Home Blog Page 25

A citação do réu por meio eletrônico, de acordo com a Lei nº 14.195/2021.

0

POR: CLOVIS BRASIL PEREIRA

SUMÁRIO:  1. Introdução   2. Alterações introduzidas pela novs legislação   3.  Resumo do novo procedimento para citação  4. Conclusão.

___________________________________________________________ 

  1. Introdução

A citação válida no processo judicial, é certamente o ato processual mais importante praticado no curso de uma demanda judicial, pois é através dela, que se forma a relação jurídica valida para  a formação da lide judicial.

Qualquer falha no ato citatório, pode acarretar a nulidade dos atos processuais subsequentes, com prejuízos incalculáveis aos demandantes, notadamente ao autor, que terá de repetir no futuro, os atos anteriormente praticados, para revalidados, para a busca do proveito processual almejado.

Obviamente, que temos a hipótese da declaração da revelia (art.  344 A 346,  do CPC), o que não vem ao caso no presente trabalho, pois nesse caso a citação foi validada, e o réu se omitiu do oferecimento da resposta,  pela contestação, quando então são presumidos como verdadeiros os fatos alegados pelo  autor.

A Lei 14.195/2021, sancionada pelo Presidente da República, em 26 de agosto de 2021, e em vigor na data de sua publicação, dia 27/08/2021, dispõe sobre temas diversos, como a introdução do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (SIRA) a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a desburocratização societária e de atos processuais, e a prescrição intercorrente e exibição de documentos e coisas, com o objetivo de modernizar o ambiente de negócios nacional, como estratégia de recuperação  econômica do pais pós-pandemia,   produzindo  alterações  no Código de Processo Civil, priorizando a  citação preferencialmente por meio eletrônico.

 

  1. Alterações introduzidas pela nova legislação.

O  Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, previa originalmente, segundo o artigo  246, as seguintes formas de citação no processo civil:

Art. 246.  A citação será feita: 

  1. pelo correio;
  2. por oficial de justiça;
  • pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;
  1. por edital;
  2. por meio eletrônico, conforme regulado em lei.
  • 1o Com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte, as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.
  • 2o O disposto no § 1oaplica-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades da administração indireta.
  • 3o Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada.

Ocorre que a aplicação do Inciso V, do referido artigo 246, para sua aplicação, dependia de uma lei específica para regulamentar a forma procedimental da citação por meio eletrônico para sua efetivação válida.

A nova legislação, alterou o teor do art. 246 do CPC, transformando o inciso V, de última opção para a citação, em meio preferencial, embora ainda dependa de nova regulamentação para sua efetiva aplicação.

Dispomos abaixo a nova redação do art. 246, do CPC:

Art. 246. A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça. I – (revogado); II – (revogado); III – (revogado); IV – (revogado); V – (revogado).

 

  • 1º As empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.

 

  • 1º-A A ausência de confirmação, em até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, implicará a realização da citação:  I – pelo correio; II – por oficial de justiça; III – pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; IV – por edital.

 

  • 1º-B Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos I, II, III e IV do § 1º-A deste artigo deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente.

 

  • 1º-C Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.

 

  • 4º As citações por correio eletrônico serão acompanhadas das orientações para realização da confirmação de recebimento e de código identificador que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão judicial citante.

 

É importante ressaltar, que no  processo civil, a citação pelos meios previstos na nova  redação do art. 246, do CPC, ou seja,  I – pelo correio; II – por oficial de justiça; III – pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório; IV – por edital.pelo correio,  ocorrerá  somente no caso de não ter ocorrido  a confirmação da citação eletrônica do réu em até três dias úteis, contado do recebimento da citação eletrônica,  podendo somente a partir dessa data, realizar-se a tentativa de citação pelos, meios antes tido como preferenciais..

 

De acordo com o  § 1º, do aludido 246, do CPC,  as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo eletrônico, para efeito de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio, e ao mesmo tempo excluiu  as microempresas e as empresas de pequeno porte de tal obrigação.

Assim, temos que pelas modificações trazidas pela Lei  14.195/2021,  todas as empresas, públicas e privadas, independente de seu porte, estarão sujeitas aos seus efeitos, obrigando-se  a manter cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais (Domicílio Eletrônico) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que ainda está em desenvolvimento, para garantir o recebimento de citações e intimações, o que exigirá  por parte dos advogados e das próprias empresas, cuidados especiais, para não serem surpreendidos com os efeitos negativos provocados pela decretação da revelia no processo cível.

O cadastro na Plataforma de Comunicações Processuais será feito por meio do CNPJ  cadastrado na Receita Federal, e por certo as  empresas, a partir da disponibilização da Plataforma, deverão atualizar seus dados cadastrais, cabendo aos interessados ficar atentos para as novas alterações, notadamente se os advogados atuam perante vários Tribunais no país, onde poderá haver alterações pontuais e locais, como por exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que já é possuidor de  sistema próprio, de modo que as empresas devem atentar à necessidade de cadastramento.

  1. Resumo do novo procedimento para citação
  • o juiz determinará a citação por meio eletrônico no prazo de dois dias úteis, a contar da decisão;
  • (ii) a pessoa jurídica, ao receber a citação com as devidas orientações no e-mail informado, terá até três dias úteis para confirmar seu recebimento;
  • (iii) o prazo do réu para apresentação de defesa começará no quinto dia útil seguinte à confirmação de recebimento da citação realizada por e-mail.

Caso não ocorra a confirmação do recebimento da citação eletrônica no prazo estipulado, a citação será realizada por carta com aviso de recebimento ou oficial de justiça, conforme previsto no CPC.

Ressalte-se que isso ocorrendo,  o réu, na primeira oportunidade de se manifestar no processo, deverá apresentar justificativa para a ausência de confirmação do recebimento da citação eletrônica.

Por fim, os artigos 77, inciso V, e 246, § 1º-C, do CPC instituíram, como dever das partes e de seus procuradores, informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário, sob pena de não o fazendo, incidirem na multa de 5% (cinco por cento) do valor da causa, por ser considerado tal descumprimento,  ato atentatório à dignidade da justiça.

 

  1. Conclusão

Essa modificação introduzida no Código de Processo Civil, privilegiando a citação pela meio eletrônico, veio dar efetividade ao processo eletrônico, que passou a ser estimulado pelo Conselho Nacional de Justiça, logo no início da crise pandêmica, em março de 2020.

Inclusive, a partir daí, alguns magistrados, tanto na primeira Instância, quanto nos Tribunais Superiores, passaram a admitir as citações e intimações judiciais, por endereço eletrônico ou whatsApp, quando possível e desde  que não ficasse nenhuma dúvida sobre a prática  do ato judicial, em obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, bem como das Normas Fundamentais e da Aplicação das Normas Processuais previstas no CPC, chegando inclusive, em grau recursal, o STJ, reconhecer a possibilidade de tal prática, porém anulando citações e intimações pelo whatsApp, que deixaram dúvida sobre a efetiva recepção das mesmas por seus destinatários, réus em processos cíveis e penais..

Acreditamos que o tempo aperfeiçoará a utilização dos meios eletrônicos para o fim de citações e intimações, harmonizando  o entendimento jurisprudencial com a nova disposição legislativa, representando um avanço na agilização dos processos judiciais, meta tão almejada pelos jurisdicionados.

 

CLOVIS BRASIL PEREIRA Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG–UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”. Exerce o magistério desde 1971 e a advocacia desde 1981.

A coisa julgada e os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos

0

POR: William Pereira dos Santos Júnior.

O presente trabalho visa fazer uma breve consideração acerca da coisa julgada e como ela é abordada no ordenamento jurídico nacional, trazendo os apontamentos dispostos na Constituição Federal, como é compreendida no Direito Civil, sua abordagem no Código de Processo Civil e como é tratada em sede de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.

This work aims to briefly consider the res judicata and how it is addressed in the national legal system, bringing the notes provided for in the Federal Constitution, how it is understood in Civil law, its approach in the Code of Civil Procedure and how it is treated in of diffuse, collective and homogeneous individual rights.

 

COISA JULGADA.

 

Coisa Julgada trata-se da qualidade de uma sentença ou uma decisão interlocutória de mérito, cuja finalidade é torná-la imutável, ou seja, contra ela não há possibilidade de recurso.

Por efeitos de uma decisão entende-se que são constitutivos, condenatórios e declaratórios, Coisa Julgada seria uma qualidade inerente as sentenças, diferente do que se entende por efeitos.

A razão da Coisa Julgada é trazer segurança as decisões judiciais, não trazendo a possibilidade de se discutir novamente o que foi decidido dando certeza, através da atividade jurisdicional, a questão controvertida.

A Coisa Julgada é um fenômeno único que repercute no processo em que a sentença é proferida e fora deste, tornando definitivo os efeitos da decisão, a importância deste fenômeno consiste em impossibilitar que a demanda seja rediscutida em qualquer outro processo.

Assim, há a ocorrência da Coisa Julgada formal, ou seja, mesmo aquelas em que não há resolução de mérito acabam se tornando imutáveis em determinado momento; e a ocorrência da Coisa Julgada material, onde a questão não pode mais ser rediscutida em outro processo. Desse modo a Coisa Julgada formal repercute dentro do processo e a Coisa Julgada material fora do processo, ou seja, não havendo possibilidade da questão ser rediscutida.

A Coisa Julgada vem prevista na Constituição Federal, em seu artigo art. 5º, XXXVI; consta do rol de direitos e garantias fundamentais, assim percebe-se a sua importância como uma garantia inerente à pessoa, o ordenamento deu força extrema a ela, sendo considerada como cláusula pétrea, que conforme o dispositivo prevista no artigo 60 §4⁰ da Constituição não há possibilidade nem da tendencia a abolir este direito, sob pena de Inconstitucionalidade, sendo declarado nulo o ato, ou seja, extirpado do ordenamento jurídico como uma aberração.

Além da previsão Constitucional, a Coisa Julgada vem disposta na Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, Decreto-lei 4.657/42, em seu artigo 6⁰ que a lei que entrar em vigor terá eficácia imediata e geral, devendo respeitar, o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada; como a lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro tem repercussão em todo o ordenamento jurídico, por ser a lei das leis, regulamentando sua atuação a importância da Coisa Julgada expande-se também na atuação da atividade legislativa.

O Código de Processo Civil trata da Coisa Jugada em um capítulo específico e vem disposta em seu artigo 502, definindo que a Coisa Julgada material tem a autoridade de tornar indiscutível e imutável a decisão de mérito, não sendo passível de recurso.

Como pôde ser visto, brevemente na  análise inicial da coisa julgada, que é um instituto de suma importância em nosso ordenamento jurídico, tendo como finalidade materializar a segurança jurídica buscando-se assim a pacificação social. Vale ressaltar que o presente trabalho não tem como escopo exaurir o tema, foi feita um breve apanhado de modo superficial para que o leitor tenha uma noção do se trata o instituto para que possamos adentrar no tema acerca da Coisa Julgada nos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.

 

COISA JULGADA E OS DIREITOS DIFUSOS COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGENEOS.

Nesse momento será abordado como a Coisa Julgada repercute nos direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, tendo em vista peculiaridades inerentes a esse sistema.

Em um primeiro momento será abordado o conceito desses direitos, tendo em vista suas particularidades, que estão dispostos no artigo 81 e incisos do Código de Defesa do consumidor, em seguida será abordado o modo como a Coisa Julgada repercute neles, que também vem disposto no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 103 e 104, além do artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública,             lei número 7.347/85.

Justifica-se a aplicação dos institutos, Lei de Ação Civil Pública e código de Defesa do Consumidor, em razão do princípio da integração, aplicado aos institutos, de acordo com o artigo 21 da lei de Ação Civil Pública, que assim vem reproduzido “ Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. “ grifo nosso.

Entende-se por direitos difusos, segundo o artigo 81, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, aqueles que são transindividuais, ou seja, direitos que transcendem a esfera individual, mas não constituem necessariamente interesse público, possuem natureza indivisível, que se caracterizam por ser igual para todos, não sendo passível de divisão, assim considerados, por exemplo, a proteção a publicidade enganosa, poluição sonora, poluição ambiental, etc; os titulares deste direito não podem ser determinados; e são ligados por uma circunstância fática.

Direitos Coletivos, que vem previsto no artigo 81, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, os titulares são determinados, pois foram um grupo ou classe de pessoas; o objeto é indivisível e atinge todos os titulares desse grupo ou classe de pessoas; o vínculo existente entre eles é jurídico, temos como exemplo os mutuários da casa própria, clientes de um banco, consumidores de um determinado produto.

 

Em se tratando de direitos individuais homogêneos, que vem disposto no artigo 81, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, tem como titulares pessoas determinadas ou determináveis; o objeto é divisível e o vínculo existente entre eles é fático, tem com exemplo desses direitos, as vítimas de acidente aéreo, o fato é comum a todos, porem o direito que cada um é detentor é individual e proporcional; a justificativa da tutela desses direitos em sede de Ação Civil Pública é evitar que haja decisões conflitantes ensejando assim insegurança jurídica, além de ser pautado na celeridade da solução.

Feitas essas observações, cabe agora tratar como a Coisa Julgada repercute nos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.

A Coisa Julgada, fenômeno que torna imutável a sentença, trata-se de uma qualidade a ela atribuída, caracteriza-se como um instrumento para materialização da segurança jurídica, além de ser considerado como um direito e garantia fundamental, considerado como clausula pétrea, assim foi brevemente especificado nesse trabalho.

A Coisa Julgada, em se tratando de interesses Difusos, vem disposto no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor em seu inciso I, tem efeitos erga omnes, salvo quando o pedido for julgado improcedente por falta de provas, podendo neste caso o interessado propor nova ação com idêntico fundamento junto com a nova prova; Ter eficácia erga omnes, significa beneficiar a todos indistintamente, inclusive os titulares de direitos Individuais Homogêneos, desde que idêntico os fundamentos.

Vale dizer, que somente a improcedência por falta de provas não tem eficácia erga omnes, pelo fato de poder ser proposta novamente a demanda em havendo novas provas, já a improcedência por qualquer outro motivo tem eficácia erga omnes.

No caso de Direitos Coletivos, a sentença terá eficácia ultra partes, salvo se houver improcedência por falta de provas, que como nos casos de direitos difusos a demanda poderá ser reproposta,  juntamente com as novas provas; assim disposto no artigo 103, inciso II do Código de Defesa do Consumidor.

 

O legislador utilizou a expressão ultra partes para diferenciar das hipóteses dos Direitos Difusos, cujo eficácia é erga omnes tendo titulares indeterminados, e nos direitos Coletivos, os titulares são determinados ligados por uma relação jurídica.

A sentença poderá beneficiar os autores de ações individuais, se porventura eles solicitarem a suspensão das ações que promoveram, porém deve estar comprovado que estão ligados pela relação jurídica do grupo acobertado no Direito Coletivo, entendimento este aplicado quando se tratar de Direitos Difusos, assim vem disposto no artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor.

Cabe agora tratar a respeito dos direitos Individuais Homogêneos, que conforme o artigo 103, inciso III do Código de Defesa do Consumidor, a sentença terá efeitos erga omnes, somente nos casos de procedência do pedido, onde haverá benefício para todas as vítimas e seus sucessores, na medida do prejuízo sofrido, pois o objeto é divisível, tendo seus titulares determinados.

Percebe-se que a Coisa Julgada em sede de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos possui peculiaridades e particularidades, legalmente dispostas, buscando a segurança jurídica a celeridade e pacificação social.

Conclusão

Assim exposto, foi tratado, de modo suscinto o conceito de Coisa Julgada e como ela é emanada no ordenamento jurídico, sua previsão na Constituição Federal e seu tratamento como direito e garantia fundamental, sendo considerada como cláusula pétrea; além da abordagem tratada na Lei de Introdução das normas do Direito Brasileiro, tendo de ser observada pelo Legislador quando da elaboração da norma pautado em cautela para a sua não violação; além disso foi feita a breve previsão no Código de Processo Civil.

Em seguida foi abordada a Coisa Julgada nos Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, no entanto antes de ingressar no tema, foi necessário conceituar esses direitos para no final conceituar e fazer observações de como a Coisa Julgada repercute nesses direitos e tratar de suas peculiaridades.

 

Referências Bibliográficas

Andrade, Adriano Interesses difusos e coletivos esquematizado / Adriano Andrade, Cleber Masson, Landolfo Andrade – 5. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. (Esquematizado)

Gonçalves, Marcus Vinicius Rios Processo de conhecimento e procedimentos especiais / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. – Curso de direito processual civil vol. 2 – 16. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.

Mazzilli, Hugo Nigro A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 28⁰ ed. rev. ampl. e atual – São Paulo Saraiva 2015

 

 

William Pereira dos Santos Júnior. Advogado, Pós-Graduado em Direito Público, Pós -Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil; especialista em Planejamento Patrimonial Familiar e em Planejamento Tributário, Contratos e Arbitragem.

e-mail williampereiraadv@gmail.com

 

 

 

 

 

A fé na espada ou a força da cruz.

0

A efervescente mistura entre religião e política sempre trouxe resultados inusitados e danosos. Diante de recente pronunciamento, o atual Chefe do Poder Executivo afirmou que apenas existem três alternativas para tirá-lo da Presidência, a saber: preso, morto ou com vitória. E, ainda pontificou se dirigindo, especificamente, aos canalhas que nunca será preso.

Enfim, esquadrinha-se progressivamente o projeto de golpe de Estado, onde publicamente anuncia que descumprirá novas decisões da Suprema Corte brasileira. Enfim, mais um autocrata invoca por poderes divinos. O bolsonarismo reúne o absolutismo medieval com ditadura militar e, tal mix se revelou nos experimentos de fascistas ibéricos (como foi o de Franco e Salazar).

Não obstante, sua Carta à Nação se redimindo das horas exasperadas do calor cívico recente.

Convém, sublinhar que a atual Constituição Federal estabelece que o país é um Estado laico. Mesmo assim, o bordão prospera: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. E, nesse toada, há uma sucessão de atos simbólicos que concluem que todos são cristãos, mas, somente, Bolsonaro é seu messias.

No arco da promessa se juntam figuras distintas, porém homogêneas em seus objetivos, tais como Silas Malafaia, Edir Macedo, Ernesto Araújo e, até Bertrand de Orleans e Bragança. Muitas democracias sofreram o assalto pelo discurso radical religioso e padeceram drasticamente.

A maior ironia do propagado nacionalismo cristão dos dias contemporâneos se revela porque nem Trump tampouco Bolsonaro representam exemplos de vidas devotas, de abnegação material ou mesmo de comportamento pio.

Somente o valor estratégico leva a instrumentalizar a religião como forma de narrativa totalizante para obter apoio de parcelas numerosas da população.

Em nome de Deus, existiram lideranças reacionárias, marcadas por pautas conservadoras, nutridas por benesses fiscais e de grandes oportunidades de negócios. Como bem nos guia e ensina Guilherme

Casarões, cientista político e professor da FGV da EAESP e coordenador do Observatório da Extrema Direita, nosso nacionalismo cristão guiado pelo profeta autoritário e, travando uma guerra santa contra inimigos imaginários, constitui uma grave ameaça à nossa combalida democracia brasileira.

Não nos deixemos governar pela desesperança, nem na fé da espada e, tampouco, pela força da fé. Afinal, dias melhores virão, das crises somos capazes de construir a resiliência para superação e aperfeiçoamento. A história jamais esqueceu de seus algozes.

 

Referências

CASARÕES, Guilherme. Quando a cruz vira espada. Seguindo o manual dos autocratas, Bolsonaro apela à radicalização religiosa para dividir o país e corroer ainda mais a democracia. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/quando-cruz-vira-espada/?utm_campaign=a_semana_na_piaui_75&utm_medium=email&utm_source=RD+Station Acesso em 17.9.2021.

Gisele Leite,

Professora Universitária há mais de três décadas. Pedagoga. Mestre em Direito UFRJ. Mestre em Filosofia UFF. Doutorado em DIreito USP. Autora de 29 obras jurídicas. Diretora-Presidente da Seccional RJ da Associação Brasileira de Direito Educacional (ABRADE). Consultora IPAE Instituto de Pesquisas e Administração da Educação. Pesquisadora-Chefe do INPJ Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Articulistas dos principais sites e revistas jurídicas, como JURID, LEX, Portal Investidura, COAD, Bonijuris, Revista Prolegis,  etc. Ganhadora da Medalha Paulo Freire pela Câmara Municipal de Duque de        Caxias, Rio de Janeiro.

Considerações sobre os Crimes contra a Dignidade Sexual no direito penal brasileiro

0

 

Resumo: Apesar das Leis 12.015/2009 e Lei 13.718/2018 traduzem grande progresso na repressão aos crimes contra a dignidade sexual, ainda carecemos de mecanismos mais eficazes para evitar e dirimir os conflitos dessa natureza.

Palavras-Chave: Crimes Sexuais. Código Penal brasileiro. Constituição Federal do Brasil de 1988. Importunação Sexual. Estupro. Assédio Sexual.

 

Résumé: Bien que les lois 12.015/2009 et 13.718/2018 représentent de grands progrès dans la répression des crimes contre la dignité sexuelle, nous manquons encore de mécanismes plus efficaces pour prévenir et résoudre les conflits de cette nature.

Mots-clés: Crimes sexuels. Code pénal brésilien. Constitution fédérale du Brésil de 1988. Harcèlement sexuel. Râpé. Harcèlement sexuel.

 

O presente texto trata de alguns crimes contra a dignidade sexual, os mais relevantes e sobre a importância das leis que atualizaram o nosso Código Penal.

O Título VI do Código Penal brasileiro sofreu grande alteração em decorrência da Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, a começar pela mudança de denominação do Título que era crimes contra os costumes, notadamente, por passar a disciplinar os delitos contra vulneráveis, além da fusão de diversas figuras típicas, como é o caso da reunião dos tipos de estupro e o de atentado violento ao puder dentro do mesmo dispositivo legal, bem como a introdução de outras modalidades criminosas, tais como o estupro de vulnerável[1], previsto no artigo 217-A CP, entre outras.

Antes da Lei 12.015/2009 sustentava-se que o objeto da proteção era o interesse jurídico era a conservação do mínimo ético reclamado pela experiência social dos fatos sexuais. Tutelava-se a moral pública sexual, onde os intérpretes e os julgadores ao aplicar a lei valiam-se, da observação de costumes vigentes na sociedade onde vivem.

E, com a crescente liberdade sexual, atualmente, vigente, as relações entre homem e mulher perderam a outrora conotação de pecado e segredo.

Afinal, contemporaneamente, o sexo é amplamente discutido e revelado, por vezes, mui diretamente, pelos meios de comunicação. Tanto que as gerações mais recentes conhecem logo o mundo do sexo e até o encaram com naturalidade.

Rogério Greco entende que a vulnerabilidade é absoluta, já que a determinação da idade foi uma eleição político-criminal feita pelo legislador. Refere o doutrinador que o tipo não está presumindo nada, ou seja, estará tão-somente proibindo que alguém tenha conjunção carnal ou pratique outro ato libidinoso com pessoa vulnerável.

Já para Guilherme Nucci, ao contrário, defende a relativização da vulnerabilidade, referindo que o legislador pátrio, na área penal, continua retrógrado e incapaz de acompanhar e entender as mudanças de comportamentos reais na sociedade brasileira. Cita algumas decisões do TJRS têm esse sentido, como por exemplo, TJRS Apelação Crime 70056571656, j. 18.12.2013.

Com a nova denominação do Título VI já se avista a radical mudança de enfoque dado, principalmente, quanto ao bem jurídico tutelado. E, revela ter priorizado a proteção calcada no princípio da dignidade da pessoa humana, conforme consta no artigo 1º, III da Constituição Federal Brasileira de 1988. E, promove assim a indispensável sintonia entre o conjunto de valores fundamentais albergado constitucionalmente e os tipos penais descritos no Código Penal pátrio.

O Direito Penal elege, penalmente, em termos de sexualidade, as condutas típicas, ou seja, as atitudes que se refiram à relação sexual não consentida (seja por meio de coerção ou fraude), à explorada por terceiros e à cometida por vítimas reconhecidas como vulneráveis. Assim, fora disso, há de prevalecer o direito à liberdade, à intimidade e à tolerância.

Sendo por esse motivo que a homossexualidade, a prostituição e a bestialidade não são puníveis por si mesmos.

Aliás, a homofobia[2] é constituída estruturalmente na sociedade, tal qual como o racismo e o machismo e, deixar essas atitudes de lato é parte de um exercício diário de civilidade. Em 8 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a proibição de homens declarantes homossexuais doarem sangue, ainda assim gays relatam impedimentos para doar algumas semanas após a retirada judicial do impedimento.

Em junho de 2019, o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, determinando que a conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (Lei 7.716/1989). Enquanto não for editada a lei pelo Congresso que regulamenta o tema, a homotransfobia será tratada como um tipo de racismo, constituindo crime, portanto, praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual de qualquer pessoa.

A pena pode variar de um a três anos, mais multas, podendo chegar a cinco anos se houver a divulgação de ato homofóbico em meios de comunicação como nas redes sociais.

O Estado de São Paulo regulamentou por meio de Decreto 65.127, de 12 de agosto de 2020, a atuação das Delegacias de Defesa da Mulher[3] para prever o atendimento às mulheres trans. Dando-se o completo acolhimento, os campos que também integram as identificações de orientação sexual, identidade de gênero e nome social.

É importante ressaltar que existem diferenças entre o crime de homofobia previsto no artigo 20 da Lei 7.716/2018 (crime de racismo) para um crime comum, já que para ser enquadrado como um crime de homofobia (dentro da Lei do Racismo), o crime se torna inafiançável (não existe fiança) e imprescritível (o crime não prescreve), diferentemente do crime comum.

Em 13 de junho de 2019 o Plenário do STF entendeu que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e do Mandado de Injunção (MI) 4733, assim, por maioria de oito votos a favor e três contrários, a Corte reconheceu a mora do Congresso Nacional para incriminar atos atentatórios a direitos fundamentais dos integrantes da comunidade LGBT[4].

De tal sorte que a conclusão foi: Por maioria, o Plenário aprovou a tese proposta pelo relator da ADO, ministro Celso de Mello, formulada em três pontos. O primeiro prevê que, até que o Congresso Nacional edite lei específica, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, se enquadram nos crimes previstos na lei 7.716/89 e, no caso de homicídio doloso, constitui circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe.

No segundo ponto, a tese prevê que a repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe o exercício da liberdade religiosa, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio. Finalmente, a tese estabelece que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis[5].

A postura da Igreja Católica mudou com o atual Papa Francisco que, inclusive critica os fiéis que vão às igrejas e depois professam discursos de ódio.

O Sumo Pontífice Francisco[6] criticou novamente alguns membros da sua própria Igreja sugerindo que é melhor ser ateu do que um dos “muitos” católicos que levam o que disse ser uma vida dupla e hipócrita.

A criminalização da homofobia não foi a primeira vez que os membros do STF legislaram, também o foram em ocasiões anteriores, como no caso da ADPF 54 sobre a temática do aborto, sobre a união homossexual, e ao que parece outros casos ainda surgirão em que o STF confunde seu papel.

Os membros daquela Corte justificam suas ações ao equipara as funções brasileiras com da Corte Constitucional Alemã, no entanto, as atribuições, poderes e estrutura são diferentes e não se aplica tal comparação, claro está que a seara do legislador é invadida indevidamente.

Não se pode confundir o papel de guardião da Constituição para adquirir uma influência política.

Sobre o tema Ives Gandra da Silva Martins expressou: “Tenho, reiteradamente, declarado admiração aos 11 (onze) ministros da suprema corte, mas nem por isso, muito mais velho que eles, sinto-me confortável em vê-los, poder técnico que são, transformarem-se em poder político”.

