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O Princípio da Dignidade Humana e a Interpretação dos Direitos Humanos

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  * Nehemias Domingos de Melo 

Sumário: 1. – Notas introdutórias. 2. – Do princípio da dignidade humana. 3. – Conclusões. 4. – Bibliografia. 

1.  Notas Introdutórias:

             Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado de vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que a mesma se contém.[1]

             Neste diapasão, interpretar direitos humanos significa buscar um equilíbrio entre o direito natural e o direito positivo, tendo como base fundamental a dignidade humana e, daí extrair a norma mais favorável à proteção da dignidade humana ao caso concreto.

             Além disso, conforme deixou assentado a Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, “todos os direito humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados”, de tal sorte a afirmar que na colidência entre uma norma interna e os postulados internacionais, deve prevalecer este último tendo em vista o princípio de que a essência do ser humano é uma só, não obstante a multiplicidade de diferenças, individuais e sociais, biológicas e culturais, que existem na humanidade e, exatamente por isso, todos os seres humanos merecem igual respeito e proteção, a todo tempo e em todas as partes do mundo em que se encontrem.[2]

             Ademais, é preciso rememorar que com o fim da Segunda Guerra Mundial e, em face das atrocidades cometidas pelos dirigentes nazistas, houve uma tomada de consciência universal, espelhada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo como base uma razão jurídica de conteúdo ético, “fundada na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, na aquisição da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na realização da justiça, e na construção de uma consciência que preserve integralmente esses princípios”.[3]

Contra os céticos, os neutros e os negadores da significação objetiva da ética e da justiça, a Declaração Universal acabou por fazer uma afirmação solene do valor que é o fundamento da vida social: "a dignidade inerente a todos os membros da família humana". Afirmou-se assim, que as pessoas não são sombras, não são aparências, são realidades concretas e vivas, daí porque a Declaração fez um duplo reconhecimento: Primeiro, que acima das leis emanadas do poder dominante, há uma lei maior de natureza ética e validade universal. Segundo, que o fundamento dessa lei é o respeito à dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a pessoa humana é o valor fundamental da ordem jurídica, sendo, portanto, a fonte das fontes do direito.[4]

Tratando-se, pois, de direitos humanos, o intérprete deve ter em mente que o direito positivo não pode contrariar ou negar vigência aos direitos fundamentais dos seres humanos, assim como o direito interno não pode contrariar direitos humanos consagrados universalmente por serem indisponíveis e insuprimíveis, dado ao seu caráter de norma de valor supra-constitucional ou de natureza supra-estatal.

 2.  Do princípio da dignidade humana

             Para exata compreensão do princípio da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, é preciso rememorar que os avanços têm sido, fruto da dor física e do sofrimento moral como resultados de surtos de violências, mutilações, torturas, massacres coletivos, enfim, situações aviltantes que fizeram nascer consciências e exigências de novas regras de respeito a uma vida digna para todos os seres humanos.[5]

             Foi, claramente, a experiência nazista que gerou a consciência universal de que se devia preservar, a qualquer custo, a dignidade da pessoa humana, como uma conquista de valor ético-jurídico intangível.[6]

             Assim, a dignidade humana é um valor máximo, supremo, de valor moral, ético e espiritual intangível, de tal sorte a afirmar com o mestre Paulo Otero, que o mesmo é “dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito”.[7]

             Por isso mesmo, Flávia Piovesan leciona com percuciência que o valor da dignidade da pessoa humana, impõe-se como núcleo básico e informador de todo e qualquer ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão de qualquer sistema normativo, mormente o sistema constitucional interno de cada país.

             No âmbito interno, importa destacar que o mais precioso valor da ordem jurídica brasileira, erigido como fundamental pela Constituição de 1988, foi a dignidade da pessoa humana, que, como consectário, impõe a elevação do ser humano ao ápice de todo o sistema jurídico, sendo-lhe atribuído o valor supremo de alicerce da ordem jurídica. A dignidade da pessoa humana, pois, serve como mola de propulsão da intangibilidade da vida do homem, dela defluindo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a admissão da existência de pressupostos materiais (patrimoniais, inclusive) mínimos para que se possa viver e o respeito pelas condições fundamentais de liberdade e igualdade.[8] 

 3.  Conclusões 

            Quando se trata de interpretar os direitos humanos, é preciso considerar que a pessoa humana é o valor primordial que cabe ao direito proteger, tanto no campo normativo internos das nações, quanto no plano internacional, lastreado no respeito às convenções e aos tratados internacionais reguladores da matéria. 

Neste quadro, destaca-se a dignidade humana que funciona como uma fonte jurídico-positiva para os direitos fundamentais, o que lhes possibilita coerência e unidade. Dá-lhes uma noção de sistema. O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, assim entendida como valor axiológico, serve como uma espécie de “lei geral” para os direitos fundamentais, que são especificações da dignidade da pessoa humana.[9] 

Assim, cabe ao interprete considerar que “princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com elas se conectam”.[10] 

Logo, conclusão que exsurge é que, na interpretação dos direitos humanos o interprete deve ter em mente, como bem maior a ser protegido, a dignidade do ser humano, de tal sorte que qualquer norma que viole ou colida com os preceitos fundamentais de respeito à dignidade humana, deve ser afastada por incompatibilidade ético-jurídica com os elevados princípios insculpidos na Declaração dos Direitos Humanos, princípios estes recepcionados pela nossa Constituição Cidadã de 1988.

4. Bibliografia

 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4a. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FARIAS, Cristiano Chaves de. A proclamação da liberdade de não permanecer casado. Revista do Curso de Direito da Universidade Salvador – UNIFACS Vol. 4 – 2004.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, 16a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007.

MONTORO, André Franco. Cultura dos direitos humanos in Direitos Humanos: legislação e jurisprudência (Série Estudos, n.º 12), Volume I. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1999.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública. O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Lisboa: Almedina, 2003.

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 3 ed. São Paulo: Max Limonard, 1997.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 16a. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

  


 

[1] Carlos Maximiliano in Hermenêutica e aplicação do direito, p. 9.

[2] Fabio Konder Comparato in A afirmação histórica dos direitos humanos, p.67.

[3] Rizzatto Nunes in Manuel de filosofia do direito, p. 361.

[4] André Franco Montoro. Cultura dos direitos humanos, p. 28.

[5] Fabio Konder Comparato, op. cit. p. 37.

[6] Rizzatto Nunes,  op. cit. P. 368.

[7] Legalidade e administração pública – O Sentido da vinculação administrativa à juridicidade, p. 254.

[8] Cf. Cristiano Chaves de Farias in A proclamação da liberdade…, UNIFACS Vol. 4, p. 9.

[9] Nesse sentido SARLET, Ingo Walfgang. Op. Cit. p. 115.

[10] Rizzatto Nunes, op. cit. p. 363.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

NEHEMIAS DOMINGOS DE MELO: Advogado militante em São Paulo Professor de Direito Civil e Processual Civil na Universidade Paulista – UNIP/SP. Especialista em Direito Civil – Pós-Graduado pelo UniFMU/SP. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos na UNIMES/SP. Ex-Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição da OAB – Seccional SP. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. O autor é palestrante e conferencista, tem artigos publicados em Sites e Revistas especializadas. É autor dos seguintes livros: “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum” (2004) e “Da culpa e do risco – como fundamentos da responsabilidade civil” (2005) – (ambos pela Editora Juarez de Oliveira); “Direito do Consumidor” (Robortella – 2006); “Dano moral trabalhista” (Ed. Atlas – 2007); e, “Dano moral nas relações de consumo” (Saraiva – prelo 2007).  e-mail: melo.advocacia@terra.com.br

 

Homossexuais precisam de uma legislação própria

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OPINIÃO:  Antonio Baptista Gonçalves –  

                        Há quase um ano a Lei que protege as mulheres de violência doméstica consagrou e reconheceu a união estável homossexual através do artigo 5°. 

Lei 11.340/06 – Art. 5°, parágrafo único:

”Art. 5°. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

Parágrafo único. As relações enunciadas neste artigo independem de orientação sexual” (grifo nosso).



 

No artigo em tela é inegável o reconhecimento da convivência de mulheres sob o regime de união estável. Por analogia, pode-se entender que os homens podem ter direito ao mesmo tipo de reconhecimento. 

A cultura legislativa nacional se curvou a uma realidade existente e impossível de esquivar-se e rejeitá-la. Esta tendência apenas acompanha os anseios sociais prementes da realidade brasileira. 

É indissociável o reconhecimento dos direitos aos homossexuais a um país que consegue arregimentar verdadeiras multidões na reunião anual que celebra o homossexualismo. 

Ano após ano a quantidade de participantes da parada gay aumenta. A lei de combate à violência doméstica foi uma quebra de paradigma e novos direitos começaram a ser invocados como a paridade de relações, possibilidade de adoção, herança, etc. 

A Constituição brasileira de 1988 é explicita em ressaltar que são iguais perante a lei homens e mulheres. Um casal homossexual é a união de pessoas do mesmo sexo, todavia, um detalhe nunca deixará de estar presente: serão sempre homens e mulheres. 

A única diferença é a orientação sexual, portanto, enquanto cidadãos seus direitos individuais devem ser preservados e garantidos, como bem preceitua a Constituição em seu artigo 5°. 

Os problemas legislativos começam a surgir quando estes homens e mulheres são analisados enquanto casal. 

Desta feita existem inúmeros obstáculos para a existência e reconhecimento civil de casais homossexuais. Fundamentalmente o elemento impeditivo fulcral é a ausência de previsão legal para essa modalidade de união. 

A legislação civil, de uma maneira geral, não prevê a existência de casais homossexuais, e por isso, não lhes confere direitos, como se não existissem para o ordenamento jurídico brasileiro.

Essa conduta produz danos civis aos casais em situações variadas: Reconhecimento de união estável, divisão de bens, herança, bens adquiridos em comum sem garantia de uma separação eqüitativa, etc.

Numa tentativa jurídica inadequada os casais formavam sociedades e o patrimônio comum assim estaria protegido. O que, na prática, nada impede a divisão de bens em caso de falecimento.

E não são apenas essas indefinições que permeiam a realidade dos homossexuais, porque o anseio de constituir uma família também encontra sérios entraves legislativos.

O primeiro deles é a impossibilidade de registro civil da união, somente lhes sendo permitido coabitar no regime de união estável. Entretanto, como a lei que protege esta modalidade de vida em comum é silente ao casal homossexual não existe nenhuma garantia legal de uma separação de bens justa quando da dissolução da união.

