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JUSTA CAUSA DESCARACTERIZADA2ª Turma do TRT-GO afasta justa causa por embriaguez

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DECISÃO:  *TRT-GO –  Em decisão unânime, a Segunda Turma do TRT de Goiás reformou parcialmente sentença de primeira instância para afastar a dispensa por justa causa de empregado que chegou ao trabalho embriagado. O reclamante havia sido punido com suspensão imediata e dispensado por justa causa no dia seguinte.

Segundo o relator do processo, desembargador Saulo Emídio dos Santos, a recorrida cometeu “o imperdoável equívoco em aplicar dupla punição pela mesma falta, violando, com isso, o princípio do non bis in idem”.

Assim, considerou que a dupla punição foi suficiente à descaracterização da justa causa tida como válida no primeiro grau. Para o julgador, houve rigor excessivo na ação da reclamada. “Se o empregado foi suspenso, não pode, posteriormente ou simultaneamente, ser dispensado, sob pena de se legitimar um excesso patronal intolerável”, argumentou.

Ao afastar a dispensa por justo motivo, a Segunda Turma condenou a empresa ao pagamento das verbas rescisórias como aviso prévio, férias proporcionais acrescidas do abono constitucional de 1/3, 13º salário, FGTS com acréscimo de 40% e fornecimento do Termo de Rescisão do Contrato de Trabalho (TRCT).


FONTE:  TRT-GO, 13 de dezembro de 2007.

A possibilidade ou não, diante da concepção por técnica de reprodução assistida heteróloga, do filho(a) conhecer sua origem genética

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* Carlos Alberto Ferreira Pinto 

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A normatização jurídica – 3. Os direitos e garantias fundamentais – 4. A colisão de princípios constitucionais – 5. Conflitos na aplicação dos princípios – 6. Conclusão.

 


 

1. INTRODUÇÃO

A entrada em vigor do Novo Código Civil brasileiro de 2002 incitou debates em assuntos que nunca antes tinham sido cogitados no nosso ordenamento jurídico, como é o caso referente ao biodireito, no aspecto quanto à filiação decorrente de reprodução assistida heteróloga, pois na vigência do antigo Código Civil de 1916 tal situação era inimaginável, e agora se torna fato concreto, frente aos avanços científicos que se implantaram no decorrer do século passado.

Com a evolução da engenharia genética, modificou-se a idéia que até então se tinha sobre maternidade e paternidade, e conseqüentemente no que tange as relações de parentesco. Dessa forma surge a reprodução assistida, para aqueles casais que desejavam ter filhos, mas tinham problemas de infertilidade ou de esterilidade, encontram agora possibilidade da realização de seu desejo, qual seja, a formação de uma família, na plena acepção da palavra. Fulcrada em corrigir essas anomalias a engenharia genética desenvolveu métodos artificiais que são as técnicas de reprodução assistida. O uso de qualquer dessas técnicas pode se dar de forma homologa, quando o material genético for do casal interessado na reprodução, ou heteróloga, quando na impossibilidade, de um ou de outro, seja necessária a utilização de material genético de terceiros para que ocorra a reprodução.

Mas se por um lado, o avanço cientifico é inegável, por outro também se contrapõem questões de cunho moral, ético, psicológico, religioso e jurídico, para as quais ainda se buscam respostas, na falta da normatização adequada.

2. A NORMATIZAÇÃO JURÍDICA

Na vigência do Código Civil de 1916 o art. 338 estabelecia a presunção da concepção na constância do casamento dos filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal, em seu inciso I, e, no inciso II, os nascidos dentro dos 300 dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.

Inovador, o Novo Código Civil de 2002, em seu art. 1597, acrescentou mais três incisos para a presunção de paternidade/maternidade, o legislador adequou a norma, frente aos avanços científicos, tendo em destaque as novas técnicas de reprodução assistida, como se destaca:[1]

Art. 1597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Na verdade os novos dispositivos acrescentados revelam omissão legislativa, pois não autorizam e nem regulamentam a reprodução assistida, certamente atribuída à novidade do tema. Nesse aspecto o doutrinador Silvio de Salvo Venosa[2] assevera que

(…) advirta-se, de plano, que o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema. 

Dentre outras, a grande controvérsia reside nos efeitos pessoais da reprodução heteróloga, que é a possibilidade ou não da pessoa concebida ter acesso a sua identidade genética.

Nesse sentido a resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina[3], no seu inciso IV, nos 2 e 3, prevê:

2. Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores ou vice-versa.

3. Obrigatoriamente será mantido o sigilo sobre a identidade dos doadores de gametas e pré-embriões, assim como dos receptores. Em situações especiais, por motivação médica, podem ser fornecidas exclusivamente para médicos, resguardando-se a identidade civil do doador.  

Dessa forma, entende o Conselho Federal de Medicina que deve ser mantido não só o anonimato do doador, mas também o sigilo do casal que busca as técnicas de reprodução assistida, de modo a resguardar o direito à intimidade das pessoas envolvidas (artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal) frente à coletividade. O sigilo se justifica diante das conseqüências que a divulgação das informações poderia gerar para a pessoa que dessa forma foi concebida, facilitando a integração da criança à família, impedindo a intervenção de terceiros na sua formação e o tratamento discriminatório da sociedade.

Guilherme Calmom Nogueira da Gama[4] corrobora a normativa do Conselho entendendo que:

(…) o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens. 

Já Belmiro Pedro Welter[5] de forma contrária entende que:

(…) não importa se a reprodução é natural ou medicamente assistida. Em qualquer caso, os filhos e os pais possuem o direito de investigar e, até mesmo, negar a paternidade biológica, como parte integrante de seus direitos de cidadania e dignidade da pessoa humana. Em caso de interesse do filho o anonimato deveria ser desocultado, uma vez que não participou do acordo entre os doadores e os receptores. 

Certamente a questão é controvertida, envolvendo direitos fundamentais, de um lado o direito dos doadores a preservação do anonimato, lastreado pelo princípio constitucional do direito a intimidade e a privacidade, de outro lado o direito das pessoas concebidas na reprodução heteróloga de conhecerem a sua identidade genética, funda-se no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, no aspecto do conhecimento de sua ascendência genética. Verdadeiro choque de princípios constitucionais. 

3. OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais têm a função de direitos de defesa dos cidadãos e estão presentes em vários ordenamentos jurídicos, tendo como base a Declaração Universal dos Direitos do Homem, realizada em Paris, no ano de 1948, cuja realização se deu pelos esforços da Organização das Nações Unidas, ONU.

Segundo Marcelo Galante[6] a doutrina moderna classifica os direitos fundamentais em quatro gerações de direito.

Os direitos de primeira geração são os direitos e garantias individuais propriamente ditos, verdadeira defesa do indivíduo contra atividades arbitrárias do Estado, cujo marco histórico foi a edição da Magna Carta de 1215, imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem-Terra, se exprimem no direito a vida, à liberdade, à intimidade.

Os direitos de segunda geração, surgidos no século XX, são os direitos sociais, econômicos e culturais, como a proteção ao trabalho e o amparo a velhice. Assim não basta a previsão de defesa do indivíduo contra o Estado; este também tem obrigação de exercer sua atividade estatal em busca da dignidade da pessoa humana e do bem comum, pois para isso foi idealizado.

Os direitos de terceira geração são direitos que transcendem a figura do indivíduo, pensando no futuro da sociedade como um todo, como o direito à paz e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, inclusive para as futuras gerações.

Os direitos de quarta geração são os denominados direitos transindividuais, ou seja, que implicam nos interesses de um grupo de pessoas, como são os interesses difusos e coletivos. 

Neste ponto reside a grande controvérsia, focada no Direito de Família, a colisão entre princípios constitucionais, de um lado o direito a intimidade onde figura a pessoa do doador de material genético, do outro lado o direito ao conhecimento da ascendência genética, direito a identidade, onde figura a pessoa concebida pelas técnicas de reprodução assistida heteróloga.

O direito ao conhecimento de ascendência genética e o direito a intimidade são em primeiro lugar direitos humanos, são direitos fundamentais da personalidade, garantidos em nosso ordenamento jurídico.

Na proteção do doador de material genético na reprodução assistida heteróloga atua o direito a intimidade, determinado no art. 5º, inc X da CRFB/88[7]:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

 Reside o direito à intimidade na subtração do conhecimento alheio e visa impedir qualquer forma de divulgação dos dados de nossa existência sem a devida autorização da pessoa, todos têm o direito à reserva sobre o conhecimento sua vida intima. De forma que na reprodução assistida heteróloga o doador tem o direito de manter em segredo a sua identidade, de forma a não tornar público o seu ato.

Também se encontra garantido no nosso ordenamento jurídico o direito da pessoa concebida, em reprodução assistida heteróloga, ao conhecimento de sua ascendência genética. Há entendimento doutrinário de que esse direito é decorrente na disposição do art. 227, §6º da CRFB/88:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

 A norma determina a igualdade em direitos a todos os filhos, dessa forma, deve-se dar à pessoa gerada pela reprodução assistida heteróloga o direito de conhecer a sua origem genética, igualitariamente a outro indivíduo que nasceu dentro dos padrões de normalidade da concepção. A tutela desse direito ao conhecimento de sua origem genética assegura o direito da personalidade, direito à prevenção da própria vida. O direito a identidade é um direito personalíssimo, irrenunciável e imprescritível, sendo insuscetível de ser obstaculizado.

Não se tem dúvida no entendimento de que os dois direitos em destaque encontram amparo na Constituição de 1988, o que a doutrina e jurisprudência convencionaram chamar de colisão de direitos fundamentais. 

4. A COLISÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUICIONAIS

O ordenamento jurídico pátrio encontra alicerce nas normas jurídicas, estas se subdividindo em princípios e regras, espécies do gênero norma. Os princípios possuem um grau de abstração maior que as regras, de suma importância na solução de conflitos. A solução da antinomia entre princípios constitucionais reside na ponderação e na harmonização, já as regras contem fixações normativas definitivas, sendo, portanto inviável a sustentação da validade de regras antagônicas. A doutrina e a jurisprudência pregam que na colisão de direitos fundamentais devem ser aplicados três princípios, que poderão ser utilizados como parâmetros para que se estabeleça prevalência de um ou de outro. Tem aplicação o princípio da unicidade da constituição, o princípio da proporcionalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana. 

No princípio da unicidade ocorre um juízo de ponderação que tem por escopo preservar ao máximo os direitos e bens constitucionais protegidos.

O princípio da proporcionalidade será aplicado definindo o princípio que deve ser utilizado de acordo com os fins pretendidos, então, afastar-se-á um direito já que outro protege um bem superior e mais adequado ao caso concreto.

Por fim, se não for possível se chegar à solução desejada com a aplicação dos dois princípios anteriores, deve-se recorrer ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que a totalidade dos direitos fundamentais tem por objetivo a proteção da dignidade da pessoa humana, o valor da pessoa como motivo de existência de um regramento jurídico, prevalecendo aquele que em maior grau a defenda.

Certo é que a colisão de princípios constitucionais deverá ser verificada no caso concreto. 

5. CONFLITOS NA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

Em primeiro lugar, temos a necessidade da pessoa concebida necessitar de alguma informação genética relativa ao seu ancestral biológico, que seja indispensável a preservação de sua saúde.

Guilherme Calmom Nogueira da Gama[8] entende que:

(…) o anonimato das pessoas envolvidas deve ser mantido, mas devem ceder à pessoa que resultou da técnica concepcionista heteróloga, diante do reconhecimento pelo Direito brasileiro dos direitos fundamentais à identidade, à privacidade e à intimidade, podendo a pessoa ter acesso às informações sobre toda a sua história sob o prisma biológico para o resguardo de sua existência, com a proteção contra possíveis doenças hereditárias, sendo o único titular de interesse legítimo para descobrir suas origens.

Em contrapartida Belmiro Pedro Welter[9] defende que:

(…) não importa se a reprodução é natural ou medicamente assistida. Em qualquer caso, os filhos e os pais possuem o direito de investigar e, até mesmo, negar a paternidade biológica, como parte integrante de seus direitos de cidadania e dignidade da pessoa humana. Em caso de interesse do filho o anonimato deveria ser desocultado, uma vez que não participou do acordo entre os doadores e os receptores. 

Num segundo ponto a pessoa concebida pela técnica de reprodução assistida heteróloga pode ter o desejo de apenas conhecer a sua identidade genética pela falta de um pai ou de uma mãe, juridicamente reconhecidos, nesse caso, o interesse da pessoa concebida conhecer a identidade genética, somente deve ter prevalência quando comprovadamente se tenha a necessidade de caráter psicológico. Nesse sentido entende José Roberto Moreira Filho[10] que:

(…) ao legar ao filho o seu direito de conhecer a sua verdadeira identidade genética, estamos reconhecendo-lhe o exercício pleno de seu direito de personalidade e a possibilidade de buscar nos pais biológicos as explicações para as mais variadas dúvidas e questionamentos que surgem em sua vida, como, por exemplo, as explicações acerca da característica fenotípica, da índole e do comportamento social. 

Num terceiro ponto temos a questão de que o conhecimento da origem genética como fator preponderante para que seja evitada a formação de vínculos parentais em desacordo com a normativa do Código Civil, onde o conhecimento da identidade genética do doador impediria que irmãos, nascidos do mesmo doador, ou o próprio doador e um filho ou filha, viessem a contrair casamento por desconhecimento das suas origens genéticas. Nesse caso prepondera o direito fundamental ao conhecimento da identidade genética, em detrimento do direito à intimidade do doador, sendo a dignidade da pessoa humana garantida e se atendendo a normativa do Código Civil em relação aos impedimentos matrimoniais.

Ainda se pode cogitar que o desejo de conhecimento da identidade genética seja para desconstituir vínculo parental estabelecido por motivos meramente financeiros ou por descontentamento com a instituição familiar. A doutrina nesses aspectos é unânime na manutenção do anonimato do doador, vez que nesses casos o conhecimento não defenderia a dignidade da pessoa humana, mas interesses meramente financeiros da pessoa concebida e por outro lado ferindo a dignidade dos pais estabelecidos, que após anos de dedicação em prol do filho, teriam deste apenas um ato de ingratidão. E nesse sentido apregoa José Roberto Moreira Filho[11] que:

(…) o direito ao reconhecimento da origem genética não importa, igualmente, em desconstituição da filiação jurídica ou socioafetiva e apenas assegura a certeza da origem genética, a qual poderá ter preponderância ímpar para a pessoa que a busca e não poderá nunca ser renunciada por quem não seja o seu titular.

6. CONCLUSÃO

Ser pai ou mãe, atualmente, não é apenas ser a pessoa que gera ou a que tem vínculo genético com a criança. É, antes disso, a pessoa que cria, que ampara, que dá amor, carinho, educação, dignidade, ou seja, a pessoa que realmente exerce as funções de pai ou de mãe em atendimento ao melhor interesse da criança.

A filiação, portanto, não se estabelece apenas em face do vínculo biológico, mas principalmente em face do vínculo sócio-afetivo que atende mais ao princípio do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa humana e também da paternidade responsável.

O direito ao reconhecimento da origem genética não importa, igualmente, em desconstituição da filiação jurídica ou sócio-afetiva e apenas assegura a certeza da origem genética, a qual poderá ter preponderância ímpar para a pessoa que a busca e não poderá nunca ser renunciada por quem não seja o seu titular.

O Conselho da Justiça Federal[12] na Jornada de Direito Civil, STJ, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal – CJF, no período de 11 a 13 de setembro de 2002, sob a coordenação científica do Ministro Ruy Rosado, do STJ, aprovaram diversos enunciados, dos quais destacamos o de nº 104 que de descreve: 

104 – Art. 1.597: no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) de vontade no curso do casamento.

 O que corrobora o entendimento de que o conhecimento da origem genética não se traduz na desconstituição da filiação jurídica ou socioafetiva.

Portanto, entendemos que o conhecimento da identidade do doador de material genético, na técnica de reprodução medicamente assistida heteróloga, depende faticamente da ponderação dos princípios constitucionais envolvidos no caso concreto, uma vez que os direitos fundamentais têm como escopo a proteção integral à dignidade da pessoa humana. Não há dúvidas de que na maioria das hipóteses aventadas prepondera o interesse ao conhecimento da identidade genética da pessoa. Carece ainda o ordenamento jurídico de lei que venha a regulamentar a aplicação de técnicas de reprodução assistida, para que se atenda precipuamente a finalidade constitucional do planejamento familiar, para que este não seja alvo de mercantilismos, mas sim como meio de efetivação do direito a reprodução para aquelas pessoas que sofrem de problemas de infertilidade ou de esterilidade. É certo que este artigo não tem o condão de esgotar o tema abordado. 

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NOTAS

[1] BRASIL Código Civil. Organizador Yussef Said Cahali, 6. ed. Rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2006.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 5. ed. v. 6. São Paulo: Atlas, 2005. p. 256.

[3] Conselho Federal de Medicina. Resolução n.º 1.358, de 11 de novembro de 1992. Publicado no D.O.U. em 19.11.92. Disponível em < http://www.portalmedico.org.br/ resolucoes/cfm/ 1992/1358_1992.htm. Acesso em: 21.09.2007.

 [4] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 803.

[5] WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e sócio-afetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 231.

[6] GALANTE, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Barros, Fischer & Associados, 2005. p. 48.

[7] BRASIL Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

 [8] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A reprodução assistida heteróloga sob a ótica do novo código civil. Revista dos Tribunais. São Paulo, v. 817, n. 92, p. 11-34, nov. 2003.

[9] WELTER, Pedro Belmiro. op.cit. p. 157.

[10] MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002.

[11] MOREIRA FILHO, José Roberto. op. cit.

[12] Conselho Federal de Medicina. op. cit.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, Código Civil. Organizador Yussef Said Cahali, 6. ed. Rev., atual e ampl. São Paulo: RT, 2006. 

BRASIL Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

GALANTE, Marcelo. Direito Constitucional. São Paulo: Barros, Fischer & Associados, 2005. p. 48.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. A nova filiação: o biodireito e as relações parentais: o estabelecimento da parentalidade-filiação e os efeitos jurídicos da reprodução assistida heteróloga. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 803.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 5. ed. v. 6. São Paulo: Atlas, 2005. p. 256.

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 231.

PERIÓDICOS

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1.358, de 11 de novembro de 1992. Publicado no D.O.U. em 19.11.92. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/resoluções/cfm/1992/1358_1992.htm. Acesso em: 21.09.07.

MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Acesso em: 21.09.07.

 


REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

CARLOS ALBERTO FERREIRA PINTO: Bacharel em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduando em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Empresarial pela FESUDEPERJ (Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro).