A má vontade social em reconhecer sua escolha e o desrespeito para com esta. Alguns tratam o homossexualismo como doença e o preconceito é tamanho que evitam até ter contato físico porque pode ser “infectado”.

Há trinta anos, a OMS retirava homossexualidade da lista de doenças. A referida decisão, no entanto, não extinguiu o preconceito e discriminação, porém, foi importante para a compreensão da homossexualidade como identidade sexual, que não necessita de cura. Foi apenas em 17 de maio de 1990, há trinta anos que a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a homossexualidade da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).

O fato é que a desinformação ainda predomina aliada a uma sociedade que permanece machista, misógina e resistente ao novo. Inclusive com orientações recentes da própria ciência que rotulou, até meados da década de oitenta, o homossexualismo como doença. (In: GONÇALVES, Antonio Baptista. STF e a criminalização da homofobia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/319644/stf-e-a-criminalizacao-da-homofobia  Acesso em 28.10.2021).

O incesto, a seu turno, igualmente não está previsto como crime autônomo. E, em determinados casos a relação próxima de parentesco se constitui como causa de aumento de pena prevista no artigo 226, II do Código Penal.

O adultério que não caracterizava crime contra os costumes, pois o bem jurídico tutelado era a fidelidade conjugal, tornou-se fato penalmente atípico, após a revogação do artigo 240 CP através da Lei 11.106/2005.

A classificação dos crimes contra a dignidade sexual está disposta em cinco capítulos, a saber:

  1. Dos crimes contra a liberdade sexual;
  2. Da exposição da intimidade sexual;
  3. Dos crimes sexuais contra vulneráveis;
  4. Do lenocínio[7] (que menciona o tráfico de pessoas, conduta que desde 2016 não mais se inclui no Título VI CP, mas sim, no Título I, conforme o artigo 149-A CP);
  5. Do ultraje público ao pudor.

O atentado violento ao pudor, antes tipificado no artigo 214 CP foi expressamente revogado pela Lei 12.015/2009, passando suas elementares a compor o crime de estupro (artigo 213 CP).

Os crimes contra a liberdade sexual, a lei penal visa proteger a livre escolha e consentimento nas relações sexuais. Afinal, é o direito de dispor do próprio corpo, de selecionar parceiros e de praticar livremente atos de sexo. Os dispositivos penais preveem que a liberdade sexual pode ser violada por meio de violência (seja física ou moral) ou de fraude.

Onde haverá o comprometimento da vontade do sujeito passivo ou vítima, que praticará atos sexuais (sejam normais ou anormais), sem prestar seu consentimento. E, para a plena caraterização desses delitos resta indispensável a existência de violência física ou moral, ou fraude. O bem jurídico ora tutelado, em geral, é disponível.

Destacaremos alguns tipos penais importantes. O primeiro é o estupro que está definido como constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (previsto no artigo 213 CP, com a redação dada pela Lei 12.015/2009). Trata-se crime hediondo[8], nos termos do artigo 1º, V da Lei 8.071, de 25 de julho de 1990.

O estupro[9], em sua redação original no CP, somente poderia ser praticado por homem, como sujeito ativo, porque só ele podia manter com a mulher conjunção carnal, que é o coito normal.

A Lei 12.015/2009 mudou o paradigma, e transformou estupro em crime comum. Portanto, é possível que o estupro seja cometido por homem contra mulher, homem contra homem, mulher contra mulher e por esta contra o homem.

Também superada a questão controversa sobre a possibilidade de o marido[10] praticar o crime contra sua esposa.  Mesmo com a existência do casamento e do dever de relacionamento sexual entre os cônjuges.

Assim, a mulher também pode negar0se ao ato sexual por razões morais, tais como a situação de saber que o marido teve pouco antes ou até no mesmo dia, relações sexuais com prostituta ou amante, ou a hipótese de manter sexuais no dia da morte do próprio filho.

Segundo o notável Damásio de Jesus, o marido sempre pôde ser sujeito ativo do crime de estupro mesmo contra a própria esposa. Justificando que, embora com o casamento haja o direito de manter relacionamento sexual, tal direito não autoriza o marido a forçar a mulher ao ato sexual, empregando contra esta violência física ou moral que caracteriza o crime de estupro.

Conclui-se que a esposa não fica obrigada a manter relações sexuais quando e onde este quiser, e sujeita aos caprichos do marido em matéria sexual.

A mulher casada, portanto, não perde o direito de dispor de seu corpo[11], isto é, o direito de se negar ao ato sexual. E, sempre que não consentir na conjunção carnal e o marido a obrigar ao ato, com violência ou grave ameaça, em princípio, caracterizar-se-á o crime de estupro.

A vítima do estupro, ou seja, o sujeito passivo é qualquer pessoa. Pois não se exige qualquer qualidade especial para que seja a vítima de estupro, não importando se trata de pessoa virgem ou não, prostituída ou não, de qualquer estado civil (casada, solteira, viúva e, etc.), se velha ou jovem, ou se é liberada ou recatada.

Não há necessidade de que a vítima compreenda o caráter libidinoso do ato praticado. Bastando que ofenda o pudor médio e tenha conotação sexual para que se constitua o delito.

Se houver vítimas vulneráveis, aplicar-se-á o artigo 217-A CP (estupro de vulnerável), e se o ofendido for adolescente com quatorze anos completos, incidirá a qualificadora do primeiro parágrafo do artigo 213 CP.

Referente aos crimes sexuais contra vulnerável, há a previsão do estupro de vulnerável no artigo 217-A CP, onde a objetividade jurídica cinge-se a dignidade sexual das pessoas vulneráveis, entendidas como os menores de quatorze anos, deficientes mentais que não têm necessário discernimento para atos sexuais e pessoas impossibilitadas de oferecer resistência.

Trata-se, igualmente, de crime hediondo na forma simples como nas formas qualificadas conforme a Lei 8.072/1990 com a redação dada pela Lei 12.015/2009.

”Esclareça-se que, em se tratando de crianças e adolescentes na faixa etária referida, sujeitos de proteção especial prevista na Constituição Federal e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, não há situação admitida de compatibilidade entre o desenvolvimento sexual e o início da prática sexual. Afastar ou minimizar tal situação seria exacerbar a vulnerabilidade, numa negativa de seus direitos fundamentais”.

Nota-se que a circunstância mencionada, literalmente interpretada, somente se dá quando a vítima for maior de quatorze anos. Se for menor de quatorze anos, ocorrerá delito mais grave que é tipificado no artigo 217-A CP.

Questiona-se quanto o enquadramento penal do estupro quando a vítima comemora o seu décimo-quarto aniversário. Damásio de Jesus entendeu que deve incidir a qualificadora do artigo 213 CP, sob pena de recair no absurdo de considerar o ato de estupro simples[12].

Mas, numa interpretação literal, não haveria estupro de vulnerável ou estupro qualificado. Mas, se a infração penal ocorrer um dia depois do aniversário, todavia, incide a circunstância mencionada, submetendo o criminoso a uma pena majorada. Tal exegese é absurda e deve ser corrigida mediante uma interpretação extensiva do texto legal.

Resulta daí que a conduta relativa ao constrangimento de alguém ao cometimento de ato libidinoso, mediante violência ou grave ameaça, no dia de seu décimo-quarto aniversário, deve subsumir-se à figura típica do artigo 213, primeiro parágrafo CP.

Convém frisar que o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva dos crimes contra dignidade sexual praticados contra menores de dezoito anos, desde que ocorridos a partir do dia 18 de maio de 2012, que é a data que a vítima completar a maioridade, salvo se a esse tempo, já houver sido proposta a ação penal.

Se a conduta foi praticada antes da data apontada, aplica-se a regra geral constante no artigo 111, I CP, segundo a qual o prazo da prescrição antes do trânsito em julgado inicia sua contagem com a consumação do delito.

A conduta típica consiste em constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso. Constranger significa obrigar, forçar.

O constrangimento se materializa diante da falta de consentimento do ofendido seja sincera e positiva, que a resistência seja inequívoca, demonstrando a vontade de evitar o ato desejado pelo agente, que será quebrada pelo emprego da violência física ou moral. Portanto, não bastam, pois, as negativas tímidas, nem resistência passiva e inerte.

Também, não se exige o heroísmo, levando a resistência às últimas consequências. Conclui-se que a mulher ou homem que se entregar ao estuprador ou estupradora por exaustão de suas forças, nem a que sucumbe ao medo, evitando a prática de qualquer ato externo de resistência. Importa é que não haja a adesão da vítima à vontade do criminoso.

Frise-se, também, que a realização de atos libidinosos com vítimas vulneráveis configura ilícito penal independentemente do consentimento do ofendido (vítima) previsto no artigo 217-A CP. Debate-se sobre o emprego da violência física para a concretização da conjunção carnal.

Geralmente, aponta-se a necessidade de reduzir a vítima à incapacidade de resistir, o que seria difícil para a prática do ato sexual normal. Trata-se, segundo Damásio de Jesus, de hipótese aceitável.

Na análise de cada caso concreto, dever-se-á apreciar as condições pessoais de estuprador e vítima para se saber, se o primeiro teria condições de dominar a segunda pessoa, apenas com o uso de força física.  A possibilidade, pois, não pode ser excluída abstratamente.

Para a tipificação do estupro, exige-se, em primeiro lugar, a prática de conjunção carnal, ou seja, a cópula normal, típica de relação sexual normal entre homem e mulher, com penetração, seja completa ou incompleta do órgão masculino na cavidade vagínica. É a introductio penis in vaginam.

Não se compreendem na expressão outros atos libidinosos ou relações sexuais anormais, tais como o coito anal ou oral, o uso de instrumentos ou dos dedos para a penetração do órgão sexual feminino, ou a cópula vestibular, em que não há penetração. Nesses casos, todavia, há estupro, tendo em vista que o tipo penal, com a modificação provocada pela Lei 12.015/2009, também incluiu na disposição legal o cometimento de “outro ato libidinoso”.

A respeito do “ataque-surpresa”, isto é, quando o agente surpreende a vítima com rapidez de ação, e dá-se penetração, com tamanha destreza que não consegue detê-lo, trata-se de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A CP, pois a vítima, em razão da surpresa, não pôde oferecer resistência.

Convém esclarecer que o ato libidinoso é o que visa ao prazer sexual. Serve de desafogo à concupiscência, é ato lascivo, voluptuoso, dirigido apenas para a satisfação do instinto sexual.  Considerado, objetivamente, o ato libidinoso deve ser ofensivo ao pudor coletivo, contrastando com o sentimento de moral médio, sob ponto de vista sexual. Mas, subjetivamente, deve ter por objetivo a satisfação de impulso de lascívia, luxúria.

A vítima ou ofendido, a seu turno, não carece de ter consciência da libidinosidade do ato praticado. Bastando, que o referido ato ofenda o pudor do homem médio, independentemente da capacidade da vítima de entender o seu caráter libidinoso, seja por falta de capacidade psíquica, seja por extrema depravação moral.

Afinal, caso se firmasse entendimento em contrário, dependeríamos de análise do grau de pudor individual da vítima para saber da caracterização ou não de ato libidinoso, o que impediria o seu reconhecimento, principalmente, quando se tratasse de criança inocente ou de alienado mental, incapazes de entender a lascívia contida em atos contra eles praticados.

Portanto, é suficiente, portanto, que contrarie o pudor médio, pouco importando se a vítima ou ofendido consiga, ou não compreender cabalmente sua finalidade sexual.

A título de exemplificação, tem-se como atos libidinosos, o coito anal, inter femora, a fellatio in ore (sexo oral). Porém, outros atos, não se revesta da mesma objetividade e, somente mediante a análise de cada caso concreto é que nos poderá levar à conclusão de que se trata ou não, de ato libidinoso.

E, tal dificuldade surge em razão de o conceito não abranger somente o equivalente ou sucedâneo fisiopsicológico da conjunção carnal, mas igualmente, outras manifestações de libidinagem em que, apesar de não se realizarem sobre ou com os órgãos sexuais nem levem à plena satisfação genésica, estejam presentes o impulso lascivo e a ofensa à moralidade média.

O estupro possui duas formas de realização típica, a saber: praticar a vítima o ato libidinoso, seja este, a conjunção carnal ou ato diverso, ou permitir que com ela se pratique tal ato.

Outro detalhe é que pouco importa, se a vítima ou ofendido esteja vestido ou despido. Pratica o crime também aquele que despe uma jovem e lhe apalpa seios desnudos, com emprego de violência ou grave ameaça. Da mesma forma pratica o crime aquele que, com o uso de violência ou grave ameaça, acaricia partes pudendas de uma jovem por sobre seu vestido.

Não há necessidade de que a vítima pratique o ato libidinoso com o autor do crime. Pode ser levada a praticá-lo com terceiro (ou a permitir que este o pratique) ou ainda em si mesmo, como na hipótese de automasturbação.

Diferente, é a hipótese de contemplação passiva, em que o criminoso constrange a vítima a assistir atos libidinosos praticados por terceiros. Não havendo a intervenção material da vítima, não estará caracterizada a prática de ato libidinoso praticado por terceiro. Não havendo a intervenção

material da vítima, não resta caracterizada a prática de ato libidinoso. E, dependendo das circunstâncias do caso concreto, trata-se do crime previsto no artigo 218-A CP (satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente) ou do descrito no artigo 146 CP (constrangimento ilegal) com a agravante genérica do motivo torpe.

Da mesma forma, as palavras ou narração obscenas não se constituem estupro. Embora o pudor possa ser ofendido por meio de palavras e gestos, a lei se refere ao ato libidinoso, o que exclui os escritos e as palavras.

O beijo lascivo, também, constitui-se em estupro quando praticado por meio de violência ou grave ameaça. Cumpre distinguir entre as variadas formas de beijo.

Não se considera como ato libidinoso, o beijo casto, respeitoso, aplicado nas faces, ou mesmo, o famoso “beijo roubado”, furtivamente e rapidamente dado em pessoa admirada ou desejada. Porém, é diversa a questão, do beijo lascivo nos lábios, aplicado à força que revela luxúria e desejo incontido, ou quando se trate de beijo aplicado em partes pudendas.

A violência pode ser vis absoluta ou vis corporalis, ou ainda, moral (grave ameaça ou vis compulsiva). No primeiro caso, há emprego de força material sobre a própria vítima, reduzindo-a à impossibilidade de resistir ao ataque sexual. O emprego de força física contra coisas ou contra terceira pessoa, todavia, não configura o crime.

Eventualmente, no caso concreto, poder-se-á falar em violência moral, quando o uso de violência física contra terceiros ou contra coisas infunda justo temor à ofendida, levando-a entregar-se ao agressor.

A ameaça pode ser direta, exercida diretamente contra a própria vítima, ou ainda, indireta, quando dirigida a terceira pessoa, consistindo em mal prometido a pessoa ligada ao ofendido, fazendo com que este ceda para evitar a concretização de tal ameaça. É a hipótese da mãe que cede aos instintos do criminoso diante de ameaça de matar-lhe o filho.

O mal ameaçado pode ser justo ou injusto. E, o agente pode ter até o dever de causar ma, mas, se usar de tal dever para viciar a vontade da vítima e obter-lhe os favores sexuais, praticará o crime de estupro. É a hipótese de policial, que apesar de ter dever legal de prender mulher que se encontre em flagrante delito, ao invés de fazê-lo, a ameaça de prisão, caso ela não se entregue aos seus desejos.

O crime de estupro é punível a título de dolo, que consiste na vontade de obter a conjunção carnal e outro libidinoso. O tipo penal não requer nenhum fim especial do agente.

Para que se configure o crime, portanto, não há necessidade de que esteja presente uma finalidade especial, qual seja, a satisfazer a própria libido, na atuação do criminoso ou estuprador (a). Portanto, bastam a intenção de praticar o ato libidinoso e a consciência da libidinosidade de tal ato.

Trata-se de crime de mera conduta[13], não fazendo referência a nenhum resultado advindo do comportamento do sujeito ativo ou criminoso.

Quando se tratar de estupro cometido mediante emprego exclusivo de conjunção carnal (o que, de certo, será raro), consuma-se o crime com a introdução, completa ou incompleta, do pênis na vagina da ofendida.

Basta, pois, a introdução parcial, não se exigindo a ejaculação. Se o agente, todavia, realizar outros atos libidinosos, ainda que configurem prelúdio da cópula normal, o ilícito já estará consumado, em razão da elementar “outro ato libidinoso”. Admite-se a tentativa. Note que o estupro é crime plurissubsistente, de vez que seu iter criminis admite fracionamento.

Há dois momentos distintos, a saber: o do uso da violência ou grave ameaça e o da prática do ato libidinoso. Em alguns casos, será impossível fracionar-se o crime, pois, simultaneamente, o agente empregará a violência e praticará o ato de libidinagem. E, nesse caso, o crime está consumado.

Há casos, todavia, em que o agente ao usar da violência, é impedido de prosseguir, antes de praticar o ato libidinoso. E, nesses casos, fica demonstrada a intenção de lesar o pudor da vítima, quando se caracteriza a tentativa.

Por outro lado, há estupros que podem fracionar-se em diversos atos, já por si libidinosos. É o caso do agente que, com a intenção de constranger a vítima ao coito anal, a domina, despe-lhe as vestes e a toca nas partes íntimas, preparando-a para o ato que se propõe.

Para a caracterização do crime, não é necessário que ele atinja sua finalidade específica de praticar o coito anal. Com o primeiro ato libidinoso, o de despir a vítima, já estará consumado o crime, visto que já se encontram presentes todos os elementos de sua definição legal.

Há formas qualificadas, quando a pena será de oito a doze anos de reclusão, nos termos do primeiro parágrafo quando a vítima for maior de quatorze anos e menor de dezoito anos, devendo-se incluir, por interpretação extensiva, a data do décimo-quarto aniversário do ofendido ou vítima.

Se a vítima for menor de quatorze anos, o crime será o estupro vulnerável (artigo 217-A CP), apenado com oito a quinze anos de reclusão.

A qualificadora é incidente também quando do estupro resultar em lesão corporal de natureza grave. E, se da conduta resultar em morte, a sanção será de doze a trinta anos, conforme prevê o artigo 213, §2º CP.

Tais formas qualificadas pelo resultado constituem crimes preterdolosos, em que deve existir dolo na ação ou na omissão resultante do estupro e culpa no evento agravador.

No caso de estupro com resultado morte (art. 213, § 2º), além dos efeitos regulares da hediondez, como a inafiançabilidade, a insuscetibilidade de anistia, graça e indulto, o prazo superior para a prisão temporária (trinta dias, em vez de cinco dias), veda-se o livramento condicional e a saída temporária; além disso, a progressão de regime penitenciário se dará, caso primário, uma vez cumprido cinquenta por cento da pena e, se reincidente, depois de executado setenta por cento da pena.

Interessante sublinhar que a Lei n. 13.239/2015 dispõe sobre a oferta e a realização, no Sistema Único de Saúde (SUS), de cirurgia plástica reparadora de sequelas causadas por atos de violência contra a mulher.

As causas de aumento de pena aplicáveis ao estupro são apenas aquelas contidas nos arts. 226 e 234-A CP:

  1. a) aumenta-se a pena de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela (art. 226, II); b) aumenta-se a pena de um a dois terços, se o crime é praticado mediante concurso de duas ou mais pessoas (“estupro coletivo”) 226, IV, a; c) aumenta-se a pena de um a dois terços, se o crime for cometido para controlar o comportamento social ou sexual da vítima (“estupro corretivo”) – art. 226, IV, b; d) aumenta-se de metade a dois terços se do crime resulta gravidez (art. 234-A, III); e) aumenta-se a pena de um a dois terços se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, ou se a vítima é idosa ou pessoa com deficiência (art. 234-A, IV).

O concurso de crimes por conta da fusão dos artigos 213 e do revogado artigo 214 CP gerou polêmica doutrinária a respeito da existência de crime único ou concurso de crimes quando o sujeito, no mesmo contexto fático, constrange a vítima a realizar com ele a conjunção carnal e outro ato libidinoso, dela desvinculado (como o coito anal).

Com a Lei 12.015/2009 não havia dúvida alguma que o estupro pode ser praticado em concurso com o revogado atentado violento ao pudor, desde que os atos libidinosos praticados não fossem daqueles que precediam ao coito normal.

Damásio de Jesus afirmou que o coito anal, praticado com a mesma vítima, antes ou depois da cópula normal, constituía-se em crime autônomo, em concurso com o estupro, não podendo ser absorvido por este.

A lei vigente, contudo, não ampara mais semelhante interpretação, visto que a conjunção carnal forçada e os demais atos libidinosos realizados sem o consentimento, em razão do uso de violência ou grave ameaça, passaram a integrar a mesma figura típica (artigo 213 CP).

Isso importa em que a prática de mais de um ato libidinoso de relevo, como a conjunção carnal e o coito anal, cometidos no mesmo contexto fático e em face do mesmo sujeito passivo, caracterizam crime único (e não mais concurso material).

Não aquiescemos com o ponto de vista que sustenta cuidar-se o tipo penal insculpido no art. 213 de tipo misto cumulativo, ou seja, de uma disposição legal que contém dentro de si mais de um crime.

Cuida-se, na verdade, de tipo misto alternativo, já que o constrangimento da vítima pode se dar para obrigá-la à intromissio penis in vaginam ou a ato lascivo diverso deste. É evidente, contudo, que a multiplicidade de atos libidinosos em tais condições, deverá ser tomada em conta por ocasião da dosagem da pena, resultando no reconhecimento de circunstâncias judiciais desfavoráveis ao agente (nos termos do art. 59, caput, CP).

Já na hipótese de lesões corporais leves, resultantes da violência empregada, estas são absorvidas, integrantes que são da violência (elementar do tipo). O mesmo se diga das simples vias de fato. Admite-se a continuação quando se trata do mesmo sujeito passivo.

Tratando-se de vítimas diversas e distintas e lesando o estupro interesses jurídicos pessoais, somos de opinião de que não se poderá aceitar a figura do crime continuado.

Com a Reforma Penal de 1984[14], contudo, não há mais essa questão, uma vez que o art. 71, parágrafo único, CP expressamente admite a continuação na hipótese em que os delitos componentes do nexo de continuidade atingem bens pessoais.

Como exemplo da primeira hipótese, suponhamos que determinado indivíduo, ameaçando uma senhora casada de lhe causar mal grave, a constranja à conjunção carnal. Depois disso, ainda sob ameaça, a obrigue a numerosos outros encontros, possuindo-a diversas vezes. Configura-se o estupro continuado.

O art. 213 CP prevê, para a forma simples de estupro, a pena de reclusão, de seis a dez anos (caput). Resultando lesão corporal de natureza grave a reclusão é de oito a doze anos (art. 213, § 1º CP); o mesmo ocorre quando a vítima é menor de 18 anos (desde que não seja menor de 14 anos, visto que haverá, nesse caso, estupro de vulnerável, art. 217-A CP); resultando morte, de doze a trinta anos (§ 2º). Quanto à ação penal, remetemos o leitor ao estudo do art. 225 CP.

O crime de importunação sexual[15] é previsto no artigo 215-A CP e consiste na prática contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o fito de satisfazer a própria lascívia ou a terceiro. Assim, protege-se a liberdade sexual da vítima, ou seja, sua capacidade de autodeterminação sexual e, em sentido mais amplo, a dignidade sexual.

O tipo penal foi inserido no CP pela Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018, que teve origem o Projeto da Lei do Senado brasileiro 618/2015.

Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo da importunação sexual[16] (crime comum). O sujeito passivo é a pessoa importunada pelo ato libidinoso não anuído. Se a vítima for pessoa menor de 14 anos, ou portadora de enfermidade ou deficiência mental que retire sua capacidade de discernimento sexual, ou que tenha, por qualquer motivo, retirada a capacidade de oferecer resistência, há estupro de vulnerável (art. 217-A).

O fato se dá com a conduta de praticar, contra alguém e sem sua anuência, ato libidinoso. Praticar significa realizar de qualquer modo. O fato deve ser cometido contra a vítima, isto é, em oposição a ela. Não se exige toque do agente na vítima.

A norma não diz “com alguém”, mas “contra alguém”. O sujeito que, num coletivo, se masturba e ejacula na ofendida realiza ato libidinoso contra ela. É necessário que não haja anuência (concordância) da vítima.

Ato libidinoso é aquele tendente à satisfação da libido. Essa elementar tem conteúdo abrangente, compreendendo qualquer tipo de ação de cunho sexual, até mesmo o ato de encostar lascivamente nas nádegas da vítima ou em seus seios.

Trata-se de crime expressamente subsidiário, conforme se verifica no preceito secundário, que ressalva sua não aplicação quando o ato constituir crime mais grave.

Nesse sentido, para que o crime se configure, é necessário que o agente não tenha empregado, como meio executório, violência contra a pessoa, grave ameaça, fraude ou se aproveite de meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

Se existir grave ameaça ou violência contra a pessoa, o agente responde por estupro (CP, art. 213). Se empregar fraude ou recurso que dificulte ou impeça a livre manifestação de vontade do ofendido, atua em violação sexual mediante fraude (CP, art. 215).

É o dolo (o elemento subjetivo do tipo penal), traduzido na vontade e consciência de praticar o fato. Há, ainda, como elemento subjetivo específico, o propósito de satisfazer a lascívia própria ou de outrem.

A pena cominada ao tipo penal é de reclusão, de um a cinco anos (salvo se o fato não constituir crime mais grave). Por se cuidar de delito com pena mínima não superior a um ano, afigura-se cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95). A ação penal é pública incondicionada (art. 225 CP).

O assédio sexual[17] tem seu conceito e previsão no artigo 216-A CP, introduzido pela Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que o definiu como sendo o fato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Convém destacar o fato de que o assédio, de acordo com a Lei, tem como elementos típicos o constrangimento exercido por alguém em busca de satisfação sexual. Envolve, portanto, relação de poder, sujeição da vítima, ofensa à sua dignidade e, por fim, afetação à sua liberdade sexual. Tratando-se de assédio laboral, pode-se incluir outro bem jurídico importante: direito à não discriminação no trabalho.

Apesar do título do dispositivo ser de “assédio sexual”, o legislador pátrio optou, na construção da figura típica, por usar o verbo constranger, que é bem mais amplo, em face das dificuldades na conceituação do tipo penal.

Na descrição do ato de constranger são utilizadas, entre outras acepções: tolher a liberdade, cercear, forçar, coagir, compelir. Apesar das dificuldades geradas pela redação do tipo penal, não se tem qualquer dúvida de que a configuração do assédio sexual exige muito mais do que a abordagem atrevida ou inconveniente. Sua principal característica reside na forma impositiva das propostas sexuais realizadas pelo assediador e no efetivo poder de cumprir a ameaça.

No âmbito das relações laborais, existe, além do assédio sexual[18], o assédio ambiental. Mas, o legislador brasileiro apesar de escolher uma redação não casuística, restringiu as hipóteses de assédio sexual ao não contemplar o assédio ambiental.

Damásio de Jesus aponta que o tipo penal do artigo 216-A CP possui redação confusa, deixando de outorgar clareza e precisão ao texto legal, contrariando, portanto, as recomendações do artigo 11, I e II da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998 (Lei da Técnica de Elaboração das Leis). Pecou, novamente, na limitação da incriminação bem como pelo exagero punitivo, pois a pena mínima é a mesma a do aborto consentido.

Desta forma, criou mais um busilis de adequação típica, isto é, o de distinguir o assédio sexual dos delitos de ameaça, constrangimento ilegal, tentativa de estupro e da contravenção de perturbação da tranquilidade. Se o sujeito diz, só admito na empresa, como empregada, se agora, sua filha for comigo ao motel, seria assédio sexual?