Ademais, os problemas persistem na abordagem da adoção. Os impeditivos não se limitam apenas à impossibilidade de um casal do mesmo sexo adotar uma criança, o que por si só já seria um entrave considerável. A crise se estende aos filhos adotados por pai ou mãe que depois modificam sua orientação sexual.

E qual seria a crise? No caso de filho adotado sob a guarda de um homossexual, se este vier a falecer, o seu companheiro não poderá reivindicar a guarda para si. E qual o motivo? A ausência de reconhecimento dessa relação no ordenamento jurídico nacional.

Aliás, este constrangimento pode ocorrer com filhos adotados ou não. Nada impede de um pai ter ficado viúvo e conhecer uma pessoa e começar uma relação com orientação sexual diversa da que mantinha com a ex-esposa.

Com o falecimento deste, poderia o seu companheiro reivindicar a guarda da criança e criá-la como seu parente? A lei é textual em demonstrar os impeditivos, afinal este terceiro é considerado um estranho para a relação familiar.

Óbice este enfrentado há alguns anos pelo filho da cantora Cássia Eller que faleceu e, inicialmente, o menor foi impedido de ficar sob a guarda da companheira da cantora. A guarda foi conferida à família de Cássia.

Posteriormente, numa decisão polêmica para os conservadores a guarda foi concedida à companheira.

Por tudo isso será que os homossexuais precisam de uma legislação própria ou o necessário seria uma ampla reforma da legislação existente?

Se a reforma for o caminho considerado também a Constituição deverá consagrar os direitos dos homossexuais e no mesmo esteio o Código civil.

Nosso entendimento é que reforma tão ampla é desnecessária, mas pungente é o continuísmo legislativo do reconhecimento aos direitos dos homossexuais.

Medida saneadora seria a criação de uma lei que cuide especificamente do assunto. Ao invés de criar um artigo para cada lei existente é mais prático e eficaz criar uma única lei reconhecendo os direitos dos homossexuais e tratar de suas conseqüências no ordenamento jurídico nacional.

Inócua será a inserção de uma lei que não conter o procedimento especial a ser adotado para esta modalidade especial de relacionamento.

O legislador nacional tem se notabilizado por consagrar modernidades num afinamento precioso com os avanços da sociedade contemporânea, mas quando da criação, nos mesmos diplomas dos procedimentos a serem adotados o caos se instaura.

Sem um procedimento adequado é melhor ficar a situação como existe hoje. Criar uma lei apenas reconhecer a existência dos homossexuais é desnecessário e redundante, porque o ordenamento já o fez com a Lei n. 11.340, e a sociedade já o consagra com as celebrações homossexuais amplamente noticiadas ao longo do país.

É hora de avançar e não de fingir que tudo está resolvido e que o legislador é figura desnecessária na realidade das relações homossexuais.

 


 

REFERÊNCIAS  BIOGRÁFICAS

Antonio Baptista GonçalvesMembro da Association Internationale de Droit Pénal;  Membro Consultor da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP; Coordenador de Direito Penal e Criminologia da Comissão do Jovem Advogado da OAB/SP; Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP; Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s   Responses Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali; Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra; Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca; Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas – FGV; Bacharel em direito pela universidade presbiteriana Mackenzie;  Atividade exercida: advogado.

E-mail: antoniobgoncalves@uol.com.br

 

Assédio Moral: Individual e Coletivo

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  * Nehemias Domingos de Melo 

Sumário 1 – Notas introdutórias. 2. – Conceito e características. 3. – Campo de incidência. 4. – Assédio moral coletivo. 5. – Alguns casos concretos submetidos aos tribunais. 6. – Quanto aos efeitos nas vítimas. 7. – Bibliografia.

1.  NOTAS INTRODUTÓRIAS

            O assédio moral, também chamado de terrorismo psicológico ou, utilizando terminologia alienígena, mobbing, bullying ou harcèlement moral, é um problema social relevante que tem merecido a preocupação dos médicos e psicólogos do trabalho e que, mais recentemente, ingressou no mundo jurídico brasileiro. Somente nos últimos cinco anos é que a matéria passou a ser tratada pela doutrina e chegou aos Tribunais já sendo possível encontrar farta jurisprudência sobre o tema. 

            Estudiosos do tema tem reportado que o assunto passou a merecer atenção dos pesquisadores a partir da década de setenta, sendo que os primeiros estudos foram realizados por psicólogos ligados à área do trabalho. Neste aspecto é importante destacar a pesquisa realizada recentemente pela médica do trabalho Margarida Barreto que, em estudo realizado para sua tese de doutorado na PUC/SP, apontou diversos aspectos relevantes quanto a incidência do assédio moral, concluindo que a violência moral nas empresas tem contornos sutis que se manifestam através de coação, humilhação e constrangimentos que nem sempre são percebidos pelas vítimas como um ato de violência. Ainda em conclusão de seus estudos, a renomada médica informa que o assédio moral provoca danos à identidade e à dignidade do trabalhador e, por conseqüência, aumenta a ocorrência de distúrbios mentais e psíquicos que se manifestam sobre a forma de stress, hipertensão arterial, perda de memória, ganho de peso dentre outros.[1] 

            Estudado inicialmente no campo da psicologia do trabalho, o assédio moral passou a despertar o interesse do mundo jurídico, como forma de proteger o trabalhador contra esta maneira nefasta de pressão que, no mais das vezes, dissimula a busca desmedida do lucro através da competitividade predatória em busca de uma eficiência que só rende benefícios para o patrão. 

Mais recentemente, diversos países passaram a adotar, de maneira explicita, legislação condenando o assédio moral, tanto em seara trabalhista quanto penal. Podemos destacar como exemplo a legislação francesa que, segundo informa a magistrada Alice Monteiro de Barros, inseriu em seu Código do Trabalho, em janeiro de 2002, um artigo específico (art. 122-49), no qual ficou estabelecido que “nenhum assalariado poderá ser punido, despedido ou discriminado, de forma direta ou indireta, especialmente em matéria de salário, formação profissional, reclassificação, transferência ou remoção, qualificação, promoção profissional, alteração de contrato, pelo fato de ter sofrido ou se insurgido contra o assédio moral, testemunhado ou relatado estas situações”. Também foi alterado o Código Penal que em seu art. 222-33-2, passou a prever a possibilidade de apenamento ao assediador com um ano de prisão e multa de quinze mil Euros.[2]  

            No Brasil ainda não há legislação federal a respeito do tema. Algumas iniciativas legislativas foram adotadas por alguns municípios e estados, porém de maneira tímida e esparsa, voltadas especificamente para os servidores públicos.[3] No plano federal, há em tramitação na Câmara Federal, projeto de autoria da então Deputada Rita Gamata, repelindo o assédio moral nas repartições públicas da União (projeto de lei federal n° 4.591/2001).[4]  

            Órgãos de classe, sindicatos e empresas, independente de legislação, têm adotado medidas de combate ao assédio moral, atitudes que devem ser elogiadas e estimuladas e, por exemplar, destacamos o Código de Ética aprovado pelo CONFEA que, ao tratar das condutas vedadas no exercício das profissões que regula, expressamente consignou ser proibido ao profissional exercer pressão psicológica ou assédio moral sobre os colaboradores (art. 10, g).[5] 

2.   CONCEITO E CARACTERÍSTICAS 

            O assédio moral pode ser definido como sendo a situação imposta pelo empregador que visa ridicularizar o trabalhador (ou o grupo), expondo-o de forma repetitiva e prolongada a situações humilhantes, constrangedoras ou vexatórias, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, praticadas com a finalidade de lhe subtrair a auto-estima e diminuir seu prestígio profissional, na tentativa de levá-lo a desistir do emprego ou de “motivá-lo” na busca de metas de produção. 

O magistrado José Carlos Rizk define o assédio moral como sendo “a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias, onde predominam condutas negativas, relações desumanas e anti-éticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigidas a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a Organização”.[6] 

            O que caracteriza o assédio moral, nas palavras do mestre Roldão Alves de Moura, é “a dissociação do homem e trabalho, a hostilização no trabalho, fazendo com que aquele fique inativo, ocioso, desestabilizado, inseguro e, até mesmo, em depressão”.[7] Tais situações atentatórias podem se manifestar por inúmeras práticas abusivas que podem ser exteriorizadas por comportamentos, palavras, atos, gestos ou escritos com a finalidade de colocar o empregado em situação vexatória. 

            Assim, o assédio moral pode se manifestar por atos que não importem palavras e escritos, pois algumas manifestações como suspiros, olhares de desprezo e silêncio, como resposta a indagações, podem ser caracterizadas como formas humilhantes de tratar o trabalhador. Da mesma forma, podem se manifestar por atos e mandados que envolvam ordens inócuas, tarefas desprovidas de qualquer utilidade prática, metas de produtividade impossíveis de serem alcançadas, enfim, formas ativas de desprestígio que podem ser utilizadas pelo empregador ou seus prepostos.  

            No mais das vezes, esta situação é acompanhada pelo isolamento do trabalhador, ou do grupo, dos demais colegas de trabalho. Os outros, por competitividade ou mesmo por receio de também sofrerem represálias, acabam por cortar os laços de amizade e de coleguismo com a vítima, que passa a ficar, cada vez mais, isolada e fragilizada.[8] 

            Além disso, para caracterizar o assédio moral, não basta a situação vexatória esporádica ou ocasional. Há que resultar de uma ação prolongada e continuada (alguns chegam a estimar esse tempo em seis meses), de exposição constante, de reiterados ataques. 

3.  CAMPO DE INCIDÊNCIA  

            O assédio moral tem sido prática corriqueira nas empresas que se vêem obrigadas a manter funcionários que, de alguma forma, obtiveram estabilidade, permanente ou temporária, decorrente de lei ou de decisões judiciais. Como não podem mandar o funcionário embora, as empresas utilizam-se deste expediente nada ético para forçar o funcionário a pedir demissão. Assim ocorre nas reintegrações por determinação judicial; no retorno do afastamento por acidentes de trabalho; no retorno da mulher após a licença maternidade, dentre outros. 

Outro campo de incidência deste nefasto expediente tem sido com relação às empresas que implantam os tais Planos de Demissão Voluntária (ou programa de desligamento voluntário) – PDV. Nestas, a recusa do funcionário em aderir a tais planos, tem motivado medidas de perseguição por parte das empresas, como forma de minar as resistências e obter, por vias tortas, a adesão dos funcionários. 

