação é patente. É fato que a violência doméstica contra filhos e mulheres infelizmente bastante comum, não deve contar com a complacência do Poder Judiciário, e neste contexto, é indispensável que a Justiça dê segurança de sobrevivência às vítimas da violência doméstica, e possibilite a estas desenvolver suas atividades laborais, sociais e familiares sem riscos e sem transtornos para si próprio e para os filhos”, afirmou a magistrada.

A juíza Joanice Oliveira da Silva Gonçalves justificou o afastamento do agressor diante da gravidade dos fatos que evidenciam a violência doméstica, com ameaças de morte à vítima e agressões física e moral. “Tenho que, na espécie, a aplicação de medida protetiva de afastamento do agressor do lar comporta plena admissibilidade e, sem dúvida, de rigor se impõe, com a proibição de aproximar-se da vítima, ante as condições pessoais do agressor noticiadas, qual seja, usuário de bebidas alcoólicas e substâncias entorpecentes com histórico agressivo”, acrescentou.

Na decisão, ela frisou a importância da Lei nº. 11.340/2006, popularmente conhecida como ‘Lei Maria da Penha’. “A lei criou mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher em decorrência do que já dispunha o § 3º do art. 266 da Constituição da República. E certo é, com o advento da Lei nº. 11.340/2006, as mulheres passaram a possuir uma maior proteção por parte da justiça, uma vez que priorizou as autoridades constituídas, o atendimento à mulher em situações de violência doméstica e familiar”.


 

FONTE:  TJ-MT, 28 de junho de 2007

Classificação indicativa, um direito da criança

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OPINIÃO * Siro Darlan:

A criança como cidadã que é tem o direito à proteção integral para que tenha um desenvolvimento sadio e pleno, e como tal tem assegurado pela lei o acesso à informação e a liberdade de expressão que inclui a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e idéias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por qualquer outro meio de comunicação.

Contudo, o exercício de tal direito está sujeito a determinadas restrições, que devem ser unicamente as previstas nas leis e regulamentos considerados necessários com a finalidade de fazer respeitar os direitos ou a reputação dos demais, e ainda, para a proteção da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger a saúde e a moral públicas.

Reclamamos tanto da violência que não nos permite viver em harmonia com os semelhantes e a exemplo do estrago que fizemos no Planeta Terra também pecamos ao estimular a violência e a sexualidade precoce e irresponsável através de uma programação televisiva que busca prioritariamente o lucro das audiências a qualquer custo.

Os resultados invadem nossos lares e escolas com crianças e adolescentes engravidando precocemente, doenças sexualmente transmissíveis acometendo jovens que sem o necessário preparo familiar e pedagógico enveredam pelos caminhos da sexualidade irresponsável e os desvios de conduta que levam ás drogas e a criminalidade.

As soluções que buscamos não são as melhores porque não investimos na prevenção e na garantia do respeito aos direitos das crianças que necessitam de educação e de uma programação das emissoras de rádio e televisão que respeite os ditames constitucionais que fixam princípios de preferências a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, com a promoção da cultura nacional e regional, e o respeito aos valores éticos e sociais das pessoas e da família.

Ora a própria Constituição da República que proíbe expressamente toda e qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística também prestigia a necessidade de assegurar o desenvolvimento sadio daqueles cidadãos em processo de desenvolvimento e estabelece a necessidade do poder público regular as diversões e espetáculos públicos informando a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre adequada.

Assim é que o Ministério da Justiça, atento ao compromisso assumido pelo Brasil com as nações civilizadas do planeta de zelar para que a criança tenha acesso a informação e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais de comunicação de massas, que visem promover seu bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde física e mental, editou a Portaria 264/07 estabelecendo normas de Classificação Indicativa.

A Portaria foi fruto de intenso debate público do qual participaram representantes de todos os segmentos importantes da sociedade civil organizada, radio difusores, especialistas, representantes de outros ministérios, academia, Judiciário e Ministério Público, representação de pais e professores, dentre outros, esgotando toda argumentação até fazer prevalecer à prioridade absoluta na proteção à infância consoante regra constitucional em detrimento de outros interesses menores, inclusive o econômico, e chegar ao texto final que foi editado.

É hora de buscarmos as alternativas de combate a violência que priorizem a educação e o respeito aos valores éticos e sociais que garantam á criança o acesso aos seus direitos fundamentais e o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Todo tem que doar uma dose de desprendimento e os profissionais que produzem os meios de comunicação de massas, que são pais e educadores, sabem da grandeza de sua responsabilidade no processo de construção de uma sociedade democrática e mais sadia onde a criança passe a ser a prioridade nas políticas públicas e nas iniciativas privadas. Assim como devemos plantar muitas árvores e cuidar bem delas para devolver á Terra à qualidade de vida que lhe subtraímos com o nosso egoísmo, também deve ser prioridade o investimento nas crianças para renovar a sociedade com a pureza da criança porque, como diz Gonzaguinha, é a vida, é a vida é a vida.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

SIRO DARLAN é Desembargador do TJRJ e Presidente do CEDCA

FONTE:  TJ-RJ.

 

 

 

Em Goiás, TJ mantém pensão alimentícia em R$ 5 mil

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DECISÃO  * TJ-GO:

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) negou provimento a agravo de instrumento interposto por um empresário contra sentença da Justiça de Goiânia que, nos autos de uma ação proposta por sua ex-mulher, professora universitária, determinou o arrolamento de bens do casal e fixou os alimentos provisórios em benefício dela no valor de R$ 5 mil. A decisão unânime foi tomada pela 4ª Câmara Cível, tendo o desembargador-relator João de Almeida Branco observado que, apesar de a recorrida trabalhar e ter condições de manter seu próprio sustento, "a administração total do volumoso patrimônio pertencente ao casal encontra-se nas mãos do recorrente, em que pese constituir bem comum, em razão do regime de bens adotado – comunhão universal de bens".