E se o patrão ameaçar a empregada afirmando que nesse minuto, ou você me acompanha a um motel ou estará demitida, é caso de estupro ou assédio sexual[19]? E não se encontra expresso qual o comportamento do sujeito passivo desejado pelo seu superior (constranger alguém a fazer o quê?).

Muito embora não exigida a conduta da vítima para a consumação do crime, que é formal, o legislador não a precisou, permitindo interpretação no sentido de que o favor sexual pretendido pode ser de terceiro, que não a vítima que exerce o cargo ou função ou a atividade laboral.

Não se confundem a vontade do legislador com a vontade da lei. Todos sabemos o que é assédio sexual e qual era a pretensão do legislador. Mas o que restou definido não expressa o significado universal do assédio sexual e nem o que sabíamos que o legislador perseguia. Como o Direito Penal se manifesta por intermédio de tipos, é necessário que sejam claros e precisos.

Não é o caso. Mesmo o notável doutrinador Damásio de Jesus encontra enormes dificuldades em distinguir, diante do novo tipo penal, o assédio sexual de outras figuras típicas.

O Juiz não pode condenar o réu porque o fato por este cometido coaduna-se com o que ele entende por assédio sexual, pois a tipicidade decorre do enquadramento material do fato ao tipo incriminador.

Se fôssemos Juiz, afirmou Damásio de Jesus, confessamos, sob o aspecto da tipicidade, não teríamos tranquilidade em condenar nenhum réu por assédio sexual nos termos do referido artigo de lei.

O assédio sexual tem seu conceito e previsão no artigo 216-A CP, introduzido pela Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que o definiu como sendo o fato de constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico[20] ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Convém destacar o fato de que o assédio, de acordo com a Lei, tem como elementos típicos o constrangimento exercido por alguém em busca de satisfação sexual. Envolve, portanto, relação de poder, sujeição da vítima, ofensa à sua dignidade e, por fim, afetação à sua liberdade sexual. Tratando-se, portanto, de assédio laboral, pode-se incluir outro bem jurídico importante: direito à não discriminação no trabalho.

Apesar do título do dispositivo ser de “assédio sexual”, o legislador pátrio optou, na construção da figura típica, por usar o verbo constranger, que é bem mais amplo, em face das dificuldades na conceituação do tipo penal.

Na descrição do ato de constranger são utilizadas, entre outras acepções: tolher a liberdade, cercear, forçar, coagir, compelir. Apesar das dificuldades geradas pela redação do tipo penal, não se tem qualquer dúvida de que a configuração do assédio sexual exige muito mais do que a abordagem atrevida ou inconveniente. Sua principal característica reside na forma impositiva das propostas sexuais realizadas pelo assediador e no efetivo poder de cumprir a ameaça.

No âmbito das relações laborais, existe, além do assédio sexual, o assédio ambiental. Mas, o legislador brasileiro apesar de escolher uma redação não casuística, restringiu as hipóteses de assédio sexual ao não contemplar o assédio ambiental.

Damásio de Jesus aponta que o tipo penal do artigo 216-A CP é confusa, deixando de outorgar clareza e precisão ao texto legal, contrariando, portanto, as recomendações do artigo 11, I e II da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998 (Lei da Técnica de Elaboração das Leis).

Pecou, novamente, na limitação da incriminação bem como pelo exagero punitivo, pois a pena mínima é a mesma a do aborto consentido.

Desta forma, criou mais um busilis de adequação típica, isto é, o de distinguir o assédio sexual dos delitos de ameaça, constrangimento ilegal, tentativa de estupro e da contravenção de perturbação da tranquilidade. Se o sujeito diz, só admito na empresa, como empregada, se agora, sua filha for comigo ao motel, seria assédio sexual?

E se o patrão ameaçar a empregada afirmando que nesse minuto, ou você me acompanha a um motel ou estará demitida, é caso de estupro ou assédio sexual? E não se encontra expresso qual o comportamento do sujeito passivo desejado pelo seu superior (constranger alguém a fazer o quê?).

Muito embora não exigida a conduta da vítima para a consumação do crime, que é formal, o legislador não a precisou, permitindo interpretação no sentido de que o favor sexual pretendido pode ser de terceiro, que não a vítima que exerce o cargo ou função ou a atividade laboral.

Não se confundem a vontade do legislador com a vontade da lei. Todos sabemos o que é assédio sexual e qual era a pretensão do legislador. Mas o que restou definido não expressa o significado universal do assédio sexual e nem o que sabíamos que o legislador perseguia. Como o Direito Penal se manifesta por intermédio de tipos, é necessário que sejam claros e precisos.

Não é o caso. Mesmo o notável doutrinador Damásio de Jesus encontra enormes dificuldades em distinguir, diante do novo tipo penal, o assédio sexual de outras figuras típicas.

O Juiz não pode condenar o réu porque o fato por este cometido coaduna-se com o que ele entende por assédio sexual, pois a tipicidade decorre do enquadramento material do fato ao tipo incriminador.

Se fôssemos Juiz, confessamos, sob o aspecto da tipicidade, não teríamos tranquilidade em condenar nenhum réu por assédio sexual nos termos do referido artigo de lei.

O novo tipo penal de assédio sexual encontra-se inserido no rol de crimes contra a dignidade sexual, especialmente, nos delitos contra a liberdade sexual. A leitura do dispositivo legal em comento, no entanto, nos faz concluir sobre a existência, concomitante, de outros bens jurídicos: honra e direito a não ser discriminado no trabalho ou nas relações educacionais.

No Código Penal lusitano, por exemplo, existe previsão específica do crime de assédio sexual, o que o insere nos crimes contra a liberdade sexual e, o mesmo se dá, em relação à norma prevista no Estatuto Criminal espanhol.

Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa. Assédio moral é um tipo de assédio, conhecido como mobbing (molestar) nos Estados Unidos, bullying (tiranizar) na Inglaterra, harcèlement (assédio moral) na França, murahachibu (ostracismo social) no Japão ou, ainda, manipulação perversa, terrorismo psicológico.

Caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o mesmo a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.

A liberdade sexual em seu aspecto positivo, ou seja, a liberdade de praticar ato sexual entre adultos, em privado e com consentimento. E, em seu aspecto pejorativo, é representado pela liberdade de não ser objeto de atos sexuais não desejados e consentidos.

A conduta tipificadora do assédio sexual viola e ofende o sentimento próprio em relação aos atributos morais e intelectuais da vítima, afetando a sua dignidade.

E, no assédio laboral, quando, por exemplo, eventual promoção ou aceitação de emprego encontra-se condicionada não a desempenho, capacidade ou dedicação no trabalho, mas a eventual aceitação de proposta de cunho sexual.

A ideia de utilização do corpo para obtenção de vantagem sempre foi tradicionalmente relacionada à condição feminina. E, tenta-se, com frequência, desqualificar determinadas mulheres que estejam em cargos elevados, afirmando que não conquistaram por competência, mas sim, por envolvimento com seus chefes, patrões, mercadejando favores sexuais por vantagens profissionais.

O assédio sexual inegavelmente é forma de agressão, constituindo ainda um atentado à dignidade da mulher, falseando a relação de trabalho, pois sobrepõe a sexualidade ao papel de trabalhadora. E, por isso, se considera o assédio uma forma de discriminação no trabalho. Lembrando que há o direito à não discriminação no trabalho.

Tudo o que ocorre no local do trabalho e acarreta desconforto ou impossibilidade de convivência entre os funcionários, evidentemente, interessa ao ramo do Direito respectivo, visto que afeta as relações e produção laborais.

É, por essa razão, que progressivamente, as empresas (especialmente as privadas) passam a se preocupar imensamente com o assédio sexual, contratando, muitas vezes, para seus quadros de funcionários, profissionais ligados à área de psicologia, para que estes possam receber e encaminhar quando necessário os casos ocorridos na empresa.

Também há o direito à não discriminação nas relações educacionais. Pois o tipo penal admite a possibilidade de existência do assédio sexual em casos que envolvam a relação entre o discente e o docente[21]. Desde que a conduta imputada como assédio seja inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, enquadrando-se na figura típica.

O crime de assédio sexual é pluriofensivo, posto que haja afetação a diversos bens jurídicos, a depender da situação concreta que se esteja analisando. Além da proteção da liberdade da vítima, que se vê forçada a realizar um comportamento de natureza sexual, também se vislumbra a proteção do sujeito passivo em determinados âmbitos da relação laboral ou educacional frente a ofensas de natureza sexual que comprometem as condições de trabalho ou de ensino.

A anormalidade no ambiente expõe a liberdade daqueles que trabalham ou estudam e tanto, ou mais, a sua dignidade. A igualdade também é ofendida quando se condiciona a realização de alguma prestação ou benesse a que fazia jus a vítima, por direito ou por condições meritórias, à execução de favores sexuais.

Inúmeras instituições públicas e privadas que passaram a se preocupar com o tema, vieram reforçando programas de esclarecimento, promovendo cursos, palestras, afixando comunicações nos quadros de avisos da empresa, etc. E, assim, foram criados setores dedicados e específicos para resolver problemas advindos de condutas que envolvam assédio sexual.

O assédio moral não se confunde com o assédio sexual. Enquanto o assédio moral visa a eliminação da vítima do mundo do trabalho pelo terror psicológico, o assédio sexual é caracterizado pela conduta que objetiva o prazer sexual de várias formas, causando constrangimento e afetando a dignidade da vítima.

O assédio moral expõe os trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, levando a vítima a se desestabilizar emocionalmente.

Já o assédio sexual pode acontecer por atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites inconvenientes, que apresentem as seguintes características: condição clara para manter o emprego, influência em promoções na carreira, prejuízo no rendimento profissional, humilhação, insulto ou intimidação da vítima.

A doutrinadora francesa Marie-France Hirigoyen (2015, p.17) nos conduz ao pensamento, in litteris:

“O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gestos, palavra, comportamento, atitudes…) que atente por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho”.

Enfim, é sabido que não é função do Direito Penal não é alterar os valores da sociedade nem mesmo a axiologia civilizatória, mas sim, protegê-los, desde que, para tanto, não interfira no âmbito da liberdade de princípios de grupos, posto que o pluralismo há de ser respeitado numa sociedade havida por democrática.

Contudo, mesmo não sendo função desse ramo jurídico, é certo que a criminalização de certa conduta pode ter por efeito positivo a demonstração de que o bem jurídico que se busca proteger possui tamanha dignidade ao ponto de sua tutela ter sido destinada ao campo penal, o que não dispensa também outras formas de tutela.

Qualquer pessoa, homem ou mulher, pode ser sujeito ativo do crime de assédio sexual, o mesmo ocorrendo em relação ao sujeito passivo. A lei exige, entretanto, uma condição especial dos sujeitos do crime (crime próprio).

No caso do autor, deve estar em condição de superioridade hierárquica ou de ascendência em relação à vítima, decorrente do exercício de cargo, emprego ou função. Em contrapartida, a vítima deve encontrar-se em relação de subalternidade.

O sujeito ativo do crime deve ser necessariamente superior hierárquico, excluindo aqueles que exercem a mesma função ou cargo inferior. O que caracteriza o assédio na legislação brasileira é, principalmente, a relação de sujeição da vítima, que não lhe permite, em certas circunstâncias, deixar de realizar a conduta a que está sendo constrangida sem que recaia sobre ela um grave malefício (seja em relação à perda do emprego, a uma promoção e, mesmo, à não admissão laboral).

O Código Penal espanhol, diferentemente, admite o assédio sexual entre colegas de trabalho do mesmo nível. É o que se convencionou chamar de “assédio sexual ambiental” e que se caracteriza pela situação objetiva e gravemente intimidatória, hostil ou humilhante para a vítima.

Entre nós, a relação de ascendência encontra-se vinculada a qualquer situação de superioridade, podendo ser incluído desde o relacionamento entre pais e filhos, como também aquele que, por exemplo, desenvolve-se no âmbito docente ou eclesiástico.

No que tange ao sujeito ativo, a mulher pode ser autora. Basta que haja uma relação de superioridade. Aliás, nada impede que os sujeitos ativo e passivo sejam do mesmo sexo. De qualquer forma, dados fornecidos por diversos organismos internacionais revelam que 99% dos casos de assédio têm como vítima a mulher.

Os elementos objetivos do tipo é o verbo constranger, que significa compelir, coagir, obrigar, deixando-se de fazer menção ao meio por intermédio do qual a ação se pode dar (constrange-se alguém por meio de).

A inexistência de adjunto adverbial no primeiro caso e de objeto indireto ou complemento preposicionado, no segundo, não pode ser considerada somente uma lacuna gramatical. Estes teriam a função de esclarecer mais plenamente o dispositivo lega, integrando assim, o sentido latente do verbo constranger, o que se adequaria ao princípio da taxatividade.

O constrangimento pode se dar por quaisquer das formas de comunicação (verbal, escrita ou mímica). A violência não pode ser física, sob pena de descaracterizar o assédio, cuja etimologia tem por significado a ação de “sitiar”. Exige-se, aqui, uma interpretação teleológica da lei, na qual se pretende encontrar o significado da norma.

Admitir-se que o delito possa vir a ser praticado por meio de violência equivale a negar a origem social da palavra “assédio”, o que não seria sensato. Ademais, a própria localização topográfica determinada para o delito (logo em seguida ao crime de violação sexual mediante fraude – art. 215) nos dá conta de que se trata de delito sem violência. Há que se anotar, ainda, que na construção do tipo penal foram utilizadas as expressões “vantagem” e “favorecimento sexual”, cujos sentidos afastam a ideia de força.

Com um último argumento, quer-se chamar a atenção para a circunstância de o tipo penal exigir que o constrangimento seja realizado com aproveitamento de uma condição de superioridade ou de ascendência, o que, por si só, exclui, por incompatibilidade, a presença de violência.

No prevalecimento o agente se vale, se aproveita, se utiliza de determinada situação. Na violência, diferentemente, o agente anula a vontade da vítima.

E poderia o assédio sexual, tal qual ocorre no constrangimento ilegal, ser praticado mediante outro meio capaz de reduzir a capacidade de resistência da vítima? Cremos que não, pois uma das elementares do tipo é a referência a que o agente se prevaleça da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência.

Dessa forma, tendo a vítima satisfeito os favores sexuais visados pelo autor em decorrência de, por exemplo, seu estado de embriaguez, esse dado acabaria sendo o determinante da sua conduta, e não a condição do sujeito ativo.

Verificando-se uma tal situação, a classificação correta será de constrangimento ilegal, violação sexual mediante fraude (considerando a elementar introduzida pela Lei n. 12.015/2009: “outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”), ou, em casos excepcionais, nos quais o ofendido se encontrar completamente incapaz de resistir, haverá estupro de vulnerável (CP, art. 217-A, § 1º).

Diferentemente do que sucede em relação ao crime de constrangimento ilegal ou ameaça, o tipo penal de assédio não exige que a intimidação seja grave. Na verdade, nem sequer há indicação de que deva existir ameaça, contentando-se a figura típica com o constrangimento.

Não é qualquer constrangimento que pode, todavia, configurar o delito de assédio sexual. Há necessidade de cerceamento a um direito a que a vítima faz jus. Assim, não se pode cogitar no tipo em análise quando se trata de um privilégio que o sujeito ativo oferece à vítima em troca de uma ação de natureza sexual.

Pode-se ilustrar tal assertiva da seguinte forma: um professor, não tendo o aluno alcançado a pontuação necessária para passar de ano, dispõe-se a lançá-la suficientemente alta, desde que o discente consinta em algum favor sexual.

Trata-se, aqui, em verdade, de mercancia de interesses, o que não se confunde com o assédio, situação em que a aspiração da vítima será legítima, ou injusta a desvantagem que deva suportar.

O legislador brasileiro, portanto, dotou o crime de assédio sexual das

seguintes elementares:

  1. a) ação de constranger;
  2. b) intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, para si ou para outrem;
  3. c) prevalência do agente de sua condição de superior hierárquico ou de ascendência em relação à vítima;
  4. d) ambas as situações (superioridade hierárquica ou ascendência) devem existir em decorrência de emprego, cargo ou função;
  5. e) legitimidade do direito ameaçado ou injustiça do sacrifício que a vítima deve suportar por não ceder ao assédio.

O tipo exige que o comportamento seja realizado com prevalecimento de uma condição de superioridade ou de ascendência do autor, que se aproveita, se utiliza de determinada situação, cometendo abuso no exercício de cargo, função ou emprego. Cuida-se de elemento normativo, cumprindo ao juiz elaborar uma apreciação valorativa sobre a presença do abuso.

O primeiro é o dolo. A norma prevê outro elemento subjetivo do tipo, caracterizado pelo especial fim de agir do agente, qual seja obter vantagem ou favorecimento sexual. A vantagem e o favorecimento podem ser de diversas ordens, desde que tenham cunho sexual. Não se exige, diferentemente do que ocorre na legislação portuguesa, que o ato sexual seja de relevo. Além disso, a vantagem ou favorecimento sexual podem ser para o próprio agente ou para terceiro, ainda que sem o conhecimento deste. Estando ciente o terceiro, e agindo com dolo, configura-se concurso de pessoas.

Trata-se de crime próprio. Além disso, é formal: o tipo descreve a conduta e o resultado visado pelo sujeito, mas não o exige. A conduta é expressa pelo verbo “constranger”. O resultado pretendido é a realização, por parte da vítima, de favores sexuais. Para caracterização do crime, porém, não há necessidade de que o agente obtenha o que pretendia, bastando que tenha constrangido a vítima com a intenção de consegui-lo.

Consuma-se o assédio sexual no momento em que o agente realiza a ação de constranger, o que pode ser feito de forma livre, já que o legislador não a especificou, independentemente de obter ou não os favores sexuais buscados.

Conforme a hipótese, a tentativa é admissível. É o que se dá, por exemplo, no caso em que o assédio tenha sido tentado por meio escrito, chegando à correspondência, em face de extravio, nas mãos de terceira pessoa.

Aplica-se ao assédio sexual o disposto no art. 226 CP, com exceção de parte de seu inciso II, porque as hipóteses ali aventadas, por já integrarem a figura típica (direta ou indiretamente), não podem, novamente, ser objeto de valoração.

Uma das causas de agravação da pena reside na circunstância de o agente ser ascendente, pai adotivo, padrasto, irmão, tutor, curador, ou preceptor da vítima (inciso II).

O motivo que embasa o aumento de pena é o mesmo que justifica a elementar de prevalecimento da condição de superior hierárquico ou ascendência. O próprio dispositivo penal, aliás, também inclui, no mesmo inciso analisado, a hipótese de o agente ter, por qualquer outro título, autoridade sobre a vítima.

Há que se perceber, aqui, que quaisquer destas hipóteses somente podem ser objeto de análise se, concomitantemente, o assediador estiver em condição de superioridade hierárquica ou ascendência em decorrência de emprego, cargo ou função. Do contrário, não haverá fato típico.

A Lei n. 12.015/2009, introduziu três exasperantes que podem ser aplicadas ao crime de assédio sexual:

  1. a) Aumento da pena em um terço, quando a vítima é menor de 18 anos (§ 2º do art. 216-A). Quando a vítima for menor de catorze anos, se ao assédio sexual, cuja consumação se dá com o constrangimento, independentemente da prática seguida do ato libidinoso, a realização do contato sexual, ainda que voluntário, configurará estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), o qual absorverá o delito antecedente (princípio da consunção ou da absorção).

Registre-se que o legislador inseriu o § 2º no dispositivo, que não contém outro parágrafo. b) Aumento de metade a dois terços, se do crime resultar gravidez (art. 234-A, III). c) De um a dois terços, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador, se a vítima é idosa ou pessoa portadora de deficiência (art. 234-A, IV CP).

Tendo o constrangimento sido praticado por meio de intimidação grave, discute-se a existência de concurso com crime de ameaça (art. 147 CP) ou mesmo com o de constrangimento ilegal (art. 146 CP).

No que tange a este último, não parece prosperar o entendimento que autorizaria o cúmulo material, visto que levaria a que se estabelecesse o bis in idem, o que é vedado no Direito Penal. Isso porque a ação de constranger encontra-se prevista em ambos os tipos penais (sendo que em um constrangimento ilegal a conduta deve ser exercida por meio de uma grave ameaça e, no outro – assédio – não se exige tal qualidade nem sequer a existência de ameaça), não sendo permitido que uma única ação (no caso constrangimento) possa servir para configurar dois (ou mais) tipos penais.

Mais correto, então, é, utilizando-se do princípio da especialidade[22], que aquele elemento típico sirva para constituir o crime de assédio, pois no constrangimento ilegal a intimidação é genérica.

No que se refere ao tipo penal de ameaça, ainda que a lógica aplicada à solução que envolva o constrangimento ilegal não possa ser aplicada na sua totalidade, chega-se a idêntica conclusão. É que, nesta hipótese, por não ser a ameaça elementar do crime de assédio (e sim, o constrangimento), poder-se-ia vislumbrar uma hipótese de concurso de crimes. Essa solução, entretanto, também não incide neste caso.

A ameaça configura elementar do crime de constrangimento ilegal, passando a constituir o meio pelo qual o crime foi perpetrado, não se admitindo, tal qual se dá na hipótese anterior, o cúmulo material, pois, de tal forma estar-se-ia valorando duplamente uma mesma ação que teria dado ensejo a um único resultado, ou seja, ao constrangimento ilegal.

Tal afirmação, entretanto, não afasta a possibilidade de o magistrado, quando da dosimetria da pena, analisando as circunstâncias do crime (art. 59 CP), aumentar a reprimenda em decorrência da intensidade da ameaça.

Havendo violência ou grave ameaça para a prática de relação sexual, ou de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, o fato se desloca para estupro.

“A violência presumida foi eliminada pela Lei n. 12.015/2009. A simples conjunção carnal com menor de quatorze anos consubstancia crime de estupro. Não se há mais de perquirir se houve ou não violência. A lei consolidou de vez a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ordem indeferida” (HC 101.456. Rel. Min. Eros Grau .2ª Turma. DJe 076, p. 378).

No mesmo sentido, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça: “Pacificou-se a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, segundo o sistema normativo em vigor após a edição da Lei n. 12.015/09, a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos configura o crime do artigo 217-A do Código Penal independentemente de grave ameaça ou violência (real ou presumida), razão pela qual tornou-se irrelevante eventual consentimento ou autodeterminação da vítima para a configuração do delito” (AgRg no REsp 1.363.531/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura , 6ª Turma, julgado em 27-6-2014. DJe 4-8- 2014).

Em 27 de agosto de 2015, no julgamento do Recurso Especial 1.480.881/PI, relatado pelo Min. Rogerio Schietti Cruz, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado sob o rito de recursos repetitivos, aprovou a seguinte tese: “Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 (quatorze) anos.

O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime” (tema 918). Em novembro de 2017, o Superior Tribunal de Justiça aprovou Súmula n. 593 com idêntica redação.

A Lei n. 13.718/2018 inseriu um § 5º no art. 217- A, estabelecendo que “as penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime”.

A pena prevista para o assédio sexual é de detenção, de um a dois anos. A Lei n. 12.015/2009 tornou a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual pública condicionada à representação, salvo quando o fato for praticado contra menores de 18 anos ou contra vítimas vulneráveis.

Essa regra, porém, se encontra superada, pois nova mudança ocorreu (Lei n. 13.718/2018), e os delitos contra a liberdade sexual, bem como os crimes sexuais contra vulneráveis ou menores de 18 anos, previstos nos arts. 213 a 218-C, passaram a ser, sem exceção, crimes de ação penal pública incondicionada (art. 225 CP).

Alguns doutrinadores, como Rogério Greco ainda sustentam a aplicação da Súmula 608 STF: “No crime de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada[23] “Ou seja, se o meio de execução for a violência real, a ação penal será incondicionada.

E, no mesmo sentido: A ação penal nos crimes contra dignidade sexual praticados com violência real continua sendo pública incondicionada, permanecendo hígida a orientação constante do verbete 608 da Súmula da Suprema Corte, mesmo após o advento da Lei 12.015/2009”. (RHC 40.719/RJ, 5ª Turma, J. 18.03.2014).

No entanto, o STJ já decidiu em sentido contrário. Com advento da Lei 12.015/2009, que alterou a redação do artigo 225 CP, os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor, mesmo com violência real (hipótese da Súmula 608 STF) ou com resultado lesão corporal grave ou morte (antes definidos no artigo 223 do Código Penal e hoje definidos no artigo 213, §§ 1º, 2º CP), passaram a se proceder mediante ação penal pública condicionada à representação, nos termos da nova redação do artigo 225 do Código Penal. Vide: STJ, 5ª T. REsp. 1227746/RS, j.02.08.2011; RHC 39.538/RJ, 6ª T., J. 08.04.2014).

Cogitar da incidência do princípio da insignificância em qualquer crime, seja tributário, ambiental, previdenciário, de dano, contra a Administração Pública e até os sexuais.

Há de se analisar se estão presentes os requisitos reitores da insignificância, quais sejam: a) conduta minimamente ofensivo ao agente; b) ausência de risco social da ação; c) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; d) relativa inexpressividade da lesão jurídica.

Aliás, o fato típico, anteriormente da moderna teoria da imputação objetiva possuíam em razão do finalismo de Welzel[24] apenas duas dimensões objetiva (ou formal) e subjetiva. A tipicidade formal se caracteriza pela adequação do fato à letra da lie.

O fato concreto se amolda ao tipo formalmente previsto em lei. Já, o aspecto subjetivo, refere-se ao dolo ou culpa. Ignorava-se o bem juridico protegido e sua dimensão ofensiva.

Não havia preocupação com o aspecto valorativo da conduta. Para a caracterização da infração, era basicamente suficiente a subsunção do fato à letra da lei.

De acordo com a teoria constitucionalista do Direito que deve ser adotada por um Estado constitucional e democrático de

Direito, como o Brasil e após a teoria da imputação objetiva de Claus Roxin, a tipicidade passou a ser composta pela dimensão formal (objetiva) e material. Assim, para uma conduta possa ser considerada crime, é necessário que esta preencha os requisitos formais e materiais do tipo.

A tipicidade material é formada por juízos valorativos, sendo o desvalor da conduta e o desvalor do resultado ou lesão, ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico. Deste modo, observando-se insignificância da conduta ou do resultado, afasta-se a tipicidade material, ou seja, carecendo o fato de relevante resultado da ofensa ou da conduta ou de ambos, incide o princípio da insignificância, como excludente da tipicidade.

Com o advento da Lei 12.015/2009 cogita-se sobre as consequências advindas e, analisa-se o que ficou mais rígido e o que ficou mais brando. E, então, cogita-se na incidência de princípio da insignificância nos crimes sexuais.

Partindo aos comentários pertinentes a reforma do artigo 213 CP (crime de estupro), dois pontos mostram-se mais evidentes: os sujeitos do crime e o atentado violento ao pudor, este último agora fazendo parte da concepção de estupro, pois antes era tipificado autonomamente (art. 214 CP).

Antes da Reforma, o artigo exigia condição especial dos dois sujeitos (ativo e passivo), havia necessidade de ser praticado por um homem e sofrido por uma mulher, com a mudança, qualquer pessoa pode tanto praticar como sofrer o estupro. Foram acrescidas qualificadoras aos 1.º e 2.º.

No que tange as alterações pertinentes ao artigo 215 CP, notamos nova união de artigos, entre o antigo 215 (posse sexual mediante fraude) e 216 CP (atentado ao pudor mediante fraude), formando-se o novo 215 (violação sexual mediante fraude), que tipifica a conduta de conjunção carnal e ato libidinoso mediante fraude, sem (como no estupro) exigir condição especial de sujeitos. Também houve majoração das penas dos tipos básicos.