Mas não é somente visando a demissão de funcionário que tal prática se revela. Há situações em que o objetivo do assediador é o de forçar a vítima, a pedir, por exemplo, aposentadoria antecipada, uma licença para tratamento de saúde, uma remoção ou mesmo uma transferência de setor. 

Outro campo de incidência do nefasto instituto, diz respeito com à “motivação” visando forçar os trabalhadores a atingir metas de vendas ou de produção muitas vezes inatingíveis. Assim, algumas empresas têm adotado, de forma reiterada, prendas e castigos como forma de forçar os trabalhadores a atingirem metas estabelecidas em seus cronogramas de produção. Normalmente a penalidade para aqueles que não atingem os patamares fixados, é a exposição vexatória perante os demais integrantes do grupo tais como, vestir-se com roupas do sexo oposto, dançar ao som de músicas de conotação erótica, submeter-se à corredor polonês, etc. 

Conforme se pode depreender, o assédio moral, diferentemente do assédio sexual, tem motivação de caráter eminentemente econômica. Em alguns casos, o empregador, não querendo mais o empregado em seus quadros, promove ações que se equiparam a tortura psicológicas visando forçar sua demissão ou apressar o seu pedido de afastamento. Noutros, visando o aumento de seus lucros, o empregador adota práticas condenáveis visando forçar seus empregados a atingir metas de produção ou de vendas, muitas vezes impossíveis de serem atingidas. Em ambas as situações tais práticas devem ser condenadas e nossos Tribunais têm sido eficientes no reconhecimento de tais abusos e na aplicação de penas pecuniárias aos infratores, como veremos a seguir. 

4.  ASSÉDIO MORAL COLETIVO 

            Comumente tem ocorrido a prática de assédio moral de forma coletiva, principalmente nos casos envolvendo política “motivacional” de vendas ou de produção, nas quais os empregados que não atingem as metas determinadas são submetidos as mais diversas situações de psicoterror, cuja submissão a “castigos e prendas”, envolvem práticas de fazer flexões, vestir saia de baiana, passar batom, usar capacete com chifres de boi, usar perucas coloridas, vestir camisetas com escritos depreciativos, dançar músicas de cunho erótico, dentre outras. 

            O que causa espanto, é constatar que este tipo de prática medieval está ocorrendo em pleno século vinte e um e, mais grave ainda, praticado por empresas nacionais de grande porte e algumas multinacionais.  

Por exemplar, cabe destacar recente condenação imposta à Cia. Brasileira de Bebidas – Ambev, no importe de um milhão de reais revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, em razão da prática de assédio moral coletivo contra seus trabalhadores. O TRT da 21a. Região, em agosto de 2006, manteve a decisão de primeiro grau e, no acórdão relatado pela magistrada Joseane Dantas dos Santos destaca-se o seguinte teor: “a recorrente tem como corriqueira a adoção das“brincadeiras” em questão, inclusive em âmbito nacional, conforme prova dos autos, que configuram, de forma indene de dúvidas, dano moral a seus empregados, expondo-os a situação de ridículo e constrangimento perante a todos os colegas de trabalho, bem como a sociedade em geral, por serem obrigados a transitar com uniforme onde constavam apelidos ofensivos, o que ocorreu em razão de ato patronal violador do princípio da dignidade da pessoa humana”.[9] 

               Neste mesmo acórdão, a ilustre relatora destaca trechos de artigo de nossa autoria, sobre o tema dano moral coletivo, em duas passagens distintas: quando reconhece a ocorrência do dano moral coletivo, enquanto afronta aos bens personalíssimos de uma determinada comunidade; e quando justifica o valor da indenização, cujo caráter deve ser o da exemplaridade e da dissuasão, significando dizer que a indenização deve ser de valor expressivo, de tal sorte que o ofensor não volte a reiterar na prática do ilícito.[10]

 Conforme já tivemos oportunidade de registrar, a possibilidade de condenação por danos morais coletivos, poderá vir a ser um importante e eficaz instrumento para coibir as ações dos grandes conglomerados que, diuturnamente, agridem e afrontam os direitos e interesses dos trabalhadores. Não se pode negar que diversas atitudes provindas dos empregadores podem vir a caracterizar o dano moral coletivo, ensejador da indenização que, conforme preconizamos, deverá ficar ao prudente arbítrio do juiz que deverá, sopesando o grau de culpa do ofensor e o bem lesado, aplicar uma pena pecuniária que paute pela prudência e severidade de tal sorte a não ser nem tão grande que significa a ruína do infrator, nem tão pequena que avilte a sociedade.[11] 

5.  ALGUNS CASOS CONCRETOS SUBMETIDOS AOS TRIBUNAIS 

a) Empregado que sofre exposição humilhante e vexatória, colocado em ociosidade, em local inadequado apelidado pejorativamente de "aquário" pelos colegas, além da alcunha de "javali" (já vali alguma coisa) atribuída aos componentes da equipe dos "encostados". (TRT 15ª R. – RO 2229-2003-092-15-00-6 – (53171/05) – 11ª C. – Rel. Juiz Edison dos Santos Pelegrini – DOESP 04.11.2005 – p. 129). 

b) Empregado que é colocado em indisponibilidade indefinidamente por mais de ano, embora remunerada; sofre tortura psicológica pela forma reiterada e prolongada a que esteve exposto a situações constrangedoras e humilhantes, minando a sua auto-estima e competência funcional, depreciando a sua imagem e causando sofrimento psicológico. (TRT 15ª R. – RO 2142-2003-032-15-00-5 – (42274/05) – 11ª C. – Rel. Juiz Edison dos Santos Pelegrini – DOESP 09.09.2005 – p. 62). 

c) Empregado que era submetido, rotineiramente e na presença dos demais colegas de trabalho, por ato do superior hierárquico, por não ter atingido a meta de produção, a usar vestes do sexo oposto, inclusive desfilar com roupas íntimas, além de sofrer a pecha de "irresponsável", "incompetente", "fracassado", dentre outros. (TRT 6ª R. – Proc. 00776-2002-006-06-00-5 – 1ª T. – Rel. Juiz Valdir José Silva de Carvalho – DOEPE 03.04.2004). 

d) A dispensa de comparecimento à empresa, ainda que sem prejuízos de salário, constitui degradação das condições de trabalho e faz com que o trabalhador sinta-se humilhado perante os colegas, a família e o grupo social. Esse ataque à dignidade profissional é grave e não permite sequer cogitar de que os salários do período de inação compensem os sentimentos negativos experimentados.(TRT 9ª R. – Proc. 03179-2002-513-09-00-5 (RO 10473-2003) – (06727-2004) – Relª Juíza Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJPR 16.04.2004). 

e) Empregado que é confinado em uma sala, sem ser-lhe atribuída qualquer tarefa, por longo período, existindo grande repercussão em sua saúde, tendo em vista os danos psíquicos por que passou. (TRT 17ª R. – RO 1142.2001.006.17.00.9 – Rel. Juiz José Carlos Rizk – DOES 15.09.2002). 

f) Empregado submetido a dinâmica de grupo na qual se impõe ‘pagamentos’ de ‘prendas’ publicamente, tais como, ‘dançar a dança da boquinha da garrafa’, àqueles que não cumprem sua tarefa a tempo e modo. (TRT 17ª Região – RO 01294.2002.007.17.00.9, Relª Juíza Sônia Das Dores Dionísio – DOES 19.11.2003). 

g) Empregada que é chamada de burra idiota e incompetente pelo seu chefe, sofre assédio moral porque tem sua dignidade atingida (TRT 2a. Região – RO  01163.2004.015.02.00-0, rel. Juiz Valdir Florindo in Consultor Jurídico de 04/04/2006).

h) Vendedor que recebe correspondências da empresa de teor intimidatório e agressivo tais como: "Semana retrasada demitimos o vendedor da Zona 51, semana passada demitimos o vendedor da Zona 02, quem será o próximo?" e; "Com tantas promoções, ofertas e oportunidades, sair do cliente sem vender nada é o mais absoluto atestado de incompetência", ou ainda; "Você pode ser tudo na vida, menos vendedor, é melhor procurar outra profissão" e, finalmente, "Não entendo!!! Entendo menos ainda que ainda contínuo encontrando vendedor ‘barata tonta’ (observem que nossa equipe está mudando algumas ‘caras’ e não é por acaso)", sofre  assédio moral. (TRT 4a. Região – RO n° 01005-2004-662-04-00-5, Rel. Juiz João Ghisleni Filho, fonte site do TRT-RS, 24/01/2005).

            Em situações como as acima exemplificadas, o dever indenizatório emerge da necessidade de proteção à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III), de tal sorte a afirmar que a punição pelo assédio moral se impõe através da condenação do empregador por danos morais.

            Ademais, estas mesmas situações, caracterizam verdadeiro abuso do poder disciplinar pelo empregador que, deixa de utilizá-lo com a finalidade de incrementar a atividade produtiva, para transformá-lo num instrumento de revanche, intimidação e discriminação. É o controle desproporcional ou inadequado, exercido com rigor excessivo, que atenta contra os direitos da personalidade do trabalhador, sendo assim, outro fato gerador do dever indenizatório por dano moral.[12]

A título de melhor exemplificar, recentemente um grande banco nacional foi condenado a pagar indenização no importe de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), tendo em vista que por mais de meio ano submeteu uma empregada a trabalhos humilhantes, em local degradante, além de chamá-la pelos apelidos de “ratazana”, “gata borralheira” e “cinderella”. O local de trabalho era um porão, sujo, mal iluminado e impróprio para o trabalho, pois desprovido de mesa e cadeira, onde a empregada ficava confinada e, muitas vezes, acontecia de perder a noção de tempo quanto a horários de almoço e de saída. Ao justificar o valor da condenação, o relator Juiz Ricardo Artur Costa Trigueiro explanou ser necessário “impor maior rigor na imposição de indenização reparatória em importe mais expressivo que aquele fixado na origem: a uma, em face da capacidade do ofensor, um dos maiores Bancos privados do país; a duas, pelo caráter discriminatório, prolongado e reiterado da ofensa; a três, pela necessidade de conferir feição pedagógica e suasória à pena, mormente ante o descaso do ofensor, que insiste em catalogar a prática como "corriqueira”.[13]

6.   QUANTO AOS EFEITOS NAS VÍTIMAS 

            No que diz respeito aos efeitos do assédio moral na pessoa do assediado, podemos afirmar que tal atitude é nefasta e que pode se constituir num fator de risco capaz de atingir a saúde da vítima, tanto física quanto psíquica, pelo que pode ser perfeitamente equiparada as doenças de trabalho. 