 

 

O Planejamento Urbano e o futuro das cidades, face à Lei n 10.257/2001

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*Clovis Brasil Pereira

Sumário:  1. Introdução      2.  Desenvolvimento sustentável e função social da cidade      3.  A gestão democrática como meio de pressão e fiscalização     4.  A importância do planejamento, como fator do  Desenvolvimento Urbano   5.  Instrumentos disponíveis à Aplicabilidade do Estatuto da Cidade    6. O Plano Diretor    7.  Plano plurianual, diretrizes orçamentárias  e outros.    8.  Parcelamento, uso e ocupação do solo    9.  Zoneamento ambiental   10.  Gestão orçamentária participativa    11. Fiscalização e controle da gestão do Plano Diretor.     12.  Conclusão   13.  Bibliografia

 

1.   Introdução

Promulgada a Constituição Federal em 1988, teve início em 1990, no  Congresso Nacional, a tramitação do   Projeto de Lei nº 5.788/90, que  após onze anos,  foi afinal  aprovado e transformado,  na Lei nº 10.257/2001,  denominada de Estatuto da Cidade, que traça as diretrizes gerais para o ordenamento urbano,  com objetivo de dar uma nova configuração às cidades brasileiras,  conforme explicitado na Carta Magna.

O  Estatuto da Cidade veio dar efetividade aos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes específicas  à execução de uma política urbana voltada à melhoria do meio ambiente artificial, que passou a ter tutela imediata, além da “tutela mediata, revelada pelo art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos uma proteção geral ao meio ambiente enquanto tutela da vida em todas as suas formas centradas na dignidade da pessoa humana" (1).

Pelo referido instrumento legal, foi dada grande ênfase ao planejamento municipal, com o fim de propiciar um crescimento equilibrado e sustentável, com especial destaque ao  equilíbrio ambiental, abordado numa forma ampla,  dentro de uma nova e moderna visão, em que o meio ambiente deve ser entendido no seu aspecto natural  e artificial, ou seja, preservado, promovido e planejado pelo próprio homem.

Tal visão, está assentada numa preocupação permanente  com a necessidade de se preservar a natureza, corrigindo os erros cometidos pela  geração presente e  pelas gerações passadas, para propiciar  às futuras gerações  uma cidade em que se  ofereça  as condições mínimas  de vida saudável e bem estar dos seus habitantes.

2.   Desenvolvimento sustentável  e a função social da cidade

Prescreve  o  Estatuto da Cidade, em seu artigo 2º, que “a política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, mediante  diretrizes gerais que passa a explicitar, em seus incisos, dos quais destacamos:

  • garantia do direito a cidades sustentáveis;
  • gestão democrática;
  • cooperação entre os entes públicos e privados;
  • planejamento do desenvolvimento;
  • oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transportes e serviços públicos;
  • ordenação e controle do uso do solo;
  • adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira;
  • proteção e preservação do meio ambiente natural e artificial;
  • regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas pela população de baixa renda.

A  preocupação maior que  emerge do texto legal sob análise é pois   ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, com a preocupação de  garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações, conforme artigo 2º, inc. I, do Estatuto da Cidade.

Têm-se assim, que a nova política urbana a ser desenvolvida após a edição da Lei 10.251/01, deve garantir  dois objetivos fundamentais, à população das cidades brasileiras, quais sejam:  cidades sustentáveis e sua função social.

Por desenvolvimento sustentável, entende-se  “aquele   que atende as necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias."(2),  ou   “o desenvolvimento que provê, a todos, os serviços econômicos e ambientais básicos, sem ameaçar a viabilidade dos sistemas natural, social construído, dos quais estes serviços dependem"(3).

Para que as cidades obtenham um desenvolvimento sustentável, porém, surge um grande desafio, pois devem preservar o crescimento econômico,  buscando melhorar a qualidade de vida  da população, através da promoção de justiça social, sem o que, de nada valerá o esforço para preservar do meio ambiente, quer natural ou artificial.

3.   A gestão democrática como meio de pressão e fiscalização 

Um componente novo introduzido pelo Estatuto da Cidade, é a participação efetiva da população, pela sociedade organizada, através de associações de bairros,  clubes de serviços e outros segmentos com representação, através da denominada gestão democrática, expressamente prevista no artigo 2º, inciso II,  onde garante a essa sociedade, participação na formulação, execução e acompanhamento de plenos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Tal disposição legal, estabelecida  na ordem infraconstitucional, tem amparo, na Constituição Federal, no inciso XII do artigo 29, que traz como preceito fundamental para os Municípios, "a cooperação das associações representativas no planejamento municipal".

A sociedade organizada pode se manifestar  através de audiências públicas,  de abaixo-assinados, de ações populares, de projetos de lei de iniciativa popular, plebiscitos, dentre outros, instrumentos estes que passam a ser utilizados num grande número de cidades brasileiras, fazendo com que o  Poder Público Municipal fique atento às necessidades e prioridades do povo, direcionando o planejamento econômico tanto quanto possível, para satisfação de tais reivindicações, como forma de prestígio à gestão democrática estabelecida em lei.

 Não temos dúvida, que as cidades  que ouvirem as necessidades de sua população em geral,  que captarem  o clamor da natureza e elaborarem projetos viáveis e principalmente sustentáveis, obterão  pleno sucesso na perseguição um desenvolvimento sustentável e condições sociais dignas ao seu povo, para as presentes e futuras gerações.

4.    A importância do planejamento, como fator do  Desenvolvimento Urbano

O artigo 2º, inciso IV,  da Lei 10.257/01, parece-nos o mais importante para garantir o efetivo desenvolvimento urbano, de forma sustentável e eficaz para atender as necessidades sociais da população, ao preconizar como diretrizes gerais  da política urbana:

“IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente."

Por este dispositivo, se busca o adequado planejamento do desenvolvimento das cidades, com uma eficiente distribuição da população, bem como das atividades econômicas do Município, buscando corrigir as distorções do crescimento urbano e os nefastos efeitos  que tais distorções acabam causando ao meio ambiente.

Por certo, tal planejamento, envolve uma questão de fundamental importância, notadamente das grandes cidades brasileiras, que é a ocupação da terra pela população de baixa renda, que  mora  ou se amontoa de forma desordenada nas regiões periféricas,   nas grandes favelas, sem as mínimas condições urbanísticas e essenciais para  preservação da dignidade humana de tais habitantes.

Assim, a questão fundiária deve ser objeto de especial atenção em todo o planejamento urbano, sem  o que, não se alcançarão os objetivos perseguidos pelo Estatuto da Cidade.

Não basta apenas o crescimento quantitativo da população e das áreas urbanas ocupadas, uma vez que este crescimento,  sem o necessário planejamento e organização das cidades, acaba ocasionando  toda gama  de problemas, destacando-se,  dentre outros, a poluição hídrica; o acúmulo de lixo em locais inadequados,  pondo em risco a saúde pública; o desmatamento; a falta de áreas verdes e   o comprometimento da fauna.

O que se pretende, com o Estatuto da Cidade, é justamente garantir o desenvolvimento qualitativo, em que, mesmo que haja um crescimento da população, isso não venha a comprometer a qualidade de vida e o meio ambiente das atuais e futuras gerações.  O  crescimento qualitativo,  abrange a  melhoria da estrutura urbana, a proteção dos recursos naturais e melhoria dos índices  de produção, em proveito de sua população. Tais fatores são determinantes na melhoria da qualidade de vida dos habitantes  dos aglomerados urbanos.

 É entendimento crescente que o  Município passou a ter importância ímpar com a Constituição Federal de 1988. Passou  a ser, de forma definitiva, um ente federativo, com independência administrativa, legislativa e financeira, passando, como conseqüência a  seus governantes,  uma parcela muito maior de responsabilidade perante seus habitantes.

É no município que vive o cidadão no seu dia a dia. É do município que retira o seu sustento, sua educação, e normalmente reside com sua família.  O Município por sua vez,  tem a sua base territorial, com peculiaridades e características próprias, com deferente configuração geográfica, hidrografia, fauna, flora, etc.

Dessa forma, incumbe  ao Governo Municipal traçar as metas adequadas,  respeitando suas características próprias, para propiciar o ordenamento do espaço físico da cidade, de forma a que a mesma possa cumprir a sua função social, e busque seu desenvolvimento sustentável.

5.   Instrumentos disponíveis à aplicabilidade do Estatuto da Cidade

Para assegurar a plena execução da política urbana e atingir os princípios perseguidos na Constituição Federal e os objetivos determinados no Estatuto da Cidade, notadamente em seus artigos 1º e 2º, foram disciplinados vários instrumentos, relacionados no artigo 4º, a saber:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal;

IV – institutos tributários e financeiros

V – institutos jurídicos e políticos

VI – estudo prévio de impacto (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). 

Analisaremos a seguir, dentro do foco do trabalho, os instrumentos diretamente ligados ao planejamento urbano, notadamente os previstos nos incisos I, I e III, 

Através do referido artigo, o legislador ordinário dotou os administradores públicos dos instrumentos adequados ao cumprimento da política urbana, prevista pelo artigo 182, da CF, mas que ainda estava à mingua de meios para a sua execução. 

A viabilização dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade, logicamente, exigirá uma perfeita integração e sintonia entre as ações de política urbana implantadas pelos municípios, com  planejamento e formulação de política urbana incrementada pelos Estados, notadamente para a harmonização do desenvolvimento metropolitana e regional. 

Na visão de Eliane D’arrigo Grenn, (4) “o planejamento urbano do Município deve ser capaz de pensar a cidade estrategicamente, garantindo um processo permanente de discussão e análise das questões urbanas e suas contradições inerentes, de forma a permitir o envolvimento de seus cidadãos.” 

Por sua vez, o transporte urbano intermunicipal, o saneamento básico, o tratamento de água, o meio ambiente natural, dentre outros, exigem ações que extrapolam o âmbito territorial de cada  município, e se mostram indispensáveis ao meio ambiente artificial.   

Dessa forma, exigem uma planificação harmonizada, através de planejamento que direcione os objetivos comuns a serem perseguidos, para a efetiva qualificação de vida da população das cidades, em cumprimento ao que dispõe os incisos I e II, do referido artigo 4º. 

Observe-se que o planejamento previsto no Estatuto da Cidade, por disposição do artigo 174 da Constituição Federal, já era obrigatório para o setor público, não sendo portanto uma novidade trazida no novo instrumento legal, que apenas o consolidou, ao lado de outros instrumentos de organização essenciais, denominados planos nacionais, regionais e   estaduais visando a ordenação do território e o desenvolvimento econômico e social. 

A organização  do planejamento municipal, que  deve ser executado pelo município, destaca o inciso III, as seguintes ações: 

a)  o plano diretor

b)  disciplina do parcelamento, do uso e ocupação do solo

c)   zoneamento ambiental

d)   plano plurianual

e)   diretrizes orçamentárias e orçamento anual

f)     gestão orçamentária participativa

g)    planos, programas e projetos setoriais

h)    planos de desenvolvimento econômico e social

6.  O Plano Diretor

Analisando referidos instrumentos, o plano diretor se mostra de vital importância, para o planejamento a longo prazo do desenvolvimento urbano, nos moldes disciplinados no Capítulo III, artigos 39 a 42, da lei 10.251/01.

Assim, é ele que vai definir, no âmbito de cada administração municipal, qual o conceito a ser adotado para a função social da propriedade.

Diz o art. 39: "A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei."

Por outro lado, o artigo 40, dá a exata dimensão da importância do plano diretor ao planejamento urbano da cidade, ao expressar: "O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana", tendo duração de 5 a 10 anos, devendo ao final deste prazo, ser revista a lei que o instituiu.

Ainda por prescrição do § 1º, do artigo 40, "o plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas".

Quanto a exigência do plano diretor, por disposição expressa no artigo 41, é obrigatório para cidades:

I – com mais de vinte mil habitantes;
II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III – onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal;
IV – integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V – inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

Para as cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado ainda um plano de transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido, segundo previsão do § 2º deste artigo.

Em resumo, o plano diretor deve atribuir à propriedade urbana sua função social, e atender segundo Vânia Kirzner, (5)"às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. E que essas exigências fundamentais devem assegurar o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas".

Tem-se assim, que o instrumento mais importante trazido pelo Estatuto da Cidade, e que a Lei coloca como sendo o básico, é o plano diretor, que deve revestir-se da forma de lei municipal.

Ele deve tratar de todo o processo de desenvolvimento e de expansão urbana, o que significa dizer, sem ele, os municípios não conseguirão alcançar seus objetivos de ordenação da cidade.

7. Plano plurianual, diretrizes orçamentárias e outros

Quanto ao plano plurianual e diretrizes orçamentárias e orçamento anual (alíneas "d" e "e"), e os planos, programas e projetos setoriais e planos de desenvolvimento econômico e social (alíneas "g" e "h"), devem ser elaborados pelo gestor das cidades, com aprovação do poder legislativo, submetendo tais instrumento à gestão orçamentária participativa, onde a população deverá ser previamente consultada e chamada a opinar, e sua importância está diretamente relacionada com a Lei de Responsabilidade Fiscal, através da delimitação do que pode ser efetivamente comprometido e realizado pelo poder público.Os demais instrumentos, passam a ser analisados de forma mais pormenorizada, uma vez que nos parecem mais importantes, na efetiva busca da melhoria do meio ambiente artificial.

8. Parcelamento, uso e ocupação do solo

O Estatuto da Cidade, ao disciplinar o parcelamento, uso e ocupação do solo, visa, como ponto básico, atribuir efetividade ao texto constitucional, de função social da propriedade urbana. Assim, quando se verificam casos em que esse desiderato não é alcançando ou atribuído, o poder público, por comando do Plano Diretor previamente aprovado, (6)"poderá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado" mediante a fixação de condições e prazos para implementação de tal obrigação.

A não destinação adequada da propriedade, aos fins sociais a que se destina, nas condições impostas no plano diretor previamente aprovado, pode acarretar ao proprietário sanção pecuniária, via tributo (IPTU) progressivo, segundo a previsão do artigo 7º do aludido Estatuto.

Com essa nova concepção da propriedade, e face a importância do meio ambiente artificial, como protagonista de maior dignidade à pessoa humana, embora reconhecida e garantida na Constituição, acabou perdendo seu caráter absoluto, passando a ser exigida, para seu reconhecimento pleno, que atenda de forma concreta, sua função social .

Têm-se assim, que a Lei 10.257/01, veda a utilização da propriedade com o fim meramente especulativo, ao consagrar instrumentos que visem diminuir as desigualdades sociais e a marginalização, atendendo aos preceitos constitucionais que asseguram às populações a promoção do bem comum, através de ações efetivas para a melhoria do meio ambiente artificial(7).

9. Zoneamento ambiental

É um dos instrumentos essenciais colocados no estatuto da Cidade, para assegurar aos moradores urbanos, o meio ambiente artificial.

Deve ter por objetivo, segundo o professor Dr. Celso Antonio Pacheco Fiorillo, (8)"disciplinar de que forma deve ser compatibilizado o desenvolvimento industrial, as zonas de conservação da vida silvestre e a própria habitação do homem, tendo em vistas sempre a manutenção de uma vida com qualidade às presentes e futuras gerações (art. 225 da CF)"

Está assim vinculado ao propósito de garantir bem-estar aos habitantes de determinado município. Se faz necessário estabelecer a reserva de espaços determinados, para a preservação e proteção do meio ambiente.

A política de zoneamento ambiental, possibilita a regulamentação a respeito da repartição do solo urbano e a atribuição de seu uso.

Conforme destaca o professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo(9),  a limitação do uso do solo já vinha contemplado na Lei 6938/81, "como importante instrumento da política nacional do meio ambiente", onde prevê áreas para pesquisas ecológicas, parques públicos, áreas de proteção ambiental, costeira e industrial.

10. Gestão orçamentária participativa

Uma inovação de importância fundamental, para a democratização da gestão da política urbana, e do meio ambiente artificial, é a chamada gestão orçamentária participativa, disciplina no artigo 44, Capítulo IV, que trata da Gestão Democrática da Cidade.

Referido instrumento se efetiva pela realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento an8ual, como condição obrigatória para sua aprovação na Câmara Municipal.

A participação direta da população na gestão participativa, parece-nos a regulamentação mais importante, para alcançar os fundamentos constitucionais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, e a efetividade da tutela do meio ambiente artificial.

Outra forma de atuação da população, contemplada no mesmo capítulo, é a previsão de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano, por iniciativa popular (art. 43, IV). Certamente, esta possibilidade termina por fortalecer o princípio da gestão democrática da cidade, ao abrir a possibilidade de que a sociedade organizada tome a iniciativa de apresentar ao Poder Público, projetos de sua iniciativa, para solução de problemas de interesse coletivo.

No entanto, vemos de pouca aplicação tal dispositivo, face a dificuldade de mobilização da sociedade, e as exigências muito rígidas, para a propositura de tais projetos, sendo mais prático que referidos grupos sociais, se mobilizem em torno dos representantes do poder legislativo, no caso os vereadores, para que estes, apresentem tais proposituras, e se busque de forma mais ágil a solução das pendências sociais.

11. Fiscalização e controle da gestão do Plano Diretor

É exigência contida no artigo 42, inciso III, que o Plano Diretor contenha um sistema de acompanhamento e controle.

Na visão de Vânia Kirzner (10) "isto se justifica em razão de que todo o fundamento do ordenamento da cidade repousa no fato da realização das aspirações da comunidade, da sociedade organizada. A elaboração do Plano Diretor, por si só, já configura a expressão do desejo da comunidade, pois todos os seus passos devem ser antecipados de audiências públicas, onde a participação da comunidade é condição sine qua non."

Assim, acreditamos que não sendo aberta a possibilidade para a participação popular, no acompanhamento e na gestão do plano diretor, abre-se a possibilidade de ser argüida e declarada sua inconstitucionalidade, face aos pressupostos de política urbana prescritos expressamente no texto constitucional.

Eis algumas ações que podem ser desenvolvidas pela sociedade organizada e pelas comunidades locais, quando da elaboração do plano diretor, que emergem das disposições contidas no Estatuto da Cidade no que se refere à gestão democrática da cidade, e que em muito poderão contribuir para a ordenação do espaço das cidades e contribuam para que as mesmas alcançam seus objetivos sociais, tais como:

– definição de áreas especiais destinadas à habitação de interesse social, para exigir sua urbanização ou ocupação compulsórias, sob pena de imposto territorial ou predial progressivo ou até de desapropriação, com pagamento em títulos da dívida pública;

–  autorização para outorga de direitos de construir, com sua contrapartida de interesse social como fonte de novos recursos financeiros para habitação de interesse social, ou para equipamentos de infra-estrutura urbana, ou para programas de reurbanização;

–  definição de áreas urbanas adensáveis e não adensáveis, para evitar a ocupação urbana de áreas não suficientemente equipadas, bem como a retenção de imóveis vagos, com fim especulativo;

–  definição de áreas especiais para proteção ambiental ou para proteção de patrimônio cultural, associada à autorização para transferência do seu potencial construtivo, possibilitando a realização desse potencial e de seu valor em outro local;

–   realização de estudos de impacto ambiental de determinados empreendimentos, de grande porte, e exigência de reparação dos eventuais impactos sobre o ambiente urbano.

12. Conclusão

O Estatuto da Cidade, originado da Lei 10.257/2001, conforme foi examinado acima, tem, em resumo como pontos importantes:

–  o ordenamento das cidades em proveito da dignidade humana, princípio que vem consagrado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal; 

–  criar condições adequadas para satisfazer os preceitos constitucionais mínimos garantidos no artigo 5º, tais como direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como o artigo 6º, ao garantir o chamado piso vital mínimo, representado pelos direitos sociais à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, a proteção à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados.