O crime de assédio sexual, artigo 216-A CP, sofreu pequena alteração. Continua com a sua tipificação original, acrescido apenas da majorante do 2º, quando o crime for cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos.

Outra novidade trazida pela nova lei foi o artigo 217-A, que prevê o estupro de vulnerável, tipificando a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos.

Considera-se vulnerável não só a vítima menor de 14 (quatorze) anos, como também pessoa que por enfermidade ou deficiência mental não tenha o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.

O artigo 218 trouxe como novidade a tipificação autônoma de induzir alguém menor de 14 (quatorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem, mudança benéfica. Diante da diminuição da pena, deve retroagir para beneficiar o réu ou condenado.

Criou-se o artigo 218-A, que segundo os ensinamentos de Rogério Sanches: não sem razão, observava que induzir vítima, não maior de 14 (catorze) anos, a presenciar atos de libidinagem, sem deles participar ativa ou passivamente, era, em regra, um indiferente penal (fato era atípico). A Lei 12.015/2009 integrou a lacuna, criando o artigo 218-A.

Nova junção de artigos ocorreu com a formação do artigo 218-B, que uniu o artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente ao artigo 228, 1º, do Código Penal, formando o delito de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável. O artigo 228 prevê o mesmo delito, entretanto, a vítima deste não será criança ou adolescente.

As mudanças ocorridas com a nova redação do artigo 225 são as que com certeza darão muita discussão doutrinária. As ações penais nos crimes sexuais antes eram de iniciativa privada, passando com a nova previsão, a adotar a ação penal pública condicionada.

A controvérsia reside, principalmente, em que ação adotar quando do crime resultar morte ou lesão corporal grave, o que o legislador não deixou expressamente tipificado.

Uns cogitam em pública incondicionada, outros defendem pública condicionada conforme a nova disposição e alguns já aludem a inconstitucionalidade do dispositivo, último posicionamento recentemente defendido pela PGR na ADI 4.301, junto ao STF.

O legislador pátrio manteve o delito do artigo 229 CP, no entanto, deu-lhe nova configuração, exigindo um estabelecimento onde haja exploração sexual, com ou sem intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.

Também de pequena expressão foi a alteração sofrida pelo delito de rufianismo, artigo 230 CP, que apenas teve acrescido nas circunstâncias qualificadoras o emprego de fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.

Assunto pouco explorado pelos doutrinadores, a existência de infrações bagatelares nos crimes sexuais é possível, como em praticamente qualquer outro crime, entretanto, neste com muito mais difícil aferição, pois se trata de avaliação quase que inteiramente subjetiva.

Para se descaracterizar o crime sexual através do princípio da insignificância (excludente da tipicidade material), temos que imaginar uma conduta ou resultado dessa conduta extremamente insignificante, pois do contrário, possivelmente cairíamos no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, Decreto-lei 3.688/1941, que prescreve a contravenção de importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor.

Para identificarmos uma hipótese de incidência do princípio da insignificância em crimes contra a dignidade sexual, podemos imaginar a conduta do beijo lascivo, toque nas nádegas ou algo análogo. Embora sejam condutas formalmente típicas, não atingem o aspecto material do tipo, seja pelo desvalor da conduta ou desvalor do resultado, o que denota sua insignificância criminal.

Nestes casos, em respeito aos princípios constitucionais da intervenção mínima, subsidiariedade, fragmentariedade, adequação social e ao próprio princípio da insignificância, tais situações deverão ser resolvidas, caso necessário, pelas demais esferas do Direito.

O crime da exposição da intimidade sexual corresponde ao registro não autorizado da intimidade sexual e consiste no ato de produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem a autorização dos participantes.

A norma incriminadora propõe a concreção aos direitos fundamentais previstos no artigo 5º, X CFRB/1988, a saber, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, todos sob a ótica da dignidade sexual.

O referido tipo penal foi acrescentado pelo CP através da Lei 13.772, de 19 de dezembro de 2018, que também efetuou modificações na Lei 11.340/2016, a Lei Maria da Penha[25], incluindo no seu artigo 7, II, como forma de violência psicológica, a violação da intimidade.

O dispositivo deve ser compreendido em conjunto com o art. 218-C CP, incluído pela Lei n. 13.718, de 24 de setembro de 2018, que criminalizou a divulgação de cena de estupro, estupro de vulnerável, ou, quando não houver consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.

Esse dispositivo foi indevidamente inserido no capítulo referente aos crimes sexuais contra vulneráveis, demonstrando falta de técnica legislativa. O correto seria ter alocado o tipo penal no Capítulo I-A (como, aliás, se pretendia na redação original do substitutivo do Senado ao Projeto de Lei n. 5.555/2013), pois a divulgação de cena de estupro etc., além de não proteger somente vulneráveis, mas todas as pessoas, tutela bens jurídicos correlatos àqueles protegidos pelo art. 216-B.

Há, portanto, dois crimes que protegem a intimidade das pessoas sob o ângulo de sua dignidade sexual:

  1. a) art. 216-B, que pune o registro não autorizado de cena de nudez, ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado (pena: detenção, de seis meses a um ano, e multa).
  2. b) art. 218-C, no que tange à tipificação da divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima, bem como de cena de estupro, estupro de vulnerável (pena: reclusão, de um a cinco anos, se o fato não constituir crime mais grave). pode ser praticado por qualquer pessoa (crime comum). Só pode ser sujeito passivo desse crime a pessoa maior de 18 anos.

Quando se tratar de registro de cena de sexo explícito ou pornográfica de criança ou adolescente, aplica-se o art. 240 do ECA, cuja pena é de reclusão, de quatro a oito anos, e multa.

De acordo com o estatuto, compreende-se dentre as cenas de sexo explícito ou pornográfica quaisquer situações que retratem o menor em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibam seus órgãos genitais para fins primordialmente sexuais (art. 241-E).

A conduta pode ser praticada mediante os atos de produzir, fotografar, filmar ou registrar o conteúdo com cena de nudez, ato sexual ou libidinoso. Produzir cena significa dirigi-la, montá-la, de maneira a indicar aos participantes a forma como agirão.

Como se trata de uma “produção” efetuada sem autorização destes, o comportamento em questão diz respeito a uma ação sub-reptícia, na qual o participante desconhece que está sendo “dirigido” para que o ato seja registrado.

Fotografar significa colher a imagem com o uso de algum aparelho analógico ou digital. Filmar significa capturar imagens com impressão de movimento relativo à nudez alheia ou ao ato sexual ou libidinoso praticado por terceiro.

Quem fotografa ou filma duas pessoas, sem autorização destas, praticando sexo em local público, aberto ao público ou exposto ao público responde pelo crime do art. 216-B?

Não, porque o ato libidinoso ou sexual, quando efetuado nessas condições, não tem cunho íntimo e privado. Em verdade, quem pratica crime, em tese, são aqueles que realizam o ato sexual, haja vista o art. 233 CP, que pune o ato obsceno.

Há, por fim, o elemento normativo do tipo, que consiste na falta de autorização das vítimas. Essa autorização pode ser manifestada de qualquer forma, mas deve ser anterior ou concomitante ao ato.

Se o agente efetuou o registro sem que a pessoa consentisse e, posteriormente, a esta revelou o feito, tendo ela demonstrado indiferença, subsiste o crime.

Melhor teria sido que o legislador tornasse o fato crime de ação penal pública condicionada à representação, de maneira que o ofendido, ciente do fato, tivesse seis meses contados do conhecimento da autoria delitiva para manifestar seu interesse em ver o agente processado, sob pena de decadência e, consequentemente, extinção da punibilidade.

Não foi esse, contudo, o caminho escolhido pelo legislador. Imagine, por exemplo, o casal em que o parceiro, sem o conhecimento da namorada, registra a cena de sexo e, depois de realizado o ato, a ela exibe a filmagem.

Suponha que ela não se importe com isso, demonstrando, inclusive, ter gostado do fato. Imagine, ainda, que o casal termine o relacionamento meses depois e a mulher, por vingança, decida comunicar à Polícia o crime.

O agente responde pelo fato? Sim, pois, ao efetuar o registro do ato sexual íntimo e privado, não obteve o consentimento, expresso ou tácito, da ofendida, consumando-se o delito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, traduzido na vontade e na consciência de registrar a nudez alheia ou a cena lúbrica. O tipo penal não requer elemento subjetivo específico, consistente no fim libidinoso. Pouco importa, desse modo, se o registro foi efetuado para satisfazer a lascívia do agente ou não.

Assim, por exemplo, o proprietário de um imóvel, que instala sem o conhecimento dos locatários uma câmera no quarto ou no banheiro e, desse modo, os filma desnudos ou praticando ato sexual ou libidinoso, incorre no tipo.

O registro não autorizado da intimidade sexual é crime comum e de mera conduta, pois o tipo não faz referência a nenhum resultado naturalístico. Trata-se, ainda, de crime instantâneo e plurissubsistente

Consuma-se o crime com a captura (o registro) da imagem ou da cena de nudez, do ato sexual ou libidinoso. Admite-se a tentativa, caso o sujeito tente efetuar a gravação, mas não consiga por circunstâncias alheias à sua vontade (por exemplo, porque ocorre uma queda de energia no instante em que a vítima se despia, impedindo a filmagem de sua nudez, ou acaba a bateria da câmera antes de começar a prática do ato sexual ou libidinoso).

De acordo com o parágrafo único, incorre na mesma pena quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. Pune-se o ato de alterar a fotografia, o vídeo ou áudio, de maneira a inserir a imagem ou a voz da vítima em cena lúbrica envolvendo outrem.

O registro não autorizado da intimidade sexual é apenado com detenção, de seis meses a um ano, e multa. Constitui infração de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei n. 9.099/95), sendo abrangido pela competência material dos Juizados Especiais Criminais.

Comporta, desse modo, transação penal (art. 76 da Lei n. 9.099/95) e suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95). A ação penal é pública incondicionada (art. 225).

Em que pese a Lei 13.718/2018 e a Lei 12.015/2009 traduzirem avanços significativos, elas não permitem um gerenciamento satisfatório dos conflitos que envolvem os crimes de natureza sexual, sendo necessário encontrarem mecanismo a fim de evitar o cometimento frequente de crimes de natureza sexual, como por exemplo, um estado mais punitivo para que ofereça maior proteção para as vítimas com as penalidades mais rígidas para estes agressores  e que o poder público continue a criar mecanismos para o enfrentamento dos crimes sexuais, buscando finalmente promover a igualdade material entre os gêneros.

 

 

Referências

Assédio sexual: o que é, quais são os seus direitos e como prevenir? Disponível em: https://www.tst.jus.br/assedio-sexual Acesso em 28.10.2021.

AZEVEDO, Marcelo André de.; SALIM, Alexandre. Direito Penal. Parte Especial. Dos Crimes Contra a Pessoa aos Crimes contra a Família. Coleção Sinopses para Concursos. 4ª edição. Coordenação de Leonardo de Medeiros Garcia.  Salvador: Editora JusPODIVM, 2015.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 10.ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

CARDOSO, João Pedro Pereira. O dever de dignidade da pessoa humana. A inconstitucionalidade do crime de lenocínio. Disponível em: http://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao11/datavenia11_p199_391.pdf Acesso em 28.10.2021.

CHRISTÓFARO, Danilo Fernandes. Princípio da insignificância e a nova lei de crimes sexuais. Disponível em http://www.lfg.com.br Acesso em 28.10.2021.

DE JESUS, Damásio. ESTEFAM (André) atualizador. Direito Penal. Parte Especial. Volume 3. 24ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

DELMANTO, Celso. Código Penal Anotado. 9. edição. São Paulo: Saraiva, 2016.

ENTRE NESTE TIME. DIGA NÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. UNIDOS VENCEREMOS ESTE JOGO. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/documents/20184/230172/folder_caovd.pdf Acesso em 28.10.2021.

GITELMAN, Suely Ester. Assédio moral. Enciclopédia Jurídica da PUCSP. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/337/edicao-1/assedio-moral  Acesso em 28.10.2021.

GONÇALVES, Antonio Baptista. STF e a criminalização da homofobia. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/319644/stf-e-a-criminalizacao-da-homofobia Acesso em 28.10.2021.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal. Parte Especial. Coordenador Pedro Lenza. Coleção Esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte geral. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2005.

­­­­­______________. Código Penal Comentado. 11ª edição. Niterói, RJ: Impetus, 2017.

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: Redefinindo o assédio moral. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015.

MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. São Paulo: RT, 2009.

PORTAL JURISPRUDÊNCIA. Importunação Sexual: O papel da nova Lei 13.718/2018 na proteção das vítimas. Disponível em: https://portaljurisprudencia.com.br/2020/12/19/importunacao-sexual-o-papel-da-nova-lei-13-7182018-na-protecao-das-vitimas/ Acesso em 28.10.2021.

ROCHA, Ana Caroline Viana Garcia. A diferenciação entre assédio moral e assédio sexual e suas repercussões no Direito do Trabalho. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50994/a-diferenciacao-entre-assedio-moral-e-assedio-sexual-e-suas-repercussoes-no-direito-do-trabalho Acesso em 28.10.2021.

TESES DO STJ sobre crimes contra a dignidade sexual II (1ª parte). Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/07/17/teses-stj-sobre-os-crimes-contra-dignidade-sexual-ii-1a-parte/ Acesso em 28.10.2021.

 

[1] O crime de estupro de vulnerável fora criado pela Lei 12.015/2009 e, antes deste, o fato era enquadrado como estupro (artigo 213) ou atentado violento ao pudor (artigo 214) praticado mediante violência presumida (artigo 214). O bem jurídico tutela a dignidade e o desenvolvimento sexual a pessoa vulnerável. A doutrina majoritária afirma que se protege também a liberdade sexual das pessoas que justamente não possuem capacidade de discernimento para consentir validamente sobre o ato sexual. Aquele que se omite diante do estupro do vulnerável, tendo o dever jurídico de agir para evitar o resultado, responde pelo mesmo crime, na forma do artigo 13, §2º CP.

[2] O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou em 13 de julho de 2019 que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero seja considerada um crime, equiparado ao racismo. Inclusive com caráter de imprescritível. Dez dos onze ministros reconheceram haver uma demora inconstitucional do Legislativo em tratar do tema. Apenas Marco Aurélio Mello discordou. Diante desta omissão, por 8 votos a 3, os ministros determinaram que essa conduta passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito de “raça, cor, etnia, religião e procedência nacional”. A lei brasileira considera o crime de homofobia imprescritível e inafiançável desde 2011, quando o STF julgou o tema. A homofobia é um crime equiparado ao crime de racismo no Brasil. Mas os direitos da população LGBTQIA+ ainda são frágeis. Durante uma sessão da CPI da Pandemia, a comunidade LGBT se viu representada pelo senador Fabiano Contarato (REDE – ES).

[3] O órgão é uma unidade policial especializada no atendimento de mulheres, crianças e adolescentes que vivenciaram situações de violência física, moral e sexual. É responsável pelo registro de ocorrências, investigação e apuração de crimes. Além disso, faz a solicitação de medidas preventivas previstas na Lei Maria da Penha e o encaminhamento para laudos no Instituto Médico Legal (IML). Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs): São unidades especializadas da Polícia Civil para atendimento às mulheres em situação de violência. As atividades das DEAMs têm caráter preventivo e repressivo, devendo realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal, as quais dever ser pautadas no respeito pelos direitos humanos e pelos princípios do Estado Democrático de Direito (Norma Técnica de Padronização das DEAMs, SPM:2006). Com a promulgação da Lei Maria da Penha, as DEAMs passam a desempenhar novas funções que incluem, por exemplo, a expedição de medidas protetivas de urgência ao juiz no prazo máximo de 48 horas. Entre neste Time. Diga Não à violência contra a mulher. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/documents/20184/230172/folder_caovd.pdf  Acesso em 28.10.2021.

[4] LGBT é uma sigla que significa Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgênero. Em uso desde a década de 1990, o termo é uma adaptação da sigla LGB, que começou a substituir o termo gay em referência à comunidade LGBT mais ampla a partir de meados da década de 1980. LGBTQQICAPF2K+ é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis, Queer, Questionando, Intersexo, Curioso, Assexuais, Pan e Polissexuais, Amigos e Familiares, Two-spirit e Kink. A ordem das letras não foi padronizada. Além das variações entre as posições do “L” e do “G” como inicial, as letras menos comuns, se usadas, podem aparecer em quase qualquer ordem. Os termos variantes nem sempre representam diferenças políticas dentro da comunidade, mas surgem simplesmente das preferências de indivíduos e grupos. Algumas pessoas defendem o termo “identidades sexuais e de gênero minoritárias” (MSGI, em inglês, cunhado em 2000), ou “gêneros e sexualidades minoritários” (GSM), de modo a incluir explicitamente todas as pessoas que não são cisgênero e heterossexual, ou “minorias românticas, sexuais e de gênero” (GSRM), que é mais explicitamente inclusivo das orientações românticas minoritárias e poliamor, mas nenhuma tem sido amplamente adotada. Outros termos guarda-chuva raros são Gênero e Diversidade Sexual, Orientações Marginalizadas, Identidades de Gênero e intersexo e Orientações Marginalizadas, Gêneros Excluídos e intersexo.

[5] A Lei n. 13.441/2017 inseriu a Seção V-A na Lei n. 8.069/90, introduzindo os arts. 190-A a E, a fim de permitir a infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar os crimes previstos nos arts. 154-A, 217-A, 218, 218-A e 218-B do Código Penal (e também nos crimes dos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241- C e 241-D do próprio Estatuto).

[6] Casais homossexuais devem ter o direito a firmar uniões civis, afirmou o Papa Francisco em um documentário em 21.10.2020. Os comentários do papa são os mais recentes de uma série de falas sobre os direitos LGBT sempre expressando algum apoio, mas não um endosso total. O Vaticano anunciou, em 15.03.2021 que padres e outros ministros não podem abençoar uniões entre pessoas do mesmo sexo. Segundo nota oficial divulgada pela Congregação para a Doutrina da Fé, um dos órgãos responsáveis por estabelecer diretrizes para os católicos, “Deus não pode abençoar o pecado”. A decisão é percebida como uma vitória da ala conservadora da Igreja.

[7] O lenocínio compreende a ação que visa a facilitar ou promover a prática de atos de libidinagem ou a prostituição de outras pessoas, ou dela tirar proveito. O tráfico de pessoas compreende a ação de promover ou facilitar a entrada o saída de pessoas para que exerçam a prostituição ou qualquer outra forma de exploração sexual. Observa-se que os elementos caracterizadores do delito são: a conduta de induzir alguém e a finalidade de satisfazer a lascívia de outrem.  Por induzir entende-se a ação de convencer, persuadir a vítima para a prática de certo comportamento. A finalidade do induzimento é satisfazer a lascívia de outra pessoa, sendo esta diferente do agente que induziu. Assim a finalidade é a realização de atos libidinosos desejados por alguém, desde que este não seja a pessoa que induziu a vítima.

[8] A partir da Lei dos Crimes Hediondos — que elevou a pena de estupro e atentado violento ao pudor para seis a dez anos de reclusão —, em que pese alguma divergência, passar as mãos nas coxas, nas nádegas ou nos seios da vítima ou mesmo um abraço forçado configuram, a nosso juízo, a contravenção penal do art. 61 da lei especial, quando praticados em lugar público ou acessível ao público. Atos de pouca importância, ainda que ofensivos ao pudor, não podem ser classificados como estupro (ou tentativa de estupro), adequando à tipificação dessa contravenção.

[9]  Pode-se observar que o delito de importunação sexual possui algumas semelhanças com os crimes de estupro, ato obsceno e assédio sexual, desta forma a presente pesquisa traz as diferenciações do delito de estupro para o delito de importunação sexual visto que aquele é o que mais se assemelha a este. Entretanto, podemos compreender facilmente as diferenças de um para o outro com um exemplo bem simples: Suponhamos que um indivíduo ameaça de morte a vítima com emprego de arma de fogo e determina que esta se masturbe, dessa forma, houve o constrangimento e a grave ameaça (por conta da arma de fogo) para a vítima praticar o ato libidinoso, ainda que não tenha havido contato físico com o agressor, assim sendo ocorre o crime de estupro. Por sua vez, no delito de importunação sexual não há o emprego da violência ou grave ameaça, ou seja, a vítima não é constrangida a praticar ou permitir a prática de atos libidinosos com ela, o ato libidinoso é praticado pelo próprio agente.

 

 

 

[10] Os povos da Antiguidade já puniam severamente os crimes sexuais, particularmente, os violentos, dentre os quais se destacava o de estupro. E, após a Lex Julia de adulteris (em 18 depois de Cristo), no antigo direito romano, procurou-se diferenciar o adulterius de stuprum, significando o primeiro a união sexual com mulher casada, e o segundo, uma união sexual ilícita com a viúva. In stricto sensu, considerava-se estupro toda união sexual ilícita com mulher não casada. Mas, a conjunção carnal violenta, que ora se denomina de estupro, os romanos incluíam em conceito amplo de crimen vis, passível de pena de morte.

 

[11] Em relação à liberdade de dispor do próprio corpo, o consentimento não pressupõe qualquer lesão daquela, antes o exercício positivo do direito à liberdade no que ao seu corpo respeita. O direito de dispor livremente da liberdade sexual (bem jurídico protegido) deriva dessa mesma liberdade e constitui parte essencial do seu valor para o direito. Do mesmo jeito que quem autoriza outrem a entrar em sua casa dificilmente representará que consentiu numa lesão do seu direito à inviolabilidade do domicilio, tal qual a mulher adulta que consente na cópula não sentirá que tenha sido violada a sua liberdade de decisão ou execução da ação, também a pessoa que de forma esclarecida e livre se prostitui, concordando com a intermediação lucrativa do proxeneta, sentirá como ofendido o seu direito à liberdade sexual, funcionando o acordo, na sua relevância sistemática, como causa de exclusão do tipo.

[12] A introdução de dedos na vagina da ofendida, por exemplo, não caracteriza conjunção carnal, pois, como afirmamos, esta pressupõe a introdução do membro genital masculino na cavidade vaginal, e dedos não são órgãos genitais. Portanto, essa prática, desde que forçada, pode caracterizar a segunda figura do estupro, qual seja a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.

[13] Crime de mera conduta é aquele em que o tipo penal descreve apenas a conduta humana, não havendo sequer a possibilidade de ocorrência de um resultado naturalístico.  Crimes de mera conduta são crimes sem resultado, em que a conduta do agente, por si só, configura o crime, independentemente de qualquer alteração do mundo exterior (embora isso seja questionável, porque, no crime de violação de domicílio, típico crime formal, a presença do agente altera o mundo exterior e poderia ser considerada um resultado).

[14] A reforma penal brasileira de 1984 trouxe uma série de preceitos e princípios que mais tarde adotaria a Constituição Federal de 1988, representando um marco para o Direito Penal. A ideia inicial era modificar a Parte Especial do Código Penal de 1940, que, no entanto, permaneceu intacta. Nas discussões científicas que antecederam o anteprojeto da Parte Especial do Código Penal, destacava-se a preocupação em reduzir a intervenção penal do Estado aos casos de extrema necessidade. Os desvios da política legiferante se acentuaram nos anos 60 e 70 com a hipercriminalização. O princípio da intervenção mínima traduz a ideia expressa por Maihofer, de um Direito Penal como ultima ratio da política social, autêntica exigência ética para orientar o legislador quanto aos fatos a punir e quanto às penas a aplicar. Ao institucionalizar as penas restritivas de direitos, a Lei n.º 7.209/84 acolheu o generoso princípio da intervenção mínima: a pena de prisão somente em casos de maior gravidade objetiva e da maior culpabilidade.

[15] Importunação sexual – adequação típica – proporcionalidade A conduta de passar a mão no corpo da vítima por cima das vestes, sem a manipulação direta dos órgãos sexuais ou o contato entre os genitais, configura o crime de importunação sexual. O réu apelou de sentença que o condenou pela prática de estupro de vulnerável (artigo 217-A, caput, c/c artigo 61, inciso II, alíneas “f” e “h”, ambos do Código Penal). Nas razões, pugnou pela absolvição ou pela desclassificação da conduta para a infração penal do artigo 65 da Lei de Contravenções Penais (molestar ou perturbar a tranquilidade de alguém). Ao apreciar o recurso, os Desembargadores destacaram que a Lei 13.718/2018 criou o delito de importunação sexual, previsto no artigo 215-A do Código Penal, o qual prevê a conduta de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Esclareceram que a intenção do legislador, quando instituiu o novo tipo penal, foi a de punir os crimes sexuais conforme a gravidade das condutas, as quais podem ir desde a mera importunação até a prática de ato libidinoso com penetração, mediante violência ou grave ameaça. Os Julgadores asseveraram que o ato de passar a mão no corpo da vítima por cima das vestes, sem a manipulação direta dos órgãos sexuais ou o contato entre os genitais, amolda-se ao tipo do artigo 215-A CP. Acrescentaram que, in casu, não houve prova de que o apelante tivesse agido com violência física ou grave ameaça, de forma que não se poderia reconhecer a prática de crime de estupro. Com isso, o Colegiado, por maioria, deu parcial provimento ao recurso para desclassificar a imputação de estupro de vulnerável para a de importunação sexual e determinou a remessa do processo ao Ministério Público para análise da possibilidade de oferecimento da suspensão condicional do processo. Acórdão 1177322, 20170910026634APR, Relator Des. J.J. COSTA CARVALHO, 1ª Turma Criminal, data de julgamento: 30/5/2019, publicado no DJe: 13/6/2019.

 

[16] O juiz Rafael Brüning, da 4ª Vara Criminal da comarca da Capital, converteu em preventiva a prisão em flagrante de um homem acusado de importunação sexual a uma vítima dentro de um ônibus, prática que é considerada crime desde a semana passada, após sanção de lei pela Presidência da República (artigo 215-A do Código Penal). De acordo com os autos, o réu foi surpreendido por passageiros ao passar a mão por dentro da blusa da vítima. O homem, que foi ouvido pelo magistrado em audiência de custódia, já possui outros recentes registros de ocorrência pela suposta prática dos mesmos fatos. Só este ano, ele teria praticado o ato por nove vezes, todas no interior de veículos de transporte coletivo da Capital. Além de o acusado não possuir endereço fixo, também foi levada em conta a maneira como o agressor agia, a qual colocaria em risco a ordem pública. “Ressalto que, em situações particulares, a jurisprudência tem aceito que o modus operandi em tese empregado pelo agente sirva de justificativa para o aprisionamento pela garantia da ordem pública quando, pelo modo de proceder, percebe-se haver risco concreto de reiteração criminosa e/ou acentuado potencial lesivo da conduta”, assinalou Brüning. Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

[17] Segundo a presidente do TST e do CSJT, ministra Maria Cristina Peduzzi, é dever do empregador promover a gestão racional das condições de segurança e saúde do trabalho. “Ao deixar de providenciar essas medidas, ele viola o dever objetivo de cuidado, configurando-se a conduta culposa”, assinala a ministra Peduzzi. “Cabe ao empregador, assim, coibir o abuso de poder nas relações de trabalho e tomar medidas para impedir tais práticas, de modo que as relações no trabalho se desenvolvam em clima de respeito e harmonia”.

O gênero da vítima não é determinante para a caracterização do assédio como crime. “A tipificação específica é de 2001, quando se introduziu o artigo 216-A no Código Penal, e a prática é punível independentemente do gênero”, explica a presidente do TST, ministra Maria Cristina Peduzzi. No entanto, estatisticamente, a prática se dá preponderantemente em relação às mulheres.