Segundo ele, o agravante está em privilegiada situação pelo uso exclusivo do patrimônio, "de forma que assiste à apelante direito a alimentos, com fundamento no parágrafo único do artigo 34º da Lei de Alimentos, o qual, apesar de não encontrar reprodução no vigente Código Civil, ali permanece em vigência".

O empresário alegou que professora era carecedora da ação uma vez que não satisfazia o requisito da necessidade exigido pelo artigo 1.694 do Código Civil em relação ao pedido de alimentos. Sustentou a impossibilidade de cumulação de pedido de arrolamento de bens com alimentos provisórios, ponderando que mantém união estável com outra mulher, tendo assumido com ela obrigações de lealdade, respeito e assistência, inclusive alimentar. Disse que encontra-se em situação financeira "caótica" o que o impossibilita de arcar com o valor arbitrado pela pela juíza Sirlei Martins da Costa, da 3ª Vara de Família, Sucessões e Cível.

João Branco ponderou não merecer acolhida a alegação de impossibilidade de cumulação de pedidos de alimentos de bens com alimentos provisionais, "vez que se trata de cumulação de pedidos cautelares compatíveis entre si atendendo perfeitamente no disposto do artigo 292 do Código de Processo Civil". Assim como a Procuradoria de Justiça, o relator entendeu que a fixação da verba alimentar também possui como objetivo a manutenção do padrão de vida e status social do alimentando, em homenagem ao princípio da proporcionalidade. Ao final, o relator concluiu que as meras alegações quanto à impossibilidade de o alimentante arcar com a pensão não bastam a garantir a suspensão da verba arbitrada.

Ementa

A ementa recebeu a seguinte redação: "Agravo de instrumento. Ação Cautelar de Arrolamento de Bens Cumulada com Alimentos Provisionais. Preliminares Rejeitadas. Liminar. Fixação de Alimentos em Favor do Cônjuge Virago. Manutenção. I – Sendo perfeitamente possível aferir a tempestividade do recurso não merece acolhida a preliminar de não conhecimento do agravo por ausência de certidão de publicação da decisão recorrida; II – Se da simples leitura da peça recursal verifica-se a adequada exposição do fato e do direito, bem como as razões do pedido de reforma do decisum não há que se falar em violação ao artigo 524, I e II do CPC; III – Nada obsta a cumulação de pedido de arrolamento de bens com alimentos provisionais vez que se tratam de pedidos cautelares compatíveis entre si atendendo perfeitamente o disposto no artigo 292 do CPC. IV – Encontrando-se nas mãos do cônjugue varão a administração total do patrimônio pertencente ao casal, que se trata de bem comum, em razão do regime de comunhão universal de bens adotado, deve ser mantida a liminar que arbitra alimentos provisionais em favor do cônjugue virago, ainda que a alimentada trabalhe e tenha condições de manter seu próprio sustento, a teor do disposto no artigo 4º da Lei de Alimentos, considerando ainda que a fixação da verba alimentar visa também a manutenção do padrão de vida e status social da alimentada, em homenagem ao princípio da proporcionalidade; V – Não demonstrada pelo recorrente a impossibilidade do pagamento do valor arbitrado na instância singela merece ser mantido o quantum. Recurso conhecido mas improvido. Agravo de Instrumento nº54.568-7/180 – 200700735350, publicado no Diário da Justiça em 19 de junho de 2007.


FONTE:  TJ-GO, 27 de junho de 2007

Execução de dívida pode ser direcionada a devedores solidários

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DECISÃO *TJ-RS: Frustrada a ação de cobrança de dívida devido a inexistência de bens passíveis de penhora do réu, é cabível manejá-la diretamente contra devedores solidários denunciados. Por unanimidade, a 20ª Câmara Cível determinou o prosseguimento da execução, entendendo que a mesma pode ser direcionada aos executados denunciados. Segundo o Colegiado, a medida garante a efetividade do processo e valorização do princípio da celeridade e economia processual.

Os autores apelaram da decisão, que nos autos da execução de sentença contra o devedor principal, julgou extinto o processo. Sustentaram a possibilidade da propositura diretamente aos denunciados, independente do cumprimento da obrigação pelo réu.

O relator do recurso, Desembargador José Aquino Flôres de Camargo, ressaltou que, na ação de conhecimento, os apelantes solicitaram indenização. A demanda foi motivada pelo contrato desfeito com o réu referente à compra e venda de imóvel, situado em Viamão. Havia ficado pactuado que ele pagaria as parcelas restantes do mesmo à empresa Aldeamare. Entretanto, transferiu os aludidos direitos sobre o apartamento para o casal denunciado à lide, que deixou de quitá-las. Os títulos emitidos em nome dos autores foram protestados pela empresa, resultando daí, a pretensão indenizatória.

Esclareceu que a denunciação do casal foi deferida não havendo qualquer inconformidade no particular. Salientou que a denunciação é muito clara ao pedir a transferência aos denunciados dos ônus decorrentes da eventual condenação imposta aos denunciantes.