–  incrementar as disposições constitucionais de tutela mediata, conforme artigo 225 da Constituição Federal, de proteção geral ao meio ambiente, e de tutela imediata, com a regulamentação dos artigos 182 e 183, possibilitando através no novo instrumento jurídico, a execução de uma política urbana voltada para o aprimoramento do meio ambiente artificial; 

–  preocupação bem definida em criar condições favoráveis à busca do bem coletivo, a segurança e o bem estar, bem como o equilíbrio ambiental (art. 1º, § único, Lei 10.257/01);

–  organizar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, com objetivo de garantir o direito a cidades sustentáveis, mediante rígido planejamento, oferta de equipamentos urbanos, transporte coletivo e serviços públicos em geral;

–  estimular a gestão democrática, com o envolvimento efetivo da população, através de suas associações e organizações, na formulação e execução da política urbana, em prol da conservação do meio ambiente natural e da construção do meio ambiente artificial.

Para a obtenção de tais propósitos, criou mecanismos de planejamento da gestão das cidades, consubstanciados na necessidade de um planejamento prévio, a ser estabelecido por meio de lei municipal, denominado de Plano Diretor.

Nele, a política urbana deve ser bem explicitada, de forma a garantir a efetiva sobrevivência das pessoas que vivem nas cidades, por meio da preservação e do aperfeiçoamento do meio ambiente natural e artificial, tudo devendo refletir na melhorar da dignidade humana, em perfeita consonância com o texto constitucional.

Assim, fica muito claro que mecanismos existem para disciplinar a política de desenvolvimento urbano, cabendo aos governantes, e à população em geral, se utilizarem dos instrumentos de gestão e fiscalização, colocados à disposição através do Estatuto da Cidade, para que se busque, através de um desenvolvimento sustentável, as verdadeiras funções sociais das cidades.

13. Bibliografia

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Curso de Direito Ambiental Brasileiro, 4ª ed. – São Paulo; Saraiva, 2003.

_____________ Estatuto da Cidade Comentado, Editora RT, 2002.

SILVA, José Afonso da, Direito ambiental constitucional, 3ª ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2000.

MUKAI, Toshio, O Estatuto da Cidade, 1ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001.

NUNES, Rizzatto, O Principio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, São Paulo, Saraiva, 2002.

——————————————————————————–

[1]   FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, Estatuto da Cidade Comentado, RT, 2002.

[2]   ONU, Relatório Brudtland, 1987

[3]   International Council for Local Environmental Initiatives, Toronto/Canadá –ICLEI, 1996.

[4]  Sistema Municipal de Gestão do Planejamento,  www.portoalegre.rs.gov.br/planeja

[5]  Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), artigo www.jus.com.br

[6]  Lei 10.257/2001, artigo 5º

[7]  Constituição Federal, art. 5º, XXII e XXIII

[8]  Estatuto da Cidade Comentado, p. 36, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002

[9]   Obra citada, p. 37

[10]  Artigo citado, www.jus.com.br

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito,  Professor Universitário;  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor dos sites jurídicos www.prolegis.com.br  e www.revistaprolegis.com.br.   

E-mail: prof.clovis@54.70.182.189         

 


Sobre a intervenção do Ministério Público em segundo grau

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Paulo Queiroz

Como é sabido, as atribuições do Ministério Público, embora múltiplas, estão sintetizadas no artigo 127 da Constituição Federal, as quais consistem na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, competindo-lhe, dentre outras funções específicas, promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (CF, art. 129, I).

Pois bem, questão que merece alguma reflexão diz respeito à legitimidade/necessidade da intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais públicas propostas perante o juízo de primeira instância e submetidas à apreciação dos tribunais mediante recurso.

Em favor da legitimidade da intervenção ministerial, é comum afirmar que o Procurador Regional da República (Sub-Procurador Geral ou Procurador de Justiça), diversamente do que ocorre na primeira instância, atua na condição de fiscal da lei ou “custos legis”, de sorte que a legitimidade dessa segunda intervenção se funda no argumento de que, embora pertencentes à mesma instituição, seus membros desempenham papeis distintos: um como parte (autor) da ação penal; outro, como fiscal da lei.

Nem todos estão de acordo com isso, evidentemente. Paulo Jacobina, por exemplo, afirma que não é possível distinguir entre parte e fiscal da lei, porque, quando o Ministério Público é parte, é fiscal da lei, e quando é fiscal da lei, é parte1, pois, mesmo quando se manifesta nos processos que envolvem interesses individuais indisponíveis, como interveniente, o Ministério Público é a um tempo fiscal da lei e parte, podendo requerer a produção de prova, recorrer, agir com todos os ônus e privilégios das partes, conforme dispõe o art. 83 do CPC2. Apesar disso, distingue entre parte autora, que, na ação penal pública, é exercida pelo órgão que atua na primeira instância (com exceção das ações penais originárias), e parte interveniente, atribuição que compete ao Procurador de segunda instância, distinção que legitimaria a intervenção do órgão em segundo grau nas ações penais públicas, de sorte que, embora alterada a terminologia, as coisas permanecem, no essencial, como estavam.

Elmir Duclerc entende, com base nos princípios do devido processo legal e sistema acusatório, e por ser o Ministério Público, nas ações penais públicas, parte autora, que o parecer apresentado em segunda instância não tem qualquer sentido, devendo o Procurador, quando muito, sustentar oralmente o recurso ministerial (ou dele divergir) no mesmo prazo da defesa e, eventualmente, interpor recursos contra o acórdão, quando dele discordar3.

Já Rogério Schietti considera superficial e simplista a distinção entre Ministério Público agente (parte) e Ministério consulente (fiscal), eis que, na ação penal pública, por mais que uma dessas funções se esconda por trás da roupagem verbal ou escrita da manifestação do membro da instituição, ela estará sempre presente. Assinala ainda que o parecer do Ministério Público em segundo grau, que mais atende à tradição do que ao sistema acusatório, não é obrigatório, mas facultativo, devendo sobre ele se manifestar a defesa, a fim de assegurar o contraditório e a ampla defesa4. No mesmo sentido, Frederico Marques e Fernando da Costa Tourinho5.

Temos que realmente o Ministério Público, nas ações penais públicas, é sempre autor (titular) da ação, independentemente da instância em que autuem seus órgãos, e essa condição (parte autora) permanece absolutamente inalterada pela circunstância de intervir em segunda instância um outro membro da instituição (Procurador Regional, Procurador de Justiça etc.). Além isso, a função constitucional de ambos os representantes é rigorosamente a mesma: defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127), não importando a que título intervenha. Afinal, o Procurador-Geral da República, os Sub-Procuradores Gerais da República, os Procuradores Regionais e Procuradores da República são o próprio Ministério Público, e não instituições distintas.

Não é preciso dizer que, independentemente da distinção entre autor e fiscal, o órgão do Ministério Público poderá sempre pleitear a condenação ou a absolvição, rever posicionamentos próprios ou alheios, recorrer etc., uma vez que aqueles que o representam não são órgãos da acusação, mas órgãos legitimadas para acusar6; afinal, há muito está superada a figura do Procurador/Promotor implacável que persegue condenações a qualquer custo e que contabiliza as absolvições como derrotas e as condenações como vitórias7.

O mais importante reside, porém, no seguinte: a distinção entre autor e fiscal da lei, apesar de tradicional e recorrente, é infundada, porque pressupõe dualidade onde existe ou deve existir unidade. Com efeito, por ser instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado (CF, art. 127), sua missão constitucional, em todos os processos em que intervém, é sempre a mesma, independentemente de quem a represente (Promotor, Procurador etc.) e da entidade ou grau de jurisdição (juízo, tribunal, conselhos etc.) em que atue. Além disso, por ser a instituição una/indivisível, não parece razoável que possa se fazer representar, autonomamente, por mais de um membro num só e mesmo processo, não raro para repisar os mesmos argumentos. Aliás, exatamente por isso, ninguém propõe que, na primeira instância ou nas ações penais originárias, atuem dois Promotores/Procuradores, um como autor da ação penal, outro como fiscal da lei.

Essa situação (duas ou mais intervenções) é ainda mais incompreensível quando, nas apelações criminais, o apelante, valendo-se do disposto no art. 600, §4º, do Código de Processo, apresenta razões em segundo grau, quando é então designado um Procurador Regional para apresentar contra-razões e outro para atuar como fiscal da lei, como se representassem instituições distintas ou cumprissem funções institucionais diversas.

Dir-se-á que a situação na segunda instância é diferente: o Procurador Regional da República (ou Procurador de Justiça) não ofereceu denúncia, não participou da instrução etc., e, por isso, exerceria semelhante munus mais isentamente. No entanto, a tese, além de questionável, dada a tendência natural de o colega de segunda instância se solidarizar com o de primeira, inclusive em razão da unidade da instituição, não justificaria, por si só, a intervenção em segundo grau, mesmo porque o dever de imparcialidade é comum a todos os seus membros, motivo pelo qual são passíveis de argüição de suspeição e impedimento (CPP, art. 104 e 112). Mais: a maior ou menor isenção é um atributo personalíssimo, que, como tal, varia de pessoa a pessoa, independentemente da posição em que é chamado a atuar.

Enfim, nas ações penais públicas, o Ministério Público é sempre titular da ação – logo, parte, obviamente8 -, não cabendo falar de fiscal da lei, interveniente ou similar9, ao menos como pretexto para justificar posição processual autônoma, até porque a expressão “fiscal da lei”, que deve ser entendida como “fiscal da Constituição”, constitui expressão das mais vagas e que remete, em verdade, às próprias funções constitucionais e legais da instituição, e encerra, em última análise, uma tautologia10. Mais: o vocábulo “fiscal da lei” (generalíssimo), que é também sinônimo de controle de legalidade, notadamente da legalidade constitucional, constitui função de praticamente todos os órgãos do Estado e da administração pública, apesar da diversidade de competências: Congresso Nacional, Judiciário, Tribunais de Contas, Fazenda Nacional, Polícias etc.

Também por isso, é irrelevante a distinção – que não é de natureza constitucional, mas processual – entre parte e fiscal da lei, porque, ainda que eventualmente não seja parte num determinado processo, o Ministério Público é sempre fiscal do ordenamento jurídico, motivo pelo qual a sua intervenção judicial ou administrativa sempre terá essa qualidade como pressuposto lógico inevitável. Quando em juízo, ser fiscal da lei e ser parte significam uma só e mesma coisa: o Ministério Público quando é fiscal da lei, é parte; quando é parte, é fiscal da lei, ou seja, fiscal da Constituição11.

Por tudo isso é que parece insustentável a intervenção do Ministério Público em segundo grau nas ações penais apenas como “custos legis”, posição inclusive que não raro ofende o contraditório e a amplitude da defesa12. No futuro a atuação do MP como parecerista deve ser abolida, se é que de fato foi recepcionada pela Constituição.

Por essas e outras, temos que já é tempo de se iniciar amplo debate sobre a necessidade urgente de revisão de toda a estrutura funcional do Ministério Público, a fim de tornar a sua atuação mais racional e eficiente.

Porque a história do Ministério Público é a história do Estado, um largo caminho de democratização, que só estamos iniciando, e que por isso requer uma constante revisão crítica e que implica, ao menos tempo, remover, permanentemente, mitos, ficções e alienações que impeçam essa revisão13.

Notas

1 Ministério Público como fiscal da lei em ação penal pública. Boletim dos Procuradores da República, ano 1, n° 6, outubro de 98.

2 Paulo Jacobina. Ministério Público como fiscal da lei em ação penal pública. Boletim dos Procuradores da República, ano 1, n° 6, outubro de 98.

3 Curso de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen júris, 2007.

4 Garantias Processuais nos Recursos Criminais. S. Paulo: Atlas, 2002, p. 91/94.

5 Que escrevem, respectivamente: “o procurador-geral deve ter vista dos autos, não para neles oficiar, e sim para tomar conhecimento da causa e acompanhar seus trâmites no juízo ad quem. Abre-se-lhe vista para que verifique se deve fazer sustentação oral da acusação, colocar-se a par das questões debatidas no recurso e, se requerer intervenção nos debates orais do processo para responder à defesa, encontrar-se apto a propugnar pela condenação do acusado” (José Frederico Marques. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1965, v.4., p.220). “Embora nunca houvesse feito referência ao assunto, continuo sem entender essa estória de o Ministério Público da segunda instância atuar como custos legis. (…) Pelo princípio do contraditório, a defesa fala por último. Sendo assim, havendo um recurso interposto na primeira instância, o membro do Ministério público que fizer as contra-razões já estará atuando como parte acusadora e como fiscal da lei, ex vi do art. 257 do CCP. Por que a ouvida da Procuradoria como custos legis? A mim me parece que o Ministério Público de segunda instância, nos recursos oriundos do primeiro do primeiro grau, devia manifestar-se apenas sobre o aspecto formal do processo, deixando o mérito para o Tribunal. Todos sabemos que os Procuradores eram Promotores. Como podem eles, da noite para o dia, perder a agressividade acusatória para adquirir a serenidade da toga? Com raríssimas exceções, os Procuradores quando se manifestam nas apelações e recursos em sentido estrito deixam entrever, com clareza, que o cordão umbilical que os liga à parte acusadora não foi cortado…Sendo assim, como podem atuar com imparcialidade? Ademais, como a defesa deve falar por último, a rigor, os autos deveriam sair da Procuradoria e ser encaminhados à OAB” (Fernando da Costa Tourinho, citado por Rogério Schietti).

6 Eugênio Pacelli. Curso de Direito Processual Penal. Belo Horizonte: Del-Rey, 2007.

7 Claus Roxin. Posición jurídica y tareas futuras del ministério público. In el Ministerio Público en el Proceso Penal. Buenos Aires: Ad-hoc, 2000, p. 39.

8 De acordo com Fredie Didier, parte processual é quem está na relação jurídica processual, assumindo qualquer das situações jurídicas processuais, atuando com parcialidade e podendo sofrer alguma conseqüência com a decisão final (Curso de Processo Civil. Salvador: juspodium, 2007, p. 196). De modo similar, Guilherme Marinoni: aquele que toma “parte” no litígio, ou dele faz “parte”, deve ser considerado parte; aquele que é estranho ao litígio, ou dele não faz “parte”, embora a sentença contra ele produza efeitos, deve ser considerado terceiro (Curso de Processo Civil. S. Paulo: RT, 2004, p. 117). Nem todos estão de acordo com essa afirmação, de que o Ministério Público é parte. Nesse sentido, Diaulas Costa Ribeiro, para quem, com os deveres institucionais que lhe são inerentes, o Ministério Público não pode ser parte nem estar em situação de igualdade com os advogados de defesa na relação processual (Ministério Público: dimensão constitucional e repercussão no processo penal. S. Paulo: Saraiva, 2003, p.110). No entanto, as atribuições constitucionais do Ministério Público, embora o coloquem numa situação processual especialíssima, privilegiada, não lhe tiram a condição de parte; antes o confirmam.

9 Temos que só se pode falar de interveniente ou similar nas ações penais de iniciativa privada ou processos cíveis em que o Ministério Público não figure como autor.

10 Não por acaso, nalguns países a instituição é chamada Ministério Fiscal ou Fiscalia, e seus membros são denominados Fiscais.

11 Como assinalam Nelson Nery e Rosa Nery, qualquer que seja a causa que autorize o Ministério Público a intervir no processo, civil ou penal, o móvel dessa autorização é sempre o interesse público. Não existem dois interesses públicos, mas apenas um, de modo que sempre deverá intervir um representante do Ministério Público no processo civil, ainda que sejam várias as causas que determinaram sua intervenção. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. S. Paulo: RT, 2004.

12 Nesse sentido, Natalie Ribeiro Pletsch. Formação da Prova no Jogo Processual Penal. S.Paulo: Ibccrim, 2007. Já Alberto Zacharias Toron propõe que, nas sustentações orais, se o Ministério Público figurar como recorrente, falará em primeiro lugar, falando em seguida a defesa, e não o contrário, como ainda ocorre. O contraditório nos tribunais e o Ministério Público. In Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. RT: S. Paulo, 2003, p.91/101.

13 Juan Bustos Ramírez. Bases críticas de un nuevo derecho penal. Bogotá Temis, 1982, p. 150.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

PAULO QUEIROZ: Doutor em Direito (PUC/SP), é Procurador Regional da República, Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e autor do livro Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006.

Website: www.pauloqueiroz.net  

 

 

 

 


Desafios à Bioética

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* Juliana Frozel de Camargo

Nunca se falou tanto sobre ética no comportamento humano com o objetivo de buscar um modelo de vida inspirado no respeito ao homem, como nos últimos anos.  Essa preocupação saiu do âmbito filosófico-acadêmico e está fazendo com que as pessoas comuns reflitam: O que é certo ou errado? Como pensar e agir? Até onde a ciência pode avançar? Dignidade humana?

A chave para responder a estas perguntas está na utilização do conhecimento para a melhoria da qualidade de vida humana, já que o saber e a ciência devem ser vistos como patrimônio da humanidade.

O avanço da biotecnologia tem trazido muitas conquistas à humanidade, mas também, muitos riscos, assim, a aplicabilidade dos procedimentos na investigação científica, precisa ser revista e repensada, pois embora possa ser científico nem sempre é ético. Afinal de contas, até que ponto a ciência "age" em benefício da humanidade?

Daí a necessidade de se compreender a bioética.

Bioética: “bíos” (vida) “éthos” (costume, comportamento, ética) – de vida e ética – é um neologismo que, significa ética da vida, adequação da realidade da vida com a da ética.[1]

Por tratar de vida, percebe-se a enorme abrangência da matéria e, embora tenha-se tentado delimitar seu conteúdo, a bioética não tem fronteiras, não se definindo como as demais disciplinas. Eis, aqui, um primeiro desafio!

O termo "bioética" foi criado em 1971 pelo oncologista e biólogo americano Van Rensselaer Potter,  em seu livro “Bioética: Ponte para o Futuro”, estabelecendo uma ligação entre os valores éticos e os fatos biológicos.[2]

Segundo Potter:

Necessitamos de biólogos que nos digam o que podemos e devemos fazer para sobreviver e o que não devemos fazer, se esperamos manter e melhorar a qualidade de vida nas próximas décadas. O destino do mundo depende da interação, preservação e extensão do conhecimento que possui um reduzido número de homens que, somente agora, começam a se dar conta do poder desproporcionado que possuem e quão enorme é a tarefa de a realizar.[3]

A princípio, a bioética resumia-se ao Juramento Hipocrático: "Usarei meu poder para ajudar os doentes com o melhor de minha habilidade e julgamento; abster-me-ei de causar danos ou de enganar a qualquer homem com ele", ou seja, tinha a função de orientar as obrigações da classe médica baseando-se no bem-estar do paciente.

Com o passar do tempo, verificou-se uma evolução na história humana, com novas descobertas mudando a vida das pessoas. Esta evolução teve seus aspectos positivos mas também trouxe estagnação e retrocessos.

O mais perigoso desses regressos à barbárie foi visto com Hitler e seus seguidores, inspirados no desprezo à pessoa, criando uma ciência completamente equivocada em que se utilizava seres humanos como cobaias. Ressalte-se que essas experiências absurdas não permitiram um único progresso científico válido. Foram simplesmente grotescas e desumanas.