Embora o processo criminal decorrente do assédio sexual seja da competência da Justiça Comum, a prática tem reflexos também no Direito do Trabalho. Ela se enquadra, por exemplo, nas hipóteses de não cumprimento das obrigações contratuais (artigo 483, alínea “e”, da CLT) ou de prática de ato lesivo contra a honra e boa fama (artigo 482, alínea “b”). Nessa situação, a vítima pode obter a rescisão indireta do contrato de trabalho, motivada por falta grave do empregador, e terá o direito de extinguir o vínculo trabalhista e de receber todas as parcelas devidas na dispensa imotivada (aviso prévio, férias e 13º salário proporcional, FGTS com multa de 40%, etc.). Caracterizado o dano e configurado o assédio sexual, a vítima tem direito também a indenização para reparação do dano (artigo 927 do Código Civil). Nesse caso, a competência é da Justiça do Trabalho, pois o pedido tem como origem a relação de trabalho (artigo 114, inciso VI, da Constituição da República).

[18]  É possível a configuração do crime de assédio sexual (art. 216-A CP) na relação entre professor e aluno. O crime de assédio sexual é tipificado no art. 216-A CP e consiste em constranger alguém com o intuito de obter vantagem sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou de ascendência (condição de mando) inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. É, em síntese, a insistência importuna de alguém em posição privilegiada, que usa dessa vantagem para obter favores sexuais de um subalterno. A doutrina discute se é possível o assédio sexual do professor contra o aluno. A controvérsia nasce a partir da interpretação que se pode conferir às expressões “superioridade hierárquica” e “ascendência”, condições elementares do tipo.

[19]  Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves como a lei não esclarece os meios de execução, do crime de assédio sexual, todos devem ser admitidos (crime de ação livre), como por exemplo, atos, gestos, palavras, escritos e, etc. É evidente que existe o crime quando o empregador beija furtivamente o pescoço da funcionária, pede-lhe uma massagem, cheira seus cabelos, troca de roupa em sua presença, pede que ela experimente uma lingerie, convida-a para ir a um motel, mostra-lhe o pênis no escritório e, etc. Convém lembrar que é sempre necessário para a configuração do crime de assédio sexual que o agente tenha se valido do seu cargo.

 

[20] Para Guilherme de Souza Nucci, ambas são inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função, mas a superioridade hierárquica retrata uma relação laboral no âmbito público, enquanto a ascendência espelha a mesma relação, porém no campo privado. Nesse contexto, não configura o crime a mera relação entre docente e aluno, por ausência do vínculo de trabalho entre os dois sujeitos.

[21] O STJ firmou tese na qual adota a segunda orientação sob o argumento de que não é possível ignorar a ascendência exercida pelo professor, que, devido à sua posição, pode despertar admiração, obediência e temor nos alunos, e, em virtude disso, tem condição de se impor para obter o benefício sexual : “É patente a aludida “ascendência”, em virtude da “função” desempenhada pelo recorrente – também elemento normativo do tipo -, devido à atribuição que tem o professor de interferir diretamente na avaliação e no desempenho acadêmico do discente, contexto que lhe gera, inclusive, o receio da reprovação. Logo, a “ascendência” constante do tipo penal objeto deste recurso não deve se limitar à ideia de relação empregatícia entre as partes. Interpretação teleológica que se dá ao texto legal” (REsp 1.759.135/SP, j. 13/08/2019).

[22] Em razão do princípio da especialidade, é descabida a desclassificação do crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal – CP) para o crime de importunação sexual (art. 215-A CP), uma vez que este é praticado sem violência ou grave ameaça, e aquele traz ínsito ao seu tipo penal a presunção absoluta de violência ou de grave ameaça.

 

 

[23] Nos termos do art. 234-B do Código Penal, os processos que apuram essa modalidade de infração penal correm em segredo de justiça. O prazo prescricional somente terá início quando a vítima completar 18 anos, salvo se antes disso a ação penal já tiver sido proposta (art. 111, V, CP).

[24] O Finalismo vem com uma nova conceituação de ação, a qual faz frente ao conceito naturalista e lógico de ação. Welzel, principal representante da teoria finalista, vai escrever que a realidade que serve de fundamento para o Direito não é das ciências naturais, no entanto tal fundamento é a vida social. Sendo assim, para a teoria welzeliana a ação é um fenômeno social, ou seja, um fenômeno da existência em sociedade e, ao mesmo tempo, é uma expressão de sentido (essa expressão de sentido não é meramente individual, deve-se levar em conta dentro de um contexto social). Se se tomar de forma literal a teoria de Welzel, ela parecerá uma reedição da teoria de Hegel (para este trata-se de um sentido social, não havendo persecução de interesses individuais). No entanto, Welzel, de forma alguma, mantém-se nessa linha hegeliana de pensamento, muito pelo contrário, porquanto Welzel não deriva o conceito de sentido da sociedade, mas sim converte esse conceito para algo individual – para uma atividade humana segundo fins. O jurista ainda faz distinção entre o sentido instrumental próprio da ação, como meio para a modificação do meio ambiente dos indivíduos, e a decisão valorativa que se interconecta com a ação. Welzel exclui essa decisão axiológica do conceito de ação, voltando, assim, a uma dogmática naturalista de ação. Vale destacar que aqui começa a se introduzir essa decisão valorativa – embrionária do dolo – para o tipo penal, formando assim o elemento subjetivo do tipo. Então, pode-se perceber que a ação penal é apenas uma vontade instrumental dirigida (ação final, que visa a um fim).

[25] Percebe-se que há também a possibilidade da aplicação da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) no delito de importunação sexual. Para vermos claramente esta possibilidade, vamos trazer como exemplo uma situação em que o companheiro da vítima atua contra a ela o ato de tocar em suas partes íntimas sem o seu consentimento, dentro do ambiente familiar. Assim sendo, a partir do momento que o indivíduo pratica essa conduta já incorre no delito de importunação, e por ser companheiro da vítima, pelo crime ter ocorrido no âmbito da unidade doméstica, e tenha relação íntima de afeto com a ofendida mesmo sem a coabitação como preceitua a Lei 11.340/06, há a possibilidade de o indivíduo incorrer neste crime também, por configurar violência doméstica de cunho sexual.

Gisele Leite,

Professora Universitária há mais de três décadas. Pedagoga. Mestre em Direito UFRJ. Mestre em Filosofia UFF. Doutorado em DIreito USP. Autora de 29 obras jurídicas. Diretora-Presidente da Seccional RJ da Associação Brasileira de Direito Educacional (ABRADE). Consultora IPAE Instituto de Pesquisas e Administração da Educação. Pesquisadora-Chefe do INPJ Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Articulistas dos principais sites e revistas jurídicas, como JURID, LEX, Portal Investidura, COAD, Bonijuris, Revista Prolegis,  etc. Ganhadora da Medalha Paulo Freire pela Câmara Municipal de Duque de        Caxias, Rio de Janeiro.

 

Considerações sobre a Tutela de Evidência no Ordenamento Processual Civil brasileiro

0

Resumo: A tutela provisória abriga a tutela de evidência que significa relevante instrumento sancionatório para coibir práticas protelatórias, deslealdade e má-fé no processo, podendo o julgador concedê-la mesmo de ofício[1] uma vez presentes os requisitos legais.

Palavras-Chave: CPC/2015. Tutela Provisória. Tutela de Evidência. Celeridade Processual. Efetividade Processual. Acesso à Justiça.

 

Résumé: La protection provisoire comprend la protection de la preuve, c’est-à-dire un instrument de sanction pertinent pour lutter contre les pratiques dilatoires, la déloyauté et la mauvaise foi dans le processus, et le juge peut l’accorder d’office une fois que les exigences légales sont remplies.

Mots-clés: CPC/2015. Tutelle provisoire. Tutelle des preuves. Vitesse de procédure. Efficacité procédurale. Accès à la justice.

 

O CPC de 2015 ou Código Fux contém título próprio (III) para disciplinar a tutela de evidência[2]. Realmente, no CPC revogado a tutela da evidência era apenas uma espécie da tutela antecipada, no vigente CPC a tutela de evidência, é tratada como uma espécie de tutela provisória, que tanto poderá ser antecipada como cautelar.

A antecipação de tutela remonta aos tempos remotos e, não se tem certeza por carência de fontes, porém, segundo Maria Cristina da Silva Carmignani teria surgido por volta do século III antes de Cristo, em Roma. (In: CARMIGNANI, Maria Cristina da Silva. Origem Romana da Tutela Antecipada. São Paulo: LTr, 2001, p.33).

Consideram-se os interditos romanos como os antecedentes históricos da antecipação de tutela que eram emitidos em decorrência de juízo sumário e destinados a contornar os inconvenientes da lentidão do rito processual ordinário, tutelando, de modo provisório, certos direitos ou interesses. Enfim, a cognição superficial presente na tutela antecipada se manifestava igualmente em tais provimentos. Era instrumento relevante e dirigido à efetividade do processo à disposição do pretor romano.

A tutela de evidência poderá concedida independentemente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, principalmente, quando: a) restar caracterizado o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório da parte; b) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e, houver tese firmada em julgado de casos repetitivos ou em súmula vinculante; c) Trata-se de pedido reipersecutório[3], fulcrado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; d) a petição exordial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz se gerar dúvida razoável.

Em todos os casos acima citados, verifica-se que o direito restou evidente, não sendo passível de impugnação, oferecendo juízo de certeza[4] ao julgador, mas a cognição ainda não é exauriente, posto que a decisão judicial seja provisória.

A primeira dúvida que poderia aparecer seria porque o juiz, em tais casos, já não proclamaria o julgamento antecipado da lide, proferindo sentença definitiva.

Principalmente, para que o princípio do contraditório e da ampla defesa não seja ferido. E, o legislador pátrio teve o devido cuidado nesse sentido, porque estabeleceu que somente nos casos das alíneas b e c é que o julgador poderá decidir liminarmente.

Nos casos de abuso do direito de defesa, atitudes protelatórias e a petição inicial instruídas com documentos suficientes dos fatos constitutivos do direito, somente após a contestação do demandado é que o juiz poderá conceder a medida pleiteada. O motivo é óbvio, eis que, nos dois casos, somente após a manifestação do réu é que se poderá saber se suas atitudes são protelatórias, se age com abuso do direito de defesa ou se os documentos que juntou são suficientes a conferir juízo de certeza[5].

Ademais, caso fosse julgamento antecipado de mérito, ficaria configurada flagrante inconstitucionalidade, eis que existiria julgamento de certeza sem que tivesse sido dada a oportunidade ao réu para se defender, o que feriria de morte o modelo constitucional do processo.

Segundo, Leonardo Greco que leciona in litteris:

                 “Com efeito, se o acolhimento definitivo do pedido do autor, em razão da evidência do seu direito fosse concedido liminarmente, sem a prévia audiência do réu, essa especial tutela da evidência seria irremediavelmente inconstitucional, pois somente a urgência, ou seja, o perigo iminente de lesão grave ou de difícil reparação a bem da vida de especial valor pode justificar a postergação, jamais a supressão completa, do contraditório ou do exercício do direito de defesa, que são garantias constitucionais cujo respeito se afigura absolutamente imperioso e inafastável. A liminar possessória e os alimentos provisórios sempre foram justificados pela excepcional relevância do direito tutelado, constituindo provimentos provisórios, sujeitos a ratificação subsequente, após regular contraditório”. (In: Leonardo Grecco. A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2014/2015. Disponível em: http://www.epublicacoes. uerj.br/index.php/redp/article/view/14541).

Outra dúvida que nos atormenta seria entender a razão, saber de que adiantaria conceder a tutela provisória, se o juiz, após a oitiva do réu, já poderia proferir julgamento antecipado da lide, ou ainda, o julgamento parcial de mérito. A vantagem, portanto, se revela conforme os artigos 1.012, V e 1.013, §5º do CPC vigente, a apelação, nos casos em que a tutela provisória[6] seja concedida na sentença, não terá efeito suspensivo, passando a produzir efeitos imediatamente. Alguns doutrinadores entendem que tal forma de tutela provisória sempre será incidental e, outros doutrinadores, por sua vez, opinam pela possibilidade de concessão antecedente.

Eis que doravante com o CPC de 2015, há a firme possibilidade de concessão liminar antecedente para a tutela da evidência, pois o atual CPC, é explícito em apontar que nas hipóteses II e III, isto é, quando alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, bem como quando se tratar de pedido reipersecutório, fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, o juiz poderá conceder liminarmente a tutela da evidência. Ora, se pode conceder liminarmente, não há nada que impeça que em sede de pedido antecedente se possa deferir o pedido de tutela da evidência.

Ressalta-se que nas hipóteses dos incisos II e III, não há necessidade de se aquilatar se as atitudes do réu foram eivadas de abuso do direito de defesa, se houve prática de ato procrastinatório, bastando ao julgador verificar a existência de tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, além de prova documental, ou se se trata de pedido reipersecutório, fundado em prova documental adequada do contrato de depósito. Entende-se, portanto, que nesses hipóteses é plenamente cabível a concessão de tutela da evidência em caráter antecedente.

Urge saber se a tutela de evidência poderia ser considerada como tutela de urgência. Posto que se trata de modalidades diferentes de tutela provisória, com hipóteses bem maradas para sua concessão. A tutela de evidência, frise-se, é baseada em altíssima probabilidade de o requerente da medida ter razão, dispensando a demonstração de perigo de dano. E, assim, o que se protege é o próprio direito que salta aos olhos, que fica demonstrado pela caracterização das hipóteses previstas em lei, autorizando que o juiz o conceda imediatamente.

Mas, a concessão não ocorre porque haja qualquer perigo de dano, mas apenas para que aquele portador de direito evidente não tenha que esperar por todo processamento do feito para obter a satisfação de seu pleito.

Por outro viés, entende-se que não cabe tutela da evidência de natureza cautelar. A proteção se materializa para o processo, e não para o direito em si. Portanto, não há que se cogitar em evidência do direito para possibilitar a cautela do processo.

E, noutro viés, nada impede que seja aplicado o pertinente princípio da fungibilidade[7] entre a tutela de evidência e tutela de urgência. Desta forma, caso o requerente tenha feito o pedido de antecipação de tutela baseado na urgência, que se revela inexistência, mas a hipótese se enquadra entre as previstas em lei para a tutela da evidência, o juiz poderá deferir a medida, usando o poder geral de cautela que lhe fora conferido.

As hipóteses da tutela antecipada que são previstas no artigo 311 do CPC vigente, não se destinam a debelar perigo de dano e, sim, prestam-se para permitir a eventual redistribuição do ônus da demora do processo. E, aplicam-se aos casos em que a probabilidade de que o autor tenha razão no que pleiteia seja tão elevada, ou seja, há a seu favor um intensa verossimilhança, que se constata ser gravame desproporcional ao autor ter que arcar com o peso da demora do processo.

Lembremos, ainda, que a tutela de evidência pode ser requerida apenas incidentalmente e, não foi prevista em modalidade antecedente. Por isso, não está apta a estabilizar-se. Porém, as partes podem celebrar negócio processual que preveja a estabilização da tutela de evidência.

No inciso I do artigo 311 do CPC vigente, caberá a modalidade de tutela antecipada, quando a caracterização do abuso de defesa ou do manifesto propósito protelatório do réu, que são aptos a ensejar a antecipação da tutela e, pressupõe a constatação de extrema probabilidade do direito do autor ou demandante. Enfim, para que se possa qualificar a conduta como abusiva ou protelatória, é necessário que exista o juízo de plausabilidade bastante intenso sobre de quem tem razão[8].

Só isso explicará e justificará que tudo o que a parte aparentemente sem razão faça, a partir de então, seja considerado excessivo ou supérfluo para os fins do processo. Conclui-se que seria um despropósito taxar como abusiva a defesa formulada, senão quando seja mínima a chance de que seja procedente. Da mesma forma, não se concebe que a atuação do demandado seja tida como protelatória, se não existe forte indicação de que a tutela ao final, venha a lhe desfavorecer, e que por isso, ele quer retardá-la.

Resumindo, tais hipóteses correspondem ao máximo grau de plausibilidade de direito. E, é bastante para que seja a medida concedida, o acréscimo de grau mínimo de perigo de dano, o simples retardo no tramitar do processo, ocasionado pela conduta processual daquele que muito provavelmente não tem razão.

A antecipação da tutela de mérito, nessa hipótese, não possui caráter punitivo. Destina-se, simplesmente, a redistribuir o peso da tardança do processo. Como não é uma punição, não é necessário examinar, se o réu está agindo dolosamente. Cabe apenas o exame objetivo de sua defesa. Se esta não é séria, para usar expressão adotada em leis processuais estrangeiras, se não é consistente, isso vem a reforçar cabalmente o juízo de verossimilhança, autorizando plenamente a tutela antecipada do mérito.

No inciso II do artigo 311 CPC refere-se a mais uma expressão da força vinculante de determinadas decisões e enunciados, ou seja, dos precedentes jurisprudenciais.

O centro da controvérsia reside na questão jurídica, que já foi definida em julgamento por amostragem. E, os aspectos fáticos da causa, no mais das vezes, cingem-se aos aspectos pouco controversos. E, assim, de qualquer maneira, precisam ser razoavelmente demonstrados por via documental.

Nesse caso e nas demais hipóteses positivadas, a prova documental pode consistir em prova de outra natureza produzida em outro processo e transportada para o novo processo sob a forma escrita, é o caso da prova emprestada, e da produção antecipada de provas.

A terceira hipótese, em certa medida, foi instruída justamente para compensar a extinção da ação de depósito, que era ação especial onde se distinguia pela possibilidade de imposição da pena de prisão civil ao depositário infiel. E, com a Súmula Vinculante 25, eliminada a prisão civil do infiel depositário[9], a ação de depósito tornou-se, flagrantemente, inútil. Lembremos que não é preciso que o contrato de depósito esteja instrumentalizado por escrito pois é possível comprová-lo documentalmente sua existência.

A quarta hipótese espelha o juízo de probabilidade necessário à concessão da medida não é dado simplesmente pela prova documental produzida, mas sim, pelo contraste entre tal prova e a atuação instrutória do adversário. E, desta forma, os elementos probatórios, que no contexto processual, diante do silêncio ou inconsistência da reação do adversário. A segunda e a terceira hipótese ora expostas admitem concessão liminar, conforme prevê o parágrafo único do artigo 311 do CPC vigente.

Curial sublinhar que a tutela de evidência se subordina à todas as normas gerais da tutela provisória, posto que seja instrumental em relação ao resultado final do processo e, deve ser reversível, em regra. Sendo essencialmente modificável e revogável.

Contemporaneamente, não existem mais dúvidas quanto ao cabimento da tutela provisória em face do Poder Pública e, as peculiaridades do regime da Fazenda Pública em juízo (onde existem prazos em dobro, reexame necessário, execução monetária por meio de precatórios e, etc.) não justificam nenhuma limitação à tutela da urgência ou da evidência. E, ainda, considerando-se os fundamentos constitucionais que nutrem o processo civil brasileiro, seria ofensivo aos princípios de isonomia e do acesso à justiça, entre outros, negar o cabimento da tutela provisória em face do Poder Público.

No entanto, o artigo 1.059 do CPC determina que se apliquem à tutela provisória determinadas normas limitadoras do uso da medida cautelar e da tutela antecipada, no sistema do CPC de 1973. Tais regras exigem interpretação conforme à Constituição Federal de 1988. E, na medida em que a vedação ao emprego da tutela provisória inviabilize a tutela jurisdicional efetiva e adequada, estas deverão ser afastadas, fundamentadamente, no caso concreto.

Alexandre Freitas Câmara afirma in litteris que: “A tutela de urgência pode ser deferida antes da oitiva da parte contrária (inaudita altera parte), liminarmente ou após a realização de uma audiência de justificação prévia (em que se permita ao demandante produzir prova oral destinada a demonstrar a presença dos requisitos de sua concessão). Tem-se, aqui, uma exceção ao princípio do contraditório, que exige debate prévio acerca do conteúdo das decisões, capazes de afetar a esfera jurídica das pessoas, e que resulta do modelo constitucional de processo (art. 5º, LV, da Constituição da República) e constitui uma das normas fundamentais do CPC [2015] (arts. 9º e 10). Tem-se, aqui, uma limitação inerente ao contraditório, o qual não pode ser transformado em um mecanismo obstativo do pleno acesso à justiça. Pois é exatamente por isto que o próprio CPC [2015] prevê expressamente a possibilidade de concessão inaudita altera parte da tutela provisória de urgência sem prévia oitiva da parte contra quem a decisão será proferida (art. 9º, parágrafo único, I). E é importante frisar que esta possibilidade de concessão inaudita altera parte da tutela provisória é perfeitamente compatível com o modelo constitucional de processo, já que o princípio constitucional do contraditório – como qualquer outro princípio – pode conhecer exceções que também tenham legitimidade constitucional, como se dá no caso em exame, em que a regra autoriza a concessão liminar da tutela de urgência encontra guarida no princípio constitucional do acesso à justiça”.

Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, leciona: “A tutela provisória (cautelar, satisfativa ou de evidência), que no Código anterior correspondia a um tipo de processo autônomo, diferente do de conhecimento e do de execução, deixa de ser, no novo Código, um terceiro processo, para ser praticada como incidente dos dois processos clássicos. Com efeito, a prestação da tutela provisória, além de não exigir a formação de um processo independente, corresponde a atividades judiciais que, em essência, não se distinguem dos acertamentos realizáveis na prestação cognitiva, nem dos atos materiais com que se efetua a prestação satisfativa na execução forçada. Para solucionar qualquer pretensão à medida provisória, o juiz sempre terá de proceder à verificação e certificação do direito a ela (o que configura atividade cognitiva) e, para pô-la em prática, terá de recorrer aos mesmos expedientes do processo de execução”.

Afirma ainda que: “o novo Código dispõe que na decisão que conceder, negar, modificar ou reformar tutela provisória ‘o juiz motivará seu convencimento de modo claro e preciso’ (NCPC, art. 298, caput). Justamente porque não se trata de mero poder discricionário do magistrado, a lei exige que a decisão acerca da tutela provisória seja sempre fundamentada, cabendo-lhe enunciar ‘de modo claro e preciso’ as razões de seu convencimento. A necessidade decorre do fato de a medida provisória ser deferida a partir de uma instrução sumária, havendo inversão da sequência natural e lógica entre os atos de debate, acertamento e decisão”. E assevera que “o dever de motivação de toda e qualquer decisão é uma imposição de ordem constitucional (CF, art. 93, IX). O maior rigor da lei, com relação às medidas sumárias de urgência, prende-se ao fato de que a investigação fática nessas medidas se dá com base numa instrução muito superficial. O legislador, por isso, revelou não apenas o caráter excepcional da medida, como impôs rigor e cautela no seu emprego. Incumbirá ao juiz cumprir o encargo ‘de modo objetivo, isto é, deve a decisão expor os fatos que acenem para a plausibilidade do direito e para a probabilidade da ocorrência de dano de, ao menos, difícil reparação, ou, se for o caso, deve ela mencionar de que modo se revela o abuso de direito ou o propósito procrastinatório por parte do réu. Não basta mencionar a decisão que é manifesto o propósito procrastinatório ou que há abuso por parte do demandado; mas será imprescindível dizer que sua recalcitrância se revela por tal ou qual atitude. Enfim, deverá a decisão mencionar porque, nas circunstâncias, a antecipação da tutela não se mostra irreversível, para ser deferido provimento antecipatório. Ou, para ser negado, deverá ser esclarecido em que medida se mostra presente o periculum in mora inversum“.

Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery sobre o princípio da fungibilidade[10] das medidas cautelares ensinam que: “No sistema do CPC/1973, como havia diversas medidas de natureza cautelar encaixadas nos procedimentos especiais, era válido e necessário partir do princípio de que, não sendo o caso de se conceder uma espécie determinada de medida cautelar, poderia o juiz aplicar o princípio acima referido e adaptar o pedido do autor, concedendo-lhe à medida que julgar conveniente para o caso. Na atual sistemática, o pedido elaborado em regime de urgência ou para atender à tutela da evidência atende a um procedimento próprio, devendo a medida pleiteada ser especificada no pedido, de forma que a aplicação do princípio fica diluída, já que a atenção para a construção do requerimento está no caráter de urgência ou evidência, e eventualmente poder-se-ia cogitar de fungibilidade entre tais circunstâncias. No caso da tutela de urgência, não há razão para acreditar que haja necessidade de aplicação do princípio, uma vez que a atenção se volta para o momento em que é requerida a medida: se ao mesmo tempo em que proposta a ação principal, ou anteriormente a esta”.

Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello ensinam sobre o novo regime jurídico da tutela provisória que foi inaugurado pelo CPC/2015, em comentário, ao artigo 294, in litteris: “Esse dispositivo inaugura o regime jurídico da tutela provisória no NCPC, esclarecendo desde logo no caput que o gênero (tutela provisória) pode fundamentar-se em urgência e evidência. Ambas, conquanto provisórias – ou seja, ainda sujeita a modificação após aprofundamento da cognição[11] – não se confundem. A tutela de urgência está precipuamente voltada a afastar o periculum in mora, serve, portanto, para evitar um prejuízo grave ou irreparável enquanto dura o processo (agravamento do dano ou a frustração integral da provável decisão favorável), ao passo que a tutela de evidência se baseia exclusivamente no alto grau de probabilidade do direito invocado, concedendo, desde já, aquilo que muito provavelmente virá ao final. O parágrafo único trata tão somente da tutela de urgência, apresentando desde já sua divisão em tutela cautelar e tutela antecipada, para depois traçar-lhes a mesma regra geral quanto ao seu procedimento: ambas podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental. Esta é a primeira de muitas disposições do NCPC, que deixam claro que praticamente se adotou um regime jurídico único para as tutelas de urgência. Já não era sem tempo. Isso representa uma clara mudança de foco na lei processual que, sob a égide do CPC/1973, trata da tutela antecipada e da tutela cautelar como tipos distintos, sujeitas a procedimentos e requisitos igualmente distintos, inclusive, com parcela importante da doutrina pátria preocupada em diferenciá-las conceitualmente, demonstrando com precisão cirúrgica os diferentes contornos de uma e outra. Com essa opinião, contudo, não concordamos. A tutela cautelar e a tutela antecipada, na terminologia usada pelo NCPC são espécies do mesmo gênero (tutela de urgência) com muitos aspectos similares. Ambas estão caracterizadas por uma cognição sumária, são revogáveis e provisórias e estão precipuamente vocacionadas a neutralizar os males do tempo no processo judicial, mesmo que por meio de técnicas distintas, uma preservando (cautelar) e outra satisfazendo (antecipada). Noutras palavras, a tutela cautelar evita que o processo trilhe um caminho insatisfatório que o conduzirá à inutilidade. Por sua vez, a tutela antecipada possibilita à parte, desde já, a fruição de algo que muito provavelmente virá a ter reconhecido ao final. Pode-se dizer que na cautelar protege-se para satisfazer; enquanto na tutela antecipada satisfaz-se para proteger. Cada uma a seu modo, ambas têm a mesma finalidade remota, ou seja, estão vocacionadas a neutralizar os males corrosivos do tempo no processo. Dada a similitude existente entre as duas espécies de tutelas provisórias de urgência – as de caráter meramente conservativo e as que possuem conteúdo antecipatório – é inescusável que recebam o mesmo tratamento jurídico. O NCPC, em certa medida, reconheceu tal fato”.

Cumpre expor o merecido destaque aos Enunciados do FPPC, a seguir:

N.º 29. (Art. 298; art. 1.015, I, CPC/2015) A decisão que condicionar a apreciação da tutela provisória incidental ao recolhimento de custas ou a outra exigência não prevista em lei equivale a negá-la, sendo impugnável por agravo de instrumento.

N.º 30. (Art. 298, CPC/2015) O juiz deve justificar a postergação da análise liminar da tutela provisória sempre que estabelecer a necessidade de contraditório prévio.

N.º 31. (Art. 301, CPC/2015) O poder geral de cautela está mantido no CPC.