“Ora, quando o denunciado à lide aceita e se contrapõe à ação, supera a alegação de inexistência de relação direta com o autor da demanda, passando à figura de litisconsorte.” A hipótese do caso concreto, disse, autoriza a execução direta, porque, à evidência, os ora apelados assumiram a posição de verdadeiros litisconsortes no pólo passivo da ação de conhecimento.”

A execução de sentença fundamenta-se na condenação em valor certo, conforme acórdão, sendo R$ 10 mil, a título de dano moral. “Verificada a frustração da execução contra o devedor principal, faz-se, pois presente a hipótese acima aludida, ou seja, de a execução ser promovida diretamente contra os denunciados, porque verdadeiros litisconsortes na ação de conhecimento”, reforçou.

Acompanharam o voto do relator os Desembargadores Rubem Duarte e Glênio José Wasserstein Hekman. O julgamento ocorreu no dia 23/5. (Proc. 70019440189)


FONTE:  TJ-RS,  27 de junho de 2007

O Planejamento Urbano e o futuro das cidades, face à Lei n 10.257/2001

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  * Clovis Brasil Pereira –

Sumário:  1. Introdução      2.  Desenvolvimento sustentável e função social da cidade      3.  A gestão democrática como meio de pressão e fiscalização     4.  A importância do planejamento, como fator do  Desenvolvimento Urbano   5.  Instrumentos disponíveis à Aplicabilidade do Estatuto da Cidade    6. O Plano Diretor    7.  Plano plurianual, diretrizes orçamentárias  e outros.    8.  Parcelamento, uso e ocupação do solo    9.  Zoneamento ambiental   10.  Gestão orçamentária participativa    11. Fiscalização e controle da gestão do Plano Diretor.     12.  Conclusão   13.  Bibliografia

 

 

1.   Introdução

Promulgada a Constituição Federal em 1988, teve início em 1990, no  Congresso Nacional, a tramitação do   Projeto de Lei nº 5.788/90, que  após onze anos,  foi afinal  aprovado e transformado,  na Lei nº 10.257/2001,  denominada de Estatuto da Cidade, que traça as diretrizes gerais para o ordenamento urbano,  com objetivo de dar uma nova configuração às cidades brasileiras,  conforme explicitado na Carta Magna.

O  Estatuto da Cidade veio dar efetividade aos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes específicas  à execução de uma política urbana voltada à melhoria do meio ambiente artificial, que passou a ter tutela imediata, além da “tutela mediata, revelada pelo art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente enquanto tutela da vida em todas as suas formas centradas na dignidade da pessoa humana" (1).

Pelo referido instrumento legal, foi dada grande ênfase ao planejamento municipal, com o fim de propiciar um crescimento equilibrado e sustentável, com especial destaque ao  equilíbrio ambiental, abordado numa forma ampla,  dentro de uma nova e moderna visão, em que o meio ambiente deve ser entendido no seu aspecto natural  e artificial, ou seja, preservado, promovido e planejado pelo próprio homem.

Tal visão, está assentada numa preocupação permanente  com a necessidade de se preservar a natureza, corrigindo os erros cometidos pela  geração presente e  pelas gerações passadas, para propiciar  às futuras gerações  uma cidade em que se  ofereça  as condições mínimas  de vida saudável e bem estar dos seus habitantes.

2.   Desenvolvimento sustentável  e a função social da cidade

Prescreve  o  Estatuto da Cidade, em seu artigo 2º, que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante  diretrizes gerais que passa a explicitar, em seus incisos, dos quais destacamos:

  • garantia do direito a cidades sustentáveis;
  • gestão democrática;
  • cooperação entre os entes públicos e privados;
  • planejamento do desenvolvimento;
  • oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços públicos;
  • ordenação e controle do uso do solo;
  • adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira;
  • proteção e preservação do meio ambiente natural e artificial;
  • regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas pela população de baixa renda.

A  preocupação maior que  emerge do texto legal sob análise é pois   ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, com a preocupação de  garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações, conforme artigo 2º, inc. I, do Estatuto da Cidade.

Têm-se assim, que a nova política urbana a ser desenvolvida após a edição da Lei 10.251/01, deve garantir  dois objetivos fundamentais, à população das cidades brasileiras, quais sejam:  cidades sustentáveis e sua função social.

Por desenvolvimento sustentável, entende-se  “aquele   que atende as necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias."(2),  ou   “o desenvolvimento que provê, a todos, os serviços econômicos e ambientais básicos, sem ameaçar a viabilidade dos sistemas natural, social construído, dos quais estes serviços dependem"(3).

Para que as cidades obtenham um desenvolvimento sustentável, porém, surge um grande desafio, pois devem preservar o crescimento econômico,  buscando melhorar a qualidade de vida  da população, através da promoção de justiça social, sem o que, de nada valerá o esforço para preservar do meio ambiente, quer natural ou artificial.

3.   A gestão democrática como meio de pressão e fiscalização 

Um componente novo introduzido pelo Estatuto da Cidade, é a participação efetiva da população, pela sociedade organizada, através de associações de bairros,  clubes de serviços e outros segmentos com representação, através da denominada gestão democrática, expressamente prevista no artigo 2º, inciso II,  onde garante a essa sociedade, participação na formulação, execução e acompanhamento de plenos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Tal disposição legal, estabelecida  na ordem infraconstitucional, tem amparo, na Constituição Federal, no inciso XII do artigo 29, que traz como preceito fundamental para os Municípios, "a cooperação das associações representativas no planejamento municipal".