As experimentações levadas a cabo pelo regime nazista da Alemanha e a subseqüente condenação pelo Tribunal de Nuremberg em 1947, de médicos considerados culpados de conduta contrária aos valores do humanitarismo, assentaram uma nova fase da bioética.

Os avanços do conhecimento científico indicavam que estávamos vivendo um mundo novo, caracterizado pela explosão da ciência e da inovação tecnológica, que evidenciavam as vulnerabilidades da natureza e do corpo humano.

Assim, a bioética impôs-se como uma reação à realidade que a pesquisa científica no campo da vida apresentou, desde a barbárie nazista, até os recentes experimentos em manipulação genética. Ela surgiu da indignação com relação aos novos acontecimentos, ou seja, quando foi possível imaginar conseqüências desastrosas  advindas dos avanços da biotecnologia.[4]

Portanto, surgindo a partir da ética nas ciências biológicas, a bioética é hoje, também, uma disciplina voltada para o biodireito e para a legislação com a finalidade de garantir mais humanismo nas ações e relações médico-científicas. A bioética apresenta-se, ao mesmo tempo, como reflexão e ação. Reflexão porque tem o diferencial de realmente parar para refletir sobre as conseqüências psicossociais, econômicas, políticas e éticas advindas dos avanços da ciência e Ação, porque, após a reflexão, é capaz de posicionar-se de forma a assegurar o sucesso desse tipo de relação, impondo limites e ditando regras que estabeleçam um novo contrato social entre povo, médicos, governos etc.[5]

Esse novo ramo da ética apresentou, desde o princípio, uma nítida vocação reguladora, mas não dogmática, do comportamento humano. Deste modo, a bioética procurou formular princípios gerais, que pudessem servir como "mandatos de otimização", na criação de princípios aplicáveis às pesquisas e tecnologias genéticas.[6]

Os últimos anos vêem a bioética ocupar um espaço importante da reflexão humana. Pode-se dizer que a bioética tem um grande futuro pela frente.

Surge a bioética oferecendo uma contribuição decisiva na construção de uma vida mais digna para todos, na discussão de questões e problemas concretos.

A bioética não se utiliza simplesmente dos conhecimentos de outras ciências, mas cria um espaço de diálogo interdisciplinar, começam a sentar à mesa de discussão advogados, teólogos, filósofos, antropólogos, sociólogos, médicos e muitas pessoas sensibilizadas com essa temática.

O movimento dialético, inerente à interdisciplinaridade, permite rever o tradicional para torná-lo contemporâneo, já que em todo conhecimento novo existe algo de antigo. Busca-se o equilíbrio, novidade com responsabilidade.

Outra observação fundamental e indispensável ao Brasil é a necessidade de criação da própria visão de bioética,  não podendo simplesmente aceitar passiva e acriticamente as propostas e marcos conceituais provenientes de países do Primeiro Mundo. Precisa-se adaptar a bioética de acordo com a realidade nacional, levando-se em conta a fome, o abandono, a exclusão social, o racismo etc.

O fator tempo também deve ser visto como um valor ético, porque cada minuto perdido ou discussão protelada significa mortes e evolução para a irreversibilidade da deterioração da questão ecológica.[7]

Sobram desafios sim, mas não falta o idealismo ético aliado a um compromisso com a vida. Neste sentido, a bioética começa a dar uma contribuição significativa na sensibilização e compromisso pelo resgate do sentido da dignidade humana e qualidade de vida.

O desenvolvimento da biotecnologia é, sem dúvida, um fenômeno cultural que representa não só um grande acúmulo de conhecimento pelo homem, mas também e, principalmente, um novo entendimento sobre a situação do ser humano no mundo. A bioética é uma ciência da qual o homem é sujeito e não somente objeto.

Baseia-se a bioética em três princípios: da beneficência, da autonomia e da justiça – é a chamada “trindade bioética”, cujos protagonistas são: médico, paciente e sociedade.[8]

O Princípio da Beneficência ou não-maleficência é aquele baseado na obrigatoriedade do profissional da saúde (médico) de promover, em primeiro lugar, o bem-estar do paciente, tem a função de "fazer o bem", passar confiança e evitar danos, tratamentos inúteis e desnecessários.[9]

Segundo Sgreccia[10], o princípio da beneficência representa algo mais que o hipocrático primum non nocere, ou seja, o princípio do não-malefício, pois não comporta somente o abster-se de prejudicar, mas implica, sobretudo, o imperativo de promover o benefício.

Com o Princípio da Autonomia o ser humano (paciente) tem o direito de ser responsável por seus atos, de exercer seu direito de escolha (autodeterminação) respeitando-se sua vontade, valores e crenças, reconhecendo seu domínio pela própria vida e o respeito à sua intimidade.

Pelo Princípio da Justiça está a sociedade, que deve exigir eqüidade na distribuição de bens e benefícios. Este princípio impõe que, inobstante suas diferenças, as pessoas sejam tratadas de forma igualitária no exercício da medicina e nos resultados das pesquisas científicas.

A bioética, pela sua abrangência, está caracterizada pela interdisciplinaridade, interculturalidade e metodologia do diálogo, e é, por excelência, disciplina da alteridade.

A alteridade é critério fundamental da bioética, o que se quer dizer que a pessoa é o fundamento de toda reflexão e de toda prática bioética. Portanto, a alteridade significa o respeito pelo outro, trata-se de aprender a conviver com as diferenças, buscando equilíbrio entre os diversos pontos de vista.

É assim que se dá a alteridade e, por isso, ela permite não só a fundamentação, mas, também, a estruturação e a articulação dos conteúdos da bioética.

A relação da bioética com o Direito (Biodireito) surge da necessidade do jurista obter instrumentos eficientes para propor soluções para os problemas que a sociedade tecnológica cria, em especial no atual estágio de desenvolvimento no qual a biotecnologia desponta como a atividade empresarial que vem atraindo mais investimentos.

É necessário promover a valorização da dignidade da pessoa humana, em respeito à Constituição Federal, esta é a tarefa do jurista, sendo a bioética um fundamental instrumento para que se atinja este objetivo.

A bioética analisa os problemas éticos dos pacientes, de médicos e de todos os envolvidos na assistência médica e pesquisas científicas relacionados com o início, a continuação e o fim da vida, como as técnicas de reprodução humana assistida, a engenharia genética, os transplantes de órgãos, as técnicas para alteração do sexo, prolongamento artificial da vida, os direitos dos pacientes terminais, a morte encefálica, a eutanásia, dentre outros fenômenos. Enfim, visa a analisar as implicações morais e sociais das técnicas resultantes dos avanços nas ciências, nos quais o ser humano é simultaneamente ator e espectador.[11]

O grande objetivo da vida, para Aristóteles, seria a felicidade, e esta seria possível graças à qualidade especificamente humana, que diferencia o homem dos outros seres, sua capacidade de raciocínio, a qual lhe permitiria ultrapassar e governar todas as outras formas de vida. Presumia o filósofo que a evolução dessa faculdade traria realização pessoal e felicidade. Mas o filósofo não previu que essa mesma peculiaridade faria o homem conquistar campos inimagináveis, que o colocariam no limiar da sua própria natureza. [12]

Talvez nunca se tenha pensado que esse domínio do homem pudesse ameaçar a qualidade e a sobrevivência da vida em si mesma. Mas isso já aconteceu. Toda comunidade científica está em alerta já que as descobertas da biotecnologia se sobrepõem com uma rapidez inigualável. É preciso fazer com que a ética consiga ao menos se aproximar desses avanços e trazer perspectivas melhores à humanidade.

A grande questão que se impõe é: face aos avanços da engenharia genética e da biotecnologia, qual o comportamento a ser adotado pelos profissionais das diversas áreas ao enfrentarem os desafios decorrentes dessa evolução? Talvez a resposta fosse mais simples se a própria sociedade já tivesse traçado suas diretrizes para o assunto, mas também ela está perplexa.

Diante do que foi visto, é possível perceber que o homem pode muito mais do que deve. E ainda: não há que se falar em princípios éticos absolutos, já que a ética muda conforme a história da sociedade.

Chegar a um consenso é praticamente impossível, então, deve-se buscar a tolerância junto com a responsabilidade.

Parafraseando Aldous Huxley, estamos diante de um “Admirável Mundo Novo”, em que o saber científico produz uma sociedade totalitária e desumanizada.

Portanto, a bioética deve pronunciar-se entre a manipulação e a humanização.[13] A bioética não pretende calar a ciência, proibir as pesquisas, mas sim, caminhar com elas, tentando verificar os problemas antes que eles ocorram, avaliar o que realmente vale a pena, no sentido de prevenção.

Como se vê, é de extrema importância transferir essa temática também para as pessoas não especialistas, para que todos possam compreendê-la e decidir com segurança qual o melhor caminho a seguir. É essencial que a sociedade mude sua postura com relação à ciência e busque controlar de forma eficaz mecanismos de controle social e ético para que os "Homens-Deus" parem de brincar com a vida alheia.

O poder do homem sobre a vida mostra-se como uma realidade esperançosa, mas ao mesmo tempo, perigosa demais. É importante que o homem seja capaz de assumir decisões éticas que possibilitem um futuro plenamente humano.[14]

O progresso científico, aos poucos, deve ceder aos limites éticos e legais.

A bioética, sem dúvida, é questionamento em busca da conveniência e da oportunidade. Está voltada para o futuro com sucesso já no presente.

É claro que a bioética não significa estagnação e, portanto, estará sempre em transformação, guiada pela evolução da ciência e transformação da sociedade. Deverá acompanhar estes avanços tendo como principal objetivo a garantia da integridade do ser humano, tendo como linha mestra o princípio básico da defesa da dignidade humana.

Deve chegar o momento da ciência com consciência, rumo à priorização da função social das biociências.  Surge um "tempo novo" e nova mentalidade deve acompanhá-lo. O desafio é a construção de uma ética nova, baseada na solidariedade em que o pensamento do "eu" passe a ser o pensamento do "nós"!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETTO, Vicente de Paulo (Orgs.). Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

BERNARD, Jean. Da biologia à ética – Bioética. Paris: Editorial PSY, 1994.

BOLZAN, Alejandro. Reprodução Assistida e Dignidade Humana. São Paulo: Paulina, 1998.

DENNY, Ercílio A.. Ética e Sociedade. Capivari: Opinião, 2001.

GASSEN, Hans Gunter. Biotecnologia em discussão. São Paulo: Konrad-Adenauer, 2000.

GOLDIM, José Roberto. Introdução à Bioética. Disponível em: <http://www.hcpa.ufrgs.br/bioeticaf.htm>.  Acesso em: 24 mar. 2001.

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. 24. ed. São Paulo: Globo, 1998.

LADUSÃNS, Stanislavs (Coord.). Questões Atuais de Bioética. São Paulo: Loyola, 1990.

OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997.

PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.). Fundamentos da Bioética. São Paulo: Paulus, 1996.

RIBEIRO, Antônio de Pádua. Biodiversidade e Direito. Revista Consulex. Ano IV, nº39. Março, 2000.

SANTOS, Maria Celeste C. Leite. O Equilíbrio do Pêndulo a Bioética e a Lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998.

SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. São Paulo: Loyola, 1996. I v.

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NOTAS:

[1] PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.). Fundamentos da Bioética. São Paulo: Paulus, 1996,  p. 30.

[2] SANTOS, Maria Celeste C. Leite. O Equilíbrio do Pêndulo a Bioética e a Lei: implicações médico-legais. São Paulo: Ícone, 1998,  p. 38.

[3] POTTER, Van Rensselaer apud  PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.), op. cit.,  p. 33.

[4] GOLDIM, José Roberto. Introdução à Bioética. Disponível em: <http://www.hcpa.ufrgs.br/bioeticaf.htm>.  Acesso em: 24 mar. 2001.

[5] OLIVEIRA, Fátima. Bioética: uma face da cidadania. São Paulo: Moderna, 1997,  pp. 47-48.

[6] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993,

pp. 86-87.

[7] PESSINI , L.; BARCHIFONTAINE, C. P. (Orgs.), op. cit.,  pp. 27-28.

[8] SANTOS, Maria Celeste C. Leite, op. cit., pp. 42-45.

[9] OLIVEIRA, Fátima, op. cit.,  pp. 55-56.

[10] SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética. São Paulo: Loyola, 1996,  p. 167.

[11] BARBOZA, Heloisa Helena; BARRETTO, Vicente de Paulo (Orgs.). Temas de Biodireito e Bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001,  p. 2.

[12] GOLDIM, José Roberto, op. cit.,  pp. 5-10.

[13] DENNY, Ercílio A.. Ética e Sociedade. Capivari: Opinião E., 2001, p. 50.

[14] SANTOS, Maria Celeste C. Leite,  op. cit. p. 37. 


Referência  Biográfica

Juliana Frozel de Camargo  –  Advogada. Mestre em Direito Civil. Professora Universitária. Membro do Núcleo de Estudos de Direito Ambiental, Empresarial e Propriedade Intelectual – NEDAEPI. Membro da Comissão Organizadora e Revisora da Revista "Cadernos de Direito" – UNIMEP. 2004

camafroju@hotmail.com

Exame de Ordem: A quem interessa sua extinção?

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Leon Frejda Szklarowsky[1]

O atributo do advogado é sua moral. É o substratum da profissão. A advocacia é um sacerdócio; a reputação do advogado se mede por seu talento e por sua moral!” (Rafael Bielsa, La Abogacia)

O ADVOGADO. A advocacia nasce com o ser humano, desde o momento em que este intercede em favor de seu semelhante. O ministério de advogado é muito mais antigo do que o título de advogado, [2] ensina Mr. Boucher d’Argis, citado pelo Conselheiro Montezuma, ao discursar na sessão inaugural do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Na Antigüidade, os caldeus, os persas e os babilônios recebiam conselhos dos sábios e dos filósofos e, no Egito, havia os que faziam a defesa dos direitos individuais e podem ser considerados os ancestrais dos atuais advogados. Na Grécia, Péricles foi o primeiro convidado a cuidar dos negócios judiciários.

Entre os hebreus, na época de Moisés, cada um estava apto a defender-se a si mesmo, mas podiam ser acompanhados de um parente ou amigo, que o auxiliava em sua defesa, perante os tribunais.

Os romanos viam nobreza nesta profissão, que vem desde a fundação de Roma. A advocacia, nos primeiros tempos de Roma, era o passo inicial para os Empregos Nacionais, tendo Cícero se destacado como o príncipe da palavra.

O Direito Canônico faculta às partes a constituição de advogado ou procurador[3], mas, no juízo criminal, a pessoa deverá sempre ter um advogado constituído por ela mesma ou designado pelo juiz.[4] As mulheres não estão proibidas de exercer qualquer um desses encargos. Note-se que já não é necessário que o procurador, advogado, seja católico. [5]

Na França, do Rei São Luiz, o advogado tem o nome de avocat ou avant parliers e, com Pepino, em 751, começa o momento mais brilhante da profissão.

Em todas as sociedades, a advocacia exerce significativa influência, pois que a liberdade e a advocacia se acham indissoluvelmente entrelaçadas. Não há liberdade nem democracia, onde o advogado não se possa exprimir e agir livremente e o juiz atuar com total independência, libertos das amarras da coerção, do medo e da perseguição. 

A advocacia é uma atividade intimamente ligada à ética e à moral, delas não podendo desgarrar-se, sob pena de transformar-se numa ossatura sem alma ou um recipiente sem conteúdo. É por esse motivo que José Maria Martinez Val assinala que a é uma atividade essencialmente humanística, visto que o advogado, para sê-lo, deve conhecer o homem na sua essência. [6]      

O advogado exerce verdadeiro sacerdócio. Necessita ele da mais ampla e irrestrita liberdade e independência, para operar seu ministério. É o guardião das liberdades, em todas as épocas. No mundo moderno, porém, deixou de ser apenas o mandatário do cliente, representando-o, nas causas judiciais, para se transformar no profissional que o assiste, em toda parte e em todos os momentos. 

O desenvolvimento das relações humanas, o progresso e a globalização, nestas últimas décadas, as grandes e rápidas transformações que ocorrem em segundos, a fascinante conquista, máquina – computador e a internet, exigem do advogado uma atuação imediata e constante. O bacharel, por sua vez, tem a grande responsabilidade de, com seu talento, arte e criação, participar ativamente dos grandes movimentos sociais, agindo e atuando ininterruptamente.

O advogado é um dos pilares de sustentação da Justiça, o arauto do Direito e da liberdade, indispensável à administração da justiça. Exerce um múnus público. É inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei, declara solenemente a Constituição vigente; todavia deve-se entender essa proclamação, no seu sentido mais elástico. O artigo 133 é incisivo, no seu comando. 

A advocacia conquistou a majestade constitucional, com postura semelhante a do magistrado e a do membro do Ministério Público e exerce função de caráter institucional.

Infere-se, destarte, que o advogado não pode estar sujeito a qualquer constrição, nem deve esmorecer no momento em que a crise social, moral, ética, política e econômica está a devorar  a nação e a minar o próprio Estado. Deve fazer valer as prerrogativas constitucionais, custe o que custar.

Santo Ivo, o apóstolo da advocacia e patrono dos advogados, concebeu dez mandamentos, que se constituem num verdadeiro Código de Deontologia Jurídica, na lição de Ruy de Azevedo Sodré. Destaco “alguns, por sua magnitude: “amar a justiça e a honra como as meninas dos seus olhos”, “implorar a Deus ajuda para o êxito de suas demandas, pois é Ele o primeiro protetor da justiça” “e “ser sempre verdadeiro, sincero e lógico” [7].

Rui Barbosa sintetiza, com rara felicidade, a fonte de vocação do advogado: “amar a pátria, estremecer o próximo, guardar a fé em Deus, na verdade e no bem” [8]. Este dogma vem assente na consciência do povo.

A ORDEM DOS ADVOGADOS. A Ordem dos Advogados é o respiradouro da sociedade. Constitui uma das colunas mestras de sustentação da Democracia e tem por missão sagrada zelar pela Constituição, pela lei e pela justiça; defender as instituições e, concomitantemente, as prerrogativas do advogado, precipuamente no que diz respeito às condições do exercício da profissão e ao ensino jurídico, por se refletirem diretamente na liberdade e na vida das pessoas. A liberdade não se compra, conquista-se. Com suor e lágrimas, se preciso for. A vida sem liberdade é vazia, sem dignidade.

O Estatuto da Advocacia – Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994 – deixa bem claro que a Ordem dos Advogados guarda, entre suas finalidades, a de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social e deve pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aprimoramento da cultura e das instituições jurídicas. Cabe-lhe também, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados.

Sua natureza é múltipla, ou, como ensina Paulo Lôbo[9], ela é institucional e de polícia administrativa.

Após a independência, a advocacia ainda não estava organizada, todavia as Ordenações lusitanas em vigor previam que só podiam advogar os que houvessem cursado a Universidade de Coimbra, em Direito Canônico ou Direito Civil, durante oito anos, e, para atuar perante a Casa de Suplicação, deviam ter passado por prévio exame. Era a condição indispensável[10].