N.º 32. (Art. 304, CPC/2015) Além da hipótese prevista no art. 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência antecedente.

N.º 33. (Art. 304, §§, CPC/2015) Não cabe ação rescisória nos casos estabilização da tutela antecipada de urgência.

N.º 34. (Art. 311, I, CPC/2015) Considera-se abusiva a defesa da Administração Pública, sempre que contrariar entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa, salvo se demonstrar a existência de distinção ou da necessidade de superação do entendimento.

N.º 35. (Art. 311, CPC/2015) As vedações à concessão de tutela provisória contra a Fazenda Pública limitam-se às tutelas de urgência.

N.º 66. (Art. 565, CPC/2015) A medida liminar referida no art. 565 é hipótese de tutela antecipada.

N.º 80. (Art. 919, § 1.º; art. 969, CPC/2015) A tutela antecipada prevista nestes dispositivos pode ser de urgência ou de evidência.

N.º 92. (Art. 982, I; art. 313, IV, CPC/2015) A suspensão de processos prevista neste dispositivo é consequência da admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas e não depende da demonstração dos requisitos para a tutela de urgência.

N.º 140. (Art. 296, CPC/2015) A decisão que julga improcedente o pedido final gera a perda de eficácia da tutela antecipada.

N.º 141. (Art. 298, CPC/2015) O disposto no art. 298, CPC, aplica-se igualmente à decisão monocrática ou colegiada do Tribunal.

N.º 142. (Art. 298; art. 1.021, CPC/2015) Da decisão monocrática do relator que concede ou nega o efeito suspensivo ao agravo de instrumento ou que concede, nega, modifica ou revoga, no todo ou em parte, a tutela jurisdicional nos casos de competência originária ou recursal, cabe o recurso de agravo interno nos termos do art. 1.021 do CPC.

N.º 143. (Art. 300, caput, CPC/2015) A redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada.

N.º 217. (Art. 1.012, § 1.º, V; art. 311, CPC/2015) A apelação contra o capítulo da sentença que concede, confirma ou revoga a tutela antecipada da evidência ou de urgência não terá efeito suspensivo automático.

N.º 271. (Art. 231, CPC/2015) Quando for deferida tutela provisória a ser cumprida diretamente pela parte, o prazo recursal conta a partir da juntada do mandado de intimação, do aviso de recebimento ou da carta precatória; o prazo para o cumprimento da decisão inicia-se a partir da intimação da parte.

N.º 381. (Art. 9.º; art. 350; art. 351; art. 307, parágrafo único, CPC/2015) É cabível réplica no procedimento de tutela cautelar requerida em caráter antecedente.

N.º 385. (Art. 99, § 2.º, CPC/2015) Havendo risco de perecimento do direito, o poder do juiz de exigir do autor a comprovação dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade não o desincumbe do dever de apreciar, desde logo, o pedido liminar de tutela de urgência.

N.º 418. (Art. 294 a 311, CPC/2015; Leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009) As tutelas provisórias de urgência e de evidência são admissíveis no sistema dos Juizados Especiais.

N.º 419. (Art. 300, § 3.º, CPC/2015) Não é absoluta a regra que proíbe tutela provisória com efeitos irreversíveis.

N.º 420. (Art. 304, CPC/2015) Não cabe estabilização de tutela cautelar.

N.º 421. (Art. 304; art. 969, CPC/2015) Não cabe estabilização de tutela antecipada em ação rescisória.

N.º 422. (Art. 311, CPC/2015) A tutela de evidência é compatível com os procedimentos especiais.

N.º 423. (Art. 311; art. 995, parágrafo único; art. 1.012, § 4.º; art. 1.019, I; art. 1.026, § 1.º; art. 1.029, § 5.º, CPC/2015) Cabe tutela de evidência recursal.

N.º 448. (Art. 799, VIII, CPC/2015) As medidas urgentes previstas no art. 799, VIII, englobam a tutela provisória urgente antecipada.

N.º 449. (Art. 806, CPC/1973) O art. 806 do CPC de 1973 aplica-se às cautelares propostas antes da entrada em vigor do CPC de 2015.

N.º 490. (Art. 190; art. 81, § 3.º; art. 297, parágrafo único; art. 329, II; art. 520, I; art. 848, II, CPC/2015) São admissíveis os seguintes negócios processuais, entre outros: pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva; pacto de alteração de ordem de penhora; pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II); pré-fixação de indenização por dano processual prevista nos arts. 81, § 3.º, 520, inc. I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual); negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do pedido ou da causa de pedir até o saneamento (art. 329, inc. II).

N.º 496. (Art. 294, parágrafo único; art. 300, caput e § 2.º; art. 311, CPC/2015) Preenchidos os pressupostos de lei, o requerimento de tutela provisória incidental pode ser formulado a qualquer tempo, não se submetendo à preclusão temporal.

N.º 497. (Art. 297, parágrafo único; art. 300, § 1.º; art. 520, IV, CPC/2015) As hipóteses de exigência de caução para a concessão de tutela provisória de urgência devem ser definidas à luz do art. 520, IV, CPC.

N.º 498. (Art. 297, parágrafo único; art. 300, § 1.º; art. 521, CPC/2015) A possibilidade de dispensa de caução para a concessão de tutela provisória de urgência, prevista no art. 300, § 1.º, deve ser avaliada à luz das hipóteses do art. 521.

N.º 499. (Art. 302, III, parágrafo único; art. 309, III, CPC/2015) Efetivada a tutela de urgência e, posteriormente, sendo o processo extinto sem resolução do mérito e sem estabilização da tutela, será possível fase de liquidação para fins de responsabilização civil do requerente da medida e apuração de danos.

N.º 500. (Art. 304, CPC/2015) O regime da estabilização da tutela antecipada antecedente aplica-se aos alimentos provisórios previstos no art. 4.º da Lei 5.478/1968, observado o § 1.º do art. 13 da mesma lei.

N.º 501. (Art. 304; art. 121, parágrafo único, CPC/2015) A tutela antecipada concedida em caráter antecedente não se estabilizará quando for interposto recurso pelo assistente simples, salvo se houver manifestação expressa do réu em sentido contrário.

N.º 502. (Art. 305, parágrafo único, CPC/2015) Caso o juiz entenda que o pedido de tutela antecipada em caráter antecedente tenha natureza cautelar, observará o disposto no art. 305 e seguintes.

N.º 503. (Arts. 305 a 310, CPC/2015; art. 4.º da Lei 7347/1985; art. 16 da Lei 8.249/1992) O procedimento da tutela cautelar, requerida em caráter antecedente ou incidente, previsto no Código de Processo Civil é compatível com o microssistema do processo coletivo.

N.º 504. (Art. 309, III, CPC/2015) Cessa a eficácia da tutela cautelar concedida em caráter antecedente, se a sentença for de procedência do pedido principal, e o direito objeto do pedido foi definitivamente efetivado e satisfeito.

N.º 567. (Art.1.046, § 1.º; art. 1.047, CPC/2015) Invalidado o ato processual praticado à luz do CPC de 1973, a sua repetição observará o regramento do CPC/2015, salvo nos casos de incidência do art. 1047 do CPC/2015 e no que refere às disposições revogadas relativas ao procedimento sumário, aos procedimentos especiais e às cautelares.

N.º 568. (Art. 1046, § 1.º, CPC/1205). As disposições do CPC/1973 relativas aos procedimentos cautelares que forem revogadas aplicar-se-ão às ações propostas e não sentenciadas até o início da vigência do CPC/2015.

 

É necessário frisar a distinção existente entre as tutelas provisórias, notadamente, a antecipada e a cautelar, e, a maior parte da doutrina brasileira afirma que não houve substancial alteração no que se refere à caracterização e à natureza jurídica[12] das tutelas provisórias antecipada e cautelar. Em todos os momentos em que disciplina das tutelas urgência, verifica-se que o legislador pátrio utiliza a expressão “realizar o direito” para tutelas antecipadas e acautelar para as tutelas cautelares.

A tutela antecipada não se confunde com a tutela cautela, posto que a tutela antecipatória não se limita a assegurar o resultado útil e eficaz do processo, nem tampouco garantir a satisfação do direito, mas sim, conceder o próprio pedido formulado.

Enquanto a tutela cautelar se refere à proteção ao processo, garantindo-se um resultado útil. E, eminente Cândido Rangel Dinamarco explica que a distinção entre a tutela antecipada e a tutela cautelar pode ser vista em relação ao processo e ao sujeito: quando o mal é causado ao processo, o remédio é a cautelar e quando ao sujeito, a tutela antecipada”. (In: Nova era do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 67-68).

Conclui-se, portanto, que para se entender, de forma mais simplificada, que tipo de tutela é prestada na tutela antecipada, basta recordar que na petição inicial o autor promover dois tipos de pedidos, a saber: o imediato e o mediato. primeiro representa o tipo de providência jurisdicional que será proporcionada pelo juiz e o segundo representa o bem da vida, a vantagem prática pleiteada. Ocorre que na tutela antecipada o órgão julgador entrega o bem da vida, a vantagem prática, ou seja, apenas o pedido mediato. Jamais haverá a entrega do pedido imediato, pois, nesse caso, o juiz já proferira a sentença, o julgamento antecipado da lide.

Em tempo, cumpre destacar que ocorre que a tutela cautelar se destina a assegurar a eficácia (prática) do processo de conhecimento ou de execução, não se concedendo, portanto, o próprio bem da vida almejado, mas apenas, assegurando que uma vez reconhecido judicialmente o cabimento de tal pretensão aí sim, o bem da vida seja entregue e, isto será possível porque a viabilidade do alcance do bem da vida foi protegida ou acautelada.

Conforme afirmou Piero Calamandrei, a medida cautelar destina-se a dar tempo a justiça cumprir eficazmente sua obra. Na tutela antecipada não se antecipa o provimento judicial em si, nem apenas se assegura o resultado. O que se verifica é a antecipação dos efeitos do provimento judicial definitivo, o que é a representação do bem da vida almejado pelo autor. É a tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito Conforme, sustenta Calamandrei, obtém, ainda que provisoriamente, é admissão do pedido mediato e não do imediato, já que este último só na sentença é que será apreciado.

Em suma, enquanto na tutela cautelar concede-se no presente a prestação do bem de vida que provavelmente será obtido no futuro, na tutela antecipada concede-se no presente, o próprio bem da vida que só provavelmente seria obtido no futuro.

Assim, enquanto na tutela antecipada se proporciona ao jurisdicionado a própria fruição do direito pleiteado, entregando, em verdade, o pedido mediato formulado pelo autor, na tutela cautelar nada disso é feito, o julgador apenas fornece uma medida que venha garantir o resultado útil do processo, isto é, que tutela seja ao final concedida de forma concreta e efetiva.

Assim, a medida cautelar tem como fito garantir a satisfação do direito discutido no processo dito principal, mas não pode antecipar a decisão sobre o direito material. E, essa característica pertence somente às tutelas antecipadas. Afinal, se a medida satisfaz, não é cautelar. Esse é justamente o caso de liminar concedida no mandado de segurança.

Em resumo, pode-se afirmar que o caracteriza a tutela antecipada é satisfatividade, ao passo que o que caracteriza a tutela cautelar é a referibilidade, ou seja, deve haver referência a um direito acautelado.

O nobre e saudoso Teori Albino Zavascki explicou que: “as situações de risco à efetividade da prestação da tutela definitiva são essencialmente três. Há situações em que a certificação do direito material é que está em risco, já que a prova de sua existência se encontra ameaçada em face da demora de sua coleta pelos meios ordinários. Quando ocorrerem, será urgente medida para antecipar a produção da prova, que, todavia, não importa qualquer antecipação dos efeitos da futura sentença. Por outro lado, há situações em que o perigo ameaça, não a certificação, mas a futura execução forçada do direito certificado, com a dissipação das suas indispensáveis bases materiais. Nesses casos, urgente será a medida para garantir a execução, o que, igualmente, não significa antecipar os efeitos da tutela definitiva. Mas finalmente, há situações em que a certificação do direito pode não estar sob risco, como podem não estar sob risco de dissipação os bens destinados à execução do direito certificado: o perigo de dano ao direito decorre, unicamente, da demora na sua efetiva fruição. Presentes essas circunstâncias, será urgente medida para propiciar a própria satisfação do direito afirmado e tal medida, por certo, representará antecipação de um efeito típico da tutela definitiva, própria da futura sentença de procedência”.

Em suma: há casos em que apenas a certificação do direito está em perigo, sem que sua satisfação seja urgente ou que sua execução esteja sob risco; há casos em que o perigo ronda a execução do direito certificado, sem que a sua certificação esteja ameaçada ou que sua satisfação seja urgente. Em qualquer de tais hipóteses, garante-se o direito, sem satisfazê-lo. Mas há casos em que, embora nem a certificação nem a execução estejam em perigo, a satisfação do direito é, todavia, urgente, dado que a demora na fruição constitui, por si, elemento desencadeante de dano grave. Essa última é a situação de urgência legitimadora da medida antecipatória.

Na doutrina essencial de Ovídio Baptista da Silva, existe nas medidas cautelares, a segurança da execução e na antecipação da tutela existe a execução para segurança, sendo este derradeiro o caso derradeiro do mandado de segurança. E, o referido e saudoso doutrinador, confirmando o caráter não cautelar e antecipatório dos efeitos da eliminar concedida em sede de mandado de segurança, assevera que o caracteriza a natureza do provimento de procedência é o seu respectivo conteúdo.

Afirmou o doutrinador que se ao antecipar os efeitos da sentença de procedência, em demanda satisfativa até o fundado receito de dano irreparável, o provimento terá naturalmente caráter também satisfativo, logo não cautelar. Se, ao revés, ante o mesmo fundado receio de dano irreparável[13], protege-se o direito, sem satisfazê-lo, apenas assegurando sua futura satisfação (realização), então o provimento será cautelar.

É sabido que a sentença pode conter diversas cargas ou eficácias, algumas das quais são preponderantes. Em função da necessidade da existência do interesse processual é certo que não se poderá admitir a tutela antecipada que não seja adequada ao fim a que se destina.

Desta forma, nos casos em que o autor somente possa ser satisfeito quando a tutela for concedida em definitivo, de nada adiantaria, concedê-la antecipadamente. É o caso da tutela chamada meramente declaratória ou da meramente constitutiva.

Novamente Zavascki nos iluminou com seus ensinamentos: a antecipação de efeitos da tutela somente contribuirá para a efetividade do processo quando, pela natureza, se tratar de efeitos: a) que provoquem mudanças ou b) que impeçam mudanças no plano da realidade fática, ou seja, quando a tutela comportar, de alguma forma, execução. Execução em sentido o mais amplo possível: pela via executiva lato sensu, pela via mandamental ou pela ação de execução propriamente dita.

Enfim, pode-se ratificar que tanto a tutela antecipada como a cautelar, reconhecidamente tutelas provisórias de urgência, possuem em comum a finalidade de evitar que a passagem do tempo, a morosidade, venham corroer o direito almejado pela parte, seja possibilitando a própria fruição, seja garantindo que o processo obtenha um resultado útil e eficaz, mesmo que a entrega do direito decorra razoavelmente até que o processo termine.

Tanto as cautelares como as antecipatórias, no fundo, convergem ao objetivo de evitar que o tempo venha corroer os direitos e, acabe por lesar algum jurisdicionado, mesmo sem oferecer diretamente ao litigante a fruição do bem ou de algum benefício que essa fruição poderia trazer-lhe, a tutela cautelar evita que o processo se encaminha para um resultado desfavorável, conforme aconteceria se a testemunha viesse a faltar ou o bem penhorável a ser destruído.

Apesar de não viger unanimidade na doutrina pátria, muitos doutrinadores, dentro do regime do CPC de 1973, ora revogado, estabeleciam também diferenças quanto ao fumus boni iuris e quanto ao periculum in mora. E, referente ao fumus boni iuris a diferença era fixada em função da redação do artigo 273 do Código Buzaid, que exigia a prova inequívoca[14] da verossimilhança das alegações, o que não era exigido para as cautelares.

Ex positivis, o fumus exigido para a tutela antecipatória era bem mais robusto, forte e veemente do que o fumus exigido para a concessão das medidas cautelares. Quanto ao periculum in mora, a diferenciação tinha origem também no mesmo dispositivo legal do CPC de 1973, no inciso II, o qual previa a concessão da tutela antecipada independentemente da urgência ou do risco na fruição do direito.

O requisito, nesse caso, era a existência de direito evidente. Com o objetivo de dar à prestação da tutela jurisdicional maior celeridade, o CPC de 2015 trouxe a tutela de evidência como inovação técnica apta a proteger um direito evidente desde o início do processo ainda que o CPC revogado não abarcasse tal hipótese para permitir a antecipação da tutela final, por inexistência de urgência. Aliás, a tutela evidência é cabível também na fase recursal, a exemplo do que ocorre com a tutela de urgência.

Recorde-se a diferenciação entre as tutelas de urgência, no regime do CPC revogado, era importante não apenas pela dificuldade que sempre existiu de caracterizá-las, mas principalmente, a jurisprudência brasileira era controvertida quanto à possibilidade de a admissão da fungibilidade entre estas ser via de mão dupla. Muitos doutrinadores e estudiosos entendiam que haveria ainda a possibilidade apenas da chamada “fungibilidade regressiva, ou seja, de antecipação de tutela para a providência cautelar, não se admitindo o contrário, isto é, a fungibilidade progressiva.

Atente-se que no artigo 305, parágrafo único do CPC de 2015 determina que “caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303”, que é o artigo que trata do processamento da tutela antecipada, ou seja, receberá a tutela cautelar como tutela antecipada.

Assim, temos aqui uma via de mão única invertida. Enquanto no CPC de 1973 havia previsão para a fungibilidade entre antecipada e cautelar, no novo CPC temos a previsão da fungibilidade entre cautelar e antecipatória. No entanto, em nossa opinião, tanto no regime do CPC de 1973 como agora, trata-se, em realidade, de “via de mão dupla”. Há espaço para o juiz receber tanto cautelares quanto antecipadas, como, ao contrário, tanto antecipadas quanto cautelares.

No vigente CPC essas diferenças[15] deixam de ter importância, uma vez que tutela cautelar e antecipada estão previstas como tutelas de urgência em contraposição à tutela da evidência, sendo que ambas (antecipada e cautelar) exigem o requisito do periculum in mora e também o fumus boni iuris, este na mesma densidade independentemente do tipo de tutela de urgência.

Não há mais que se averiguar se há mera possibilidade de existência do direito afirmado em juízo, quando se tratar de cautelar, ou a grande probabilidade de o direito ser procedente, no caso da tutela antecipada. A aparência do bom direito será analisada em cognição sumária e não exauriente, sendo totalmente despicienda a preocupação com os graus de intensidade com que ele se apresenta, para fins de distinção entre as formas de tutela.

Com o Código Fux, CPC vigente, restou ultrapassada tal diferenciação, pelo menos quanto às tutelas de urgência, e a teoria da gangorra aludida por Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, em sua dissertação de doutorado defendida perante a PUCSP, afirmava: “Para que fique bem entendido nosso raciocínio, faz-se analogia com uma gangorra. Numa das pontas, o fumus boni iuris; noutra, o periculum in mora. Quanto maior for o periculum, menos importância se dará ao fumus para a decisão acerca da concessão da tutela de urgência. É claro que precisa haver algum fumus, ou seja, algum grau de convencimento do juiz da possibilidade de, ao final, reconhecer o direito invocado. Ambos os requisitos devem estar presentes, mas são os dois variáveis ao sabor das particularidades do caso concreto. A conjugação desses dois fatores, caso a caso, é que convencerá o juiz a deferir, ou não, a tutela de urgência”.

Portanto, o julgador não deve restar preso a distinções referentes aos requisitos de fumus boni iuris ou periculum in mora para decidir pela concessão da tutela de urgência cautelar ou antecipada. Aliás, o artigo 300 do CPC vigente determina que os dois requisitos, quais sejam, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, devem estar presentes para a concessão de ambas as tutelas de urgência. Enfim, não há que se perquirir sobre a densidade do fumus boni iuris, nem sobre a variação da urgência.

Não é necessário nem mesmo para aferir que se trate de tutela de urgência ou de evidência. E, realmente, para os defensores da teoria da gangorra[16], entende-se que, se houver grave risco de perecimento do direito, seja com relação à fruição, seja quanto à execução, trata-se de tutela de urgência. Ao contrário, se não houver periculum in mora será caso de o julgador averiguar se estão presentes as hipóteses para a concessão da tutela de evidência.

Portanto, o CPC atual exige sempre a presença da probabilidade do direito, quando se tratar de tutelas de urgência, não há que se cogitar em concessão da medida de urgência sem dar a devida importância à presença do fumus boni iuris. Não cabe mais diferenciar as tutelas cautelares e antecipadas pelo fumus boni iuris, vez que o artigo 300 CPC/2015 exige a demonstração, em ambas as formas de tutelas de urgência, da probabilidade do direito. Portanto, o requerente da medida terá sempre que adimplir e cumprir tal requisito. Nota-se, enfim, que probabilidade é diferente de possibilidade.

Quando se diz que é provável a chance de o direito existir é bem maior que quando se diz que é possível.  No sistema do CPC de 1973, os juízes se contentavam com a mera possibilidade. Não bastam, assim, meras alegações sem qualquer comprovação. É preciso ter provas robustas do quanto alegado. Se o requerente da medida não tiver prova documental que demonstre a probabilidade de o direito existir, poderá requerer audiência de justificação para produzir provas orais.

A necessidade de diferenciar tutelas antecipadas das cautelares ainda remanesce no sistema do atual CPC, principalmente porque não foi adotado um regime único para ambas, sendo que somente no caso das tutelas antecipadas há a previsão da estabilização quando se tratar de concessão de forma antecedente, que reste irrecorrida pelo réu. Imagine-se, assim, que a parte tenha requerido tutela cautelar antecedente e o juiz entenda tratar-se de tutela antecipada, concedendo-a dessa forma.

O réu é citado e intimado e não recorre porque não vislumbra a estabilização, uma vez que consta que o pedido foi feito de forma cautelar pelo autor. Como não apresenta recurso, o juiz entende que a medida se estabilizou. Então, percebe-se que a diferenciação, entre ambas, ainda se revela essencial, principalmente quando se fala em estabilização.

As tutelas provisórias de urgência, antecipada e cautelar se distinguem pelo fato de que, na primeira, a finalidade é proteger o próprio direito proporcionando a fruição dele. Enquanto na tutela cautelar, a proteção se dá em face ao processo, não havendo a entrega do direito, mas apenas, a concessão de medidas tendentes a garantir o resultado útil do processo, ao final.

Em derradeiro viés, percebe-se que a tutela antecipada no ordenamento jurídico brasileiro se tornou mais simples e unificada[17] no CPC vigente, tendo em vista que da tutela provisória, parte-se para a de urgência, evidência, antecipada, cautelar e, assim por diante. As aplicações e inovações trazidas pelo Código Fux empreende maior celeridade e mais eficaz acesso à justiça.

 

Jurisprudência

Julgado do TJDFT

“2. A tutela de evidência, regulada pelo CPC/2015, no art. 311, dispensa a demonstração do risco dano irreparável ou de difícil reparação ou ao resultado útil do processo, desde que a situação se amolde a uma das hipóteses arroladas em seus quatro incisos.  3. A concessão da tutela de evidência com espeque no inc. II do art. 311 do CPC/2015 requer, para além da comprovação documental das alegações, a existência de tese firmada no julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante, o que não foi indicado pela parte agravante.  4. Quanto aos incisos I e IV do art. 311 do CPC/2015, a concessão da tutela de evidência não dispensa o exercício do contraditório pela parte ré, consoante se extrai, a contrario sensu, do parágrafo único do mesmo artigo, o que não se amolda à situação, já que o pedido veiculado pela agravante é initio litis.” Acórdão 1050011, unânime, Relator: CESAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 27/9/2017.

Recurso repetitivo

Tema Repetitivo 701/STJ – tese firmada: “É possível a decretação da “indisponibilidade de bens do promovido em Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa, quando ausente (ou não demonstrada) a prática de atos (ou a sua tentativa) que induzam a conclusão de risco de alienação, oneração ou dilapidação patrimonial de bens do acionado, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro.”

STJ

Posicionamento do Supremo Tribunal Federal – deferimento da tutela de evidência, sem necessidade do trânsito julgado

“1. O Pedido de Tutela Provisória de Evidência se abriga sob a égide do disposto no art. 311 do Código Fux (CPC/2015) e dispensa a comprovação do perigo de dano ou do risco do resultado útil do processo, exigindo-se, porém, que a tese discutida nos autos já tenha sido solucionada em sede de recurso repetitivo ou em súmula vinculante. (…). 3. Também se encontra consolidado no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a existência de precedente firmado sob o regime de repercussão geral pelo Plenário daquela Corte autoriza o imediato julgamento dos processos com o mesmo objeto, independentemente do trânsito em julgado do paradigma (RE 1.006.958 AgR-ED-ED, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe 18.9.2017; ARE 909.527/RS-AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 30.5.2016).” AgInt no Tut Prv no AREsp 300.743/SP.

 

STF

Improbidade administrativa – indisponibilidade de bens – presunção do periculum in mora e tutela de evidência

“2. Na tutela de evidência encontra-se presente a avaliação subjetiva do magistrado e é inexistente a manifestação conclusiva de deferimento do pleito.

Por óbvio, não se ignora a possibilidade de a decisão prolatada como tutela da evidência transitar em julgado, mas não é esse o caso dos autos.

O que se tem na espécie é a possibilidade da conversão da tutela provisória em tutela definitiva.” RE 944504 AgR.

 

São inúmeros os pleitos de tutela provisória fundada no art. 311, IV equivocadamente formulados sem que antes tenha se materializado o contraditório. Tais requerimentos açodados restaram afastados à exaustão2:

“Direito de vizinhança. Antes de decidir sobre pedido de concessão de tutela de evidência fundado no art. 311, IV, do CPC/2015, o juiz deve dar oportunidade de manifestação à parte contrária. Exegese dos art. 9º, caput, da lei processual. Recurso improvido. (…)

O MM. Juiz a quo não indeferiu o pedido de concessão de tutela de evidência formulado pela autora, mas apenas assinalou a necessidade de que, antes da decisão, seja dada oportunidade de manifestação à ré. (…)

A pretensão da agravante, porém, conforme sua narrativa e fundamento jurídico expressamente invocado, se baseia na previsão do art. 311, IV, do CPC/2015, que trata da concessão da tutela de evidência quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.

Nesse contexto, de fato revela-se imprescindível a providência determinada na origem, de dar à parte contrária oportunidade de manifestação antes de decidir sobre o deferimento ou não da liminar. (…)”

(TJSP, Agravo de Instrumento n. 2052376-02.2018.8.26.0000, Rel. Gomes Varjão, 34ª Câmara de Direito Privado, j. 28/3/2018, grifou-se)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação de obrigação de fazer c.c. perdas e danos – Pedido de concessão de tutela de evidência – Indeferimento – Necessidade da formação do contraditório, nos termos do inciso IV do artigo 311 do Código de Processo Civil – Deferimento da referida tutela que poderá ser reanalisada após a contestação – Decisão mantida – Recurso não provido. (…)

O agravante pleiteia o deferimento da tutela de evidência com base no inciso IV do artigo 311 do Código do Processo Civil (fls. 15).

Pois bem.

Ressalta-se que a tutela de evidência será concedida com fundamento no art. 311 do CPC, sendo que, nos termos do inciso IV, quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficientes dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável” (grifos nossos).

Assim, o referido dispositivo exige expressamente a necessidade da formação do contraditório, de modo que se deve aguardar a resposta do Banco agravado para que seja apreciada a pretensão do agravante. (..)”