            Conforme os ensinamentos de Martha Halfel Furtado Mendonça Schmidt, se pode destacar como efeitos exteriorizadores do assédio moral na vítima, o endurecimento e esfriamento das relações de trabalho; dificuldade para enfrentar as agressões e interagir em equipe; isolamento e internalização; sentimento de pouca utilidade, de fracasso e de “coisificação”; falta de entusiasmo pelo trabalho; falta de equilíbrio quanto às manifestações emocionais, por exemplo, com crises de choro ou de raiva; diminuição da produtividade; aumento de absenteísmo; demissão; desemprego; enfraquecimento da saúde; tensão nos relacionamentos afetivos e, mais, grave, suicídio.[14] 

            A magistrada Alice Monteiro de Barros vai mais longe, pois adverte que com relação à empresa, “o assédio moral afeta também os custos operacionais da empresa, com a baixa produtividade daí advinda, absenteísmo, falta de motivação e de concentração que aumentam os erros no serviço”. Já no que diz respeito à vítima, “os efeitos são desastrosos, pois além de conduzi-la à demissão, ao desemprego, à dificuldade de relacionar-se, há os sintomas psíquicos e físicos, que variam um pouco entre as vítimas, dependendo do sexo”, sendo de qualquer forma um fator de risco que pode, inclusive, levar o assediado ao viciamento em drogas.[15] 

            Não se olvide de que, ao lado da obrigação pessoal de prestar trabalho, o obreiro tem o direito ao trabalho digno, não sendo admissível a conduta do empregador que, não podendo demitir o funcionário (em face de uma eventual estabilidade provisória, por exemplo), deixa o mesmo sem fazer nada, humilhando e aviltando a dignidade do obreiro que, a toda evidência, passa a ser alvo de comentários de todos os colegas de trabalho, por se encontrar dentro da empresa sem nenhuma incumbência.[16]  

7.  BIBLIOGRAFIA

 BARROS, Alice Monteiro de. Assédio moral in Júris Síntese n° 52, MAR/ABR. 2005, edição em CDROM não paginado.

LIPPMANN, Ernesto. Assédio sexual nas relações de trabalho, 2a. ed. São Paulo: LTr, 2005.

LOBREGAT, Marcus Vinicius. Dano moral nas relações individuais do trabalho. São Paulo, LTr, 2001.

MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral trabalhista. São Paulo: Atlas, 2007.

_____. Dano moral coletivo nas relações de consumo in Dano moral e sua quantificação (Coord. Sergio Augustin). Caxias do Sul: Plenum, 2005, versão em CDROM.

MOURA, Roldão Alves de. Ética no meio ambiente do trabalho. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

 


[1] Reportagem de José Edward na Revista Veja de 13 de julho de 2005, p. 105-108.

[2] Assédio moral in Júris Síntese n° 52.

[3] A esse respeito ver Lei n° 13.288/01 do município de São Paulo e Lei n° 3921/02 do Estado do Rio de Janeiro.

[4] Interessante destacar que a Deputada refere na exposição de motivos que se inspirou na Lei Municipal  nº 1.163/2000,  vigente no município paulista de Iracemápolis, a primeira do país, de autoria do ex-vereador e depois prefeito João Renato Alves Pereira, que, em suas palavras, agora se torna símbolo do combate ao assédio moral na Administração Pública.

[5] Resolução CONFEA Nº 1.002, de 26 de novembro de 2002 (DOU 12.12.2002) que adota o Código de Ética Profissional da Engenharia, da Arquitetura, da Agronomia, da Geologia, da Geografia e da Meteorologia.

[6] No julgamento do RO – TRT 17ª Região nº 1142.2001.006.17.00-9, Rel Juiz José Carlos Rizk, publicado no D. O. em: 15.10.2002.

[7] Ética no meio ambiente do trabalho, p. 90.

[8] Cf. Ernesto Lippmann. Assédio sexual nas relações de trabalho, p. 36.

[9] (TRT 21a. R – RO 01034-2005 (AC 61415) – J. 15.08.2006 – P. 22.08.2006 no DJE/RN).

[10] Dano moral coletivo, edição em CDRom não paginado.

[11] Dano moral trabalhista, p. 31.

[12] Eesto Lippmann, op.cit. p. 37.

[13] (TRT 2a. R – Proc. 01346200304102000(20040509090-RO – 4a. T. – Rel. Juiz Ricardo Artur Costa Trigueiro – in Consultor Jurídico, 19/06/2006).

[14] Assédio moral no direito do trabalho in Revista do Direito do Trabalho n° 103, p. 149 (apud: Roldão Alves de Moura in Ética no meio ambiente do trabalho, p. 91).

[15] Assédio moral in Júris Síntese n° 52.

[16] Emmanuel Teófilo Furtado in Alteração do contrato de trabalho, p. 40 (apud:Marcus Vinicius Lobregat – Dano moral nas relações individuais do trabalho, p. 93.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

NEHEMIAS DOMINGOS DE MELO: Advogado militante em São Paulo Professor de Direito Civil e Processual Civil na Universidade Paulista – UNIP/SP. Especialista em Direito Civil – Pós-Graduado pelo UniFMU/SP. Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos na UNIMES/SP. Ex-Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição da OAB – Seccional SP. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP. O autor é palestrante e conferencista, tem artigos publicados em Sites e Revistas especializadas. É autor dos seguintes livros: “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum” (2004) e “Da culpa e do risco – como fundamentos da responsabilidade civil” (2005) – (ambos pela Editora Juarez de Oliveira); “Direito do Consumidor” (Robortella – 2006); “Dano moral trabalhista” (Ed. Atlas – 2007); e, “Dano moral nas relações de consumo” (Saraiva – prelo 2007).  e-mail: melo.advocacia@terra.com.br

A idéia de validade e vigência no direito no garantismo penal de Ferrajoli

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  * Flavio Ribeiro da Costa  

Resumo:  Ferrajoli afirma que o conceito de validade em Kelsen é equivocado, pois uma norma seria inválida se não estivesse de acordo com os direitos fundamentais elencados na Constituição. Ferrajoli acrescenta um novo elemento ao conceito de validade. Para ele, uma norma será válida não apenas pelo seu enquadramento formal às normas do ordenamento jurídico que lhe são anteriores e configuram um pressuposto para a sua verificação. A tal procedimento de validade, eminentemente formalista, acrescenta um dado que constitui exatamente o elemento substancial do universo jurídico. Neste sentido, a validade traz em si também elementos de conteúdo, materiais, como fundamento da norma. Esses elementos seriam os direitos fundamentais. Por fim afirma Ferrajoli que o conceito de validade em Kelsen se confunde, equivocadamente, com o de vigência da norma.

PALAVRAS-CHAVE:  Garantismo; vigência e validade; acepção de Ferrajoli. 

Luigi Ferrajoli, na sua obra Direito e Razão, estabelece as bases conceituais e metodológicas do que foi chamado de garantismo penal. Todavia, percebe que os pressupostos estabelecidos na seara penal podem servir de subsídios para uma teoria geral do garantismo, que se aplique, pois, a todo o direito e a seus respectivos ramos (administrativo, civil etc.).

A partir de tal conclusão, Ferrajoli busca estabelecer, nos dois últimos capítulos do referido livro, uma teoria do garantismo a partir das acepções do respectivo termo.

Inicialmente, a palavra garantismo, no contexto do trabalho de Ferrajoli, seria um " modelo normativo de direito" . Tal modelo normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que – afirma o Autor – é a base do Estado de Direito.

Tal forma normativa de direito é verificada em três aspectos distintos, mas relacionados. Sob o prisma epistemológico, pressupõe um sistema de poder que possa, já no viés político do termo, reduzir o grau de violência e soerguer a idéia de liberdade – não apenas no âmbito penal, mas em todo o direito.

No aspecto jurídico, percebe-se um dado curioso: o de se criar um sistema de proteção aos direitos dos cidadãos que seria imposto ao Estado. Ou seja, o próprio Estado, que pela dogmática tradicional tem o poder pleno de criar o direito e todo o direito, sofre uma limitação garantista ao seu poder. Assim, mesmo com sua "potestade punitiva", o Estado deve respeitar um elenco sistêmico de garantias que devem por ele ser efetivados. Este é o primeiro passo para a configuração de um verdadeiro Estado Constitucional de direito

Como resposta ao exacerbado poder punitivo conferido ao Estado, surge no mundo jurídico uma doutrina criminológica de aplicação processual penal, difundida pelo douto jurisconsulto Luigi Ferrajoli: o Garantismo Penal.

Em seu livro Derecho y Razón, Ferrajoli apresenta um modelo de aplicação da lei penal adjetiva, visando a ampliação da liberdade do homem em detrimento da restrição do poder estatal, minimizando o jus penales puniendi. É uma solução para a histórica antítese entre liberdade do homem e poder estatal.

As palavras direito, privilégio, isenção, responsabilidade e segurança são expressas em nossa língua como sinônimas do vocábulo garantia, utilizado em nosso ordenamento jurídico pelo direito constitucional como prerrogativa da cidadania. 

Tornou-se comum os operadores do direito confundirem o garantismo com o abolicionismo penal, sendo este a defesa da liberdade selvagem do homem enquanto que aquele rechaça tal doutrina afirmando que o Estado tem o dever de regrar tal independência. O garantismo também repele o Estado Liberal que age com excesso no direito de punir.

Conceitua-se Garantismo Penal como o modelo de direito consistente em uma liberdade regrada, sendo o meio-termo entre o Abolicionismo Penal e o Estado Liberal. 

No nosso conjunto de leis já vemos algumas inovações que primam pela aplicação desse ideal criminológico-processual, como a Lei n.º 11.006/2006 que revogou o crime de adultério, afirmando, assim, o princípio da intervenção mínima ao deixar tal fato à análise do direito civil.

Ferrajoli prega nesse ensinamento que algumas técnicas deverão ser utilizadas no processo de minimalização do poder institucional: o aplicador do direito deve valer-se da consagração de dez axiomas, princípios norteadores do direito penal, que trazem em suas normas garantias relativas à pena, ao delito e ao processo.