Em 11 de agosto de 1827, D Pedro I cria as duas primeiras instituições de ensino superior: as Faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, podendo estas conferir os graus de bacharel e doutor[11]. Neste ano, comemoram-se os 180 anos de fundação. Em  1843, funda-se o Instituto dos Advogados Brasileiros, precursor da Ordem dos Advogados[12]. O artigo 2º dos seus estatutos previa que “o fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados em proveito geral da ciência da jurisprudência”.

A instituição da Ordem só vem a ocorrer com a edição do Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, pelo Presidente Getúlio Vargas (artigo 17). O Decreto nº 20. 784, de 14 de dezembro de 1931, aprova o Regulamento, passando a vigorar em 31 de março de 1933, por força do Decreto nº 22.266, de 28 de dezembro de 1.932, seguindo o modelo francês do Barreau de Paris.  A consolidação do Regulamento ocorreu com a edição do Decreto nº 22.478, de 20 de fevereiro de 1933, vigorando, com inúmeras alterações, até a promulgação da Lei nº 4.215, de 1.963. Em 1934, foi aprovado o primeiro Código de Ética da profissão.

Cite-se a figura do rábula que, sem possuir o curso de direito, obtinha autorização para postular em juízo, na primeira instância. O Brasil teve rábulas famosos, como Evaristo de Moraes, Cosme de Faria e Luis Gama. Mencione-se também o solicitador, previsto no primeiro estatuto (Regulamento da Ordem – Decreto nº 22478, de 1933, e leis subseqüentes). A Lei nº 794, de 29 de agosto de 1949, permitia a inscrição de provisionados e solicitadores no quadro da OAB. A Lei nº 4215/63, previa, no artigo 47, a inscrição dos provisionados. Aos alunos do quarto ano, autorizava a lei a concessão da carta de solicitador[13].

EXAME DE ORDEM. O exame de ordem não é novidade. As Ordenações Filipinas exigiam o exame para os que fossem atuar na Casa de Suplicação, em Portugal[14].

Trata-se de uma forma de aquilatar os conhecimentos jurídicos básicos, técnicos e práticos daqueles que pretendem exercer a advocacia. Só a Ordem dos Advogados pode fazê-lo[15], prestado perante o Conselho Seccional, onde o bacharel em direito concluiu o curso ou no local de seu domicílio eleitoral[16].

Esse exame não contraria o princípio da liberdade profissional, estatuído no inciso XIII do artigo 5º da Constituição. Neste sentido, Paulo Lôbo, visto que o exercício de qualquer trabalho é livre, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Assim, a liberdade não é absoluta. A Carta não poderia, como não o faz, proteger o profissional sem qualificação, pondo em risco a vida, o patrimônio e a liberdade das pessoas.

Paulo Lobo cita, em abono a esse entendimento, a representação de inconstitucionalidade número 930. O STF decidiu ser constitucional a exigência dos requisitos e limitações à liberdade de exercício profissional previstos na lei, em atenção à determinação da Constituição de 1967, com a e Emenda nº 1, de 1969, que neste particular não destoa do atual Texto Magno.    

A citada Lei nº 4.215/63 tornou obrigatório o exame de ordem para os que não tivessem feito o estágio, previsto neste diploma ou não tivessem comprovado satisfatoriamente o seu exercício e o resultado (artigo 53). Ficavam dispensados os egressos da magistratura e do ministério público, tendo exercido as respectivas funções por mais de 2 anos, bem como, nas mesmas condições, os professores das Faculdades de Direito, oficialmente reconhecidas[17].

A Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, impôs como condição para a inscrição como advogado a aprovação no exame de ordem[18], regulamentado por provimento do Conselho Federal. Na hipótese de novo pedido de inscrição, a lei não exige o exame de ordem. Entretanto, absurdamente, o número de inscrição anterior não é restaurado, o que se me afigura inconstitucional essa restrição.

O estagiário inscrito na OAB, na forma do artigo 9º, também deve submeter-se ao exame. O estágio profissional de advocacia não dispensa a submissão ao referido exame.

Quanto à necessidade do exame de ordem, que tem o seu equivalente no Direito Comparado, com extremo rigor, a maioria dos juristas é francamente favorável a sua manutenção. Raras são as vozes que se levantam em seu desfavor.

As escolas de direito formam bacharéis e não advogados, o que é bem diferente. Esta também é a opinião da Corte Suprema, enfatizada pelo Ministro Carlos Mário Veloso[19].

Roberto Rosas utiliza-se de um argumento irrefutável e original, em prol desse exame, ao sustentar que o curso jurídico “não tem como finalidade a formação de advogados. Também forma, mas ao lado de magistrados, membros do Ministério Público, procuradores, e até diletantes ávidos de conhecimento jurídico para suas atividades particulares (servidores públicos, empresários, outros profissionais liberais, etc.). Portanto, não há uma metodologia para a formação do advogado, e a escola obriga-se a fornecer conhecimentos genéricos para que haja a opção da futura carreira” [20].

Paulo Lôbo é veemente, na defesa do exame de ordem[21], pois as faculdades, realmente, não graduam advogados, promotores de justiça, juízes, delegados de polícia, procuradores públicos, senão bacharéis em direito, que não é profissão. No caso específico do advogado, este exerce múnus público e não privado.

Nesta mesma linha, Fábio Ferreira de Oliveira, ex-presidente do exame de ordem da Seccional de São Paulo, cita nomes de realce, em favor do exame, como João Nascimento Franco, Teófilo Cavalcanti Filho, Marcelo Lavenière. A juíza federal Maria Moura Martins, citado pelo autor do artigo, aproveita a oportunidade para elogiar a iniciativa e defende a sua constitucionalidade[22].

Vitorino Francisco Antunes Neto objeta, com veemência, os que se batem pela inconstitucionalidade da lei, citando autores eminentes, como Michel Temer, José Afonso da Silva. Lembra, então, Calamandrei que considera os advogados “as supersensíveis antenas da Justiça”. [23]

Já Álvaro de Mello Filho, citado, por Fábio Ferreira de Oliveira, anota que “modernamente persiste a OAB com o animus de velar pela dignidade, independência, prerrogativas, prestígio e valorização da advocacia e, como corporação, “ligada ao domínio de uma ciência e de uma técnica especialmente qualificada” exercita o controle de acesso à profissão (regulando a quantidade e qualidade dos serviços a prestar de acordo com as exigências do mercado), bem como disciplina a atividade profissional (o poder de ditar normas por que se rege, de julgar disciplinarmente seus membros pela aplicação do código deontológico e de lhes impor contribuições)[24].

Neste mesmo sentido e com o mesmo ardor, citem-se: Reginaldo Oscar de Castro, Ronald Cardoso Alexandrino, Marcelo Guimarães da Rocha e Silva, Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Vitorino Francisco Antunes Neto, Alberto Venâncio Filho, César Luiz Pasold, José Cid Campêlo[25], Estefânia Viveiros, Luiz Flávio D’Urso, Ives Gandra da Silva Martins, Flávio Bierrenbach, Marco Maciel, César Brito, presidente do Conselho Federal da OAB. Na verdade, não haveria papel suficiente, se fôssemos citar todos os juristas, professores, advogados e personalidades que esposam e não se opõem a este instituto moralizador, num momento tão sensível em que vivemos, devido à devassidão e corrupção, incompatíveis com a ética que deve nortear o advogado.

Há quase quarenta anos, na década de 70 do século passado, Cássio Mesquita Barros Jr. escreveu um significativo estudo “Estágio e Exame de Ordem”[26]. João Baptista Prado Rossi, então presidente da OAB-SP, na apresentação do trabalho, enfatizava que essa exigência visava “resguardar a classe e a sociedade moderna, a quem a administração da justiça é indispensável, de debacle definitiva, como têm proclamado Nehemias Gueiros, Waldyr Troncoso Peres, Domingos Marmo, Geraldo Ferrari, Ruy Homem de Mello Lacerda, nas concentrações e seminários realizados com a participação de toda a classe de advogados, juristas e professores”. 

Cássio Mesquita Barros Jr., em excelente pesquisa realizada, por ocasião da introdução do exame de ordem, em nosso ordenamento jurídico, analisou o sistema de 15 países (Áustria, Bélgica, França, Grécia, Itália, Portugal, Suécia, Turquia, Inglaterra, Rússia, Hungria, EUA, Japão, Síria e União Sul Africana). Comparando-se com os estudos feitos pelos Drs. José Cid Campelo, Paulo Lobo e com o sistema atual de Portugal, conclui-se que o trabalho permanece válido e não contraria as conclusões dos autores citados, podendo haver apenas pequena variação adjetiva, devido ao decurso do tempo.

O alerta feito, há mais de um quarto de século, ainda hoje ecoa, com mais vigor, devido aos problemas que se tem agravado, de forma desastrosa. Acrescente-se que esse trabalho foi objeto de aprovação unânime na Comissão de Exame e Estágio daquela seccional, composta ainda do apresentador e de Ruy de Azevedo Sodré[27].

DIREITO COMPARADO. O exame de Ordem ou o equivalente exame de Estado, prestado perante tribunais ou outros órgãos, é praticado na maioria dos países, como salvaguarda das pessoas, da ordem jurídica e da sociedade.

Recorda Paulo Luiz Netto Lobo que, segundo levantamento feito pelo Conselho Federal da OAB, junto às embaixadas em Brasília, a maior parte dos países exige o Exame de Ordem ou o exame equivalente e faz-se necessário um estágio de aproximadamente dois anos, após a graduação no curso de Direito. Na Inglaterra, para que o candidato (bacharel em Direito) possa advogar, como barrister, perante as cortes de justiça superiores, e inscrever-se, em uma das quatro Inns of Court, deve submeter-se a dois exames. Para advogar como solicitor, nos tribunais e juízos inferiores, deve ele submeter-se a uma das Law Societies[28].

Descreve o autor, ainda, que na França são exigidos dois exames, para obtenção do certificado de aptidão para o exercício da advocacia. Um, para ingressar na Escola de Formação Profissional de Advogado, e outro, após um ano de estudos de prática profissional. A dificuldade não para aí, visto que, depois de prestado o compromisso, deve ele fazer um estágio de dois anos na Escola, em escolas ou empresas, defendo causas e dando consultas[29].

José Cid Campelo[30], ex-coordenador do exame nacional de ordem, em magnífico e exaustivo trabalho publicado em 1999, fez significativa pesquisa, em 39 países e relacionou-os em grupos distintos. O trabalho, de grande valor, com certeza, está perfeitamente atualizado, dado o pouco tempo decorrido. Eis como o autor apresenta o resultado:

1)       Líbano, Japão, Grécia, Suíça, Haiti, Polônia, Inglaterra, Estados Unidos da América (variando de Estado para Estado), França, Iugoslávia (antigo país), Togo, Marrocos, Alemanha e Nigéria. Estes países exigem Exame profissional (Exame de Ordem), perante a corporação profissional, ou exame de Estado, perante determinado órgão público ou tribunal, além do estágio ou residência profissional, de dois ou mais anos, após a graduação.

2)       Áustria. Este país exige Exame de Ordem (profissional), perante a corporação profissional ou Exame de Estado, perante determinado órgão público ou tribunal, além do estágio ou residência profissional, de dois ou mais anos, após o mestrado ou o doutorado.

3)       Finlândia, Chile, México e Países Baixos. Estes países exigem o exame profissional, mas não o estágio ou a residência.

4)       Argélia e Costa do Marfin. Estes países exigem o exame profissional, após a colação no grau de bacharel  em Direito, mas não o Exame de Ordem ou o estágio. No Egito, há a exigência do estágio em escritório de advocacia.

5)       Uruguai, Bolívia, Equador, Suriname, Iraque, Nicarágua, Espanha, Cuba e Venezuela. Estes países não exigem exame ou estágio. Entretanto, no Suriname, é praxe a prática de um ano em escritório de advocacia.

6)       Eslováquia, Turquia, Colômbia, Portugal♣[31] e Marrocos. Estes países só exigem estágio.

7)       Colômbia. Este país, além do estágio, exige também exposição escrita e defesa oral de tese jurídica.

8)       Dinamarca. Este país exige que o candidato, ao exercício da advocacia, trabalhe como assistente de advogado, por três anos, devendo submeter-se a vários testes, para advogar perante os tribunais superiores. Para advogar perante a Corte Suprema, deve fazer a comprovação de que, nos últimos cinco anos, esteve no exercício da atividade em tribunais superiores.

9)       Noruega. Este país exige que o candidato obtenha licença do Ministério da Justiça, devendo  comprovar que, nos últimos dois anos, cumpriu várias modalidades legais, incluindo três processos, em tribunais inferiores de justiça, como estagiário.

♠MODELO PORTUGUÊS. Portugal editou o novo Estatuto da Ordem dos Advogados[32]. O Conselho Geral da Ordem fez a adequação dos regulamentos relativos ao acesso e ao exercício da profissão de advogado. Deu nova nomenclatura ao sistema, passando a denominar-se Regulamento Nacional de Estágio e enxugou a regulamentação passada, tornando sua leitura mais acessível aos interessados.

O objetivo primacial foi definir os princípios orientadores do estágio e da formação do advogado estagiário, visando a formulação de um modelo de estágio que sirva os objetivos de rigor e experiência pedagógica e científica assente numa lógica de simplicidade de procedimentos científicos e burocráticos.

O estágio, disciplinado no Regulamento 52 A citado, compreende duas fases: a fase de formação inicial e a fase de formação complementar.

O Estatuto da Ordem dos Advogados de Portugal (Lei 15/2005), no artigo 188, fixa o prazo do estágio, que tem a duração global mínima de 2 anos.

O patrono é uma figura de importância fundamental na formação do estagiário, de sorte que se torna o principal responsável pela orientação e direção do exercício profissional, competindo-lhe promover e incentivar a formação durante o estágio e apreciar sua aptidão e idoneidade deontológica, para o exercício da profissão, emitindo relatório a respeito e participando diretamente no processo de avaliação.

O estágio não é mera formalidade burocrática, pois, além de extremamente rigoroso, ao final, da formação inicial, o estagiário deve submeter-se à prova de aferição, destinada a avaliar a aquisição de conhecimentos das matérias propostas no regulamento. As ações de formação complementar são de cunho essencialmente prático. Após todo esse árduo caminho percorrido, o estagiário terá que submeter-se ao exame final de avaliação e agregação, composta de uma prova escrita e um prova oral, com o objetivo de avaliar a preparação deontológica para o exercício da advocacia. Só então, ser-lhe-á conferido o título de advogado. Verifica-se a seriedade com que os portugueses encaram a formação do advogado. O estágio termina com uma avaliação individualizada do respectivo processo de formação, dependendo a atribuição do título de advogado de aprovação em exame nacional de avaliação e agregação.

Luiz Fernando Sgarbossa, citando o juiz de direito e ex-promotor de justiça, Luiz Guilherme Marques, chega à mesma conclusão, ao estudar os procedimentos na França e na Itália[33], e defende o exame de ordem como necessário e indispensável.

PROJETOS DE LEI NO CONGRESSO (ÁREA JURÍDICA). Existe no Senado da República o Projeto de Lei 186, de 2006, do Senador Gilvan Borges, propondo a extinção do exame de Ordem, sob a alegação de que é a única profissão que exige esse tipo de avaliação.

Há ainda os Projetos de Lei da Câmara Federal nºs 7553/2006, do Deputado José Divino, e 5801/2005, do Deputado Max Rosenmann, visando acabar com o exame de ordem, nada acrescentando que pudesse desmantelar o sistema vigente.

Na verdade, os argumentos de Suas Excelências, com todo respeito, viajam na contramão da história e dos países civilizados e fundamentam-se em razões inconsistentes. Colidem frontalmente com a realidade. 

Em sentido contrário a esses projetos, o Projeto de Lei nº 5.054/2004, do Deputado Almir Moura, ratifica o que já está inscrito na Lei da Advocacia.

O Projeto de Lei nº 6470/2006, do Deputado Lino Rossi, sem embargo dos bons propósitos de Sua Excelência, não atende aos princípios que nortearam a Lei nº 8.096, porque simplesmente substitui o exame de Ordem pelo estágio, sem qualquer aferição, ao contrário do que ocorre em outros países.

Quanto à inexistência dessa exigência em outras profissões, proclamada pelos ilustres congressistas, autores dos referidos projetos de lei, há um pequeno equivoco.

O Conselho Federal de Corretores de Imóveis expediu a Resolução nº 800/2002, publicada no DOU de 17.1.2003, com alicerce na Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1972, que instituiu o exame de proficiência, para os pretendentes ao ingresso no exercício da profissão e obtenção do registro profissional, pelos mesmos motivos que levaram à criação do exame de ordem.

O Conselho Federal de Contabilidade, por sua vez, baixou a Resolução n° 853/99, no mesmo sentido. Esta resolução foi alterada por subseqüentes resoluções: Cf. Resoluções números 928 e 933, de 2002, e 994, de 2004, as quais mantêm a regulamentação do referido exame[34].

ÁREAS DA SAÚDE. Na área da saúde, o problema da proliferação de faculdades, sem os mínimos requisitos, com o conseqüente aumento de profissionais incapacitados, vem chamando a atenção das autoridades responsáveis, que exigem uma severa tomada de posição.

O Professor José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Médica Brasileira, em notícia dada pelo Jornal de Brasília, de 9 de junho de 2007, com fonte na Agência Brasil, alerta que esse tema foi objeto de debate, no 11° Encontro Nacional das Entidades Médicas, e enfatizou que a formação médica no País passa por um momento trágico, com a média de 170 faculdades de medicina em funcionamento “e milhares de jovens iludidos buscando a medicina através desses caminhos tortuosos”.

Defende o mestre a criação uma avaliação de médicos recém-formados, como acontece com a OAB, sem embargo da residência obrigatória, em vista da má qualidade do ensino em todas as áreas, porque, sintetiza o ilustre médico, “nós precisamos proteger a sociedade”.

O Dr. Clóvis Francisco Constantino, ex-presidente da Sociedade de Pediatria do Estado de São Paulo, 1998-2000, Membro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Membro do Conselho Federal de Medicina, Médico pediatra desde 1972, assim se pronunciou, acerca do assunto:

“Diz o artigo 2º da Lei Federal 3268 de 1957 publicada em 30 de setembro de 1957, promulgada pelo então excelentíssimo Presidente da República, Dr. Juscelino Kubitschek, médico: "O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e, ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exercem legalmente."  (grifo meu).Tal legislação está aniversariando agora (50 anos). De lá para cá, dezenas de cursos de medicina foram criados ( principalmente nos últimos quinze anos ), nem sempre com fundamento na necessidade, mas, em grande parte, com fundamento no lucro fácil, uma vez que são cursos privados com mensalidades elevadíssimas. E, o que é pior: sem condições de ensinar medicina a quem quer que seja, sem professores qualificados e estes, frequentemente, itinerantes, isto é, sem dedicação adequada à nobre atividade de ensino e pesquisa requerida.

O resultado ultrapassa a noção do intuitivo para a demonstração. Hoje em dia, os conselhos de medicina recebem, proporcionalmente, muito mais denúncias contra médicos.

Quem abraça, como profissão, uma atividade que depende de conhecimento, habilidades e relações inter-pessoais, não pode resistir ao fato de ser avaliado de forma isenta.