A sociedade organizada pode se manifestar  através de audiências públicas,  de abaixo-assinados, de ações populares, de projetos de lei de iniciativa popular, plebiscitos, dentre outros, instrumentos estes que passam a ser utilizados num grande número de cidades brasileiras, fazendo com que o  Poder Público Municipal fique atento às necessidades e prioridades do povo, direcionando o planejamento econômico tanto quanto possível, para satisfação de tais reivindicações, como forma de prestígio à gestão democrática estabelecida em lei.

 Não temos dúvida, que as cidades  que ouvirem as necessidades de sua população em geral,  que captarem  o clamor da natureza e elaborarem projetos viáveis e principalmente sustentáveis, obterão  pleno sucesso na perseguição um desenvolvimento sustentável e condições sociais dignas ao seu povo, para as presentes e futuras gerações.

4.    A importância do planejamento, como fator do  Desenvolvimento Urbano

O artigo 2º, inciso IV,  da Lei 10.257/01, parece-nos o mais importante para garantir o efetivo desenvolvimento urbano, de forma sustentável e eficaz para atender as necessidades sociais da população, ao preconizar como diretrizes gerais  da política urbana:

“IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente."

Por este dispositivo, se busca o adequado planejamento do desenvolvimento das cidades, com uma eficiente distribuição da população, bem como das atividades econômicas do Município, buscando corrigir as distorções do crescimento urbano e os nefastos efeitos  que tais distorções acabam causando ao meio ambiente.

Por certo, tal planejamento, envolve uma questão de fundamental importância, notadamente das grandes cidades brasileiras, que é a ocupação da terra pela população de baixa renda, que  mora  ou se amontoa de forma desordenada nas regiões periféricas,   nas grandes favelas, sem as mínimas condições urbanísticas e essenciais para  preservação da dignidade humana de tais habitantes.

Assim, a questão fundiária deve ser objeto de especial atenção em todo o planejamento urbano, sem  o que, não se alcançarão os objetivos perseguidos pelo Estatuto da Cidade.

Não basta apenas o crescimento quantitativo da população e das áreas urbanas ocupadas, uma vez que este crescimento,  sem o necessário planejamento e organização das cidades, acaba ocasionando  toda gama  de problemas, destacando-se,  dentre outros, a poluição hídrica; o acúmulo de lixo em locais inadequados,  pondo em risco a saúde pública; o desmatamento; a falta de áreas verdes e   o comprometimento da fauna.

O que se pretende, com o Estatuto da Cidade, é justamente garantir o desenvolvimento qualitativo, em que, mesmo que haja um crescimento da população, isso não venha a comprometer a qualidade de vida e o meio ambiente das atuais e futuras gerações.  O  crescimento qualitativo,  abrange a  melhoria da estrutura urbana, a proteção dos recursos naturais e melhoria dos índices  de produção, em proveito de sua população. Tais fatores são determinantes na melhoria da qualidade de vida dos habitantes  dos aglomerados urbanos.

 É entendimento crescente que o  Município passou a ter importância ímpar com a Constituição Federal de 1988. Passou  a ser, de forma definitiva, um ente federativo, com independência administrativa, legislativa e financeira, passando, como conseqüência a  seus governantes,  uma parcela muito maior de responsabilidade perante seus habitantes.

É no município que vive o cidadão no seu dia a dia. É do município que retira o seu sustento, sua educação, e normalmente reside com sua família.  O Município por sua vez,  tem a sua base territorial, com peculiaridades e características próprias, com deferente configuração geográfica, hidrografia, fauna, flora, etc.

Dessa forma, incumbe  ao Governo Municipal traçar as metas adequadas,  respeitando suas características próprias, para propiciar o ordenamento do espaço físico da cidade, de forma a que a mesma possa cumprir a sua função social, e busque seu desenvolvimento sustentável.

5.   Instrumentos disponíveis à aplicabilidade do Estatuto da Cidade

Para assegurar a plena execução da política urbana e atingir os princípios perseguidos na Constituição Federal e os objetivos determinados no Estatuto da Cidade, notadamente em seus artigos 1º e 2º, foram disciplinados vários instrumentos, relacionados no artigo 4º, a saber:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal;

IV – institutos tributários e financeiros

V – institutos jurídicos e políticos

VI – estudo prévio de impacto (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). 

Analisaremos a seguir, dentro do foco do trabalho, os instrumentos diretamente ligados ao planejamento urbano, notadamente os previstos nos incisos I, I e III, 

Através do referido artigo, o legislador ordinário dotou os administradores públicos dos instrumentos adequados ao cumprimento da política urbana, prevista pelo artigo 182, da CF, mas que ainda estava à mingua de meios para a sua execução. 

A viabilização dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, logicamente, exigirá uma perfeita integração e sintonia entre as ações de política urbana implantadas pelos municípios, com  planejamento e formulação de política urbana incrementada pelos Estados, notadamente para a harmonização do desenvolvimento metropolitana e regional. 

Na visão de Eliane D’arrigo Grenn, (4) “o planejamento urbano do Município deve ser capaz de pensar a cidade estrategicamente, garantindo um processo permanente de discussão e análise das questões urbanas e suas contradições inerentes, de forma a permitir o envolvimento de seus cidadãos.” 

Por sua vez, o transporte urbano intermunicipal, o saneamento básico, o tratamento de água, o meio ambiente natural, dentre outros, exigem ações que extrapolam o âmbito territorial de cada  município, e se mostram indispensáveis ao meio ambiente artificial.   

Dessa forma, exigem uma planificação harmonizada, através de planejamento que direcione os objetivos comuns a serem perseguidos, para a efetiva qualificação de vida da população das cidades, em cumprimento ao que dispõe os incisos I e II, do referido artigo 4º. 