(TJSP, Agravo de Instrumento n. 2045221-45.2018.8.26.0000, Rel. Irineu Fava, 17ª Câmara de Direito Privado, j. 9/5/2018, grifou-se)

Agravo de instrumento. Sociedade. Formalização da retirada do autor. Tutela de evidência. Previsão do artigo 311, IV, e parágrafo único, do CPC. Necessidade de se aguardar o contraditório. Razões atinentes a situação de urgência, agora deduzidas, se devem antes levar à origem, em pedido então de tutela provisória própria. Decisão mantida. Recurso desprovido. (…)

Como se colhe dos termos expressos da inicial, ademais o que se repete no agravo, o autor formulou pedido de tutela de evidência, fundado na previsão do artigo 311, IV, do CPC. Porém, como soa claro de seus termos e ainda do disposto no parágrafo único do mesmo artigo, o deferimento, nesta situação, está condicionado à prévia citação. Apenas nas hipóteses dos incisos II e III é que a tutela se pode deferir liminarmente. (…)”

(TJSP, Agravo de Instrumento n. 2109276-05.2018.8.26.0000, Rel. Claudio Godoy, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 18/6/2018, grifou-se)

Ocorre que nos termos do parágrafo único do art. 311 do CPC, só é possível a concessão de liminar nas hipóteses dos incisos II e III.

Por outro lado, não há dúvida quanto à possibilidade da dissolução parcial de sociedade anônima de capital fechado de natureza familiar, sendo farta a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça neste sentido (AgInt no REsp 1568664/RS, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22/08/2017, DJe 05/09/2017; REsp 1321263/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Moura Ribeiro, j. 06/12/2016, DJe 15/12/2016; REsp 917531/RS, 4ª Turma,

Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 17/11/2011, DJe 1/12/2012, dentre outros). (…)

Isso significa que enquanto permanecer na condição de acionista da empresa, o que não mais deseja e ao que as agravadas não se opõem, estará a agravante exposta ao risco de diminuição de seu patrimônio por conta dos prejuízos rateados entre os acionistas.

Assim sendo, o recurso é provido para que com fundamento no art. 300 caput do CPC seja concedida a tutela de urgência postulada pela agravante, com a sua imediata retirada do quadro de acionistas da agravada Gradual Holding Financeira S/A, expedindo-se ofício para a Junta Comercial do Estado de São Paulo JUCESP para que seja efetuado o registro na ficha cadastral da sociedade da retirada da agravante a partir da data da distribuição da ação. (…)”

(TJSP, Agravo de Instrumento nº 2110151-09.2017.8.26.0000, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Alexandre Marcondes, j. 29/9/2017, v.u., grifou-se).

Tutela antecipada antecedente somente se torna estável se não houver interposição de “recurso”. A mera contestação é apta a impedir a estabilização? Divergência entre a 1ª e 3ª Turmas do STJ.

Direito Processual Civil Tutela provisória Geral

Origem: STJ

O CPC/2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303. Uma das grandes novidades trazidas pelo novo CPC a respeito do tema é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada.

A primeira polêmica enfrentada no que tange à tutela provisória, refere-se à recorribilidade das decisões que concedem a tutela provisória em primeiro grau, e suas consequências na esfera recursal, inclusive quanto a (im)possibilidade de provocação junto ao STF ou STF, tendo em vista o contido no Enunciado 735, da Súmula da Jurisprudência Predominante do STF, editado antes da vigência do CPC/2015.

Como é sabido, para a concessão da tutela provisória de urgência é necessária a demonstração dos requisitos legais. De acordo com o caput do art. 300, do CPC/15, os positivos são: a) probabilidade do direito; b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Já o requisito negativo, especificamente para a tutela de urgência antecipada, está previsto no §3º, do art. 300, a saber: perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Outrossim, a tutela provisória de urgência pode ser concedida de forma liminar (inaudita altera parte), após justificação prévia (art. 300, §2º), ou em qualquer outra etapa durante o andamento processual. A rigor, inexiste preclusão em relação ao momento de concessão da tutela provisória incidental.

Uma coisa é certa: nos casos de deferimento (ou indeferimento) da tutela de urgência no curso do processo, o prejudicado deve interpor Agravo de Instrumento (art. 1015, I, do CPC/15). Ao analisar o recurso, o Relator adotará uma das seguintes providências, desde que estejam presentes os requisitos de admissibilidade recursal (art. 1019, do CPC/15), a saber: a) concessão de efeito suspensivo; b) antecipação da pretensão recursal; c) apreciação monocrática para negar provimento (art. 932, IV, do CPC/15) ou, após o contraditório, para dar provimento (art. 932, V, do CPC/15).

Outrossim, na primeira situação, após o acórdão que aprecia o Agravo de Instrumento, é possível a interposição de RESp ou RE? Ora, inexistindo mais o regime de retenção, ao contrário do sistema processual do CPC anterior, entendo que não há óbice legal para a interposição de recurso ao STJ e/ou STF, transferindo ao Tribunal Superior a análise dos fundamentos para a concessão ou não da tutela provisória, desde que atendidos os requisitos de admissibilidade específicos destes recursos, dentre os quais o prequestionamento, a violação à lei federal ou à CF/88, exaurimento de instância, repercussão geral, etc.

Contudo, não é este o entendimento previsto no Enunciado 735, da Súmula, da Jurisprudência Predominante do STF. A pergunta a ser respondida é: qual o motivo dessa vedação de apreciação do objeto discutido no Agravo de Instrumento?

Uma singela pesquisa nos sítios dos dois Tribunais Superiores é suficiente para encontrar vários precedentes, inclusive após a vigência do CPC/15, mantendo a vedação prevista no Enunciado em comento (STJ: AgInt nos EDcl no REsp 1742437 / RN – Relator Min. Antônio Carlos Ferreira – 4ª T – J. em 11/04/2019 – DJe de 15/04/2019;

AgRg na MC 24.533/TO, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª T, J.  em 09/10/2018, DJe 15/10/2018; AgInt no AREsp 1279000/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª T,

  1. em 14/08/2018, DJe 20/08/2018 / STF: ARE 1178719 AgR/SP -1ª T – Relator Min. Alexandre de Moraes – J. em 29/03/2019 – Dje 05-04-2019; RE 1135449 AgR / PB – Rel. Min. Alexandre de Moraes – J. em 26/10/2018 – 1ª T).

De outro prisma, a tutela provisória pode ser concedida de forma liminar, durante o andamento do processo, como capítulo da sentença ou mesmo em sede de recurso de apelação, sendo muitas destas situações não previstas na literalidade do contido no Enunciado 735, da Súmula da Jurisprudência Predominante do STF.

Em suma, o poder geral de tutela provisória recursal (art. 932, II, do CPC/15) também deve ser garantido aos Ministros Relatores, no STJ e STF, nas ações originárias e também nos recursos de sua competência.

 

 

 

 

Referências

 

BAPTISTA DA SILVA, Ovídio. Curso de direito processual civil. 3. ed. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris. v. 1. 2004.

______. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed., 2005.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada; tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização) 5ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009.

BUENO, Cassio Scarpinella; MEDEIROS NETO, Elias Marques; OLIVEIRA NETO, Olavo; DE OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino; LUCON, Paulo Henrique dos Santos (Coordenadores). Tutela Provisória no novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2016.

CALAMANDREI, Piero. Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari. In: CAPPELLETTI, Mauro (A cura di). Opere giuridiche. Napoli: Morano, 1983. v. 9.

CARMIGNANI, Maria Cristina da Silva. Origem Romana da Tutela Antecipada. São Paulo: LTr, 2001.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Regime jurídico das medidas urgentes. Revista Jurídica, v. 49, n. 286, p. 5-28, Porto Alegre, 2001.

______. Nova era do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2004.

DONIZETTI, Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil, 22ª edição. Grupo GEN, 2019.

DONOSO, Denis. Tutela provisória de ofício? Disponível em: http://www.justificando.com/2015/11/23/tutela-provisoria-de-oficio/  Acesso em 8.6.2021.

FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela da evidência. São Paulo: Saraiva, 1996.

GONDINHO, André Osório. Técnicas de Cognição e Efetividade do Processo. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista08/Revista08_99.pdf Acesso em 07.06.2021.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral Vol. 1. 17ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

GRECO, Leonardo. A tutela da urgência e a tutela da evidência no Código de Processo Civil de 2014/2015. Disponível em: http://www.epublicacoes. uerj.br/index.php/redp/article/view/14541. Acesso em: 07.06.2021

MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

MITIDIERO, Daniel. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Teresa Arruda Alvim et al (coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MOUTA, José Henrique. Polêmicas sobre a Tutela Provisória nos Recursos e a sua aplicabilidade prática. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/polemicas-sobre-a-tutela-provisoria-nos-recursos-e-sua-aplicabilidade-pratica  Acesso em 7.6.2021.

NERY JUNIOR, Nelson. Comentários ao Código de Processo Civil – novo CPC – Lei 13.105/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

RIBEIRO, Leonardo Ferres da. Tutela provisória: tutela de urgência e tutela da evidência. Do CPC/1973 ao CPC/2015. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

_____________________. Tutela provisória (evolução e teoria geral). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/166/edicao-1/tutela-provisoria-%28evolucao-e-teoria-geral%29 Acesso em 7.6.2021.

ROSA DA SILVA, Clarissa Vencato. Considerações sobre a tutela de evidência do novo Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/243754/consideracoes-sobre-a-tutela-de-evidencia-do-novo-codigo-de-processo-civil   Acesso em 7.6.2021.

SANTOS FERREIRA, William. Responsabilidade objetiva do autor e do réu nas cautelares e antecipadas: esboço da teoria da participação responsável. RePro (Revista de Direito Processual), n. 188, p. 9-51.

SCARPINELLA BUENO, Cassio. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.

SILVA RIBEIRO, Leonardo Ferres da. Tutela jurisdicional de urgência: regime jurídico único das tutelas cautelar e antecipada. Tese de doutoramento defendida perante a PUCSP em 2010.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. II. 38 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

TOMMAZEO, Ferruccio. I provvedimenti d’urgenza. Milão: Cedam, 1983.

WAMBIER, Teresa A.A.; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; DE MELLO, Rogerio Licastro Torres. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. 2.ed. em e-book baseada na 2. edição impressa. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, ed. Campinas: Bookseller, 2000.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. São Paulo: Saraiva, 1997.

­­­­­____________________. Antecipação da tutela. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

[1] A concessão de ofício da tutela provisória de evidência na sentença não viola os cânones sagrados do Direito Processual e, ao afastar o efeito suspensivo da apelação em demandas cuja possibilidade de reversão da decisão é remota, retira dos ombros do beneficiário o ônus do tempo no processo e confere efetividade à tutela jurisdicional. Um bom argumento balizaria aqueles que respondem positivamente (o juiz pode conceder tutela provisória de ofício). Lembremos que o CPC/2015 não reproduz o art. 2º do CPC/73, segundo o qual “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais.” De forma mais comedida, só exige requerimento para que tenha início o processo, mas não a concessão da tutela (art. 2º do CPC/2015). E tutela, aqui, pode

ser entendida em qualquer modalidade, inclusive a provisória.

[2] Enfim, a chamada “tutela da evidência” traduz a ideia de que a medida caberia sempre que, não sendo possível promover o julgamento antecipado, total ou parcial, da lide, haja a possibilidade de aferir a existência de elementos que não só evidenciem a probabilidade do direito, mas a sua existência. Contudo, como se verá nos capítulos seguintes, sob o título de “tutela da evidência” o legislador enumerou situações bastante heterogêneas, nem todas associadas propriamente à ideia de evidência do direito.

[3] Se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa: se refere ao direito da parte de perseguir o bem que foi objeto de contrato de depósito. A prova documental exigida pelo inciso III do art. 311 do CPC deve receber interpretada ampliativa, admitindo-se a demonstração da relação jurídica de direito material (depósito do bem) por qualquer prova documental e não apenas por contrato de depósito. Além disso, é preciso que esteja configurada a mora do réu, quer seja pelo advento do prazo contratual, nos casos de mora ex re, quer seja pela existência de notificação/interpelação, nos casos de mora ex persona. Em qualquer hipótese, contudo, caso o pedido de tutela da evidência seja formulado após a citação do réu, eventual ausência de notificação/interpelação fica suprida pelo ato citatório, pois segundo o art. 240 do CPC/2015, a citação “constitui em mora o devedor”.

[4] Mas a evidência não se confunde com a certeza. Se os fatos que constituem os fundamentos do pedido do autor puderem ser comprovados apenas por documentos, que foram juntados, e não restar nenhuma dúvida, nem houver provas que elidam esses documentos, o caso não será de tutela da evidência, e sim de julgamento antecipado, total ou parcial. A tutela da evidência pressupõe uma situação tal em que a probabilidade do direito do autor é elevada, pois ele comprovou o alegado por documentos, e o réu não trouxe dúvida razoável. Mas pressupõe, também, que, em tese, com o prosseguimento do processo, essa situação possa, ainda que com pouca probabilidade, ser revertida ou alterada, pois, do contrário, a decisão do juiz não deve ter natureza provisória, e sim definitiva. Em casos, por exemplo, em que o juiz esteja fortemente convencido da probabilidade do direito do autor, pois, na contestação o réu não opôs provas razoáveis, mas não esteja ainda em condições de proceder ao julgamento, porque ainda é preciso dar ao réu a oportunidade de outras provas na fase de instrução, ele poderá valer-se da medida.

[5]A expressão “tutela da evidência” corresponde a ideia de que a medida caberia sempre que, não sendo possível promover o julgamento antecipado, total ou parcial, da lide, haja a possibilidade de aferir a existência de elementos que não só evidenciem a probabilidade do direito, mas a sua existência.  O legislador enumerou situações bastante heterogêneas, nem todas associadas propriamente à ideia de evidência do direito. A tutela da evidência é sempre deferida em cognição sumária e em caráter provisório. Portanto, precisará ser sempre substituída pelo provimento definitivo. Nas quatro hipóteses previstas nos incisos do art. 311 do CPC, há a possibilidade de que ela venha a ser revogada. Na primeira, o abuso do direito de defesa ou o manifesto intuito protelatório do réu pode justificar a medida, mas não é suficiente para demonstrar que, ao final, o autor será o vencedor.

.

[6] Ratifique-se também que a concessão de qualquer tutela provisória leva em conta o binômio ‘probabilidade’ e ‘perigo de dano’ ao direito substancial. O risco ao resultado útil do processo, em última análise, constitui risco de dano ao direito substancial. Ninguém em sã consciência se preocupa com o processo em si. Não usufruirmos do processo, não comemos e não nos movemos com o processo. O objetivo a alcançar é a fruição de direitos substanciais. Nem mesmo os processualistas da nossa geração andam sonhando com processo. O tempo é de neoconcretismo.

[7] A partir de uma análise do atual Código de Processo Civil e de doutrinas a respeito, há a possibilidade de se adotar a fungibilidade na concessão da tutela provisória para a obtenção do resultado pretendido, podendo o juiz adotar meios diversos dos requeridos para alcançar tal objetivo. No presente estudo foi usada a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, por meio da análise de doutrina envolvendo tutela provisória e suas especificidades e da análise dos dispositivos legais do Código de Processo Civil que disciplinam acerca das tutelas provisórias, suas medidas e a aplicação da fungibilidade na concessão da tutela provisória de urgência e da tutela de evidência.

O artigo 297 do Código de Processo Civil dispõe que: “o juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.”  Deste modo, esse dispositivo legal confere ao juiz um poder geral para a concessão e concretização da tutela provisória necessária a efetividade do processo judicial.

A respeito desse poder geral, Marcus Vinicius Rios Gonçalves aponta dois sentidos de aplicação dessa previsão legal: O primeiro deles é o de dar ao juiz a possibilidade de conceder à medida que lhe parecer mais adequada para o caso concreto. E o segundo, o de permitir a ele determinar toda e qualquer providência necessária para que a medida por ele deferida se concretize, afastando-se, assim, eventuais obstáculos que possam dificultar ou impedir a sua efetivação. O juiz tem o poder de decidir pela tutela provisória mais adequada ao caso concreto, mesmo que seja diversa da solicitada, bem como o poder de ordenar o meio essencial para concretizar a tutela deferida para evitar empecilhos em sua consumação. Esse poder geral de cautela do órgão julgador já tinha previsão no art. 798 do Código de Processo Civil revogado ao prever que o julgador poderia dispor das medidas provisórias adequadas quando houver possibilidade de lesão grave e de difícil reparação ao direito de uma parte.

[8] Exemplo clássico de direito evidenciado pela prova e pela natureza do próprio direito discutido é o da possessória. A posse figura entre os direitos materiais que desfrutam de maior proteção jurídica, tanto que permite a legítima defesa ou o desforço imediato. Desde os romanos a proteção era distinguida. Estando a petição inicial devidamente instruída com provas que evidencie a posse, a turbação ou o esbulho, a data desses atos, além da continuação da posse ou a perda dela, dependendo do caso, o autor será manutenido ou reintegrado na posse, sem qualquer questionamento quanto à urgência para usufruir da coisa turbada ou esbulhada (art. 562). Se a ‘evidência’ não se encontrar documentada, deve-se proceder à justificação prévia. Outro exemplo encontra-se na ação de despejo com fundamento nos fatos tipificados no § 1º do art. 59 da Lei nº 8.245/1991. Também nesse exemplo a tutela da evidência tem por objetivo a proteção da posse, que em razão das situações previstas na lei tornou-se precária.

[9] O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é ilegal a prisão do depositário infiel prevista no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal (CF).  Ou seja, a partir de agora, a única prisão por dívida admitida pela Corte é a decorrente de inadimplência de pensão alimentícia. A pacificação desse entendimento pelo STF era dada como favas contadas no início deste ano, mas um pedido de vistas, do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, suspendeu o julgamento em março. Três processos foram apreciados em conjunto: o Habeas Corpus (HC) nº 87.585 e os Recursos Extraordinários (RE) nº 466.343 e 349.703. Esse último, arrastava-se há seis anos na Corte. O posicionamento do STF baseou-se na tese de que os tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados pelo Brasil como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que proíbe a prisão por dívida, salvo a de pensão alimentícia são “supralegais”, hierarquicamente superiores às normas infraconstitucionais (que não estão previstas na CF). A atribuição de força constitucional aos tratados, contudo, não foi aprovada pela maioria dos ministros. E essa foi a grande discussão no julgamento:  que status conferir aos tratados sobre direitos humanos ratificados antes das alterações trazidas pela Emenda Constitucional (EC) nº 45, de 2004 (o Pacto da Costa Rica é de 1969). Isso porque a EC acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 5º da CF e, desde então, os tratados sobre direitos humanos terão status constitucional desde que passem pelo processo de aprovação, no Congresso, das emendas constitucionais. Assim, a prisão do depositário infiel não foi considerada inconstitucional, pois sua previsão segue na Constituição (que é, segundo os ministros, superior aos tratados), mas, na prática, passou a ser ilegal. “Na prática, a decisão veio dizer que não existe mais prisão de depositário infiel no Brasil, pois as leis que operacionalizam esse tipo de medida coercitiva estão abaixo dos tratados internacionais de direitos humanos”, explica o advogado  Valério de Oliveira Mazzuoli, autor da obra Prisão Civil por Dívida e o Pacto de San José da Costa Rica (Editora Forense) In: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/depositario-infiel-nao-deve-mais-ser-preso-diz-stf-bba26ewjnkgkz5n2rgjjnh172/  Acesso em 7.5.2021.

[10] O parágrafo único do art. 305, ao invés de auxiliar um entendimento a respeito de fungibilidade entre a tutela cautelar e tutela antecipada, reforça a ideia de procedimentos distintos, ao dispor que caso o juiz entenda que o pedido em questão tem natureza antecipada e não cautelar, deverá observar o procedimento no disposto no art. 303. Trata-se, como se vê, de norma voltada à “correção” do procedimento que não auxilia um raciocínio de fungibilidade. Isso porque, utilizando as palavras de Cássio Scarpinella Bueno, a “fungibilidade” está mais para uma “indiferença” de técnicas processuais. Não é, com efeito, o que se lê nesse dispositivo legal. Mais correto, a nosso ver, é o entendimento de que, independentemente da técnica adotada (cautelar ou antecipatória), o que importa é tutelar a urgência. Somos, pois, pela plena fungibilidade de procedimentos, afirma Luiz Guilherme Marinoni.

[11] Na cognição sumária, busca-se um juízo de probabilidade, devendo o provimento a ser proferido afirmar, apenas e tão som ente, que é provável a existência do direito, ou seja, que há fortes indícios no sentido de sua existência, convergindo para tal conclusão a maioria dos fatores postos sob o exame do juiz. Tal provimento, obviamente, não poderá jamais ser tido por imutável e indiscutível, já que não é capaz de afirmar a existência do direito, sendo, portanto, incapaz de ser alcançado pela imutabilidade e indiscutibilidade decorrentes da autoridade de coisa julgada substancial. A tutela de cognição plena e exauriente permite a realização plena do princípio do contraditório, permite ao juiz, como já visto, que procure a verdade e a certeza, ao contrário da tutela de cognição sumária que possibilita produzidas, com vista a um juízo mais célere e menos comprometido. A tutela de cognição plena e exauriente é eficaz para a produção de coisa julgada material, diferentemente da tutela de cognição sumária que não possui este condão. A tutela sumária não produz coisa julgada material porque, na sentença, seja cautelar ou antecipatória, o juiz nada declara, limitando-se a de perigo ou de evidência, de modo que, ao julgar com base em cognição plena, seja através da denominada ação principal, seja através da sentença de mérito nos casos de antecipação de tutela, pode o juiz, aprofundada a que o direito, que supunha existir, não existe

[12] Segundo Luiz Guilherme Marinoni, a antecipação de tutela possui ‘executividade intrínseca’, ou seja, sua natureza não é condenatória, não sendo necessária a propositura de ação autônoma de execução. “A fase de atuação do provimento antecipatório sumário não se separa – ou se destaca – do processo de conhecimento; ela se insere no próprio processo de conhecimento”.

[13] O CPC previu a responsabilidade civil do autor pelos danos que causar em decorrência da efetivação da tutela provisória, cautelar ou antecipada, na forma do art. 302 do CPC. Não há previsão equivalente em relação à tutela da evidência. Mas mesmo ela pode ser revogada, ou perder a eficácia, em caso de improcedência do pedido. A possibilidade de isso ocorrer é muito menor do que em relação às tutelas de urgência, porque a evidência pressupõe maior probabilidade da existência do direito do que a exigida para o deferimento dessas.

[14] O melhor entendimento para “prova inequívoca” é aquele que afirma tratar-se de prova robusta, contundente, que dê, por si só, a maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato.

[15] Há uma grande semelhança entre o instituto da ação monitória trazida pelo CPC e a tutela da evidência. Verifica-se nelas a imprescindibilidade de apresentação documental que sustente o direito do autor, de modo a viabilizar o deferimento da antecipação de tutela. Contudo, essas duas categorias não devem ser confundidas, visto que, na ação monitória, a expedição de pagamento costuma adquirir a característica de título executivo, mesmo que não haja uma sentença de mérito; ademais, a liminar concedida por meio da tutela de evidência tem cunho provisório e não interrompe o curso da ação cognitiva, a pretensão satisfativa do autor só é completa por meio de um título judicial no fim de todo procedimento cognitivo, com a prolação da sentença reconhecendo o direito.

[16] “Teoria da Gangorra” serve para explicar a hipótese: Para que fique bem entendido nosso raciocínio, faz-se analogia com uma “gangorra”. Numa das pontas, o fumus boni iuris; noutra, o periculum in mora.

Quanto maior for o periculum, menos importância se dará ao fumus para a decisão sobre a concessão da tutela de urgência. É claro que precisa haver algum fumus, ou seja, algum grau de convencimento do juiz da possibilidade de, ao final, reconhecer o direito invocado. Ambos os requisitos devem estar

presentes, mas são os dois variáveis ao sabor das particularidades do caso concreto.

[17] Por sua vez, o Código de Processo Civil de 2015 dá um tratamento mais robusto à tutela da evidência. Consolida num único dispositivo legal (art. 311) quatro hipóteses, das quais duas delas (as dos incisos. II e IV) não estavam previstas no Código de Processo Civil de 1973.  Continuam existindo, é bom que se diga, outras hipóteses de tutela de evidência, além daquelas previstas no art. 311, v.g., a liminar possessória, mas é fato que tal dispositivo traz uma espécie de regra geral da tutela provisória de evidência e o faz de forma bem mais ampla do que o Código de Processo Civil de 1973. É certo que há situações em que o direito invocado pela parte se mostra com um grau de probabilidade tão elevado, que se torna evidente. Nessas hipóteses, não se conceber um tratamento diferenciado pode ser considerado com uma espécie de denegação de justiça, pois, certamente, haverá o sacrifício do autor diante do tempo do processo.

Gisele Leite,

Professora Universitária há mais de três décadas. Pedagoga. Mestre em Direito UFRJ. Mestre em Filosofia UFF. Doutorado em DIreito USP. Autora de 29 obras jurídicas. Diretora-Presidente da Seccional RJ da Associação Brasileira de Direito Educacional (ABRADE). Consultora IPAE Instituto de Pesquisas e Administração da Educação. Pesquisadora-Chefe do INPJ Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Articulistas dos principais sites e revistas jurídicas, como JURID, LEX, Portal Investidura, COAD, Bonijuris, Revista Prolegis,  etc. Ganhadora da Medalha Paulo Freire pela Câmara Municipal de Duque de        Caxias, Rio de Janeiro.

 

Acordo de não persecução penal no ordenamento jurídico.

0

Resumo

O objetivo deste artigo é esclarecer alguns pontos em relação ao acordo de não persecução penal (ANPP), era definido pela Resolução 181/17 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Com advento da lei 13.964/19 criou o art. 28-A do Código de Processo Penal, estabeleceu a previsão no ordenamento jurídico o acordo de não persecução penal.

 

 Introdução

O acordo de não persecução penal consiste em um negócio jurídico pré- processual entre o Ministério Público e o investigado, a fim de evitar o ajuizamento da denúncia.

 

Os requisitos para se propor o acordo de não persecução penal estão previstos no art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente.  O acordo de não persecução penal não impõe pena privativa de liberdade, apenas algumas condições a serem cumpridas.

 

Vale ressaltar que, o acordo de não persecução penal (ANPP) aplica-se a fatos ocorridos antes da Lei nº 13.964/2019, desde que não recebida a denúncia (HC 628.647, Rel. Min. Nefi Cordeiro, 6ª Turma, julgado em 09/03/2021).

 

 As condições impostas ao investigado 

 

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;

V – cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

 

 Formalização e homologação do acordo

 

Para tanto, o acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.  A vantagem de fazer o acordo de não persecução penal é que o indiciado segue sendo primário e não vai preso.

O indiciado não é obrigado aceitar e caso não aceite a proposta o processo segue o caminho normal com o oferecimento da denúncia feita pelo Promotor de Justiça.

 

No que diz respeito à homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade, aqui a lei não exige a presença do Ministério Público.

 

Se o indiciado cumprir todo o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.  Mas se o mesmo descumprir quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.

 

No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requer a remessa dos autos a órgão superior da instituição.  Em se tratando de recusa da homologação à proposta de acordo de não persecução penal, cabe Recurso em Sentido Estrito.

 

 Situações que impedem acordo de não persecução penal

 

I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;

II – se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;

III – ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo;

IV – nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

 

O acordo de não persecução penal apesar de ser uma inovação recente no âmbito jurídico tem sido um meio eficaz para a resolução de conflitos a justiça criminal. Pois traz consigo o princípio da obrigatoriedade, como uma justiça ágil, e segurança jurídica aos bens jurídicos protegido pelo estado.