Por esse motivo que, por ocasião de meu mandato como presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em 2004 e 2005, abri a discussão sobre esse tema em nosso Estado e iniciamos um projeto de pesquisa que foi denominado Exame do Cremesp no qual, voluntariamente, os egressos das faculdades submetem-se à avaliação teórico-prática organizada pelo Conselho de Medicina de São Paulo e a Fundação Carlos Chagas. Estamos no terceiro ano de sua aplicação e os dados que têm sido obtidos serão de grande valia para embasar um futuro no sentido de legislação. Afinal, como faz o Conselho Federal da OAB com base em lei, tal iniciativa deve ser entendida como necessária na Medicina, por convencimento de todos os envolvidos; é a finalidade do trabalho que está sendo realizado em São Paulo, com coordenação de sua plenária e o empenho pessoal do prof. Bráulio Luna Filho.

Sou totalmente favorável ao exame dos egressos das faculdades de medicina como condição prévia à autorização para o exercício profissional do médico.
Nossos pacientes nos avaliam, diariamente. Que nossos pares o façam, também, no início de nossa jornada, para que seja o primeiro marco do zelo que deve pautar a técnica e a arte da Medicina”.

PROJETOS DE LEI NO SENADO E NA CÂMARA. A Senadora Serys Slhessarenko, tendo em vista a trágica realidade, apresentou o Projeto de Lei nº 102/2006 dispondo que, para obter o registro profissional junto aos Conselhos Regionais de Medicina e de Odontologia, os médicos e cirurgiões-dentistas devem ser aprovados em exame prévio de exame de proficiência, destinado a comprovar o nível de conhecimento indispensável para o exercício da profissão.

Sua Excelência justifica a proposta, em face da abertura indiscriminada de faculdades médicas (a argumentação, sem dúvida, vale também para as de odontologia e de direito), que deteriora o ensino e abastarda a profissão.

Cita o exemplo dos Estados Unidos da América, Canadá, Chile, México e Espanha, cada qual com suas peculiaridades na avaliação.

Conclui que, no Reino Unido, a partir deste ano, as exigências são mais drásticas. Não basta possuir o registro no Conselho Médico Geral, pois, para mantê-lo, o médico deverá demonstrar que está apto a trabalhar por meio da reavaliação e revalidação.

O Projeto de Lei nº 4342, de 2004, do Deputado Alberto Fraga, segue a mesma linha e as razões da justificativa têm o mesmo sentido das apresentadas pela senadora.

PROJETO DE LEI NA CÂMARA DOS DEPUTADOS (TODAS AS PROFISSÕES REGULAMENTADAS). O Deputado Federal Joaquim Beltrão, do PMDB-AL, apresentou em 26 de março de 2007, o Projeto de Lei nº 559, sujeito à apreciação conclusiva nas comissões, nos termos do artigo 24, II, sob o regime de tramitação ordinária, com o objetivo de autorizar os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a exigir exame de suficiência como requisito para a obtenção de registro profissional. Este exame será regulamentado. Por meio de provimento do respectivo Conselho Federal.

A justificativa do douto parlamentar fundamenta-se em razões irrefutáveis. Aduz que a competência dos conselhos não se restringe apenas ao trabalho executado pelos profissionais registrados, visto que estes realizam também a fiscalização prévia, na medida em que lhes competem conceder o registro aos que preencherem os requisitos que comprovem a sua capacidade.

Louva-se na experiência, vitoriosa e de grande valor, da Ordem dos Advogados, visto que os problemas aflitivos, que a área jurídica enfrenta, abrangem todos os setores. Assim, conclui o deputado, com muita razão, o povo terá maior segurança quando contratar os serviços de médicos, veterinários, engenheiros, agrônomos, psicólogos e tantos outros profissionais que prestam relevantes serviços à sociedade.

O referido projeto encontra-se na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, desde 26 de junho de 2007. O parecer do Relator, Deputado Roberto Santiago, do PV-SP, foi proferido no sentido de aprovar-se o projeto[35].

PROPOSTA DE UM NOVO MODELO DE AVALIAÇÃO DO BACHAREL EM DIREITO. É cediço que o ensino no Brasil deixa muito a desejar. Vários são os fatores. Os especialistas apontam a desagregação, o péssimo ensino primário, o secundário mal feito e o terceiro grau, sem o mínimo de condições, como razões suficientes do insucesso para o exercício da profissão, no mercado de trabalho. A mercantilização do ensino, a proliferação de escolas sem as mínimas condições e o aumento crescente de bacharéis, e formandos de outras áreas, totalmente despreparados, exigem uma tomada de posição sem precedentes, em todas as áreas. A situação é realmente crítica.

A manutenção do exame de ordem é inconteste. A unificação dos exames foi o primeiro passo importante, que já está produzindo bons resultados, conquanto muito há que fazer. A experiência, no direito, comparado pode ajudar-nos muito no aprimoramento do instituto.

Tome-se como exemplo de estágio o modelo luso, descrito neste trabalho. Seguramente, a comunhão do exame preliminar, tal qual utilizado atualmente, com o estágio, nos moldes de Portugal, permitirá, sem dúvida, uma seleção primorosa, para aquisição do título de advogado. Aliás, O estágio corresponde, grosso modo, ao já utilizado na Medicina, com a residência e que já é objeto de modificação, com proposta de efetuar a seleção, por intermédio de exame semelhante ao utilizado pela Ordem dos Advogados. São Paulo já vem aplicando pioneiramente avaliação semelhante.

CONCLUSÃO. A preocupação da sociedade e das pessoas responsáveis é muito grande e, como vimos, extravasa a área restrita da advocacia. Vai além. Atinge outras profissões de elevada importância, que dizem respeito ao patrimônio, à liberdade e à vida dos seres humanos.

Todas as camadas sociais, qualquer seja sua atividade ou profissão, têm responsabilidade perante a sociedade e sua família. Não podem ficar omissas. Sua participação é necessária, é fundamental. Todos indistintamente têm uma missão a cumprir, não importa a forma.

A corrupção e o obscurantismo sempre existiram, mas não impediram o ser humano de seguir sua trajetória, no cumprimento de seus desígnios. Sempre que o legislador descurar dos valores essenciais do ser humano, produzirá uma obra injusta, má e iníqua e receberá severa reprimenda da sociedade. A trajetória da história demonstra que o Estado não pode superpor-se aos interesses vitais da humanidade, porque ela – a obra – não subsistirá aos impactos da violenta reação em cadeia. No entanto, quando o legislador atende aos anseios desta mesma sociedade, sua obra permanecerá para sempre, visto que o Parlamento é o respiradouro da democracia.

O grito da sociedade está presente e não pode ser ignorado. Vem de todos os cantos.

CONCLUINDO:

1.      O Exame de Ordem é necessário e indispensável, para o exercício da advocacia, tal qual se exige o concurso de aferição de conhecimentos para o ingresso na Magistratura, no Ministério Público e em todas as áreas sensíveis, em vista da relevância dessas atividades, com repercussão na liberdade, no patrimônio e na vida das pessoas.

2.      Além do exame de Ordem, na fase preliminar[36], o estágio é essencial, desde que utilizado o modelo português, que é de fácil adaptação ao Brasil.

3.      Atualmente, renomados médicos e professores de Medicina defendem que também os médicos recém-formados devem submeter-se a rigorosa avaliação, como ocorre com os bacharéis em Direito, sem embargo da residência obrigatória, em virtude da má qualidade do ensino em todas as áreas. Há exceções, felizmente.

4.      Tramitam, no Congresso, dois projetos de lei, obrigando o médico e o cirurgião-dentista submeterem-se a exame prévio de avaliação, para obtenção da inscrição nos respectivos conselhos profissionais, bem como o projeto de lei que autoriza os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a exigir o exame de suficiência, como requisito para obtenção de registro profissional.

5.      Existem outras profissões que exigem o exame de suficiência, para a obtenção do registro profissional, v.g., o corretor de imóveis e o contador.

6.      A maioria dos países impõe o exame de suficiência, sob a forma de exame de ordem, ou o equivalente exame de Estado, prestado perante os tribunais ou outros órgãos, e/ou o estágio sob supervisão e obrigatória avaliação, como salvaguarda das pessoas, da ordem jurídica e da sociedade.

7.      Um episódio isolado de fraude não compromete a entidade e não prejudica os seus objetivos, conforme abalizada opinião do Ministro Flávio Bierrenbach. Extinguir o Exame de Ordem é agravar ainda mais o quadro. É crime de lesa-pátria – nada menos, no dizer de Cezar Brito.

8.      Os projetos de lei, que tramitam no Congresso, com o objetivo de extinguir o exame de Ordem, devem ser abortados, imediatamente, porque contrariam a realidade e eliminam o que se mostra excelente, provocando um retrocesso absurdo e inadmissível.                       

Segundo nota do Professor Mário Frota, via e-mail, “as alterações introduzidas no Ordenamento jurídico português no âmbito da reforma do Plano de ação do Processo de Bolonha, tem como objetivo estabelecer critérios de uniformização do ensino universitário e politécnico dos países pertencentes à  União Européia que, para além das alterações substantivas em matéria do ensino, implicam também a revisão dos graus acadêmicos, o tempo e o modo da respectiva obtenção no âmbito dos procedimentos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados em matéria de inscrição de Advogados e Advogados-Estagiários, os candidatos à advocacia devem comprovar todos os requisitos legalmente estabelecidos para concretização dessa inscrição. 

 Assim, tendo em conta o reflexo das referidas alterações no quadro legislativo que rege o acesso à Advocacia, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, reunido em sessão  plenária, realizada em 11 de Maio de 2007, deliberou, por unanimidade, ao abrigo da matéria prevista na alínea j) do artigo 3 º, conjugada com o disposto na alínea c), do n.º 1, do artigo 45.º, ambos do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, apresentar à assembléia da República (a todos os Grupos Parlamentares) e ao Governo (na pessoa do Senhor Ministro da Justiça), a seguinte proposta de alteração das Leis n.º 15/2005, de 26 de Janeiro e n.º 49/2004 de 24 de Agosto: ….(omissis)”.

PRONUNCIAMENTOS ACERCA DO EXAME DE ORDEM

Sem embargo de algumas opiniões isoladas e discordantes, a maioria mostra-se favorável ao exame de suficiência, também nas outras áreas profissionais.

O Ministro do Superior Tribunal Militar, Flávio Bierrenbach, assim se pronunciou, a respeito do tema: “A partir de 1972, com a proliferação indiscriminada das Faculdades de Direito pelo Brasil, episódio central do crescente processo de mercantilização do ensino no nosso País, o Exame de Ordem revelou-se o único meio eficaz e indispensável para permitir à Ordem dos Advogados do Brasil o exercício de um controle de qualidade em relação aos bacharéis que saem, a cada ano, aos milhares, das centenas de Faculdades de Direito. Não se trata apenas de um controle técnico, destinado a apurar condições mínimas que permitam uma atuação profissional voltada para o ideal de justiça. Há algo mais. O Exame de Ordem é o início da convivência entre o novo advogado e a OAB. Ao longo da vida de cada advogado, esse convívio deve trilhar itinerário rigorosamente ético. Aliás, como está no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. Quando o advogado se desvia da trajetória ética, cumpre à OAB corrigir o rumo, aplicando a punição disciplinar correspondente. Quando, agindo em nome da OAB, qualquer advogado cometer infração ética, a falta terá dupla gravidade. Deverá ser exemplarmente punida. Um episódio isolado de fraude não compromete a entidade e não prejudica os seus objetivos. Tenho orgulho de ter participado da primeira banca de Exame de Ordem, implantada em São Paulo, no ano de 1972, ao tempo em que era presidente do Conselho da OAB o saudoso advogado Cid Vieira de Souza. Claro que o Exame de Ordem deve permanecer. Sua necessidade e eficiência estão comprovadas há décadas. A delinqüência só contamina uma instituição quando é acobertada pelo espírito de corpo”.

O Senador Marco Maciel, presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, advoga, com tenacidade, a mantença do exame de ordem, daí por que, aduz, deve não só permanecer, como merece ser aperfeiçoado.

A Presidenta da Ordem dos Advogados – Seção Distrito Federal, Estefânia Viveiros; adverte que: "A proliferação dos cursos de Direito tem colocado no mercado profissionais que nem sempre passam por uma boa formação. Por isso, o Exame de Ordem tornou-se uma ferramenta fundamental para a garantia da qualidade dos serviços prestados pelos advogados."

O advogado, Dr. Cezar Brito, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, registra que: “O Senado Federal examinará nos próximos dias proposta de extinção do Exame de Ordem, prova de conhecimentos básicos a que se submete por lei o bacharel em direito no Brasil para credenciar-se ao exercício profissional da advocacia. Como se sabe, é expressivo o número de reprovações nesse exame no país, o que indica má qualidade de expressiva parcela dos cursos jurídicos. É indispensável, porém, separar o joio do trigo para entender o que se passa e buscar soluções. 

Os bons cursos aprovam a quase totalidade dos alunos. Já com os maus cursos dá-se o oposto. Por quê? Simples: em sua imensa maioria, são patrocinados por empresários picaretas, inescrupulosos, sem compromisso com a causa da educação, movidos apenas pela avidez mercantilista. Em vez de bani-los do mercado, ou submetê-los a padrões mínimos de eficiência e compostura acadêmica, há quem sugira o inverso: que se elimine o instrumento que denuncia a anomalia – o Exame de Ordem. É como quebrar o termômetro para baixar a febre do paciente. Lamentavelmente, essa visão distorcida fez que chegasse ao Senado projeto de lei nesse sentido.        

A solução evidentemente não pode ser essa. É preciso ir às raízes do problema – e não há dúvida de que a proliferação de instituições de ensino caça-níqueis está na base dessa anomalia. Trata-se de desserviço ao país, ao direito e, sobretudo, aos milhares de jovens que, iludidos na boa-fé, se submetem a essas instituições em busca de ascensão social pelo saber.

Levantamento da OAB, atualizado até 30 de maio deste ano, constata que a oferta de cursos jurídicos no país continua bem acima da capacidade de absorção do mercado – e bem acima da capacidade do Estado de sobre eles exercer algum controle de qualidade. Temos o levantamento estado por estado. Mas fiquemos na soma total: há nada menos que 1.046 cursos jurídicos em funcionamento no país, oferecendo 194 mil e 689 vagas.

Esse é o número de bacharéis que serão postos no mercado de trabalho ao final deste ano – número espantoso, bem acima da demanda. Pior: a maioria despreparada para os mais elementares rudimentos da profissão. Prova disso é o colossal índice de reprovações no Exame de Ordem. Há hoje aproximadamente 600 mil advogados inscritos na OAB. A média de criação de cursos jurídicos no país entre 1994 e 1997 era de 20 anuais. De 1998 a 2003, saltou para 71.

Este ano, no espaço inferior a um mês – entre junho e julho -, o governo federal autorizou o funcionamento de nada menos que 20 instituições e reconheceu quatro outras. Do total de autorizações e reconhecimentos avalizados pelo MEC, a Comissão Nacional de Ensino Jurídico da OAB havia emitido parecer favorável a apenas um curso: a Faculdade Zumbi dos Palmares, em São Paulo. As demais não passaram por nosso crivo.

Da proliferação de cursos inabilitados surge outro dado preocupante: o espantoso aumento do número de bacharéis prestando o exame. Entre 1996 e 2004, o aumento é de 2.533%. Se a OAB fosse uma instituição de índole exclusivamente corporativa, não teria por que se insurgir contra esse quadro. Seria beneficiária dele. Sem o exame, teríamos hoje no Brasil algo em torno de 4 milhões de advogados – o que é mais que a soma de todos os advogados do planeta. Transformaríamos a OAB na mais poderosa e multimilionária entidade de classe. Mas estaríamos condenando a prestação jurisdicional à morte.

O Brasil, mesmo com o filtro da Ordem, é o segundo colégio de advogados do Ocidente – perde apenas para os Estados Unidos. Seria ótimo, se houvesse mercado para todos, se isso se refletisse na qualidade do serviço prestado. Não é, porém, assim. O ensino jurídico sem qualidade atinge todo o espectro da Justiça, pois compromete a formação de todos os que participam de sua administração – e, em última análise, atinge o próprio conceito de cidadania e de democracia.

Por essa razão, OAB e MEC firmaram parceria para sanear o ambiente. Já a partir deste mês, vão supervisionar cerca de 100 estabelecimentos reprovados tanto pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) como pelo Exame de Ordem. Para isso, criaram grupo de trabalho com membros da consultoria jurídica de ambas as instituições para estudar medidas jurídicas contra as chamadas faculdades caça-níqueis. As sanções podem ir de redução das vagas oferecidas à suspensão do vestibular.

O objetivo é garantir qualificação técnica ao bacharel, permitindo que triunfe profissionalmente num mercado disputadíssimo e contribua para a melhoria da qualidade da prestação jurisdicional. Justiça é insumo básico da cidadania – e, não obstante, o Brasil não a fornece à imensa maioria da população. Extinguir o Exame de Ordem é agravar ainda mais o quadro. É crime de lesa-pátria – nada menos”

 


 

NOTAS

                Agradeço, sensibilizado, aos queridos colegas, Professores Doutores Mário Frota e Ângela Frota (Portugal), Daniel Domingos Scott, Esdras Dantas, Edmundo Oliveira, Miguel Gerônimo da Nóbrega Neto e Cássio Mesquita Barros Jr., pela assistência incansável na pesquisa realizada, especialmente, no Direito Comparado, sem a qual impossível seria completar o presente estudo.

[1] O Professor Leon Frejda Szklarowsky é escritor, poeta, jornalista, advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, especialista em Direito do Estado e metodologia do ensino superior, conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, juiz arbitral da American Arbitration Association, Nova York, USA, juiz arbitral e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Centro de Excelência de Mediação e Arbitragem do Brasil, vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex, acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (diretor-tesoureiro), da Academia de Letras e Música do Brasil, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia de Letras do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Escritores, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, Entre suas obras, destacam-se: LITERÁRIAS: Hebreus – História de um povo, Orquestra das cigarras, ensaios, contos, poesias e crônicas. Crônicas e poesias premiadas. JURÍDICAS: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Ensaios sobre Crimes de Racismo, Contratos Administrativos, arbitragem, religião.   Condecorações e medalhas de várias instituições oficiais e privadas.

[2] Cf. Edição fac similar da Revista do Instituto dos Advogados Brasileiros, anos I e II – 1862, 1863, número especial publicado pelo IAB, em 1977.

[3] Cf. Código de Direito Canônico, promulgado pelo Papa João Paulo II, traduzido pela Conferência Nacional dos Bispos, com notas e comentários do Padre Jesús Hortal, S.J., 11ª edição revista, TOTUS TUUS, Edições Loyola, São Paulo, 1998.

[4] Cf. Cân. 1482, § 2: “In iudicio poenali accusatus aut a se constitutum aut a iudice datum semper habere debet advocatum”. 

[5] Cf. Código cit. , pp. 645/6, nota de rodapé 1483.

[6] Cf. El Abogado – Alma e Figura de la Toga, Madrid, 1955. Consulte-se, de Chaim Perelman, Ética e Direito, Martins Fontes, São Paulo, 1999.

[7] Cf. A Ética Profissional e o Estatuto do Advogado, Edições LTr, São Paulo, 1975, p. 93.

[8] Cf. Oração aos Moços.