Observe-se que o planejamento previsto no Estatuto da Cidade, por disposição do artigo 174 da Constituição Federal, já era obrigatório para o setor público, não sendo portanto uma novidade trazida no novo instrumento legal, que apenas o consolidou, ao lado de outros instrumentos de organização essenciais, denominados planos nacionais, regionais e   estaduais visando a ordenação do território e o desenvolvimento econômico e social. 

A organização  do planejamento municipal, que  deve ser executado pelo município, destaca o inciso III, as seguintes ações: 

a)  o plano diretor

b)  disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo

c)   zoneamento ambiental

d)   plano plurianual

e)   diretrizes orçamentárias e orçamento anual

f)     gestão orçamentária participativa

g)    planos, programas e projetos setoriais

h)    planos de desenvolvimento econômico e social

6.  O Plano Diretor

Analisando referidos instrumentos, o plano diretor se mostra de vital importância, para o planejamento a longo prazo do desenvolvimento urbano, nos moldes disciplinados no Capítulo III, artigos 39 a 42, da lei 10.251/01.

Assim, é ele que vai definir, no âmbito de cada administração municipal, qual o conceito a ser adotado para a função social da propriedade.

Diz o art. 39: "A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei."

Por outro lado, o artigo 40, dá a exata dimensão da importância do plano diretor ao planejamento urbano da cidade, ao expressar: "O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana", tendo duração de 5 a 10 anos, devendo ao final deste prazo, ser revista a lei que o instituiu.

Ainda por prescrição do § 1º, do artigo 40, "o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas".

Quanto a exigência do plano diretor, por disposição expressa no artigo 41, é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Para as cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado ainda um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido, segundo previsão do § 2º deste artigo.

Em resumo, o plano diretor deve atribuir à propriedade urbana sua função social, e atender segundo Vânia Kirzner, (5)"às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. E que essas exigências fundamentais devem assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas".

Tem-se assim, que o instrumento mais importante trazido pelo Estatuto da Cidade, e que a Lei coloca como sendo o básico, é o plano diretor, que deve revestir-se da forma de lei municipal.

Ele deve tratar de todo o processo de desenvolvimento e de expansão urbana, o que significa dizer, sem ele, os municípios não conseguirão alcançar seus objetivos de ordenação da cidade.

7. Plano plurianual, diretrizes orçamentárias e outros

Quanto ao plano plurianual e diretrizes orçamentárias e orçamento anual (alíneas "d" e "e"), e os planos, programas e projetos setoriais e planos de desenvolvimento econômico e social (alíneas "g" e "h"), devem ser elaborados pelo gestor das cidades, com aprovação do poder legislativo, submetendo tais instrumento à gestão orçamentária participativa, onde a população deverá ser previamente consultada e chamada a opinar, e sua importância está diretamente relacionada com a Lei de Responsabilidade Fiscal, através da delimitação do que pode ser efetivamente comprometido e realizado pelo poder público.Os demais instrumentos, passam a ser analisados de forma mais pormenorizada, uma vez que nos parecem mais importantes, na efetiva busca da melhoria do meio ambiente artificial.

8. Parcelamento, uso e ocupação do solo

O Estatuto da Cidade, ao disciplinar o parcelamento, uso e ocupação do solo, visa, como ponto básico, atribuir efetividade ao texto constitucional, de função social da propriedade urbana. Assim, quando se verificam casos em que esse desiderato não é alcançando ou atribuído, o poder público, por comando do Plano Diretor previamente aprovado, (6)"poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado" mediante a fixação de condições e prazos para implementação de tal obrigação.

A não destinação adequada da propriedade, aos fins sociais a que se destina, nas condições impostas no plano diretor previamente aprovado, pode acarretar ao proprietário sanção pecuniária, via tributo (IPTU) progressivo, segundo a previsão do artigo 7º do aludido Estatuto.

Com essa nova concepção da propriedade, e face a importância do meio ambiente artificial, como protagonista de maior dignidade à pessoa humana, embora reconhecida e garantida na Constituição, acabou perdendo seu caráter absoluto, passando a ser exigida, para seu reconhecimento pleno, que atenda de forma concreta, sua função social .

Têm-se assim, que a Lei 10.257/01, veda a utilização da propriedade com o fim meramente especulativo, ao consagrar instrumentos que visem diminuir as desigualdades sociais e a marginalização, atendendo aos preceitos constitucionais que asseguram às populações a promoção do bem comum, através de ações efetivas para a melhoria do meio ambiente artificial(7).

9. Zoneamento ambiental

É um dos instrumentos essenciais colocados no estatuto da Cidade, para assegurar aos moradores urbanos, o meio ambiente artificial.

Deve ter por objetivo, segundo o professor Dr. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, (8)"disciplinar de que forma deve ser compatibilizado o desenvolvimento industrial, as zonas de conservação da vida silvestre e a própria habitação do homem, tendo em vistas sempre a manutenção de uma vida com qualidade às presentes e futuras gerações (art. 225 da CF)"

Está assim vinculado ao propósito de garantir bem-estar aos habitantes de determinado município. Se faz necessário estabelecer a reserva de espaços determinados, para a preservação e proteção do meio ambiente.

A política de zoneamento ambiental, possibilita a regulamentação a respeito da repartição do solo urbano e a atribuição de seu uso.

Conforme destaca o professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo(9),  a limitação do uso do solo já vinha contemplado na Lei 6938/81, "como importante instrumento da política nacional do meio ambiente", onde prevê áreas para pesquisas ecológicas, parques públicos, áreas de proteção ambiental, costeira e industrial.