Como garantias em relação à pena: 1) nulla poena sine crimine – emprego do princípio da retributividade – o Estado somente pode punir se houver prática da infração penal; 2) nullum crimen sine legeé o princípio da legalidade, que preconiza quatro preceitos: a) o princípio da anterioridade penal; b) a lei penal deve ser escrita, vedando desta forma o costume incriminador; c) a lei penal deve também ser estrita, evitando a analogia incriminadora; d) a lei penal deve ser certa, ou seja, de fácil entendimento; decorre daí o princípio da taxatividade ou da certeza ou da determinação; 3) nulla lex penales sine necessitate ou princípio da necessidade, ou como modernamente é denominado, princípio da intervenção mínima – não há lei penal sem necessidade. O direito penal deve ser tratado como a derradeira opção sancionatória no combate aos comportamentos humanos indesejados.

Vê-se como garantias relativas ao delito: 1) nulla necessitas sine injuria ou princípio da lesividade ou ofensividade – não há necessidade se não há também uma relevante e concreta lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado; 2) nulla injuria sine actione ou princípio da exterioridade da ação, que proíbe a criação de tipos penais que punam o modo de pensar, o estilo de vida. Há somente a punição pela ação ou omissão do homem, pois o direito penal é do fato e não do autor; 3) nulla actio sine culpa ou princípio da culpabilidade – deve-se apurar o grau de culpa (dolo ou culpa stricto senso) para então dosimetrar a punição pela prática humana.

E finalmente determinanam-se como garantias relacionadas ao processo: 1) nulla culpa sine judicio ou princípio da jurisdicionariedade – não há reconhecimento de culpa sem que o órgão jurisdicional a reconheça; 2) nullum judicium sine acusationes ou princípio acusatório – o poder judiciário não afirma o direito de ofício, devendo ser provocado; referido poder é inerte (princípio da inércia). Frederico Marques dizia que "o juiz é um expectador de pedra", ou seja, por ser inerte não pode agir; 3) nulla acusation sine probatione ou princípio do ônus da prova – não há acusação sem a existência de prova ou suficiente indício de autoria; 4) nulla probation sine defensione ou princípio da ampla defesa e do contraditório.

O garantismo penal não se configura como uma doutrina distante de ser efetivamente concretizada no mundo jurídico atual, pois existem modernamente movimentos penais e criminológicos que ostentam a essência desse tirocínio, sendo a escola do direito penal mínimo seu maior representante entre seus defensores. 

O alcance dessa teoria seria a eficácia do direito penal no mundo contemporâneo.

A teoria do Prof. Ferrajoli centra-se, neste segundo plano de garantismo, em trazer ao espectro jurídico uma nova forma de observação do fenômeno, ao afirmar a existência de aspectos formais e substanciais no mundo jurídico, sendo o aspecto substancial, ao seu ver, algo novo e que deve ser observado na formação das constituições e respectivos ordenamentos jurídicos.

O aspecto formal do direito – diz Ferrajoli – está no procedimento prévio existente, que funciona como pressuposto de legitimidade do surgimento de uma nova norma estatal. Ou seja, uma norma só será válida e legítima se for composta de acordo com os procedimentos formais traçados previamente pelo ordenamento jurídico. Até então, a idéia de validade colocada pelo Prof. Ferrajoli traz muita similitude com a teoria pura do direito.

Para Kelsen, a validade de uma norma está em uma outra norma, que lhe é anterior no tempo e superior hierarquicamente, que traçaria as diretrizes formais para que tal norma seja válida. Logo, para Kelsen, existe um mecanismo de derivação entre as normas jurídicas, dentro de uma idéia de supra e infraordenação entre as espécies normativas.

Mas Ferrajoli acrescenta um novo elemento ao conceito de validade. Para ele, uma norma será válida não apenas pelo seu enquadramento formal às normas do ordenamento jurídico que lhe são anteriores e configuram um pressuposto para a sua verificação.

A tal procedimento de validade, eminentemente formalista, acrescenta um dado que constitui exatamente o elemento substancial do universo jurídico. Neste sentido, a validade traz em si também elementos de conteúdo, materiais, como fundamento da norma. Esses elementos seriam os direitos fundamentais. Essa idéia resgata uma perspectiva de inserir valores materialmente estabelecidos no seio do ordenamento jurídico, fazendo um resgate da "ética material dos valores" de Max Scheler. Ferrajoli afirma que o conceito de validade em Kelsen, por conseguinte, é equivocado, pois uma norma seria inválida se não estivesse de acordo com os direitos fundamentais elencados na Constituição. Assim, caso uma norma ingresse no ordenamento jurídico a partir do esquema formal de Kelsen – utilizado a reboque por Ferrajoli, configurando o conceito de vigência – e não estivesse de acordo com as normas que consagram os direitos fundamentais, tal norma seria inválida, em função de não estar de acordo com a racionalidade material, pressuposto indispensável de validade das normas jurídicas. Em decorrência, afirma Ferrajoli que o conceito de validade em Kelsen se confunde, equivocadamente, com o de vigência.

Há divergências doutrinárias no que tange à teoria pura do direito. Para alguns, ela estabelece a relação direta da nova norma jurídica estatal com as normas jurídicas preexistentes, dentre as quais a Constituição; assim, se a validade pressupõe a perfeita adequação da norma jurídica ao sistema estatal no qual ela se insere, obviamente ela deve se enquadrar também ao conteúdo dessas prescrições normativas, e os direitos fundamentais seriam, também, uma limitação de conteúdo, dentre outras, às novas normas jurídicas. Todavia, outros afirmam que Kelsen só pretende que a nova norma estatal tenha sido criada pelas autoridades competentes e de acordo com o procedimento prévio e formal de elaboração normativa, sem se preocupar com questões de conteúdo das normas elaboradas. Ferrajoli é partidário da segunda opinião.

Conclusão 

Em função desses conceitos de validade e vigência, Ferrajoli traz uma outra idéia que é útil para impor coerência a sua teoria: uma norma vigente, todavia não dotada do caráter da validade (eminentemente material), estaria expurgada do ordenamento jurídico, revogada – no sentido amplo do termo – em função de sua incompatibilidade não com as diretrizes formais de seu surgimento, mas com a materialidade dos direitos fundamentais, que se formariam através de um processo histórico, que continua em seu devir, conquistado através da experiência, não dotados de uma ontologia, por palavras próprias do professor, em virtude de os direitos fundamentais serem construídos através dos tempos. É certo que a teoria de Luigi Ferrajoli, muito embora ela corra o risco acentuado de ser manipulada por estruturas de poder que se valham da imprecisão conceitual dos direitos fundamentais, também serve de alento aos teóricos, haja vista que abre possibilidades argumentativas para a configuração de direitos fundamentais a cada problema específico, se tomarmos a tópica como referência.

Bibliografia:

BOBBIO, Norberto: A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre: Livraria do advogado, 1999.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. (p.7)

KELSEN. Hans: Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

Flavio Ribeiro da Costa: Advogado Publicista. Pós-graduado em Direito Publico UFU.

Pos-Graduado em Direito Penal e Processual Frutal-MG.

 

Descumprimento de precatório judicial: ato de improbidade administrativa.

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* Kiyoshi Harada –

Precatório judicial é requisição de pagamento feita pelo Judiciário contra a Fazenda Pública vencida na demanda judicial. O montante da condenação requisitado deve ser inserido no orçamento do exercício seguinte para seu pagamento atualizado até o final desse exercício, conforme § 1º do art. 100 da CF.

Seu descumprimento acarreta várias conseqüências, entre as quais, a caracterização do ato de improbidade administrativa. Ato de improbidade administrativa, não é só aquele ato praticado por agente público, contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes, como também aquele ato timbrado pela má qualidade administrativa.

A Lei nº 8.429/92, que define os atos de improbidade administrativa, distingue três modalidades: a) atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (art. 10); e c) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11).

As irregularidades no cumprimento de precatórios enquadram-se no art. 11, incisos I e II da Lei 8.429/92.

De fato, deixar de incluir no orçamento a verba requisitada por via de precatório judicial caracteriza conduta reprimida pelo art. 11, inciso II (deixar de praticar, indevidamente, ao de ofício). E deixar de pagar o montante requisitado no prazo constitucional, promovendo desvio de verba para outro fim público, relevante ou não, pouco importa, é incidir na conduta definida no art. 11, inciso I (praticar ato visando fim diverso daquele previsto na regra de competência).

A ação judicial por ato de improbidade administrativa deverá ser proposta pelo Ministério Público. A condenação com base no art. 11, incisos I e II retro apontados implicará a perda de função pública, a suspensão de direitos políticos de 3 a 5 anos, na multa de até 100 vezes o valor da remuneração percebida pelo agente público infrator, e o ressarcimento integral dos danos, se houver (art. 12, III).

A perda de função pública e a suspensão de direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da decisão condenatória (art. 20).

As infrações referentes ao descumprimento de precatórios são de fácil apuração, porque os princípios da publicidade e da transparência orçamentária obrigam os governantes a dar publicidade aos atos de execução orçamentária. Além disso, a prestação de contas do Executivo perante o Tribunal de Contas competente faz com que quaisquer irregularidades de natureza orçamentária sejam apontadas no parecer prévio a que alude o art. 71, I da CF a ser enviado à respectiva Casa Legislativa (Congresso Nacional, Assembléia Legislativa ou Câmara de Vereadores).

A título ilustrativo, transcrevemos trechos do parecer prévio emitido pelo TCMSP acerca das contas do exercício de 2006, apresentadas pelo senhor Prefeito do Município de São Paulo, publicado no Diário da Cidade de São Paulo, do dia 11-7-2007:

 "4.6 Pagamento dos Precatórios

Apesar da análise mais detalhada dos precatórios judiciais constantes do item 5.19 deste relatório, alguns aspectos merecem destaque.

 No exercício de 2006 a Prefeitura tinha por obrigação o pagamento de precatórios no montante de R$3,880 bilhões, sendo que o orçamento inicial a eles destinou R$648,800 milhões, correspondente a apenas 16,7% (dezesseis inteiros e sete décimos por cento) do total devido.

 Foram pagos somente R$162,787 milhões, isto é, ¼ (um quarto) do orçamento inicial de R$648 milhões, ficando o restante sem utilização" (p. 160).

 "5.19.4 – Cumprimento da Legislação

 ……………………………………………….

 "b – Precatório de natureza alimentícia

 Os precatórios de natureza alimentícia decorrem principalmente de ações promovidas por servidores contra a Administração.

 Seu total, devido em 31/12/2006, onerado pelos ofícios complementares correspondentes, resulta em R$2,469 bilhões, representando um acréscimo de 12,6% (doze inteiros e seis décimos por cento) sobre o exercício anterior.