 

Nesse contexto, o acordo de não persecução penal se assemelha à transação penal e à suspensão condicional do processo no aspecto negocial, à medida que o Ministério Público e acusado entram em um acordo. A vantagem de fazer o acordo de não persecução penal é que o indiciado segue sendo primário e não vai preso.

 

Por fim, através do acordo de não persecução, é possível promover uma resposta da sociedade de forma rápida, célere e eficiente e, com isso, a repressão da conduta, diminuindo os números de demandas, assim desafogando o poder judiciário e o sistema carcerário, não propondo a ação penal da qual levaria um tempo a mais para que pudesse ter uma resolução.

 

Referências

 

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 27/10/ 2021

 

BRASIL. Lei. Nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm Acesso em: 27/10/2021

 

MPSC. Ministério Público de Santa Catarina. Disponível em: https://www.mpsc.mp.br/noticias/acordo-de-nao-persecucao-penal-permite-a-solucao-de-caso-em-menos-de-um-mes-em-criciuma

Acesso em: 27/10/2021

 

Angélica GiorgiaLUCIANA MARIA DE FREITAS,
PÓS-GRADUADA EM DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL
COMPLEXO EDUCACIONAL DAMÁSIO DE JESUS.

 

Cidadania e Meio Ambiente, à luz da Constituição Federal: uma reflexão necessária

0

Sumário: 1. Introdução  2. O conceito de cidadania e sua evolução no Brasil   3.  Os direitos fundamentais e o exercício da cidadania.   3.1 Direitos Civis 3.2 Direitos Sociais 3.3 Direitos Políticos

  1. Introdução

A proteção do meio ambiente, quer natural, quer artificial, é de fundamental importância  à sobrevivência da humanidade, e tem recebido atenção especial  nas legislações mais modernas, na maioria dos países do mundo.

No Brasil essa preocupação não é diferente e, a partir da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente ganhou  notoriedade, ao ser guindado à condição de um direito assegurado na  própria carta magna.

Prevê a Constituição em seu artigo 225 que: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”.

Tal dispositivo constitucional atribui particularmente “à coletividade o direito de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Para o pleno exercício da proteção ambiental, o legislador  constituinte  criou um instrumento processual hábil para que os cidadãos brasileiros  possam  defender o meio ambiente de todas as  agressões que se repetem e se perpetuam em nosso país, deteriorando a fauna, a floresta, a água, o solo, o ar, dentre outros bens ambientais, inclusive  o meio ambiente artificial, essencial à vida humana,  notadamente nos grandes aglomerados urbanos.

Assim, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inc. LXXIII,  que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana, criou a ação popular ambiental, ao prescrever in verbis que:

“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”

A partir de então, se tornou indispensável repensar o conceito de cidadania,  já que, pela Constituição então vigente,  cidadão era apenas aquele que estava habilitado para o exercício do voto, na época, o maior de 18 anos e alfabetizado.

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988, apenas  essas pessoas, qualificadas como cidadãos,  é que detinham a legitimidade ativa para proposição de  Ação Popular, disciplinada pela Lei nº 4.717/65.

O conceito de  cidadania no novo texto constitucional (art. 1º, inc. III), ganhou  uma nova dimensão,  mais elástico, mais abrangente, aparentemente  sem barreiras, notadamente  por ter sido colocado ao lado da dignidade da pessoa humana, e como  fundamentos   validados pelo Poder Constituinte, a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no País.

O novo cidadão idealizado  pelo Constituinte é muito diferente do conceito de cidadão trazido na Constituição de 1967, e na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, promulgadas em pleno regime de exceção, onde  a tônica era o desrespeito aos mais comezinhos direitos civis e políticos.

Para o exame da legitimidade ativa, para a nova ação popular ambiental, e para a discussão do novo conceito de cidadão encampado pela Constituição vigente,  é importante um sumário retrospecto  do conceito de cidadania ao longo da História do Brasil, desde a Proclamação da Independência Política  do Brasil, até nossos dias,  notadamente, quanto  ao tratamento  que cada Constituição deu  para o desenvolvimento da cidadania, ora assegurando, ora negando,  o exercício dos diretos civis, direitos políticos e direitos sociais aos brasileiros.

É válido supor que  o texto constitucional de 1988 reproduziu o avanço da participação popular que,  por sua vez,  acabou redundando numa melhor organização da sociedade ou, pelo menos, criou as condições favoráveis para que tal organização possa ocorrer,  como resultado da maior  consciência da importância da participação política de cada brasileiro.

  1. O conceito de cidadania e sua evolução no Brasil

Para muita gente, ser cidadão confunde-se com o direito de votar. Esse conceito, entretanto, se mostra ultrapassado, pois apenas o ato de votar não é suficiente para garantir a cidadania. Segundo Maria de Lourdes Manzine Couvre, o direito de votar “(…) tem de vir acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural”1 .

Ser cidadão significa, em tese, ter direitos e deveres, e poder exercitá-los em sua plenitude.

A cidadania, nada mais é, do que o próprio direito à vida, com dignidade plena, e precisa ser construída, individual e coletivamente, através do atendimento de suas necessidades mínimas, básicas, essenciais, com a garantia de acesso aos chamados direitos fundamentais, tais como direitos civis, direitos políticos e direitos sociais.

Para Maria de Lourdes Manzine Covre:

“(…) ser cidadão significa ter direitos e deveres, ser súdito e ser soberano. Tal situação está descrita na Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, que tem suas primeiras matizes marcantes nas cartas de Direito dos Estados Unidos (1776) e na Revolução Francesa (1798). Sua proposta mais funda de cidadania é a de que todos os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habilitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem.”2

Esses direitos são analisados individualmente, para melhor compreensão da formação do conceito de cidadania, mas é importante destacar que todos estão interligados entre si, não existindo cidadania plena, e, conseqüentemente, não pode ser almejada a dignidade da pessoa humana, se esses direitos não interagirem entre si, pois parece impossível o exercício dos direitos civis e sociais, sem a garantia dos direitos políticos, em sua plenitude, para a consolidação de um Estado Democrático de Direito.

  1. Os direitos fundamentais e o exercício da cidadania

Historicamente, os direitos são classificados em direitos de primeira, de segunda e de terceira geração.

São considerados de primeira geração os direitos fundamentais, também chamados de liberdades públicas, direitos individuais ou direitos civis e políticos. Nesse rol estão incluídos o direito à igualdade, à intimidade, à honra, à vida, à propriedade, às liberdades de expressão, de imprensa, de associação e de participação política.

Os direitos de segunda geração vêm para complementar os individuais, pois estes, por si só, não são suficientes para a formação de uma cidadania ativa. Entre os direitos de segunda geração, estão os direitos sociais, econômicos e culturais, que buscam garantir condições sociais mínimas, razoáveis, para o homem poder exercer os direitos individuais, e que consistem na educação, no trabalho, na moradia, na segurança, na saúde, na seguridade social, no lazer, na assistência à infância, dentre outros.

Como direitos de terceira geração, estão os chamados direitos de solidariedade, que tiveram origem na Segunda Guerra Mundial, considerando-se para tal o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente equilibrado, ao patrimônio comum da humanidade, e cuja titularidade é sempre coletiva, ao contrário dos dois primeiros, que sempre são assegurados no plano individual.

O conceito amplo de cidadania compreende uma perfeita fruição entre todos os direitos fundamentais, pois somente com a convivência harmoniosa entre os direitos individuais, civis e políticos, os direitos sociais e os direitos de  os próprios Direitos–solidariedade, todos condensados num direito maior   é que se criarão as condições objetivas, para a formação do alicerce–Humanos  basilar que propiciará o alcance da dignidade da pessoa humana.

Para J. J. Gomes Canotilho os direitos fundamentais

“(…) cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).”3

Quanto ao surgimento dos direitos fundamentais, escreve José Afonso da Silva:

“Pelo que se vê, não há propriamente uma inspiração das declarações de direito. Houve reivindicações e lutas para conquistar os direitos nelas consubstanciadas. E quando as condições materiais da sociedade propiciaram, elas surgiram, conjugando-se, pois, condições objetivas e subjetivas para sua formação.”4

Os direitos fundamentais surgiram a partir de condições históricas objetivas, que possibilitaram o reconhecimento destes direitos.

Na visão de Vladimir Brega Filho:

“(…) os excessos do absolutismo e as aspirações da burguesia podem ser considerados fatos históricos importantes para o reconhecimento dos direitos individuais na época da Revolução Francesa. A revolução industrial e, em conseqüência, o surgimento da classe operária, são fatos históricos decisivos para o surgimento dos direitos sociais. Por fim, os horrores da Segunda Guerra Mundial têm importância fundamental para o surgimento dos direitos de solidariedade.”5

3.1. Direitos Civis

Estão ligados diretamente aos direitos individuais, e se constituem nas liberdades públicas, tais como: de liberdade religiosa, de locomoção, de opinião, de igualdade, de propriedade, dentre outros.

Essa modalidade de direitos teve, ao longo de nossa história varias expressões para identificá-los, sendo conhecidos como direitos humanos, direitos e garantias fundamentais, direitos e deveres individuais e coletivos, direitos e liberdades fundamentais, direitos e garantias individuais, direitos fundamentais da pessoa humana, preceito fundamental e direitos individuais, entre outras.

Os direitos civis ou individuais, que contribuem para a formação do conceito de cidadania, foram previstos ao longo de todas as Constituições Brasileiras, do Império até a última, de 1988, de plena vigência. É importante, no entanto, ser ressaltado que sempre existiu um vácuo entre o que está previsto na legislação constitucional e a efetividade desses direitos, pois, em alguns períodos da história, não passaram de meros direitos formais, porém sem nenhuma eficiência, notadamente em alguns períodos de fragilidade democrática.

3.2. Direitos Sociais

Os direitos sociais são essenciais no atendimento das necessidades humanas básicas, mínimas para sua sobrevivência com dignidade.

São os direitos relacionados ao sustento do próprio corpo humano, tais como direito à alimentação, à habitação, à saúde, à educação, à previdência social, ao trabalho, ao lazer, dentre outros, e que vêm expressos na Constituição Federal, artigo 6º.

Tais direitos, embora considerados essenciais, sempre deixaram a desejar ao longo da história do Brasil independente e, mesmo agora, na vigência da Constituição de 1988, quando foram elevados à condição de direitos constitucionais, observa-se um grande fosso entre o previsto na lei maior e o que é efetivamente assegurado às populações menos favorecidas.

3.3. Direitos Políticos

Os direitos políticos estão compreendidos entre os que dizem respeito à deliberação do homem sobre sua própria vida, ao direito de ter livre expressão de pensamento, participação e atividade política, entendendo-se esta, não somente a participação em partidos políticos, mas a livre associação em sindicatos, entidades de classe em geral, o engajamento nos movimentos sociais, comunitários, organizações religiosas, etc.

Estes direitos políticos, tais como os civis e sociais, sempre foram objeto de preocupação nos textos constitucionais, sendo que em alguns períodos de conturbação política, notadamente no da Constituição de 1937, no período da chamada “Era Vargas”, e ainda no período da Constituição de 1967, quando os Militares assumiram o poder, permanecendo nele por mais de 20 anos, restaram postos apenas no campo formal, já que a liberdade para a atividade política, na prática, não existia, em razão da supressão da liberdade de expressão e de organização, instaurada no Brasil pelos regimes ditatoriais que dominaram nas épocas supra referidas.

Como forma de compensação, pela falta de liberdade de expressão política, os regimes ditatoriais optaram por dar ênfase aos chamados direitos sociais, que foram, de maneira geral, atribuídos ao povo, como dádiva, como favor, como ato de generosidade, mas que se constituíram numa forma de controle da ação e reação da população menos favorecida.

Para se alcançar a formação da cidadania plena, verifica-se indispensável a efetividade dos três conjuntos de direitos, que compõem os direitos humanos dos cidadãos. Numa relação recíproca, e interagindo de forma harmônica, num Estado Democrático de Direito, o exercício desses direitos pode oferecer as condições mínimas e essenciais para se atingir o fundamento maior, resguardado na Carta Magna vigente: a dignidade da pessoa humana.

Notas

  1. O que é Cidadania, Coleção Primeiros Passos, p. 9
  2. Op. cit., p. 9.
  3. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 373.
  4. Direito constitucional positivo, p. 180.
  5. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988, pp. 21-22.

 

Angélica GiorgiaCLOVIS BRASIL PEREIRA

Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG–UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”. Exerce o magistério desde 1971 e a advocacia desde 1981.

 

As vantagens da guarda compartilhada

0

POR: CLOVIS BRASIL PEREIRA

 

Introdução 

É crescente no Brasil o número de separações e divórcios, e como conseqüência, dá-se o natural distanciamento entre  pais e filhos, já que na grande maioria dos casos, estes ficam sob a guarda e responsabilidade da mãe.

A rotineira fixação de visitas  pré-estabelecidas, em dias e condições pactuadas entre os separando, se mostra muitas vezes insuficiente para atender a expectativa dos filhos, notadamente quando na tenra idade.

Certamente, a grande maioria não consegue assimilar e entender a nova situação criada, pois de um dia para o outro, se vêm distanciados do convívio do pai, antes sempre ou quase sempre presente, e agora um mero visitante ocasional.

Parece difícil para os filhos menores, entenderem a nova situação criada, notadamente quando não existe um diálogo franco, aberto, sem subterfúgios, entre pais e filhos, afinal, a interrupção da convivência entre os pais, não significa que ambos, pai e mãe, deixem de amar e  de querer bem, seus filhos.

O reflexo da separação, na maioria das vezes, se faz sentir no cotidiano dos filhos, que passam a se sentir desamparados, abandonados, esquecidos, notadamente pelo pai, quando é este que deixa o lar. Tal insatisfação, acaba resultando em rebeldia, baixo rendimento escolar, dificuldade no relacionamento com outras crianças, descontrole emocional, dentre outras atitudes negativas, que acabam por afetar grande parte das crianças e adolescentes.

È certo pois, que o modelo convencional de guarda e visita estabelecido pelos pais, quando da separação ou divórcio, não atende muitas  vezes, de forma  satisfatória o interesse dos filhos menores, pois estes  são surpreendidos com a separação repentina, e não estão preparados para viver a nova situação que acabou de se criada, notadamente no início da separação, quando a mãe geralmente assume o encargo da guarda, com todas as suas conseqüências, também desgastada emocionalmente, e dentro de uma nova realidade econômica, via de regra,  difícil de ser superada.

Num primeiro momento, a mãe passa a ver a guarda como um  ônus, notadamente, porque em razão da nova situação e necessidades,   sente a imediata necessidade de tentar se inserir no mercado de trabalho, quando não trabalhava, ou ainda, de ascender à melhor posição, quando já trabalha, com o intuito de aumentar sua renda, para enfrentar as dificuldades que de pronto, começam a aparecer.

As vantagens da guarda compartilhada

Para superar tais dificuldades e obstáculos, temos em nosso ordenamento jurídico, a guarda compartilhada, como uma  forma de relacionamento entre pais e filhos, quando da separação dos pais, e que consiste na possibilidade dos filhos  serem assistidos, concomitantemente, por ambos os pais, e estes  têm autoridade efetiva para agir e para tomar as decisões necessárias e prontas, quanto ao bem estar dos seus filhos.

Várias são as vantagens, ao nosso ver,  protagonizadas pela guarda compartilhada, em prol do bem estar dos filhos, e do fortalecimento dos laços de afetividade e confiança entre eles, dentre as quais destacamos:  o maior envolvimento do pai no cuidado dos filhos;  maior contato dos filhos com os pais, estreitando o relacionamento íntimo entre ambos – pais e filhos –  aumentando, consequentemente,  o grau de confiança e cumplicidade entre eles; as mães ficam liberadas em parte da responsabilidade da guarda unitária, que vigora como um primado cultural em nossa sociedade, liberando-a para buscar e perseguir  outros objetivos, que não seja apenas o de cuidar dos filhos.

Para tanto, o compartilhamento da guarda, exige uma comunicação efetiva, ágil e respeitosa entre os genitores, além de uma disponibilidade maior para atender as necessidades dos filhos, não para simplesmente vigiá-los, mas para que sintam segurança, amparo, retaguarda, para um crescimento harmonioso, notadamente  no plano emocional e  psicológico.

A Guarda Compartilhada na legislação brasileira 

A legislação pátria  dá  a base legal para estimular a guarda compartilhada, com uma legislação moderna e avançada, que ainda contrasta com o arraigado preconceito machista, secularmente transmitido, de que o cuidado dos filhos, deve ser tarefa da mãe, cabendo ao pai, a responsabilidade de prover seus alimentos.

O  legislador, por outro lado,  vem introduzindo paulatinamente no ordenamento jurídico, vários normativos que por certo, acabarão por consolidar a guarda compartilhada, como um instrumento legal hábil para a melhoria da qualidade do relacionamento entre pais separados e seus filhos.

O marco decisivo para a implantação da guarda provisória,  encontramos na Constituição Federal de 1988, que trouxe em seu artigo 226, § 3º e 4º,  o reconhecimento da união  estável entre homem e mulher como entidade familiar; o § 5º, do mesmo artigo, trouxe grande contribuição, ao regulamentar que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. O artigo 229, da Carta Magna, atribui aos pais “o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”.

Posteriormente,  o Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA, Lei nº 8069/90, de forma objetiva, atribui em seu artigo 4º,  como dever da família, ao lado da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária.

Tal dispositivo contido no ECA, na verdade, deu efetividade ao artigo 227, da Constituição Federal, que consolida como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, todos os direitos fundamentais, dentre os quais, o direito à convivência familiar.

O ECA, no artigo 5º, proíbe em relação às crianças e adolescentes,  qualquer modalidade de discriminação, negligência, exploração e violência, determinando a punição dos responsáveis por qualquer atentado aos direitos fundamentais.  Nos artigos subseqüentes, trata das disposições que devem ser observadas e garantidos às crianças e adolescentes,  para a garantia dos direitos fundamentais assegurados no artigo 4º, já referido.

Posteriormente, o Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406/2002, estabeleceu o Poder Familiar, em substituição ao  Pátrio Poder, adaptando a legislação infraconstitucional, aos princípios constitucionais da Carta de 1988, disciplinando o exercício do poder familiar pelo pai e pela mãe, sempre atento ao interesse do menor, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo que a disciplina do exercício do poder familiar se encontra inserta no  artigo 1634 do Estatuto  Civil.

A guarda compartilhada como um ato de amor 

Temos assim, todo o embasamento jurídico e legal para assegurar a guarda compartilhada como um direito/dever dos pais, com o objetivo de proporcionar aos seus filhos, uma assistência mais efetiva, notadamente  no campo emocional, afetivo e  educacional.  Basta que se vençam as barreiras culturais decorrentes do preconceito enraizado em nossa sociedade, de que a missão de cuidar dos filhos de pais separados, é primordialmente da mãe.

Por certo, ao longo do tempo, com o estímulo do legislador e com sustentação na jurisprudência de alguns Tribunais, estes mediante uma interpretação mais qualificada da legislação constitucional e infraconstitucional, o instituto da guarda compartilhada acabará vencendo os obstáculos decorrentes do preconceito e da formação cultural de nossa sociedade, e poderá se tornar uma opção de uso comum pelos  separandos, pois entendemos, que mais do que uma guarda meramente legal,  é um instituto que se impõe  como um verdadeiro ato de amor.

REFERÊNCIA BIOGRÁFICA

CLOVIS BRASIL PEREIRA:  Advogado, com escritório na cidade de Guarulhos (SP); Especialista em Processo Civil; Licenciado em Estudos Sociais, História e Geografia. É Mestre em Direito,  Professor Universitário;  ministra cursos na ESA- Escola Superior da Advocacia, no Estado de São Paulo,  Cursos Práticos de Atualização Profissional e  Palestras sobre temas atuais; é membro da Comissão do Advogado-Professor da OAB-SP; membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-Guarulhos; é colaborador com artigos publicados nos vários sites e revistas jurídicas. É coordenador e editor dos sites jurídicos www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br.

 

Angélica GiorgiaCLOVIS BRASIL PEREIRA

Advogado; Mestre em Direito; Especialista em Processo Civil; Professor Universitário; Coordenador Pedagógico da Pós-Graduação em Direito Processual Civil da FIG–UNIMESP; Editor responsável do site jurídico www.prolegis.com.br e www.revistaprolegis.com.br; autor de diversos artigos jurídicos e do livro “O Cotidiano e o Direito”. Exerce o magistério desde 1971 e a advocacia desde 1981.

Dívida de internação por Covid-19 não será assumida pela Fazenda Pública, decide TJ

0

A 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Olavo Sá Pereira da Silva, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Osasco, que negou pedido para que a Fazenda Pública estadual assumisse dívida de internação de paciente com Covid-19 em hospital particular por falta de leitos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). Também foi mantida a improcedência do pedido de declaração de inexigibilidade de débito decorrente do contrato firmado pela autora com o hospital réu.  Consta nos autos que a autora da ação levou sua mãe a hospital particular para atendimento de Covid-19. Ao final da consulta, percebeu-se um agravamento do quadro de saúde e a necessidade de internação. Devido à falta de vagas no sistema público de saúde naquele momento, a autora celebrou contrato de assistência médica e sua genitora seguiu com tratamento por 12 dias, quando foi disponibilizada vaga no SUS e efetuada a transferência. Do atendimento no hospital particular, foi cobrado o valor de R$ 230.393,34, que a autora pretende que seja pago pela Fazenda do Estado.  De acordo com o relator da apelação, desembargador Décio Notarangeli, na verificação de possível negligência na disponibilização de leito para a internação deve ser considerado o contexto da pandemia. “A escassez de leitos diante da demanda decorrente do elevadíssimo número de casos diários de Covid-19 registrado nos picos de contaminação no país é fato público e notório, inexistindo indícios de que o Estado de São Paulo tenha falhado na condução da crise sanitária e possa ser responsabilizado pela falta de leitos nos momentos mais graves da pandemia”, apontou o relator. “Em suma, da imprevisibilidade e inevitabilidade da pandemia advém a inexigibilidade de conduta diversa que rompe o nexo causal entre a omissão apontada pela parte e o dano por ela experimentado, o que exclui o dever de indenizar acarretando a improcedência dos pedidos.”  Quanto à declaração de inexigibilidade de débito, o magistrado também não acolheu o pedido. “Não sendo questionada a necessidade dos serviços prestados, ou demonstrado que o preço cobrado está acima da média daqueles que são usualmente praticados no mercado, o sacrifício patrimonial extremo por si só não basta para caracterização do estado de perigo. Mesmo em se tratando de emergência médica, situação crítica, súbita e imprevista, com risco de vida para a paciente, não está configurado vício de consentimento para invalidação do contrato conscientemente celebrado pela apelante, em especial pela ausência de demonstração de prática abusiva pelo hospital apelado”, concluiu.  Completaram o julgamento os desembargadores Oswaldo Luiz Plau e Moreira de Carvalho. A decisão foi unânime.   Apelação nº 1012046-55.2020.8.26.0405

FONTE:  TJSP, 31 de outubro de 2021.

 

Pesquisa Pronta destaca reconhecimento da usucapião extraordinária

0

​A página da Pesquisa Pronta disponibilizou sete entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Produzida pela Secretaria de Jurisprudência, a nova edição aborda, entre outros assuntos,  a usucapião.

O serviço possui o objetivo de divulgar os entendimentos jurídicos do STJ por meio da consulta, em tempo real, sobre determinados temas. A organização dos assuntos é feita de acordo com o ramo do direito ou por meio de categorias predefinidas (assuntos recentes, casos notórios e teses de recursos repetitivos).

Direito processual civil – Recursos e outros meios de impugnação

Recurso especial de decisões no âmbito de suspensão de segurança: cabimento? 

“É pacífico nesta Corte o entendimento segundo o qual ‘não é cabível recurso especial de decisões no âmbito do pedido de suspensão de segurança, pois o apelo nobre visa combater fundamentos que digam respeito ao exame de legalidade, ‘ao passo que o pedido de suspensão ostenta juízo político’ (AgRg na MC 20.508/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10/4/2013)’ (AgInt nos EDcl no REsp 1.625.577/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 10/10/2018).” 

AgInt no REsp 1.575.176/PR, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 11/11/2019, DJe 18/11/2019.

Direito administrativo – Servidor público

Auxiliar local. Prestação de serviço ao Brasil no exterior. Enquadramento no regime jurídico único dos servidores públicos civis da união: possibilidade? 

“O acórdão rescindendo encontra-se em consonância com a orientação jurisprudencial desta Corte de que os auxiliares locais que prestam serviços para o Brasil no exterior, e desde que admitidos anteriormente a 11 de dezembro de 1990, possuem direito à submissão ao Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União por força do disposto no art. 243 da Lei n. 8.112/1990.” 

AR 3.507/DF, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, julgado em 27/02/2019, DJe 12/03/2019.

Direito ambiental – Crime ambiental

Infração ambiental. Apreensão de veículo utilizado na prática da infração. Comprovação do uso específico ou exclusivo do veículo na atividade ilícita: necessidade? 

“Com efeito, a apreensão definitiva do veículo impede a sua reutilização na prática de infração ambiental – além de desestimular a participação de outros agentes nessa mesma prática, caso cientificados dos inerentes e relevantes riscos dessa atividade, em especial os de ordem patrimonial –, dando maior eficácia à legislação que dispõe as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. […] Assim, é de ser fixada a seguinte tese: ‘A apreensão do instrumento utilizado na infração ambiental, fundada na atual redação do § 4º do art. 25 da Lei 9.605/1998, independe do uso específico, exclusivo ou habitual para a empreitada infracional’.” 

REsp 1.814.945/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 10/02/2021, DJe 24/02/2021.

Direito processual civil – Recursos e outros meios de impugnação

Conflito de competência. Intervenção de eventuais interessados: possibilidade? 

“Conforme jurisprudência desta Corte, o conflito de competência tem natureza de incidente processual, não recursal, destinado à solução de divergência sobre o órgão competente para o exercício da atividade jurisdicional. Por isso, não há litígio nem direito subjetivo a ser tutelado que justifique a intervenção de eventuais interessados, inexistindo previsão legal de intimação dos interessados para manifestação.”

AgRg no CC 175.871/GO, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 10/02/2021, DJe 12/02/2021.

Direito processual civil – Justiça gratuita

Pedido de assistência judiciária gratuita. Ausência de manifestação do judiciário: deferimento tácito? 

“O STJ já proclamou que é insuficiente a alegação de que a justiça gratuita foi deferida expressa ou tacitamente nos autos principais ou apensados, devendo a parte trazer certidão comprobatória do Tribunal estadual desse deferimento […].” 

AgInt no REsp 1.920.419/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 16/08/2021, DJe 16/09/2021.

Direito civil – Usucapião

Usucapião extraordinária. Área inferior ao módulo estabelecido em lei municipal: possibilidade? 

“O reconhecimento da usucapião extraordinária, mediante o preenchimento dos requisitos específicos, não pode ser obstado em razão de a área usucapienda ser inferior ao módulo estabelecido em lei municipal.” 

REsp 1.667.842/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 03/12/2020, DJe 05/04/2021.

Direito processual civil – Embargos de divergência

Embargos de divergência. Terceira tese. Aplicação: possibilidade? 

“‘Conhecidos os embargos de divergência, a decisão a ser adotada não se restringe às teses suscitadas nos arestos em confronto – recorrido e paradigma –, sendo possível aplicar-se uma terceira tese, pois cabe a Seção ou Corte aplicar o direito à espécie.’ (EREsp 513.608/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 27/11/2008).” 

EAREsp 600.663/RS. Rel. p/ Acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021.

FONTE:  STJ, 28 de outubro de 2021.