10. Gestão orçamentária participativa

Uma inovação de importância fundamental, para a democratização da gestão da política urbana, e do meio ambiente artificial, é a chamada gestão orçamentária participativa, disciplina no artigo 44, Capítulo IV, que trata da Gestão Democrática da Cidade.

Referido instrumento se efetiva pela realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento an8ual, como condição obrigatória para sua aprovação na Câmara Municipal.

A participação direta da população na gestão participativa, parece-nos a regulamentação mais importante, para alcançar os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, e a efetividade da tutela do meio ambiente artificial.

Outra forma de atuação da população, contemplada no mesmo capítulo, é a previsão de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, por iniciativa popular (art. 43, IV). Certamente, esta possibilidade termina por fortalecer o princípio da gestão democrática da cidade, ao abrir a possibilidade de que a sociedade organizada tome a iniciativa de apresentar ao Poder Público, projetos de sua iniciativa, para solução de problemas de interesse coletivo.

No entanto, vemos de pouca aplicação tal dispositivo, face a dificuldade de mobilização da sociedade, e as exigências muito rígidas, para a propositura de tais projetos, sendo mais prático que referidos grupos sociais, se mobilizem em torno dos representantes do poder legislativo, no caso os vereadores, para que estes, apresentem tais proposituras, e se busque de forma mais ágil a solução das pendências sociais.

11. Fiscalização e controle da gestão do Plano Diretor

É exigência contida no artigo 42, inciso III, que o Plano Diretor contenha um sistema de acompanhamento e controle.

Na visão de Vânia Kirzner (10) "isto se justifica em razão de que todo o fundamento do ordenamento da cidade repousa no fato da realização das aspirações da comunidade, da sociedade organizada. A elaboração do Plano Diretor, por si só, já configura a expressão do desejo da comunidade, pois todos os seus passos devem ser antecipados de audiências públicas, onde a participação da comunidade é condição sine qua non."

Assim, acreditamos que não sendo aberta a possibilidade para a participação popular, no acompanhamento e na gestão do plano diretor, abre-se a possibilidade de ser argüida e declarada sua inconstitucionalidade, face aos pressupostos de política urbana prescritos expressamente no texto constitucional.

Eis algumas ações que podem ser desenvolvidas pela sociedade organizada e pelas comunidades locais, quando da elaboração do plano diretor, que emergem das disposições contidas no Estatuto da Cidade no que se refere à gestão democrática da cidade, e que em muito poderão contribuir para a ordenação do espaço das cidades e contribuam para que as mesmas alcançam seus objetivos sociais, tais como:

– definição de áreas especiais destinadas à habitação de interesse social, para exigir sua urbanização ou ocupação compulsórias, sob pena de imposto territorial ou predial progressivo ou até de desapropriação, com pagamento em títulos da dívida pública;

–  autorização para outorga de direitos de construir, com sua contrapartida de interesse social como fonte de novos recursos financeiros para habitação de interesse social, ou para equipamentos de infra-estrutura urbana, ou para programas de reurbanização;

–  definição de áreas urbanas adensáveis e não adensáveis, para evitar a ocupação urbana de áreas não suficientemente equipadas, bem como a retenção de imóveis vagos, com fim especulativo;

–  definição de áreas especiais para proteção ambiental ou para proteção de patrimônio cultural, associada à autorização para transferência do seu potencial construtivo, possibilitando a realização desse potencial e de seu valor em outro local;

–   realização de estudos de impacto ambiental de determinados empreendimentos, de grande porte, e exigência de reparação dos eventuais impactos sobre o ambiente urbano.

12. Conclusão

O Estatuto da Cidade, originado da Lei 10.257/2001, conforme foi examinado acima, tem, em resumo como pontos importantes:

–  o ordenamento das cidades em proveito da dignidade humana, princípio que vem consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal; 

–  criar condições adequadas para satisfazer os preceitos constitucionais mínimos garantidos no artigo 5º, tais como direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o artigo 6º, ao garantir o chamado piso vital mínimo, representado pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados.

–  incrementar as disposições constitucionais de tutela mediata, conforme artigo 225 da Constituição Federal, de proteção geral ao meio ambiente, e de tutela imediata, com a regulamentação dos artigos 182 e 183, possibilitando através no novo instrumento jurídico, a execução de uma política urbana voltada para o aprimoramento do meio ambiente artificial; 

–  preocupação bem definida em criar condições favoráveis à busca do bem coletivo, a segurança e o bem estar, bem como o equilíbrio ambiental (art. 1º, § único, Lei 10.257/01);

–  organizar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, com objetivo de garantir o direito a cidades sustentáveis, mediante rígido planejamento, oferta de equipamentos urbanos, transporte coletivo e serviços públicos em geral;

–  estimular a gestão democrática, com o envolvimento efetivo da população, através de suas associações e organizações, na formulação e execução da política urbana, em prol da conservação do meio ambiente natural e da construção do meio ambiente artificial.

Para a obtenção de tais propósitos, criou mecanismos de planejamento da gestão das cidades, consubstanciados na necessidade de um planejamento prévio, a ser estabelecido por meio de lei municipal, denominado de Plano Diretor.

Nele, a política urbana deve ser bem explicitada, de forma a garantir a efetiva sobrevivência das pessoas que vivem nas cidades, por meio da preservação e do aperfeiçoamento do meio ambiente natural e artificial, tudo devendo refletir na melhorar da dignidade humana, em perfeita consonância com o texto constitucional.