Esses precatórios devem se pagos até o final do exercício seguinte ao da sua inscrição, com seus valores atualizados monetariamente, conforme disposto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição Federal.

Em conseqüência, a obrigação de pagar tais precatórios alimentares em 2006 somou R$2,590 bilhões e durante o ano foram pagos R$121,305 milhões, o equivalente a 4,6% (quatro inteiros e seis décimos por cento) das obrigações do exercício.

Os pagamentos efetuados em 2006 permitiram saldar o Mapa de Ordem Cronológica – MOC de 1998 e 1999 e ainda dar início ao pagamento de 2000, até a ordem cronológica 32/00, restando sem pagamentos parte dos precatórios de natureza alimentícia do Mapa de Ordem Cronológica – MOC 2000, no valor aproximado de R$88,00 milhões e a totalidade dos precatórios dos exercícios subseqüentes, incluído o de 2006.

Configura-se, uma vez mais, o descumprimento do parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição Federal, pelo não pagamento dos precatórios alimentares do último exercício (2006) e também dos anteriores (2005, 2004, 2003, 2002, 2001 e parte de 2000), como já fora assinalado no Relatório Anual de Fiscalização do exercício 2005 e dos anteriores (p. 176).

A Prefeitura que devia em 1998, a título de precatório alimentar, apenas R$30,979 milhões, segundo os dados constantes no Mapa de Ordem Cronológica (MOC) elaborado pelo Departamento de Precatórios do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Decorridos 8 anos, passou a dever R$2,590 bilhões. Qual a mágica para conseguir tamanha expansão da dívida em tão curto tempo?

Trechos do parecer prévio do TCMSP retro transcritos falam por si sós. Anualmente são incluídos no orçamento valores bem inferiores às exigibilidades (valores regular e tempestivamente requisitados pelo Judiciário). Por conta desses valores parcialmente incluídos no orçamento apenas uma pequenina parte é efetivamente destinada ao pagamento de precatórios alimentícios.

Como resultado da cultura do descumprimento de decisões judiciais, que vigora de alguns anos para cá, há dupla infração: a sonegação de verbas a serem incluídas no orçamento seguida do desvio da maior parte daquelas que foram inseridas no orçamento do exercício.

Pelo exame do balancete patrimonial de junho de 2007 verifica-se que a Prefeitura de São Paulo deve até o referido mês R$7.504.850.495,33 a título de precatórios judiciais, abrangendo os de natureza alimentícia e não alimentícia.

Essas omissões e esses desvios representam uma clara demonstração de desprezo às determinações do Poder Judiciário pela administração municipal. O Executivo vem se apropriando de recursos financeiros correspondentes à dotação pertencente ao Poder Judiciário (art. 100, § 2º da CF). Retratam também uma grande insensibilidade dos governantes, que continuam ignorando os credores por precatórios alimentícios que estão morrendo aos milhares à espera de pagamentos que não acontecem.

Para chamar a atenção da sociedade para a essa questão de calote dos precatórios, que assumiu proporções intoleráveis em um estado de Direito, no último dia 15 de agosto, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, foi lançado um Movimento Nacional contra o atual regime de impunidade das autoridades responsáveis, que vêm ignorando as decisões da justiça desviando de forma sistemática as verbas destinadas ao pagamento desses precatórios.

O Movimento foi encabeçado pela Fiesp, OAB/SP, União Geral dos Trabalhadores, as tricoteiras do Rio Grande do Sul e contou com a participação de mais de 200 entidades representativas de diversos segmentos da sociedade.

O objetivo imediato desse Movimento é o de afastar a aprovação da Pec 12/06, de autoria do Senador Renan Calheiros, em tramitação no Senado Federal, que rompe o princípio de separação dos poderes, denigre a imagem do Judiciário, ao prever o leilão de sentenças judiciais pelo valor do maior deságio, e violenta em bloco todos os princípios que regem a administração pública, dentre os quais, o princípio maior da moralidade pública. Ao depois, o Movimento visa pugnar pela aplicação rigorosa, daqui para frente, das normas constitucionais e legais relativas ao pagamento de condenações judiciais impostas ao poder público, porque não resta a menor dúvida de que esse estado atual de "dívidas impagáveis" é fruto exclusivo da leniência das autoridades e órgãos competentes na aplicação da lei.

 

KIYOSHI HARADA: Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Email:  kiyoshi@haradaadvogados.com.br     site: www.haradaadvogados.com.br


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

O operador do direito e o dilema da sala vazia.

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* Bruno J. R. Boaventura

Operar é um atalho mental apresentado para o aplicador repousar sua visão crítica em travesseiro de conceitos ideológicos apráticos, imerso em sonhos nebulantes sem qualquer tipo de idéia emancipadora.

O operador é aquele preso por amarras mentais, e, incapaz de interpretar plenamente a norma, e assim criticar ou repensar a teoria dada pela mesma quando preciso. È aquele que não visualiza as causa e os efeitos práticos desta norma, principalmente se este elemento coadunar ou não com o fim da sistematicidade jurídica, ou seja, a justiça.

O operador faz ininterruptamente opções por tecnicismo formal exarcebado baseando-se em sistema jurídico dado como perfeito, pronto e acabado, turvando assim o lado dos efeitos práticos. Fundamenta a operacionalidade em uma pseudo-liberdade de interpretar o Direito baseada em uma lógica dedutiva com fundamentos em premissas indutivas que amarram o interprete num acriticismo teórico, tendo como conseqüência a refratariedade da efetividade da concreção da justiça como fator de desenvolvimento da igualdade social.

As amarras são intentadas por impositores de uma formalização rígida de equacionamento de um raciocínio metodológico tido como finalisticamente justo, porém nada mais do que enaltecimento de um agir do não-agir, impedindo um entendimento livre da interpretação crítica. A crítica é o romper, essencialmente isto, da ordem dada, para daí exsurgir uma nova ordem dialeticamente reflexiva a ser construída com uma finalidade prática.

Teorias, conceitos, pensamentos, idéias não são nada sem a respectiva concreção prática. A crítica é uma teoria altamente prática. O alcance da prática do justo passa pela libertação deste acriticismo teórico.

A liberdade e a igualdade como causas; a solidariedade como efeito, através de um meio harmonioso da segurança jurídica com a efetividade prática, dará ao Direito a concreção de seu objetivo de dever ser justo para todos. 

A segurança jurídica completa tão buscada através da disposição do direito como um sistema integralmente fechado, não será possível, pois tudo se baseia em atos humanos de vontade, e, estes nunca serão realizados de forma idêntica. Ora realizar-se-ão com diferentes disposições das coisas em determinado espaço e/ou, em tempos diferentes, ora no passado ou no futuro, e, portanto com valorações humanas diferentes.

O estado dos valores humanos não é estático, e, sim em constante dinamismo de mudança, seja retrógrado ou evolutivo, mas sempre caminha para um ponto diferente que atualmente está.

O equilíbrio do meio jurídico segue pelo a relativização da segurança jurídica, através de uma prática comprometida com a maximização da justiça, numa nova reviravolta do pensamento de Descartes e Kant[1], tendo assim como preocupação principal a então proporcionalidade da individualidade com a coletividade, do naturalismo com o positivismo, do poder com a opressão. 

A idéia de operador de direito comumente e composta também pela idéia deste sistema jurídico fechado. As limitações impostas pela natureza do ordenamento jurídico para sua conceituação em sistema são muitas. Inclusive a de não conseguir gerar normas na dinamicidade que aos axiomas sociais se modificam, a da sua coerência ser tendencial (antinomias) assim como a sua completude (lacunas). 

A visão do Direito como sistema não é mero erro semântico ou opção metodológica, mas sim uma das amarras mentais capazes de restringir a liberdade do interprete. Mas a principal limitação é a descaracterização da sua unidade, com a virtualização do método originário e desenvolvimento da criação de um de seus elementos, as normas, que atualmente não obedecem a própria norma fundamental do ordenamento (todo o poder origina-se do povo), porque são fabricadas condizentes com os interesses econômicos e políticos distorcidos, com pouca ou nenhuma influência do interesse público, o querer da sociedade cidadã, o chamado pelo Supremo Tribunal Federal, de desvio ético-jurídico[2]

A rigidez do direito só é aceita por aqueles que o operam e não vivenciam a justiça. Este é um alerta a todos aqueles que não usufruem a chance dada pela vida de serem juristas, na sua concepção real, e não simplesmente: operadores, mecanicistas ou tecnocratas do direito. Lembro as acepções do termo ecoado (operador), e outros, que ao meu ver não passam de sinônimos do significado apregoado[3].

O ordenamento jurídico é a parametração (parâmetros) da vontade material de sobrevivência da raça humana. Sem esta parametração desta vontade colocar-se-ia em risco a própria sobrevivência pretendida.

Nesta sobrevivência em certo ponto de sua história, o humano entendeu que o eu-individual teria menos chance do que eu-coletivo. Nesta autoconsciência surgiu a primeira regra de sobrevivência: respeitar os outros eu-individuais para mantença do eu-coletivo. 

A partir do surgimento da racionalidade efetiva, e, o uso desta como facilitação da sobrevivência, paralelamente ao desenvolvimento dos meios social, a respeitabilidade já existente foi complexada. Este paralelismo é indicativo categórico que as normas do homem representam fidignamente exatamente o que aquela coletividade o é.

As dificuldades serão solucionadas, os momentos infelizes superados, mas a felicidade plena e constante jamais alcançada. Por que necessitamos do conceito da infelicidade para sabermos da existência da felicidade, para almejarmos a felicidade como objetivo. Trazendo esta idéia de sistema, temos que as antinomias serão solucionadas, as lacunas superadas, mas a sistematicidade plena e constante jamais alcançada. Por que necessitamos da novidade (fato ou interpretação do valor) para sabermos da existência inerente da incompletude, e, almejarmos a atualidade como objetivo.

O jurista, enquanto ser humano eivado de conhecimento jurídico do mundo social, deve se guiar, não pelos dogmas da lei, não pelas imposições da própria sistematicidade jurídica, pois tais preceitos, podem, conscientemente, serem desviados pelo homem por interesses diversos da finalidade de sua criação. 

A finalidade precípua de toda a criação da ciência do direito, e assim de seus componentes, nada mais é do que os ares frescos do valor do justo, soprados, sobre os fatos na direção de uma sociedade igualitária. 

O caminho do jurista é a transposição e reconstrução incondicionável destes desvios realizados por interesses escusos, dando força suficiente para os ares da justiça derrubarem o fruto podre da desigualdade da árvore social, e a luta para que a semente desta árvore seja a justiça social e que esta cresça eivada de democracia, florescendo numa sombra que atinja a todos indistintamente.