[9] Cf. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB, Saraiva,4ª edição, 2007, 2ª tiragem, pp. 8, 247 a 251, 255 a 276.

[10] Cf. http://www.dji.com.br/civil/ordem_dos_advogados_do_brasil.htm (consulta em 7 de outubro de 2007). Cf. Ordenações Filipinas, Livro I, Título XLVIII. Cf. também Comentários cit., p. 7

[11] Cf. Comentários cit., p. 224.

[12] A ata de fundação faz referência ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, enquanto que a Portaria do Imperador menciona Instituto dos Advogados Brasileiros. 

[13] Consulte-se, de José Naufel, Novo Dicionário Jurídico Brasileiro, volume III, 1959, 2ªedição, José Konfino – Editor, Rio de Janeiro.

[14] Cf. Ordenações Filipinas cit..

[15] Cf. artigo 8º, § 1º, da lei em vigor. Este dispositivo determina que a regulamentação se fará por meio de provimento. 

[16] Cf. Paulo Lôbo, in op. cit., p. 94.

[17] Cf. artigo 53, § 2º.

[18] Cf. artigo 8º, IV.

[19] Cf. decisão citada por Roberto Rosas, no artigo Qualificação Profissional do Advogado – O exame de Ordem, na obra Exame de Ordem, sob sua coordenação, Brasília Jurídica, 1999, pp. 19-22.

[20] Cf.artigo citado.

[21] Cf.op. cit. , p. 96.

[22] Cf. O exame de ordem – Passado e Presente, in Exame de Ordem, coordenado por Roberto Rosas cit., p.50 a 56.

[23] Cf. A Constitucionalidade do Exame de Ordem, pp. 81 84, na obra coordenada por Roberto Rosas.

[24] Cf. O exame de Ordem. Passado e presente, in Exame de Ordem cit., pp. 50 e segs.

[25] Cf.Exame de Ordem cit.

[26] Cf. a publicação Divulgação da 0AB/SP, fevereiro de 1970.

[27] Cf. a publicação Divulgação da OAB-SP, cit..

[28] Cf.. op. cit. de Paulo Luiz Netto Lobo, p. 87.

[29] Cf. op. e p. cits.

[30] Cf. O Exame de Ordem e a Experiência em Outros Países, na obra citada, coordenada pro Roberto Rosas, pp. 66 a 69.

[31] Consulte-se o Diário da República, II Série, nº 146, de 1 de agosto de 2005, contendo o regulamento (Regulamento nº 52 A, de 2005) do novo Estatuto da Ordem dos Advogados (EDA – Lei nº 15, de 26 de janeiro de 2005), e o comentário no parágrafo seguinte.

[32] Consulte-se a Lei nº 15, de 26 de janeiro de 2005, Diário da República de 26 de janeiro de 2005, I Série A, nº 18 – ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS.

[33] Cf. Exame de Ordem, in Jus Navigandi, site na internet: http:jus.uol.com.br (consulta em 14.10.07). Este trabalho foi inserido no site em junho de 2005 e inserido em 4 de  julho do mesmo ano.

[34] Cf. site do referido Conselho. .

[35] Consulta realizada, no site da Câmara dos Deputados em 16.10.07: http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2007&Numero=559&sigla=PL.

[36] Este modelo, o exame preliminar de admissão, para o ingresso no estágio, é também preconizado pelo Dr. Luiz Fernando Zakarewicz.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

Leon Frejda Szklarowsky: é professor, escritor, poeta, jornalista, advogado, subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, especialista em Direito do Estado e metodologia do ensino superior, conselheiro e presidente da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Distrito Federal, juiz arbitral da American Arbitration Association, Nova York, USA, juiz arbitral e presidente do Conselho de Ética e Gestão do Centro de Excelência de Mediação e Arbitragem do Brasil, vice-presidente do Instituto Jurídico Consulex, acadêmico do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (diretor-tesoureiro), da Academia de Letras e Música do Brasil, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia de Letras do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Escritores, da Academia Brasileira de Direito Tributário e membro dos Institutos dos Advogados Brasileiros, de São Paulo e do Distrito Federal, Entre suas obras, destacam-se: LITERÁRIAS: Hebreus – História de um povo, Orquestra das cigarras, ensaios, contos, poesias e crônicas. Crônicas e poesias premiadas. JURÍDICAS: Responsabilidade Tributária, Execução Fiscal, Medidas Provisórias (esgotadas), Medidas Provisórias – Instrumento de Governabilidade. Ensaios sobre Crimes de Racismo, Contratos Administrativos, arbitragem, religião.   Condecorações e medalhas de várias instituições oficiais e privadas.       

 


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Da Impossibilidade de Instauração de Processo Administrativo por Denúncia Anônima pela ANATEL

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* Bruno J.R. Boaventura 

A Homologação do Parecer n.º AGU/GV – 001/2007.

Primeiramente, vale ressaltar que a Lei Complementar nº 73, de 10 de Fevereiro de 1993, que Institui a Lei Orgânica da Advocacia- Geral da União, dispõe de forma clara a competência para uniformização de entendimento hermenêutico do Advogado Geral da União à todos os órgãos e entidades da Administração Federal, inclusive autarquias de caráter especial como a Anatel:

“Art. 4º – São atribuições do Advogado-Geral da União:

X – fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e demais atos normativos, a ser uniformemente seguida pelos órgãos e entidades da Administração Federal;

XI – unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal”

A Advocacia Geral da União, em despacho Advogado-Geral da União, Dr.José Antonio Dias Toffoli, homologou o parecer n.º AGU – 001/2007, tendo a seguinte determinação: 

“Em conclusão, nenhum processo ou procedimento formal do Poder Público pode ser instaurado tendo como fundamento causal documentos ou escritos anônimos, sendo vedada sua juntada aos autos.” 

Os termos do parecer do Consultor Galba Velloso, é claro ao dispor a impossibilidade jurídica de instauração de processo administrativo, através de denúncia anônima, inclusive abarcaria processo administrativo de verificação de denúncia no âmbito da Anatel: 

“A denúncia anônima produz desde logo, portanto, resultados nefastos que provêem de seu conteúdo, independentemente de sua forma e da não identificação de sua autoria. (…) Em conseqüência, o interesse da Sociedade e o dever da Administração Pública em face da denúncia anônima, que por si só e sem autuação

já produz nefastos e permanentes resultados, é remeter o original à parte interessada, para as providências que entender de direito, inclusive apuração da autoria, sendo que os processos porventura já iniciados devem ser declarados nulos, e desfeitos, pelos fundamentos expostos, adotando-se o mesmo procedimento de remessa, à parte interessada, do original da denúncia, se dela ainda não tiver conhecimento.”

 

Normalmente não acompanha as denúncias instauradoras dos processos administrativos de averiguação de denúncia qualquer tipo de comprovação do fato alegado, tornando o ato administrativo inaugural do processo administrativo obscuro.

 

A não caracterização dos termos da denúncia torna o processo administrativo inócuo e incompatível com os ditames legais, e, princípios constitucionais, respectivamente relatados abaixo.

 

Dos Ditames Legais Afrontados

 

Do Regimento Interno da ANATEL

 

O Regimento interno da Anatel, aprovado pela Resolução n.º 270, de 19 de julho de 2.001, dispõe sobre a organização e o funcionamento da Agência Nacional de Telecomunicações, nos termos dos arts. 19, XXVII, e 22, X, da Lei Geral de Telecomunicações – LGT, aprovada pela Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997, e de seu Regulamento, aprovado pelo Decreto no 2.338, de 7 de outubro de 1997, conforme o preceituado pelo artigo 1º.

 

As denúncias conforme o artigo 32 do Regimento, abaixo transcrito, recebidas pela Anatel submete-se ao aos procedimentos descritos no próprio Regimento:

 

“Art. 32. Os procedimentos estabelecidos neste Regimento visam, especialmente, a proteção dos direitos dos usuários, o acompanhamento do cumprimento das obrigações das prestadoras e usuários dos serviços de telecomunicações, a apreciação das solicitações, reclamações e denúncias protocolizadas no âmbito da Agência e o cumprimento dos fins a ela legalmente atribuídos.”

 

Os critérios dos procedimentos administrativos, ou, do processo administrativo, já que este nada mais é do que o conjunto de procedimentos administrativos formalizados através dos Autos, são descritos no artigo 33 do Regimento:

 

“Art. 33. Os procedimentos administrativos observarão, dentre outros, os critérios de: I – atuação conforme a Lei e o Direito; (…) III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;(…) V – divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição Federal ou em lei; VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos interessados;”

 

Todos os critérios supra transcritos são óbvios na assertiva de que denúncia anônima não caberia para inauguração de processo administrativo no âmbito da Anatel. Seguindo a ordem expostas nos incisos. Primeiro, a atuação conforme a Lei, e, a Lei define que nos requisitos da denúncia, conforme abaixo asseverado, a identificação do denunciante é necessário.

 

Segundo, por poder caracterizar, que ação fiscalizatória foi realizada em virtude de critérios subjetivos, e não, ao atendimento ao interesse público, e, ainda visando não outro interesse, senão o pessoal de promoção.

 

O terceiro critério torna a divulgação dos atos como forma imperadora dos processos administrativos, rechaçando assim qualquer sigilo, salvo as hipóteses da Constituição, a qual não prescreve a denúncia no âmbito da Anatel. 

 

Por fim a formalidade. A forma é descrita na Lei, e, não é permitido a Notificante de romper com esta, por não ser ato de discricionário. O Princípio da legalidade, vincula a forma, e, assim deve ser religiosamente obedecida. O Regimento interno da Agência, em seu artigo 96, é cristalino quanto os requisitos necessários para admissibilidade de qualquer denúncia: 

 

“Art. 96. A denúncia conterá a identificação do denunciante, devendo indicar o fato em questão e suas circunstâncias e, tanto quanto possível, seus responsáveis e beneficiários.” (Grifos nossos). 

 

A forma está cabalmente descrita. A denúncia anônima impossibilita a identificação do denunciante, logo o próprio Regimento Interno da Anatel rechaça a denúncia anônima. Este é momento oportuno para transcrever, desde já, o artigo 63 do Decreto n.º 2.338, de 7 de outubro de 1.997, o qual aprovou o regulamento da Anatel:

“Art. 63. A atividade da Agência será juridicamente condicionada pelos princípios da legalidade, celeridade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, impessoalidade, imparcialidade, igualdade, devido processo legal, publicidade e moralidade.”

 

Da Lei Regente do Processo Administrativo Federal

 

A Lei n.º 9.784/99 que rege o processo administrativo federal no artigo 1º estabelece a intenção de tal dispositivo legal na sistematicidade jurídica: 

Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

No artigo 2º ratifica os princípios constitucionais, mas sobretudo estabelece a confirmação legal dos critérios estabelecidos no Regimento Interno da Agência: 

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…)  III – objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades; (…) VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados; 

O Regimento Interno da Agência claramente baseou-se nesta Lei, que regula o procedimento administrativo federal. Mas vale ressaltar que é exatamente esta Lei que vincula as ações da Anatel. Os critérios legais são dispostos para serem obedecidos, não cabendo a Notificante escolher se cumpri, ou, não. Não qualquer discricionariedade quanto a forma do ato quando a Lei explicitamente dispõe como praticá-lo.  

“Art. 6o O requerimento inicial do interessado, salvo casos em que for admitida solicitação oral, deve ser formulado por escrito e conter os seguintes dados: I – órgão ou autoridade administrativa a que se dirige; II – identificação do interessado ou de quem o represente; III – domicílio do requerente ou local para recebimento de comunicações; IV – formulação do pedido, com exposição dos fatos e de seus fundamentos; V – data e assinatura do requerente ou de seu representante  Parágrafo único. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas.”(Grifo nosso).                                                                                                                                                        

O artigo 22 do referido dispositivo legal é imperativo, não dando margem a dicotomia interpretativa: 

“Art. 22. Os atos do processo administrativo não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir.” 

 

A forma para as denúncias é expressamente descrita, e, assim deve ser obedecida. Algo que a Notificante parece ignorar, criando assim um processo administrativo paralelo no qual os procedimentos são baseados não na Lei, e, sim numa forma discricionária sui generis esboçada pela bel vontade da Notificante. 

 

Dos Princípios Constitucionais Afrontados

 

O artigo 37 da Constituição Federal consagrou  os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como normas a serem obedecidas pela a Administração Pública. 

Primeiramente a analise dos princípios afrontados, vale relembrar as palavras de Germana de Oliveira Moraes, a respeito da contextualização da transposição dos princípios jurídicos para patamar elevado na unidade da sistematicidade jurídica: 

“Iconoclastas, mulheres e homens do terceiro milênio da era cristã, destroem mitos, ídolos, conceitos e paradigmas, para reconstruir outros mundos – outro mundo geopolítico, novos costumes, nova cultura. Essas transformações se percebem nitidamente no dia-a-dia – nos meios de informação, no modo de comunicar-se, na forma de vestir, nas concepções das artes, na diferente maneira de sentir, no novo pensar, novo jeito de conviver.

 

Por isso, também no Direito, vivemos uma época de transição: de transição do Direito ‘por regras’, antes reconduzível ao legalismo, ao Direito ‘por princípios’, consectário do reconhecimento da lei, porque nem sempre capaz de realizar a Justiça, da lei como parâmetro exclusivo ou primordial das condutas em sociedade.

 

Vivemos concomitantemente a demolição parcial do ‘direito por regras’ e a construção paulatina do ‘ Direito por princípios’”.[1]

 

Do Princípio da Legalidade

A Constituição Federal Brasileira no inciso II do artigo 5º, e, no caput do artigo 37 ordena a vinculação dos atos administrativos ao princípio da legalidade.

Assim o princípio da Legalidade que atua como norte no Governo das Leis, entendido comumente como Estado de Direito, deve ser necessariamente observado.  A doutrinadora Odete Medauar bem assevera o caráter do princípio da legalidade, simplisiticamente como: A Administração deve sujeitar-se às normas legais[2].

O saudoso mestre Paulo Bonavides encarna com maestria a fonte originária da obrigação da Administração em respeito as normas advindas da sistematicidade jurídica, ou seja, obediência ao princípio da legalidade[3].

A Administração só cabe fazer aquilo que a Lei define, e, como a Lei define. A Lei define a necessidade de estabelecimento de meio de participação direta de organização legalmente constituída em matéria relevante, e assim deve ser feito. Assim em relação à Administração Pública temos a chamada legalidade estrita, Carlos Ari Sunfeld deixa clarividente[4].  

Um dos maiores administrativista da atualidade, o Doutrinador Garcia de Enterría afirma categoricamente que: 

“Quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles (arts.161.1a,163 e164) que se produzem ‘dentro da Constituição’ e especialmente de acordo com sua ‘ordem de valores’ que, com toda a explicitude, expressem e, principalmente, não atentem, mas pelo contrário sirvam aos direitos fundamentais”[5]

 

Não há Lei permitindo a denúncia anônima no âmbito da Agência Nacional de Telecomunicações. E assim pela legalidade estrita não há que se falar em admissibilidade deste procedimento.

 

O mestre administrativista professor Sunfeld, em uma outra obra de sua autoria, deixa claro tangibilidade do controle dos atos das Agências Reguladoras pelo poder judiciário:

 

“Mas por acaso a independência da agência significaria sua imunidade a qualquer controle, o que por certo traria o perigo de quebra do Estado de Direito e da Democracia? É claro que não. A agência é necessária submetida aos controles parlamentar e judicial. Como sabem todos os que estudam o Direito Administrativo, o aspecto mais importante da relação do Poder Judiciário com a Administração Pública é o controle judicial sobre todos os atos administrativos. A Administração Pública, ai incluídas as agências, tem de produzir e aplicar Direito na forma do Direito; e o Poder Judiciário vai controlá-lo”.[6]

 

 

Do Princípio da Impessoalidade

 

A ação fiscalizadora da Anatel atualmente não segue o princípio da impessoalidade. É determinada a fiscalização conforme a vontade da Notificante. A denúncia anônima é o mecanismo para efetivar tal procedimento. O denunciado é escolhido, e, assim é denunciado. A impessoalidade nas ações devem ser seguir o interesse público, e, não a vontade dos Administradores.

É tão emblemática a quebra no princípio constitucional em epígrafe no caso em tela que Carmem Lúcia Antunes Rocha, se utiliza de situação análoga à que está em tela para representar a existência de quebra da impessoalidade: 

“A impessoalidade administrativa é rompida, ultrajando-se a principiologia juridico-administrativa, quando o motivo que conduz a uma prática pela entidade pública não é uma razão jurídica baseada no interesse público, mas no interesse particular de seu autor. Este é, então, motivado por interesse em auxiliar (o que é mais comum) ou beneficiar parentes, amigos, pessoas identificadas pelo agente e que dele mereçam, segundo particular vinculação que os aproxima, favores e graças que o Poder facilita, ou, até mesmo, em prejudicar pessoas que destoem de seu círculo de relacionamentos pessoais e pelos quais nutra o agente público particular desafeição e desagrado.”[7] 

Sérgio Buarque de Holanda já retratou que a história brasileira é farto de casos de uso do Estado como meio de concreção da impessoalidade: 

Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza a vida no Estado burocrático. (…) No Brasil, pode dizer-se que só excepcionalmente tivemos um sistema administrativo e um corpo de funcionários puramente dedicados a interesses objetivos e fundados nesses interesses. Ao contrário, é possível acompanhar, ao longo de nossa história, o predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação impessoal.”[8]

 

O romper com toda a tradição brasileira de alcunhar atos administrativos como benesse pessoal precisa ser feito, sobretudo agora, com a idéia de governabilidade ligada a idéia de controle de gestão, é necessário que o bem público seja tratado com a devida impessoalidade.

 

Do Princípio da Publicidade

 

O princípio da publicidade é menosprezo pela denúncia anônima. Não há como saber quem denunciou. Com adoção deste procedimento não há qualquer obrigação da denúncia ser fundada em fatos reais. A doutrinadora administrativista Odete Medaur estabelece:

 

“O secreto, invisível, reinante na Administração, mostra-se contrário ao caráter democrático do Estado. A publicidade ampla contribui para garantir direitos dos administrados; em nível mais geral, assegura condições de legalidade objetiva porque atribui à população o direito de conhecer o modo como a Administração atua e toma decisões; ‘abate o muro secreto da cidadela administrativa’, possibilitando o controle permanente sobre suas atividades; a visibilidade, cognoscibilidade, acessibilidade congregam-se e se ligam à controlabilidade dos atos dos detentores do poder. Com a publicidade como regra tem-se ‘ o diálogo em lugar do mutismo, a transparência em lugar da opacidade’ e suscita-se a confiança do administrado na Administração”[9]

 

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Dr. Carlos Velloso sobre o sigilo daquele que denúncia, já se manifestou no MS n.º 24405 – DF:

 

“Convém registrar que, protegido o denunciante pelo sigilo, isso pode redundar no denuncismo irresponsável, que constitui comportamento torpe.

(…)

 

No meu voto, comecei por dizer que, excepcionalmente, poderia a lei emprestar caráter sigiloso ou confidencial a certos procedimentos administrativos. Isso, entretanto, conforme foi dito, somente poderia ocorrer execpcionalmente, tendo em vista a disposição inscrita no art. 37 da Constituição, a expressar que a administração pública obedecerá, dentre outros, o princípio da publicidade. A publicidade é garantia da lisura do procedimento administrativo, por que empresta transparência à Administração característica do regime republicano.”