Assim, fica muito claro que mecanismos existem para disciplinar a política de desenvolvimento urbano, cabendo aos governantes, e à população em geral, se utilizarem dos instrumentos de gestão e fiscalização, colocados à disposição através do Estatuto da Cidade, para que se busque, através de um desenvolvimento sustentável, as verdadeiras funções sociais das cidades.

13. Bibliografia

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 4ª ed. – São Paulo; Saraiva, 2003.

_____________ Estatuto da Cidade Comentado, Editora RT, 2002.

SILVA, José Afonso da, Direito ambiental constitucional, 3ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2000.

MUKAI, Toshio, O Estatuto da Cidade, 1ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001.

NUNES, Rizzatto, O Principio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, São Paulo, Saraiva, 2002.

——————————————————————————–

[1]   FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Estatuto da Cidade Comentado, RT, 2002.

[2]   ONU, Relatório Brudtland, 1987

[3]   International Council for Local Environmental Initiatives, Toronto/Canadá –ICLEI, 1996.

[4]  Sistema Municipal de Gestão do Planejamento,  www.portoalegre.rs.gov.br/planeja

[5]  Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), artigo www.jus.com.br

[6]  Lei 10.257/2001, artigo 5º

[7]  Constituição Federal, art. 5º, XXII e XXIII

[8]  Estatuto da Cidade Comentado, p. 36, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002

[9]   Obra citada, p. 37

[10]  Artigo citado, www.jus.com.br

  

 

Referência  Biográfica

Clovis Brasil Pereira  –  Advogado, Especialista em Direito Processual Civil, Mestre em Direito,  Professor  Universitário,  ministra cursos práticos de Atualização  Profissional nas Unidades da ESA – Escola Superior da Advocacia e em Curso Jurídicos, no Estado de São Paulo.  É  coordenador  e  editor responsável do Site  Jurídico   www.prolegis.com.br.     E-mail para contato:  prof.clovis@terra.com.br   –  2006Contato: prof.clovis@54.70.182.189

 

 



Estado Laico não é Estado Ateu e Pagão

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OPINIÃO:  *Ives Gandra da Silva Martins –

Desde a Constituição do Império de 1824, os textos magnos     pátrios consagram     o princípio da liberdade religiosa, o que se dá amplamente a partir da Carta Republicana de 1891. O Estado Laico, longe de ser um Estado Ateu — que nega a existência de Deus — protege a liberdade de consciência e de crença de seus cidadãos, permitindo a coexistência de vários credos. Aliás, é princípio fundamental do cristianismo e muito precioso aos católicos, que compreendem a parcela maior dos brasileiros, o profundo respeito à liberdade religiosa de cada um, como bem se afirma na declaração “Dignitatis Humanae”, do Concílio Vaticano II.

As Constituições fazem expressa menção, em seus preâmbulos, à confiança depositada em Deus (1934), colocando-se sob sua proteção (1946), ou afirmando o amparo divino, como pouco humildemente se fez em 1988. Esta percepção da importância de Deus como fundamento de uma sociedade fraterna radica na indissociável conexão entre a história, a cultura e o próprio Criador, o que é imprescindível para a elaboração de políticas públicas que não colidam com a liberdade religiosa e nem desrespeitem a profunda religiosidade da nação brasileira.

Daí a enorme distância entre o pluralismo religioso do Estado Laico e um Estado Ateu ou Pagão que nega a existência de Deus ou prega a divinização do ocupante do poder. Nero lançou no ano 64 uma feroz perseguição aos cristãos, que se seguiu ao longo do século II para a preservação do culto pagão aos imperadores. Hitler, com políticas de extermínio do povo judeu — e também de cristãos, ciganos e deficientes físicos — sustentou um Estado Ateu em que o Füher era o senhor supremo da vida e da morte.

Por outro lado, Bento XVI, o Papa do Amor e da Paz da encíclica “Deus Caritas Est”, ao abrir a V CELAM, em Aparecida, considerando “a realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo”, afirmou: “O que é esta «realidade»? O que é o real? São «realidade» só os bens materiais, os problemas sociais, econômicos e políticos? Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destrutivo, como demonstram os resultados tanto dos sistemas marxistas como inclusive dos capitalistas. Falsificam o conceito de realidade com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de «realidade» e, em conseqüência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: Só quem reconhece Deus, conhece a realidade e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano. A verdade dessa tese é evidente ante o fracasso de todos os sistemas que colocam Deus entre parênteses.”

Para se evitarem “caminhos equivocados e com receitas destrutivas” é indispensável que o Estado Laico também dialogue com a ciência, que, quando busca a verdade e é conduzida com vistas à preservação da dignidade humana em plenitude, não contradiz verdades de fé. E nos temas de proteção à vida, a ciência moderna comprova que ela se dá a partir da concepção, o que já impõe substancial amparo jurídico do Estado. A proteção constitucional e legal à vida — única e irrepetitível — a partir de seu início, confirma, pois, aquilo que algumas das maiores religiões já afirmam desde tempos imemoriais.