Não me preocupo com o uso do termo operadores do direito, mas sim o seu efeito aos que começam a vivenciar a justiça. O direito encarado como máquina a ser operada se torna algo incompatível com as nuanças da contemporaneidade social e da questionalidade natural a todo jurista.  Aquele que se auto-limita, e vê a justiça como sendo a Lei pronta e acabada, não será capaz de lutar pelo desenvolvimento de nossa sistematicidade jurídica em busca do axioma da justiça social.

O despertar é agora, devemos todos encarar o direito não primeiro como fonte de renda, mas sim de uma enorme satisfação em tentar, pelo menos tentar, construir e desconstruir os basilares da sistematicidade jurídica em busca de uma satisfação como cidadãos inseridos numa sociedade na qual a democracia deve ser amadurecida, e difundida por todas as veias organizativas, e não uma pragmática esperança.

Um teste prático da mentalização das escolhas de um jurista: imagine-se em uma sala totalmente vazia, que você tenha que construir obedecendo a seguinte metodologia: 

1) As paredes serão pintadas de uma cor que demonstre sua aptidão ideológica;

2) Agora acrescente a seguinte modificação nesta sala imaginativa: 

Um lado das paredes sumirá por completo dando lugar a um vazio, neste vazio você preencherá com pessoas. Não quaisquer pessoas, mas os atores sociais que você identifica como reais detentores de poder de inserção de mudanças na sociedade.

Certo, lembre que você está no meio da sala de frente ao espaço preenchido pelas pessoas escolhidas por você.

Agora, como uma sala não é composta deste “estranho vazio”, feche a parede e de à ela uma forma de contato visual com as “escolhidas” pessoas do outro lado.

3) Feito isto; vire-se para um outro lado da parede, diferente do “estranho vazio”. A partir do inicio desta parede você imaginará um lugar para colocar, em sua opinião, as melhores obras científicas.

4) Em uma outra parede imagine uma tela de pintura que represente os valores da sociedade do futuro.

5) O tamanho da sala será proporcional a sua ambição financeira;

6) Agora no meio da sala você colocara uma mesa de estudos. Imagine para que lado sua visão estará voltada quando estiver estudando. 

Posto isto, proponho um modelo de resposta que apresente uma acepção de um real jurista, indubitavelmente suscitador de críticas.

1) A cor da sala deve ser branca, pois a neutralidade ideológica, mesmo como tendência, é meta a ser buscada por aquele que visa a verdade cientifica. 

2) As pessoas escolhidas, quanto mais de aproximar do povo, melhor a concepção democrática do jurista. O povo é o responsável pela mudança.

3) As obras representaram a base teórica do jurista. Um acervo bibliográfico completo deve conter clássicos, atuais, mas, sobretudo modernos, pois são estes que impõem ao conhecimento humano os próximos passos.

4) Nos dias atuais, muita ambição representa o afastamento dos princípios base de atuação do jurista, e, a curta ambição representa assim como numa sala muito aperta o achatamento completo das idéias.

5) Os valores representam um ideal pretendido a ser concretizado no futuro. Um jurista sem valores é uma linha que não tem caminho e se curva ao menor obstáculo.

6) Os estudos devem ser direcionados aos valores pretendidos para a concreção dos valores da sociedade do futuro, com as pessoas escolhidas como sua base, e, os livros como seu braço direito. 

A parede que sobra destina-se a porta para aqueles que acreditam que um jurista deva estar livremente descomprometido de todas estas questões.

Temos a imperfeição como essência, assim nada criado pelo homem será insuscetível desta natureza, acreditar num operador do direito como máquina e num sistema jurídico como algo orgânico (completo para o fim que se destina) é perfeitamente humano.

 


 

Notas:

[1] “Kant conclui a reviravolta fundamental do pensamento ocidental aberto por Descartes (…) Projeta duas linhas de descendência: uma que resulta na diminuição ideal de direito, caracterizando uma vertente axiológica cuja idéia central é a de liberdade, que no direito assume a forma da justiça; outra, que arremata o traço positivista do direito, cujo conceito basilar é a segurança. Joaquim Carlos Salgado. “Prefácio” . In: Gomes, Alexandre Travessoni. O fundamento da validade do direito. Kant e Kelsen. BH: Mandamentos, 2000. p.9

[2] Adin n. 1158-8/AM. 

[3]Operador s.m. 1.2 aquele que executa operações técnicas definidas, que se dedica a algum tipo de manipulação; 1.3 indivíduo encarregado de operar, de fazer funcionar máquinas, aparelhos, sistemas etc.(…) Mecanicista adj. FIL relativo a mecanicismo ou que é seu adepto ou seguidor.  Mecanicismo s.m. FIL 1 doutrina filosófica, também adotada como princípio heurístico na pesquisa científica, que concebe a natureza como máquina, obedecendo a relações de causalidade necessárias, automáticas e previsíveis …(…) Tecnocrata 2 estadista ou alto funcionário que busca apenas soluções técnicas ou racionais para os problemas, sem levar em conta aspectos humanos e sociais”.”In: HOUAISS, Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.  p. 1875, 2069 e 2683.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Bruno J. R. Boaventura:  advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT; Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Campo Novo do Parecis, e Associações ligadas a radiodifusão comunitária;    Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso;  Autor de diversos estudos publicados em diversos sites e revists jurídicas. Participou  do Fórum de Discussão dos Objetivos do Milênio no Grupo da Educação, organizado pelo Programa das Nações Unidas para do Desenvolvimento – PNUD, como representante da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso; É Presidente da Câmara Setorial Temática da Assembléia Legislativa de Mato Grosso para discussão do Conselho Estadual de Justiça.  E-mail: bovadv@terra.com.br


Prazo de 15 dias para pagamento de condenação independe de intimação pessoal

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DECISÃO: * STJ –  Na esteira do seu papel de uniformizador da interpretação da lei federal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que independe de intimação pessoal a contagem do prazo de 15 dias para pagamento de condenação de quantia certa, após o que será acrescida a multa de 10% prevista no Código de Processo Civil (CPC, artigo 475-J).

O tema chegou pela primeira vez ao Tribunal e foi julgado na Terceira Turma, sob a relatoria do ministro Humberto Gomes de Barros. Os ministros determinaram que o termo inicial dos 15 dias previstos na lei deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo, independentemente de nova intimação do advogado ou do devedor para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação.

“O bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação”, afirmou o ministro Gomes de Barros em seu voto. E segue: “Se, por desleixo, omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele (o advogado) deve responder por tal prejuízo”.

A Lei n. 11.232/2005 reformou o processo de execução, simplificando formalmente o seu procedimento, na busca de maior agilidade. O ministro relator explicou que a reforma no CPC teve como objetivo imediato tirar o devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória. De acordo com o ministro Gomes de Barros, foi imposto ao devedor o ônus de tomar a iniciativa e cumprir a sentença rapidamente e de forma voluntária.

No recurso em discussão, a Companhia Estadual de Distribuição de Energia (CEEE-D), do Rio Grande do Sul, pretendia a reforma de uma decisão do Tribunal de Justiça estadual que confirmou a aplicação da multa de 10%, prevista no CPC, sobre o total devido a um grupo de agricultores em uma ação de cobrança. Moradores do município de Canguçu (RS), eles cobravam valores gastos para implantar uma rede de distribuição de energia nas áreas rurais em que se localizam seus imóveis.

Depois de julgada a ação de cobrança, o valor devido pela empresa foi calculado em R$ 32.236,00. A guia para pagamento foi recebida pela CEEE-D em 22 de agosto de 2006. Ocorre que o pagamento ocorreu 17 dias após a ciência do valor a que foi condenada, portanto dois dias após o prazo estabelecido pela lei.

A aplicação dessa multa foi contestada pela CEEE-D, primeiramente no TJ/RS e, em face do insucesso, no STJ. A empresa alegou que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro tem entendimento contrário, no sentido de que a multa de 10% não incide se o réu não foi intimado pessoalmente para cumprir a sentença. A decisão da Terceira Turma serve, agora, de paradigma para os demais tribunais.   REsp 954859/RS

 


 

FONTE:  STJ, 20 de agosto de 2007.

A locação de imóveis e os tribunais em 2007

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  * Jaques Bushatsky 

Quando se enxerga com clareza a relação locatícia, permite-se a rápida satisfação das exigências da população e, é lógico, o incremento dos investimentos, o aumento da quantidade de imóveis para locação. É esta a trilha que vem sendo percorrida pelo Judiciário brasileiro, como se vê:

Estímulo à solução negociada: quanto às ações revisionais e renovatórias, que retratam situações naturalmente receptivas a acordos, têm sido bem solvidas (quando não, antes, em Câmaras de Mediação) em audiências ou sessões do Setor de Conciliação (atuante em S. Paulo desde a vigência do Provimento 893 de 2004, do Conselho Superior da Magistratura). Assim, é alcançada a economia de tempo e de custos, minorados os desgastes das partes.

Velocidade das execuções: nas hipóteses em que não se alcança acordo, basicamente aquelas em que ocorre inadimplemento, o Judiciário parece estar entendendo cada vez melhor, a crise que decorre da demora do despejo e da cobrança dos valores devidos, aplicando, tranqüilamente, a Lei 11.232/05 (em vigor desde junho de 2006), fortalecendo a execução de sentenças ao prever pena ao executado que não honre seu débito.

Quanto à retomada do imóvel, uma vez decretado o despejo por falta de pagamento, a jurisprudência consolidou-se (para atendimento de exigência inserta na lei) no aceitar em caução, o crédito do locador ante o locatário, objeto da própria ação judicial, assim permitindo o imediato despejo, quando o devedor ofereça recurso de apelação. É mais uma medida que empresta velocidade ao processo, a par de superar aquela incoerente situação, devida a lapso presente na lei, de obrigar o credor (locador) a depositar em juízo, até 12 aluguéis, para poder despejar o imóvel, inconsistência lógica que obrigou advogados prestarem muitas e longas explicações a seus constituintes.

Pressa nas soluções concretas: é crescente a aplicação da “tutela antecipada” nas hipóteses em que o direito do locador esteja bem exposto e provado, a par de demonstrado o prejuízo que decorreria da postergação da ordem judicial.

Desenha-se, aliás, a admissão das ações de despejo em juizados especiais, o que garantirá maior velocidade e evidente economia aos interessados. Vamos aguardar, quanto a este tópico, a aprovação de projeto de lei em curso.

Imediato julgamento dos casos de falta de pagamento: observada a quantidade de ações ajuizadas em São Paulo (cerca de 2.000 ações a cada mês), verifica-se que em 90% delas, se cuidou do puro e simples inadimplemento de aluguéis. Nessa modalidade, nota-se que é melhor abandonar a tentativa judicial de conciliação que finda se mostrando infrutífera, para que se proceda ao imediato despejo.

E as razões para o imediato julgamento dessas causas são simples: por primeiro, é notório que antes de promover a ação, o locador procura receber seu crédito, valendo-se no mais das vezes, de imobiliárias extremamente bem capacitadas para os necessários contatos e parcelamentos; por segundo, é fácil constatar que ultrapassado algum tempo desde o inadimplemento, o inquilino que se atrapalhou economicamente, raramente terá meios de solver o débito acumulado; por terceiro, a prorrogação do inadimplemento abala terrivelmente o orçamento do locador (sempre lembrado que a maciça maioria dos locadores tem no aluguel, influxo essencial da composição de sua renda familiar); por quarto, o alongamento do processo finda onerando os fiadores ou esgotando a caução oferecida em garantia da locação.

Validade das garantias: é impossível esquecer a consolidação do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que confirmou prevalecer a fiança até a entrega das chaves, abandonando a interpretação de que a responsabilidade se esgotaria ao fim do prazo certo avençado no contrato. Com isso, singelamente, se confirmou que vale o que o fiador prometeu ao conceder a garantia: responde até o fim da locação, ou seja, sua palavra vale. Não é demais anotar que essa firmeza decorre de claríssima disposição da Lei de Locações.

Em acréscimo, está bastante firme a convicção de que não se aplica ao imóvel do fiador, o benefício previsto na lei de impenhorabilidade do bem de família, assegurando-se deste modo o cumprimento do contrato, exatamente como expresso na legislação.

Supressão de discussões sem base legal e punição da litigiosidade frívola: ninguém mais se engana com alegações estapafúrdias, pois as locações imobiliárias estão bem disciplinadas e suas regras, consolidadas. Os Tribunais já assentaram, por exemplo, que o IPTU é pago pelo inquilino, se tal for contratado; que o inquilino não vota em assembléias de condomínio se brandir tão somente esta qualidade, de locatário (não obstante franqueada sua participação caso porte procuração do condômino); afastaram alguns questionamentos esdrúxulos acerca da operação do seguro de fiança locatícia, perfeitamente normatizado; estão bem clareadas as responsabilidades pelas despesas condominiais, respondendo o locatário somente por aquelas ordinárias; graças à disseminação da cultura sobre a lei, já não se empresta crédito a alegações do gênero “eu não sabia”, “eu não entendi”, “pensei que fosse diferente”, “foi prometido algo diferente do que foi escrito” e outras evasivas tradicionalmente derrubadas na fase instrutória dos processos judiciais. E, é crescente a punição, calçada na legislação processual, pela litigância de má-fé, da qual não escapa a dedução de frivolidades.

Portanto, é positivo o balanço do tratamento dado pelos Tribunais às ações locatícias.  Indubitável, os juízes conseguiram, aplicando a lei, pacificar a sociedade, no que tange à locação de imóveis, certeza que merece ser proclamada.

E, se é verdade que persiste o problema da morosidade dos processos é, igualmente verídico, que esse mal assola todo e qualquer procedimento judicial, e somente será resolvido com robustos investimentos que permitam o aperfeiçoamento do funcionamento do Poder Judiciário. Esta deverá ser a próxima meta a perseguir, aberto, de resto, o caminho para que, superados aqueles entraves que haviam se feito folclóricos, se poder pensar e estudar, a contemplação legislativa de novas modalidades de locação.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Jaques Bushatsky é advogado e membro titular da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB/SP e diretor da  MDDI Mesa de debates de Direito Imobiliário

Danos Morais por descumprimento contratual

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* Ricardo Calil Fonseca –

A generalização de uma idéia, de uma posição interpretativa, doutrinária, não é garantia de acerto, de segurança.  Parafraseando o dramaturgo Nelson Rodrigues, toda unanimidade é passível de erro. Mas a tendência de padronizar tem seu lado positivo, ao permitir solucionar rapidamente as controvérsias.  

Como ilustração, no campo jurídico, diz-se em uníssono, que nos casos de acidente de trânsito, quem bate por trás, incorre em culpa. Mas na realidade, dá-se o inverso, se o veículo que vai à frente não emite sinalização de freios, ou seu condutor realiza uma manobra brusca, radical, irregular, dentre outros fatores, que podem excluir a culpabilidade de quem segue atrás adequadamente.

As ações versando sobre reparação por danos morais, atualmente se avolumam nos tribunais, e como novidades que são do ponto de vista histórico, têm despertado bastante interesse, expectativa exagerada, e críticas ácidas dos que as vê como mecanismo estranho, a fomentar uma suposta indústria de indenizações.  

O reposicionamento jurídico em relação à dignidade do ser humano ganhou força a partir da Constituição Federal de 1988, somado ao Código de Defesa do Consumidor de 1990 e o Código Civil de 2003, tornando a ferramenta da indenização por danos morais, uma eficiente didática para o ofensor, que responde com seu patrimônio, para pelo menos aplacar, o sofrimento causado ao ofendido.

Nestas quase duas décadas, a jurisprudência já firmou alguns pontos a este respeito, oscilando noutros; como em relação ao valor que deve corresponder aos variados casos de condenação por danos morais; tramitando sobre isto, projeto de lei do Senado Federal (n.º 7124/2), objetivando a criação de parâmetros para a fixação dos valores.

Quanto às hipóteses de cabimento da indenização, tem havido acentuada resistência dos tribunais em considerar como danos morais, o descumprimento de contrato, especialmente nas relações individuais, como retrata este trecho da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “1. Esta Corte já decidiu não ter cabimento a indenização por danos morais decorrente do descumprimento de contrato de compra e venda de imóvel.” (STJ AgRg no Ag 442548/RJ DJ 21.10.2002).

No entanto, a posição tem sido diferente nos contratos regidos pelo Código de Defesa do Consumidor. Eloqüente exemplo o das ações movidas pelos que sofreram as agruras do caos aéreo, por longos atrasos nas viagens, além dos casos de extravio de bagagem, tendo sido favorável o entendimento que, neste caso, decorrente de violação do contrato de transporte, é pertinente a indenização por danos morais.

Comportável daí, a seguinte reflexão: Seria o sofrimento, a dor, de quem é vítima de um atraso de vôo, maior do que daquele que vende um imóvel, ou um veículo, fruto de vários anos de trabalho, e apesar de portar uma promessa documental do respectivo pagamento, não tem seu contrato cumprido?

Apesar de subjetiva a avaliação do sofrimento de cada um nas diversas situações da vida, a violação contratual, já integra a presunção, de que a seqüência de um ou mais negócios que normalmente acontece, foi interrompida; tal como ocorre quando alguém vende um bem para saldar vários compromissos, e não recebe, ficando assim, sem condições de honrá-los. Não é raro que nestes casos, a parte prejudicada  padeça com preocupação, angústia, insônia, e até distúrbios emocionais, que não podem ser reparados pelo estrito cumprimento do contrato em juízo.

Assim, com a devida licença, exceto havendo cláusula contratual de renúncia ao direito de reparação por danos morais, não há impedimento, ao inverso, a disposição do art. 186 do Código Civil é expressa, que, violado um direito, ainda que exclusivamente moral, ocorre o ilícito, ao qual corresponde o direito de reparação.                                   


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Ricardo Calil Fonseca, é Advogado em Itaberaí, Goiás, atuante desde 1992, nas áreas: cível e trabalhista, inscrito na OAB/GO sob nº. 12.120.  Pós-graduado em direito do trabalho, pelo convênio Universidade Católica de Goiás/PUC-SP.

Posição do STF ante ao “Nepotismo”

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OPINIÃO: * Sandra Scaramal – O eminente ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, relator da Ação Direita de Constitucionalidade (ADC) nº 12, a qual teve procedência reconhecendo a Constitucionalidade da Resolução nº 7/05 emanada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu voto, reconhece que: “É possível concluir que o spiritus rectus da Resolução do CNJ é debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado. Princípios como: I – o da impessoalidade, II – da eficiência, III – da igualdade.”

E neste mesmo sentido o referido ministro conclui que: “É certo que todas essas práticas também podem resvalar, com maior facilidade, para a zona proibida da imoralidade administrativa (a moralidade administrativa, como se sabe, é outro dos explícitos princípios do art.37 da CF). Mas entendo que esse descambar para ilícito moral já é uma conseqüência da deliberada inobservância dos três outros princípios citados. Por isso que deixo de atribuir a ele, em tema de nepotismo, a mesma importância que enxergo nos encarecidos princípios da impessoalidade, da eficiência e da igualdade.”

A crise da legalidade formal, a ascensão normativa da Constituição e as transformações do Estado contemporâneo deram nova feição à ação administrativa. A Constituição, como se sabe, atribui competências de forma direta ao agente público, bem como estabelece parâmetros a serem por ele observados. O Estado social contemporâneo é um agente ativo, que presta serviços e regula atividades, vinculando-se a realização de fins definidos pelo texto constitucional. A lei formal, incapaz de atender com presteza às demandas desses novos Estado e Sociedade, deixou de ser a única fonte de atos normativos ou a única intermediária entre a Constituição e os atos concretos de execução, sendo muitas vezes, ela mesma, fonte de delegação de poderes normativos para instâncias administrativas.

A ausência de lei específica detalhando o sentido de cada um desses princípios não isenta o agente público de observá-los e, menos ainda, de dar cumprimento ao seu conteúdo essencial. No caso, é bem de ver, há inclusive lei formal dispondo nesse sentido: o artigo 11 da Lei nº 8.429/92, como se sabe, identifica e pune como ato de improbidade ações ou omissões que violem os republicanos princípios da administração pública, dentre eles: os da impessoalidade, eficiência, igualdade, sobretudo, e moralidade.

Sob a ótica da Administração Pública, não há dúvida, atos praticados com violação aos princípios da impessoalidade, eficiência, igualdade e da moralidade – sejam nomeações, sejam contratos – são inválidos e não só podem como devem ser assim declarados pela Administração, e devem ser desfeitos. Não há quaisquer direitos que se oponham a tal comando.


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA:

Sandra Scaramal: advogada e pós graduanda em Direito Constitucional