 

 

Neste mesmo processo o ministro Marco Aurélio se manifestou da seguinte forma em seu voto:

 

“É princípio da cardeal da Administração Pública a publicidade. Eu diria que sem publicidade não há moralidade. A constituição Federal só preserva o sigilo quando ele diz respeito à atividade profissional, ou seja, é uma prerrogativa da própria atividade profissional não revelar a fonte.”

 

 

Da Vedação ao Anonimato

 

O inciso IV do artigo 5º da Constituição Federal veda expressamente o anonimato. A denúncia anônima é abrangido por tal preceito, pois não lhe pode negar a natureza de manifestação do pensamento.

 

A Agência é atribuída a competência de fiscalização do espectro eletromagnético, mas não deverá o fazer sem obediência os limites legais e constitucionais.                                                                                                                                        

Ao órgão fiscalizador cabe a ponderação de que a não discriminação da denúncia a torna inválida, e a não identificação do denunciante torna o processo administrativo federal viciado formalmente. A não visualização do denunciante e os termos da denúncia podem fazer crer em perseguição pelo Ente Governamental Fiscalizador.

________________________
NOTAS

[1] MORAES. Germana de Oliveira. O Juiz Constitucional no Brasil. In: Interesse Público – Ano 5, n.º 22, novembro/dezembro de 2003 – Porto Alegre: Notadez, 2003. p.25.

[2] “O princípio da legalidade traduz-se, de modo simples, na fórmula: “A Administração deve sujeitar-se às normas legais”. Essa aparente simplicidade oculta questões relevantes quanto ao modo de aplicar, na prática, esse princípio. Tornaram-se clássicos os quatro significados arrolados pelo francês Eisenmann: a) a Administração pode realizar todos os atos e medidas que não sejam contrários à lei; b) a Administração só pode editar atos ou medidas que uma norma autoriza; c) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme a um esquema abstrato fixado por norma legislativa; d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer. (…) O segundo significado exprime a exigência de que a Administração tenha habilitação legal para adotar atos e medidas; desse modo, a Administração poderá justificar cada uma de suas decisões por uma disposição legal; exige-se base legal no exercício dos seus poderes. Esta é a fórmula mais consentânea à maior parte das atividades da Administração brasileira, prevalecendo de modo geral. (…) O sentido do princípio da legalidade não se exaure com o significado de habilitação legal. Este deve ser combinado com o primeiro significado, com o sentido de ser vedado à Administração editar atos ou tomar medidas contrárias às normas do ordenamento. A Administração, no desempenho de suas atividades, tem o dever de respeitar todas as normas do ordenamento.”In: Direito Administrativo Moderno, RT, 4ª. Edição, 2000, p. 146/147

[3] “procedimento da autoridade em consonância estrita com o Direito estabelecido (…) movendo-se em consonância com os preceitos jurídicos vigentes ou respeitando rigorosamente a hierarquia das normas, que vão dos regulamentos, decretos e leis ordinárias até a lei máxima e superior, que é a Constituição. O poder legal representa por conseqüência o poder em harmonia com os princípios jurídicos, que servem de esteio à ordem estatal” In: Ciencia política, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense. 1978, p.114. 

[4] “Inexiste poder para a Administração Pública que não seja concedido pela lei: o que ela não concede expressamente, nega-lhe implicitamente. Por isso, seus agentes não dispõem de liberdade – existente somente para os indivíduos considerados como tais – mas de competência, hauridas e limitadas na lei”.In: Direito Administrativo ordenador. p. 29–30.

[5] O princípio da legalidade na constituição espanhola. Revista de Direito Público, n.º 86, p.6 

[6] Direito Administrativo Econômico. p. 25-26.

[7] Princípios Constitucionais da Administração Pública”, editora Del Rey, 1994, p. 157

[8] Raízes do Brasil. 26. ed.:  Companhia das Letras., p. 145-146.

[9] O Direito Administrativo em evolução. p. 222.

 


 

FONTE BIOGRÁFICA

 

Bruno J.R. Boaventura:  advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.

 

Algumas linhas sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais

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* Gisele Leite 

A articulista aborda didaticamente os dispositivos da Lei 9.009/95, traçando-lhe sua competência e contornos típicos dessa modalidade de jurisdição. 

Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais foram previstos constitucionalmente é pelo art. 98, I CF/88, possuem natureza jurídica híbrida sendo ao mesmo tempo órgão especial do poder Judiciário e dotado de procedimento especial sumaríssimo, o que vem fornecer e reafirmar a importância do princípio de celeridade processual. 

Têm competência para causas cíveis de menor complexidade e para as causas criminais de menor poder ofensivo. 

O novo sistema impõe a obrigatória criação dos juizados das pequenas causas ou especiais, tanto a sim que fixa o prazo de seis meses, a partir da Lei 9.099/95, art. 95, da vigência desta lei.

É possível a aplicação subsidiária do CPC mesmo ante a ausência de dispositivo expresso, o que se deve, devido ser o CPC ser a lei ordinária geral do direito processual civil no Brasil.

Os princípios informativos dos juizados especiais estão previstos na Lei 9.099/95.

È considerada válida a citação ainda que realizada com antecedência inferior a 24 horas da sessão conciliatória, pois nela não se produzirá defesa, mas apenas se procurará a melhor forma de composição de litígio, mediante concessões mútuas.

Alude a lei em critérios que se constituem em princípios( tais como o da oralidade, da simplicidade, informalidade, da economia processual e a celeridade processual).

É importante salientar que o princípio da informalidade não implica em sentença sem fundamentação(RJEsp 3/271).

São cabíveis a tutela acautelatória e antecipatória em caráter excepcional. O valor da causa de acordo com o art. 2o. da Lei 9.099 corresponde à pretensão econômica do pedido.

Os Juizados Especiais são providos por juízes togados, ou leigos competentes para a conciliação de causas cíveis de menor teor de complexidade mediante o procedimento oral e sumaríssimo, nas hipóteses previstas em lei, transação e de julgamento de recursos por turma de juízes de primeiro grau.

Embora a art. 97 da Lei 9.099/95 revogue a Lei 7.244/84(que tratava de Juizados Especiais de Pequenas Causas), note-se que o dispositivo constitucional em seu art. 24, X não sofreu qualquer alteração o que torna possível a lei federal voltar a regulamentar os antigos Juizados de Pequenas Causas com competência diversa da dos Juizados Especiais Cíveis, segundo a opinião de Antonio Raphael Silva Salvador in Juizados Especiais Cíveis: estudos sobre a Lei 9.099, Atlas, 2000.

Entende o mesmo autor que o CPC não é tomado como subsidiário para suprir falhas e omissões da lei 9.099/95, mostrando que o legislador pretendeu que o juiz venha a ser “criador” das regras procedimentais aplicáveis, vindo a prestação jurisdicional célere, com observância do princípio da instrumentalidade.

Todavia, doutrinadores de peso entendem ser óbvio que as regras do CPC podem sr usadas subsidiariamente, mas não obrigatoriamente.

A maior celeridade e informalismo processual também não imputam ofensa ao princípio do contraditório e nem mesmo da ampla defesa.

A competência de tais juizados é prevista no art. 3o., é para conciliar, conhecer e julgar as causas cíveis de menor complexidade que não excedam seu valor a 40(quarenta) vezes o salário-mínimo; as enumeradas no art. 275, inciso II do CPC, a ação de despejo para uso próprio conforme Lei do Inquilinato art. 47, III, e as ações possessórias de imóveis cujo valor não exceda a 40 vezes o salário mínimo. Tal enumeração segundo Nelson Nery Junior é taxativa.

O autor pode no regime vigente optar pelo ajuizamento da ação do regime do CPC ou pela LJE. Há uma facilitação ao acesso à justiça. A possibilidade do autor optar pelo procedimento comum existe no direito processual civil brasileiro( CPC, art. 292,§ 2o.).

A LJE §3 0. também prevê a possibilidade de opção, de modo que resta afastado o argumento de que seria vedado o autor optar pelo procedimento do CPC.

É irrelevante a complexidade da causa como critério de fixação da competência. Uma das hipóteses de causa menos complexa é dada pelo valor da causa.

O juizado é ainda competente para julgar causas acima do valor máximo fixado, são aquelas que, no regime do CPC se processarão pelo rito comum sumário.

Poderá o autor deduzir perante o juízo comum, utilizando-se do rito sumário do CPC com todas as garantias processuais daí decorrentes como recursos amplos ou perante juizado especial cível com as restrições que nele vigem.

Quando a sentença civil provém do próprio juizado especial possui este competência funcional a referida situação ex vi o art. 575, II CPC, ainda que seja o valor superior a 40(quarenta) salários- mínimos posto que a referida competência executiva é funcional.

Tratando-se de ação de estado e capacidade das pessoas, falência, acidentes de trabalho, resíduos, alimentos e de interesse da fazenda pública estão excluídas da competência do juizado especial.

Também impedidos de julgar qualquer ação que envolva união estável( de cunho patrimonial ou não, sejam de estado ou capacidade)  – em vista que a Lei 9.278/96 em seu art. 9 º determina o juízo da vara de família como o competente para as referidas ações.

Caso o autor espontaneamente opte por deduzir suas pretensão perante o juizado especial cível, por causa das vantagens advindas do rito sumaríssimo, a lei considera que o demandante renunciou ao que exceder ao limite dos quarenta salários-mínimos.

Trata-se de renúncia ex lege, operando-se plenamente mesmo sem manifestação positiva do autor.

Havendo conciliação homologada pelo juizado especial, no instrumento de conciliação ou transação as partes podem estipular valor maior do que os 40 salários-mínimos, sem efeito a renúncia ex lege prevista no § 3o., prevalecendo sem embargo a vontade das partes.

Quando a ação conexa com a que tramita no juizado especial estiver correndo em outro juizado resolve-se pela prevenção.

Conexão é de difícil definição a jurisprudência ora justificando-a pela existência de um objeto comum entre as causas ditas conexas, ora pela simples necessidade de evitar julgamentos contraditórios em causas que se entrelaçam por um fato qualquer.

A conexão estabelece um vínculo entre duas ou mais causas que restam tão relacionadas entre si que reclamam ser decididas por uma só sentença.

A conexão, salienta Pontes de Miranda, determina a competência porque ela existe independentemente da prevenção.

A prevenção diz respeito à jurisdição pressupõe igualdade de competência entre dois ou mais juízes, pode ocorrer em relação as causas idênticas ou causas conexas.

Quando correr no juízo comum e for também da competência de juizado especial, resolve-se também pela prevenção. No entanto, se correr no juízo comum mas o juizado especial não tiver competência para julga-la, a ação que tramita perante o juizado especial deve ser enviada ao juízo comum, que apreciará ambas ações por ser dotado de competência mais ampla do que a do juizado especial.

 


 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA 

GISELE LEITE:  Formada em Direito pela UFRJ, em Pedagogia pela UERJ, Mestre em Direito, em Filosofia, professora universitária da Universidade Veiga de Almeida e outras do Rio de Janeiro. É articulista de vários sites jurídicos.

A impenhorabilidade da vaga de garagem vinculada a unidade autônoma que consiste bem de família e integre condomínio edilício

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Patrícia Ap. de Paula Ceretti

Tomando-se por base as definições contidas no artigo 92, do Código Civil[1], inserto no Capítulo que trata dos bens reciprocamente considerados, temos que o apartamento consubstancia-se em bem principal e o box de garagem (que o Código Civil denominou “abrigo para veículos”), distingue-se por sua acessoriedade, devendo, nos termos da lei, agregar-se e seguir a destinação dada ao principal, formando, ambos, uma unidade, um todo, com funcionalidade e utilidade próprios.

E se assim é, tendo em vista a unidade econômica formada pela união indissolúvel desses bens, sobre a qual já dispunha o artigo 59, do Código Civil de 1916[2], impossível recair qualquer constrição sobre o imóvel, tendo em vista a identificação cristalina de sua acessoriedade, em considerando-se o apartamento, bem de família.

Acrescenta-se, ainda, que, ocorrendo a hipótese de tratar-se de vaga de garagem em condomínio por planos horizontais, cuja utilização da garagem por quem não é condômino seja vedada pela convenção de condomínio, será evidente a dificuldade de arrematação do referido bem em hasta pública, o que em casos concretos, acarretará o desinteresse do Credor que promova execução e pretenda a penhora do “box”, na mantença da qualquer constrição sobre o mesmo.

Os doutrinadores já se debruçaram sobre o tema, valendo resgatar, com Jaques Bushatsky[3] que a par da disciplina direta acerca do bem de família, é de ser respeitada a disposição condominial que vede a alienação do acessório, cumprindo ao condômino, que a tal se legitima, proteger sua posse e sua propriedade, como se dá quanto a qualquer propriedade e como é repisado no artigo 1.335 do Código novo, mas cabendo ao Condomínio, observar o respeito aos seus atos constitutivos, na gestão das unidades autônomas, notadamente quanto à hipótese de venda a terceiro ventilada no parágrafo 2º do artigo 1339, também do Código Civil. Ou seja: o condômino usará e protegerá sua propriedade, e o Condomínio, resguardará seus atos constitutivos, os fará valer”

Nesse sentido, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, conforme venerando acórdão[4] assim ementado:

“EXECUÇÃO FISCAL – VAGA DE GARAGEM DE APARTAMENTO – PENHORA – BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE – PRETENDIDA REFORMA – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, MAS IMPROVIDO.

– É comezinho que o Superior Tribunal de Justiça, guardião do direito federal, ao examinar a correta aplicação de uma legislação, não deve fazê-lo de modo a desprezar as demais normas que regem a matéria. Assim, é de rigor cotejar o disposto na Lei n. 8.009/90 com os ditames que regulam o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias (Lei n. 4.591, de 16/12/64). Esse mandamento legal, com a redação dada pela Lei n. 4.864, de 29/11/65, prevê que o direito de guarda de veículos nas  vagas de garagem "poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio" (§ 2º).

– A exigência, inserida na Lei de Condomínio, veio a lume para conter abusos por parte de alguns incorporadores que alienavam unidade residencial com direito à garagem e depois esta não era encontrada no solo. A matrícula imobiliária das vagas, distinta do apartamento, tutela com mais eficácia o interesse dos condôminos.

Mas, porém, na prática, a autonomia conferida pela norma legal não corresponde à autonomia orgânica.

– A respeito do tema em comento, já se posicionou o douto Ministro Carlos Alberto Menezes Direito no sentido de que "há um elemento indispensável para manter a garagem, no caso, sob o regime tutelar do bem de família que é a impossibilidade de negócio em separado".

Em outro passo, adverte o ilustre Magistrado que, "em muitos condomínios é vedada a utilização da garagem por quem não é condômino, com o que sequer é possível o aluguel da mesma para pessoa estranha ao condomínio. Sem dúvida, em se tratando de imóvel residencial, a garagem adere ao principal, não sendo, a meu sentir, possível apartá-la para efeito da incidência da Lei n. 8.009/90" (cf. REsp 222.012-SP,   DJ de 24/4/2000).

– Não custa lembrar que os titulares de bem de família, na propriedade horizontal, acabariam por ter tratamento diferenciado para pior em relação aos de imóveis não-condominiais. – Recurso especial conhecido, mas improvido.” 

Ao encontro do sufragado, mais um v. acórdão emanado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: “Bem de família. Garagem de apartamento residencial. 1. A garagem de apartamento residencial, embora com matrícula própria, não pode ser penhorada, estando sob a proteção da Lei nº 8.009/90. 2. Recurso especial conhecido, mas improvido.”[5]

Daí concluir-se que, em estando a unidade autônoma (apartamento) protegida por consistir bem de família, igualmente o estará o “abrigo para veículos”, porquanto acessório daquele. Em acréscimo, eventual alienação (e eventual penhora) do “box”, estará sujeito, além da análise de quanto venha o proprietário argumentar (não apenas quanto ao débito, mas, este o estudo ora realizado, quanto à sua propriedade, sua posse, os eventuais benefícios de impenhorabilidade de que goze), estará sujeito ainda aos estatutos do condomínio no qual esteja inserido. Em conclusão, não são penhoras factíveis, essas pretendidas sobre abrigos para veículos em condomínio edilício.



[1] Art. 92, CC/2002: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal.”

[2] Art. 59, CC/1916: “Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória segue a principal.” Cuja correspondência legislativa vem tratada no artigo 95, do Código Civil de 2002.

[3] “in” Debates sobre os condomínios diante do novo código civil, SECOVI, 2003.

[4] REsp 595.099/RS, Rel. MIN.  FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.04.2004, DJ 16.08.2004 p. 230

[5] REsp 222.012/SP, Rel. MIN.  CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10.12.1999, DJ 24.04.2000 p. 52.

 

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

PATRÍCIA AP. DE PAULA CERETTI é advogada inscrita na OAB/SP.

 


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Fabricante de cerveja indenizará consumidor que encontrou objeto dentro de garrafa

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A Companhia de Bebidas das Américas (Ambev) foi condenada a indenizar consumidor que encontrou uma embalagem de cigarros no interior de garrafa de cerveja. Por unanimidade, a 9ª Câmara Cível do TJRS fixou a reparação por danos morais em R$ 4 mil. O julgamento ocorreu hoje (12/12).

O autor da ação narrou que, na festa de aniversário de sua esposa, contatou que havia uma carteira de cigarro da marca Dallas no interior de uma garrafa de cerveja. Afirmou que a situação causou mal estar entre os convidados, arrasando o espírito festivo e a confiança dos convidados. A Ambev sustentou a possível ocorrência de fraude, sendo possível a abertura da garrafa sem violação da tampa. A sentença proferida na Comarca de Panambi julgou improcedente o pedido, havendo apelação ao TJ.

O relator do recurso, Desembargador Tasso Cauby Soares Delabary, referiu que embora não tenha havido realização de perícia, houve demonstração de que o vasilhame continha um corpo estranho, por meio de fotografias que evidenciam não ter havido a abertura da garrafa. Afirmou que caberia à ré comprovar que o produto não saiu da fábrica daquela forma, alegando genericamente que o processo de fabricação não permite tal hipótese.

“Não se pode considerar que a não realização da prova pericial vá contra os interesses do demandante”, analisou. “Aliás, a demandada tinha melhor e maiores condições de produzir essa prova do que o autor, até pela condição de hipossuficiência deste. Não havendo esta prova, que era perfeitamente viável desde que a ré suportasse os custos da perícia técnica, deve arcar com os ônus de sua inércia na produção da prova”.

Referiu que os danos morais decorrem da própria presença do corpo estranho no interior do produto e gera no consumidor sentimento de repugnância e insegurança na qualidade do produto.

Esclareceu que a responsabilidade do fabricante pelos danos causados decorre do simples fato de ter colocado no mercado produto sem observar a qualidade esperada em sua fabricação, pondo em risco a saúde do consumidor.

Acompanharam o voto a Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira e o Desembargador Odone Sanguiné.  Proc. 70020983052

 


 

FONTE:  TJ-RS, 12 de dezembro de 2007.