Assim, quando se defronta com temas como aborto, pesquisas destrutivas com células-tronco embrionárias, comercialização de embriões humanos por clínicas de fertilização artificial, não se pode calar a manifestação de cristãos, judeus, muçulmanos e até mesmo de ateus, como expressão da rica realidade dos que compõem a sociedade brasileira. Quando se sustenta que o Estado deve ser surdo à religiosidade de seus cidadãos, na verdade se reveste este mesmo Estado de características pagãs e ateístas que não são e nunca foram albergadas pelas Constituições brasileiras. A democracia nasce e se desenvolve a partir da pluralidade de idéias e opiniões, e não da ausência delas. É direito e garantia fundamental a livre expressão do pensamento, inclusive para a adequada formação das políticas públicas. Pretender calar os vários segmentos religiosos do país não é apenas antidemocrático e inconstitucional, mas traduz comportamento revestido de profunda intolerância e prejudica gravemente a saudável convivência harmônica do todo social brasileiro.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICAS

Ives Gandra da Silva Martins, Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU.
Site: www.gandramartins.adv.br


O que é Justiça?

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* João Baptista Herkenhoff

            Primeiro dia de aula. Eram todos calouros do Curso de Direito.

            Logo depois da chamada, o jovem inquieto, antes mesmo que eu me apresentasse como professor, lança a pergunta:

            – "Professor, que é Justiça?".

            No semblante do jovem, percebi que havia mais do que uma dúvida intelectual. Ele me colocava uma questão existencial. Questões existenciais angustiam a alma humana, não esperam o momento de se expressarem, não respeitam o plano de aula que o professor tivesse preparado.

            – "Você me propõe uma questão polêmica".

            Foi como iniciei a resposta, enquanto tomava fôlego.

            Segundo o ensino clássico, a Justiça explicita-se de três maneiras fundamentais: como Justiça comutativa; como Justiça distributiva; como Justiça geral, social ou legal.

            A Justiça comutativa exige que cada pessoa dê a outra o que lhe é devido. A Justiça distributiva manda que a sociedade dê a cada particular o bem que lhe é devido. A Justiça geral, social ou legal determina que as partes da sociedade dêem à comunidade o bem que lhe é devido.

            "Entendi tudo, Professor. Mas queria um conceito mais concreto. É o primeiro dia de aula. Estamos perplexos diante do Curso que vamos fazer".

            Lembrei-me, então, de Jesus Cristo, que ensinava por meio de parábolas. E lhes contei um caso.

            Era uma vez uma viúva cujo marido foi morto, num acidente de trânsito, por um veículo do Estado. O senhor atravessava a rua, atentamente, aproveitando o sinal verde. O carro, em velocidade, não respeitou o sinal. Chocou-se com o homem e arremessou seu corpo a metros de distância.

            A viúva, que tinha seis filhos menores, ingressou com uma ação contra o Estado do Espírito Santo, por meio da Defensoria Pública.

            Ação muito bem instruída e conduzida, a viúva obteve do juiz sentença favorável, que condenou o Estado a reparar o dano, pensionando a viúva e também os filhos, estes enquanto durasse a menoridade.

            Os processos, na Justiça, não andam rapidamente. Enquanto aguardava o desfecho do caso, a viúva, com seus filhos, estava passando duras privações.

            Mesmo dada a sentença pelo juiz, a mesma não seria executada de pronto. Manda a lei que, nas sentenças contra o Estado, o juiz submeta, obrigatoriamente, o caso ao duplo grau de jurisdição.

            Dizendo em outras palavras: quando o juiz decide uma questão contra o Estado é obrigado a mandar o processo para o Tribunal, a fim de que a matéria seja reexaminada.

            No Tribunal o processo demora mais algum tempo, até que os autos retornem ao juiz. E, às vezes, demora tempo demais.

            Era Procurador do Estado, no processo, o Doutor Hélio Charpinel Goulart, hoje falecido.

            Vendo a situação da viúva e das crianças, bem próxima da miséria, o Procurador requereu ao juiz que, naquele caso, deixasse de mandar o processo para o Tribunal e ordenasse a execução imediata do julgado. Estando ciente de que descumpria a literalidade da lei, o Procurador requereu ao juiz que oficiasse ao Procurador Geral do Estado, dando conta ao mesmo do procedimento dele, Hélio Goulart. Se o Procurador Geral entendesse que seria merecido aplicar-lhe uma punição, o Procurador disse que aceitaria, de bom grado, a punição. Preferia ser punido do que afrontar sua consciência e retardar ainda mais a prestação de Justiça, de que a viúva e os filhos menores eram credores. Disse mais o Procurador. Há um valor em jogo, que é mais importante do que cumprir cegamente o princípio do recurso obrigatório, nas sentenças contra o Estado. O Estado, mais que o particular, tem o dever de ser justo, de socorrer o fraco, de prevenir a indigência. Esse dever do Estado é uma imposição da Constituição Federal, na forma do que preceitua o inciso III do artigo 1º.

            Atendendo o que pediu o Procurador, o juiz submeteu o procedimento dele, Procurador, ao crivo dos superiores hierárquicos. E o próprio juiz assumiu também a responsabilidade por aquela quebra da "literalidade legal" pois lhe cabia também determinar a subida dos autos para a instância superior.

            Na Procuradoria Geral do Estado, o caso gerou polêmica. Mas afinal decidiu o Procurador Geral que a hipótese em exame era uma exceção. O Procurador não merecia punição. Pugnara pela Justiça e Justiça deveria ser feita à viúva e aos órfãos.

            Depois de contar a história, dirigi-me ao jovem aluno que, a esta altura, já estava de cabelo arrepiado e de olhos estatelados:

            "Isto, meu caro aluno, é Justiça. É a Justiça do caso concreto. É a realização da Justiça distributiva, a que me referi, antes de contar esta história".

            E o menino se deu por satisfeito, nada mais me sendo perguntado.

 

 

João Baptista Herkenhoff, escritor, professor livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo